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POR UMA NORMA DE REFERÊNCIA PLURAL NO ENSINO: LIMITES E POSSIBILIDADES DE PADRONIZAÇÃO PARA OS GÊNEROS TEXTUAIS DA ESCRITA BRASILEIRA

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POR UMA NORMA DE REFERÊNCIA PLURAL NO ENSINO: LIMITES E POSSIBILIDADES DE PADRONIZAÇÃO PARA OS GÊNEROS TEXTUAIS DA

ESCRITA BRASILEIRA

Silvia Rodrigues VIEIRA1

Resumo

Partindo de orientações para manuais normativos oferecidas em Faraco (2015) e no mapeamento de fenômenos variáveis em gêneros textuais desenvolvidos no continuum fala-escrita por Vieira e Lima (2019), o texto parte do pressuposto de que (i) a concepção de norma de referência para o contexto pedagógico seja plural; e (ii) as orientações escolares possam valer-se de usos cultos ou populares, a depender da avaliação que as condições de produção de cada gênero e/ou situação socio-discursiva possibilitem. Desse modo, entende-se que a formulação de uma norma de referência deva ser sensível não só à frequência de usos, mas também ao problema da avaliação laboviano, de forma a acarretar naturalmente o respeito às opções estilísticas a serem definidas, de forma autônoma, pelo próprio usuário da língua. O artigo apresenta, portanto, um conjunto de reflexões fundamentais ao estabelecimento de uma norma de referência que seja produtiva no contexto da Educação Básica.

Palavras-chave: norma-padrão; norma culta; variação morfossintática; fala-escrita; ensino.

Introdução

Tentando articular a complexidade da variação linguística e a concepção de norma-padrão, este texto objetiva tão-somente divulgar o debate relevante acerca do perfil das orientações normativas no contexto pedagógico, desenvolvido no âmbito do GT de Sociolinguística da ANPOLL, que comemora, junto com a Associação, 35 anos de existência. Para tanto, reúne reflexões que têm ocupado os pesquisadores do eixo de trabalho, interno ao GT, chamado Sociolinguística e ensino, sobretudo no que se refere à seguinte questão geral: que norma(s) ensinar tendo em vista o mapeamento de fenômenos variáveis na pluralidade de gêneros textuais que são objeto do ensino de Língua Portuguesa?

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Partindo de orientações para manuais normativos oferecidas em Faraco (2015) e no mapeamento de fenômenos variáveis em gêneros textuais desenvolvidos no continuum fala-escrita (Vieira; Freire, 2014; Vieira; Lima, 2019), a pesquisa parte do pressuposto de que (i) a concepção de norma de referência para o contexto pedagógico seja plural; e (ii) as orientações escolares possam valer-se de usos cultos ou populares, a depender da avaliação que as condições de produção de cada gênero e/ou situação socio-discursiva possibilitem. Desse modo, entende-se que a formulação de norma de referência deva ser sensível não só à frequência de usos e ao problema das restrições, mas também ao problema da avaliação laboviano, de forma a acarretar naturalmente o respeito às opções estilísticas a serem definidas, de forma autônoma, pelo usuário da língua.

Com base no debate proposto, ficam evidentes os desafios a serem perseguidos na agenda dos trabalhos da chamada Sociolinguística Educacional (Bortoni-Ricardo, 2005) ou Pedagogia da Variação Linguística (Faraco, 2008) – área central do Eixo Sociolinguística e ensino, do GT de Sociolinguística da ANPOLL – no que se refere ao estabelecimento de uma norma de referência para o contexto escolar.

Norma e ensino: pressupostos elementares

Frente à polissemia do termo norma e os múltiplos sentidos que se tem atribuído a diversas lexias complexas com esse termo em produções da área de Letras e Linguística, este artigo elege a oposição bastante divulgada entre norma-padrão e norma culta, e assume como pressuposto elementar que a primeira deva refletir, em alguma medida, a última.

Vincula-se, assim, à expressão norma-padrão o sentido básico de uma construção abstrata típica de uma norma de referência – como tem chamado mais recentemente o Professor Carlos Faraco (2020b) –, de modo a servir a diversos processos de uniformização e padronização em contextos sócio-históricos igualmente variados. Trata-se, portanto, de um conjunto de recomendações ou orientações de ordem prescritiva, que elegem o que seria, em alguma medida, tomado como correto/incorreto, elegante/deselegante, bonito/feio, ou, ainda, adequado ou não no contexto em que se produz determinado enunciado. Por norma culta, concebe-se elementarmente o conjunto de usos linguísticos praticados por um grupo de falantes altamente escolarizados, o que supostamente reuniria estruturas preferidas por indivíduos de sociedades urbanas e com largo acesso à chamada cultura de letramento. Trata-se, portanto, de um conjunto de variantes compartilhadas por uma comunidade de fala, configurando o que se pode chamar de variedade(s).

