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ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS RENDA RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO INCUMPRIMENTO DO CONTRATO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM USO PARA FIM DIVERSO

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 278/2001.P1.S1 Relator: FONSECA RAMOS Sessão: 29 Março 2012 Número: SJ

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA

Decisão: CONCEDIDA A REVISTA

CONTRATO DE ARRENDAMENTO

ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS RENDA LOCAL DE PAGAMENTO MODO DE PAGAMENTO

DEPÓSITO DA RENDA ALTERAÇÃO DO CONTRATO

ACEITAÇÃO TÁCITA COMPORTAMENTO CONCLUDENTE

RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO INCUMPRIMENTO DO CONTRATO BOA FÉ ABUSO DO DIREITO

VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM USO PARA FIM DIVERSO JOGO INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL

INTERPRETAÇÃO DA VONTADE VONTADE DOS CONTRAENTES OBRAS FIM CONTRATUAL

Sumário

I - Celebrado entre a autora e os réus um contrato de arrendamento não habitacional, no qual foi acordado que a renda seria paga em casa do senhorio, tendo os réus depositado as rendas e a autora procedido ao

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impedida de pedir a resolução do contrato por violação do acordado quanto ao modo e lugar de pagamento.

II - Tendo-se provado que a autora nunca se recusou a receber as rendas, ou seja, que não há mora creditoris, mas que os réus depositaram as rendas em contas abertas em nome dela em duas instituições bancárias, pode concluir-se que, desde a data em que o contrato passou a vigorar, deu tácito assentimento à modificação daquela cláusula do contrato, não havendo violação do acordado pelo facto da renda não lhe ser paga directamente mas depositada.

III - Este comportamento, objectivamente considerado, evidencia que a autora aceitou a actuação dos réus, pelo que, tendo os réus sempre depositado a renda, seriam agora confrontados com uma conduta contraditória da autora que, à luz do princípio da confiança e das regras da boa fé – art. 762.º do CC –, exprime abuso do direito – art. 334.º do CC – na modalidade de venire contra factum proprium.

IV - Se o objecto do arrendamento, celebrado em 1991, foi a “actividade

industrial e comercial de cafetaria e exploração de bilhares”, ao instalarem no estabelecimento várias máquinas de jogo, os réus não deram ao locado um fim diverso do contratualmente previsto, dado que o arrendamento já contemplava uma afectação lúdica – a exploração de bilhares.

V - O ter-se convencionado no contrato que era consentida a exploração de bilhares não exclui, com base numa interpretação actualista (que o objecto do contrato e o decurso do tempo impõem), que se considere estendido o âmbito da componente lúdica, com a colocação de máquinas de jogo.

VI - A interpretação actualista deve partir do contrato e, tendo em conta o interesse aí regulado, ponderar se é legítimo estender o seu objecto e finalidade para aquilatar se o resultado se compagina com a intenção presumível dos contraentes, sendo de afastar o resultado interpretativo se afrontar tal vontade, não dispensando essa interpretação um juízo reflexivo sobre a evolução das circunstâncias sociais.

VII - A execução contratual de boa fé deve atender aos interesses recíprocos dos contraentes; esse interesse deve conduzir ao justo equilíbrio das

prestações e dos interesses económicos subjacentes.

VIII - A autorização para a realização de obras concedida pelo locador ao

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a magnitude das obras, tendo em conta a finalidade a que se destina o locado, é um elemento com que o locador tem de contar.

IX - A finalidade do contrato, o prévio estado do locado, e as finalidades a que é destinado, sobretudo, se for um estabelecimento a instalar de raiz, implicam, à luz do critério da boa fé e do princípio da confiança, que certas obras que noutro contexto pudessem ser violadoras do art. 64.º, n.º 1, al. d), do RAU, no caso concreto o não sejam, sob pena do senhorio, não concedendo autorização para a sua realização, frustrar os interesses e as expectativas contratuais do locatário.

X - No confronto entre os interesses relevantes e contraditórios do locador, que autoriza as obras ainda que com restrições, e do locatário, que tem de as realizar com grande amplitude para os fins a que o locado se destina, em caso de dúvida sobre se são ou não ilícitas, é decisivo saber se acrescentam ao locado valor locativo no futuro e, se assim acontecer, não devem ser

consideradas fundamento resolutivo do arrendamento.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, viúva, por si e na qualidade de legal representante das suas filhas menores, BB, CC e DD, intentou, em 8.11.2011, pelo Tribunal Judicial da Comarca de S. João da Pesqueira, acção declarativa de condenação (despejo), contra:

EE e marido FF. Pedindo que:

a) Se decrete a resolução do contrato de arrendamento entre a Autora e os RR., ordenando-se o despejo imediato do locado, com fundamento não

pagamento da renda na forma e nos termos que haviam sido convencionados, e pagamento tardio da mesma renda relativamente aos meses que refere – art. 64º-1/a, do RAU – realização de obras não autorizadas no locado – art. 64º-1/d) do RAU – cedência indevida do locado a terceiros – art. 64º-1/f) do RAU – e uso do locado para actividades não previstas na finalidade do contrato – art. 64º-1/ b) e) do RAU.

b) Pediu ainda a condenação dos RR. a pagar à Autora o valor de 1.100.000 $00 (€ 5.486,78) – correspondendo a 25.000$00 (€ 124,70) /mês x 55 meses, do montante da renda que os RR. deixaram de pagar a partir de 09/04/97 –,

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acrescido da mesma diferença mensal vincenda, até à entrega efectiva das instalações e de juros à taxa legal, desde a citação.

Os Réus contestaram, impugnando os factos alegados pela Autora, e em

reconvenção, pediram por sua vez a condenação daquela a pagar € 50.099,47 a título de indemnização por benfeitorias necessárias realizadas no prédio arrendado, e o pagamento de € 60.367,15, a título de indemnização por

benfeitorias úteis, cujo levantamento alegam ser impossível sem deterioração do locado.

A Autora/reconvinda replicou, impugnando os factos alegados pelos RR./ reconvintes, designadamente, para fundamentar a reconvenção.

***

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo, em consequência, os RR. do pedido, e julgou prejudicada, em face da improcedência da acção, a apreciação do

pedido reconvencional.

***

Inconformados, a Autora e os RR. recorreram para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 29.9.2011 – fls. 946 a 981 –

sentenciou:

“i – Concedem provimento ao agravo interposto da decisão que condenou a autora como litigante de má-fé, revogando em consequência esta decisão. ii – Negam provimento ao agravo interposto da decisão que indeferiu o

despejo imediato, confirmando a decisão recorrida ainda que por fundamento não coincidente com os que desta constam;

iii – Julgam a apelação parcialmente procedente e, com fundamento na realização pelos RR., e sem consentimento da autora, de obras que alteram substancialmente a estrutura externa e a divisão interna do prédio arrendado, e por referência ao disposto no art. 64º/1/d) do RAU, declaram resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre Autora

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e RR., condenando estes a entregar de imediato o prédio à autora, livre e desocupado de pessoas e bens;

iv – Mais julgam parcialmente provado e procedente o pedido

reconvencional deduzido pelos RR. e em consequência condenam a Autora a pagar aos RR., a título de indemnização pelas benfeitorias realizadas e comprovadas nos autos, o valor, a liquidar em execução de sentença, correspondente à indemnização enquanto possuidores de má-fé, nos termos dos artigos 1043º/1), 1273º, do Código Civil, tendo como limite máximo o valor peticionado pelos RR a título de

indemnização por essas mesmas obras. […]. ”

***

Inconformados, recorreram a Autora e os RR. para este Supremo Tribunal de Justiça.

***

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:

1ª Estando provado que o pagamento das rendas deveria ter lugar no domicílio da Autora e que esta nunca se recusara a recebê-las em casa, não podiam os RR., de improviso e sem explicação, passar a depositá-las no Banco. 2ª E o facto de a Autora as ir levantando não pôde ter feito precludir o direito que lhe assistia de pedir a resolução do contrato com base no seu depósito indevido, na medida em que, tratando-se de um facto continuado, só relevaria se os RR. passassem a pagar-lhas em sua casa e esta tivesse deixado decorrer mais de 1 ano sem se lhes opor.

3ª Daí que, à luz do art. 64°-a) do RAU, não alegando nem provando os RR factos justificativos daqueles depósitos, violaram o acordado no contrato de arrendamento. (vide, o Ac. RE de 14.4.94, in BMJ 436°-460, onde se decidiu que “não provando os RR que ofereceram a renda à Autora em sua casa, e que

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esta se recusou a recebê-la, estão sempre em mora solvendi uma vez que o ónus de alegar e de provar tais factos recai apenas sobre os depositantes”). 4ª E prova de que o valor das rendas a partir de Abril de 1996 fora alterado de 80.000$00 para 100.000$00 resulta dos extractos da conta onde os RR.

efectuavam aqueles depósitos, assim se mantendo durante mais de 1 ano, até voltarem à renda antiga.

5ª O douto acórdão recorrido não se afigura justo, ao julgar nessa vertente decisória, pois, não estando em causa a extinção, ampliação ou modificação absoluta do contrato, e uma vez que o seu pagamento constitui uma

manifestação prática do parcial cumprimento, a prova da alteração do valor há-de resultar da essência do próprio depósito, revelador objectivo da

intenção de quem deposita e de quem recebe.