No contexto pedagógico nacional, Faraco (2008, 2015, 2020a, 2020b) tem sido um expoente na luta em propor a necessária e desejável relação entre norma-padrão e norma

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culta, sobretudo considerando as diretrizes pedagógicas que afetam o ensino de Língua Portuguesa na Educação Básica. Nesse sentido, propõe, como princípios para orientações prescritivas, que manuais normativos devem: (i) refletir a norma efetivamente praticada; (ii) reconhecer que não existe a “norma culta”, mas variedades cultas (consoante modalidade, situação, gênero textual, grau de planificação e monitoração); e (iii) reconhecer as divergências e até contradições entre postulados normativos propostos nas próprias gramáticas e em dicionários tradicionais (Cf. Faraco, 2015, p. 29-30).

Entende-se, assim, que perseguir, em termos científicos, a desejável relação teórica entre norma-padrão e norma culta implica desenvolver consistente análise empírica de dados produzidos por indivíduos escolarizados, e, por fim, avaliar os limites e as possibilidades dessa relação. Na próxima seção, apresenta-se uma experiência preliminar que ilustra esse tipo de reflexão.

Mapeamento da variação na norma culta: o continuum de gêneros textuais

Com base em análises desenvolvidas por uma equipe de pós-graduandos em disciplina do Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da UFRJ no ano de 2017 (Cf. Vieira; Lima, 2019), foi realizado, inicialmente, um mapeamento da variação na chamada norma culta a partir de dados relativos a alguns fenômenos morfossintáticos (expressões de futuro, alternância ter versus haver existencial, preenchimento do acusativo e do dativo anafóricos, ordem dos clíticos pronominais, dentre outros) em uma diversidade de gêneros textuais, com concepções diversas de fala/escrita (Cf. Marcuschi, 2008), contemplando-se sobretudo os domínios jornalístico e acadêmico.

Apesar dos limites da experiência exibida em Vieira e Lima (2019), tendo em vista se tratar de uma descrição preliminar de uma amostra ainda em elaboração, o mapeamento da variação interna à chamada norma culta permitiu propor as seguintes observações iniciais:

1. Os resultados oferecem evidências claras de que “não existe a “norma culta”, mas “variedades cultas” (consoante gêneros textuais dos domínios jornalístico e acadêmico). Esse mapeamento pressupõe variadas expressões quanto à modalidade discursiva (fala-escrita) e à monitoração estilística, o que demonstra que o exercício de padronização linguística nos moldes propostos por Faraco (2015) passa necessariamente pelo terreno da heterogeneidade ordenada;

2. Observa-se o maior/menor atendimento ao que se idealiza como norma-padrão em função das condições próprias de cada gênero (relativas à interlocução e objetivos sócio-comunicativos), revelando diferentes espaços/porções de um suposto continuum

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compósito de oralidade-letramento e monitoração estilística. A título de configuração desses espaços, Vieira (2019a, 2019b) sistematiza os resultados preliminarmente observados, com base no comportamento de apenas alguns fenômenos variáveis, por meio da seguinte representação:

+ ORAL - MONITORADO - ORAL + MONITORADO Entrevistas sociolinguísticas Anúncios Tirinhas Entrevistas impressas Cartas de leitor Notícias Crônicas Teses/dissertações Artigos científicos Editoriais

Figura 1 – Continuum de gêneros textuais segundo Vieira (2019): fala-escrita e monitoração

estilística2.

3. Os resultados obtidos demonstram que, se “os instrumentos normativos devem refletir a norma efetivamente praticada” (Faraco, 2015) e se o texto jornalístico/acadêmico constitui instância da chamada norma culta, a frequência de uso constitui, de um lado, medida importante para o estabelecimento da norma-padrão;

4. De outro lado, se o que é mais produtivo corresponde ao que deve ter sido idealizado como prestigioso, os resultados suscitam algumas questões para o campo da padronização: como interpretar o que não é produtivo, mas também é usado sem causar, aparentemente, uma leitura de desprestígio? Variação estilística? E o que não é encontrado nos textos analisados? Trata-se obrigatoriamente de usos populares e, por conseguinte, não padrão?;

5. Fica claro, então, que, além da frequência de uso, o estabelecimento de uma norma-padrão constitui objeto do chamado problema da avaliação laboviano. Nesse sentido, é fundamental indagar qual deve ser o peso do binômio uso-avaliação no estabelecimento de uma norma de referência.

6. Os resultados permitem avaliar, também, em que medida os textos jornalísticos ou acadêmicos (em termos de opção preferencial) revelam um padrão compatível com a influência da norma gramatical, aquela que, segundo Faraco (2008), é formulada, sobretudo, em gramáticas tradicionais. Observando o comportamento dos fenômenos morfossintáticos nesses textos é possível verificar que não há correspondência absoluta entre a suposta norma-padrão que inspira os resultados obtidos e a referida norma gramatical;

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7. Por fim, embora o comportamento dos dados ora em debate retrate, em todos os espaços do continuum descrito, expressões de variedades cultas que foram supostamente tomadas como padrão subjetivo, não se podem determinar, nos limites dos resultados encontrados, os usos que seriam efetivamente não padrão. Embora se conceba, por pressuposição teórica e com validação empírica, uma norma-padrão plural, não se tem clareza dos limites referentes à amplitude no espectro da variação estilística. Quais os limites desse espectro? Onde termina a variação estilística interna às variedades cultas e começa o registro de variantes populares, tomadas como não cultas, portanto?

O conjunto de reflexões ora apresentado demonstra que a descrição dos fenômenos morfossintáticos no continuum de gêneros textuais constitui importante procedimento para a proposição de orientações normativas aplicadas ao contexto pedagógico. Por meio dessa descrição é possível avaliar a complexidade da relação norma-padrão e norma culta, e, assim, propor caminhos para que se avance no debate relacionado à proposição de uma norma de referência no contexto brasileiro.

Considerações finais

Faraco (2020b), em fala recente sobre a necessidade de “uma norma-padrão brasileira no século XXI”, reafirma a defesa de uma padronização que não desmereça a complexidade e a exuberância da variação linguística no Português Brasileiro, assegurando que “o horizonte que estamos a desbravar é o da flexibilidade e o da cultura da adequação” e que “uma norma de referência não tem como fugir da heterogeneidade, da variação e, portanto, da flexibilidade”.

A respeito da experiência proposta por Vieira; Lima (2019), o autor oferece o seguinte depoimento:

Trata-se de uma proposta que nos dá balizas bem concretas e fundamentadas para desencadearmos um debate − primeiro entre nós e, depois, entre nós e a sociedade. Além disso, a proposta nos dá parâmetros para a construção de um guia normativo que acolha e legitime o português brasileiro culto com base não numa perspectiva de padronização estrita, homogênea e uniforme, mas na perspectiva de um padrão flexível que abranja os usos variáveis relacionados aos diferentes gêneros textuais da fala e da escrita (Faraco, 2020a, p. 10).

É nesse sentido que se objetiva prosseguir no mapeamento da escrita culta em suas diversas expressões, a fim de que seja possível formular orientações normativas cientificamente fundamentadas. Para tanto, reafirmam-se os desafios sugeridos por Vieira

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(2018, 2019, 2020) como necessários para tal formulação: (i) observar o estágio da mudança que envolve o fenômeno em questão (a variante é improdutiva por ser supostamente antiga/arcaica?); (ii) estabelecer a natureza de cada variante quanto à avaliação social – se indicador, marcador ou estereótipo (Labov, 1972); e (iii) identificar o perfil de cada variante em função dos continua (Cf. Bortoni-Ricardo, 2005) referentes a variação espacial e social (como, por exemplo, o relativo à urbanização/ruralidade), modalidade (fala-escrita/oralidade-letramento) e, ainda, monitoração estilística.

As experiências em curso e as reflexões apresentadas no presente texto demonstram que é necessário prosseguir no mapeamento dos usos cultos em diversos gêneros textuais no continuum fala-escrita, de modo não só a alcançar adequação descritiva e explicativa nos estudos sociolinguísticos brasileiros, mas também a fornecer subsídios empiricamente fundamentados para a formulação de orientações de norma-padrão no contexto escolar e profissional. Embora não se conte inequivocamente com os procedimentos para o empreendimento proposto em toda a sua extensão, entende-se que o caminho que vem sendo percorrido se mostra absolutamente necessário e promissor.

REFERÊNCIAS

BORTONI-RICARDO, S. M. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolingüística e

Educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

FARACO, C. A. Norma culta brasileira – desatando alguns nós. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

_____. Norma culta brasileira: construção e ensino. In: ZILLES; A. M. S.; FARACO, C. A. (Org.). Pedagogia da variação linguística: língua, diversidade e ensino. São Paulo: Parábola, 2015, p. 19-30.

_____. Por que precisamos de (novas) gramáticas normativas? Página do grupo de pesquisa “HGEL – Historiografia, Gramática e Ensino de Línguas (UFPB/CNPq). Postado em 13/05/2020. Disponível em: <https://www.facebook.com/HGEL-Historiografia-Gram %C3%A1tica-e-Ensino-de-L%C3%ADnguas-103863294664882>. 2020a. Acesso em: 25 mar. 2021.

_____. Por uma norma-padrão brasileira no século XXI. Conferência disponível no Canal You tube Normali – Núcleo de estudos da norma linguística. 2020b. Acesso em: 19 nov. 2020.

LABOV, W. Sociolinguistic patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, l972. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

VIEIRA, S. R. A unidade e a diversidade no ensino de Língua Portuguesa. Tabuleiro das

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_____. Para uma norma-padrão flexível no contexto escolar. In: MACHADO-VIEIRA, M. dos S.; WIEDEMER, M. L. (Org.). Dimensões e pesquisas sociolinguísticas. São Paulo: Blucher, 2019a, p. 243-264.

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Variação, gêneros textuais e ensino de Português: da norma culta à norma-padrão. Rio de

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VIEIRA, S. R.; FREIRE, G. Variação morfossintática e ensino de Português. In: MARTINS, M.; VIEIRA, S.R; TAVARES, A. (Org.). Ensino de Português e Sociolingüística. São Paulo: Contexto, 2014, p. 81-114.

VIEIRA, S. R.; LIMA, M. D. A. de O. (Org.). Variação, gêneros textuais e ensino de

Referências

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