6ª - À luz do art. 646ª-4 do Código de Processo Civil, deverão ser tidas como não escritas as respostas negativas aos quesitos 3° e 4° da B.I., devendo substituir-se por uma só, onde se dê como provado que o valor da renda foi alterado pelo RR. em Abril de 1996, de 80.000$00 para 100.000$00, o que a Autora aceitou, levantando essa importância mensalmente e durante mais de 1 ano e que estes, a partir de Abril de 1997, passaram a depositar apenas a quantia de 80.000$00.

7ª - Provado documentalmente que os RR. cederam a plena fruição das instalações à sociedade por quotas “O Recanto, Café, Salão de Jogos, Lda.”, que passou a explorar o estabelecimento até 2009, altura em que foi

dissolvida, não podiam as instâncias aceitar como boa justificação a ocorrência de um acidente sofrido pela Ré esposa, sem que se provasse que o Réu marido não podia suprir a sua “incapacidade temporária” ou que as lesões a teriam impedido de se manter no Café, para além de que consta da al. NN) da Esp. que aquela só esteve internada em Outubro de 1993, cerca de 1 mês.

8ª Não se aperceberam, ainda, as instâncias que os RR. chegaram ao cúmulo de alegarem nos arts 68° a 71° da contestação que “tudo não passava de mais uma fantasia da Autora”, razão porque nem sequer se valorou que tais factos eram do conhecimento pessoal dos RR, o que se teria evitado dar o acidente como fundamento válido para responder afirmativamente ao quesito 17°, cujo teor, por via disso e do 646°-4 do Código de Processo Civil, deverá ser tido como não escrito.

9ª Daí resultando ser inadmissível em direito a ilação colhida das als. NN) e 00) da matéria assente e que veio a transitar para o 80° item da

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sentença, sendo certo que os factos elencados nos itens 26 27, 28, 29 e 30 -ponto 11-2.1 podem só ter começado a passar-se após o acidente que vitimou a Ré, mas o que não podem é ter-se como fundamento para justificar que o estabelecimento em causa entre 1996 e 2009 esteve a ser explorado por uma determinada sociedade até 2009, por causa daquela ocorrência.

10ª Foram dados de arrendamento aos RR. dois pisos amplos, porque estes lhes bastavam, na altura, atenta a actividade que ali diziam ir

desenvolver, e que consistia, apenas, na exploração de um café, ao nível do r/ chão, e de um bilhar livre, na cave, únicos fins contemplados no contrato. 11ª Tratando o locado como se fora sua propriedade, acabaram por afectá-lo não apenas a Café e a mesas de bilhar, mas também às mais diversas

actividades lúdicas, para o que montaram ali um salão de jogos, com várias máquinas, algumas eufemisticamente designadas por flippers, como eles próprios confessam nos arts 12°, 13°, 22°, 73° e 74° da contestação.

12ª Mas, ainda, porque a ninguém é lícito nem ético quando as coisas correm mal, arrimar-se ao enriquecimento sem causa, para se desvincular do cumprimento de uma obrigação que se assumira com plena consciência e em absoluta liberdade, maxime quando essas supostas benfeitorias não passam, para a Autora, de malfeitorias, pois terá de gastar ainda mais dinheiro para repor o prédio como estava antes, do que o valor que as mesmas lhe teriam acrescentado, que só servem se ela ou eventuais inquilinos vierem a dedicar-se ao mesmo ramo de actividade e tiverem os gostos e necessidades dos RR.

13ª Mostra-se, assim, o douto acórdão em mérito, incurso na prática da nulidade prevista no art. 668°-1,d) do Código de Processo Civil, na medida em que conheceu de questão que lhe estava vedado apreciar, com isso

violando o princípio da liberdade contratual, no sentido de que as partes podem renunciar a determinados direitos, sempre que a lei os considere disponíveis, como é o caso, e sobretudo, quando tais direitos ou faculdades a que se renuncia não sejam de carácter imperativo, inarredável e instituídos no interesse público.

Nestes termos, deverá confirmar-se, por um lado, o douto acórdão, na parte em que determinou a resolução do contrato — não apenas com base na realização das obras ilícitas, mas também nas demais vertentes que

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por outro, no tocante ao pedido reconvencional, do qual será a recorrente absolvida.

***

Os RR., alegando, formularam as seguintes conclusões:

1º O douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, perante os factos assentes das alíneas L), M), N), R) e X) — realização das referenciadas obras pelos RR. – por se tratarem de obras que alteraram

substancialmente a estrutura externa e a divisão interna do prédio arrendado, efectuadas sem a prévia autorização da Autora, por referência ao disposto no art. 64.° n.° 1 al. d) do RAU declarou resolvido o contrato de arrendamento em mérito nos autos, condenando os RR. a entregar de imediato o prédio à autora, livre e desocupado de pessoas e bens.

2º Não podem, pois, os ora Recorrentes concordar com os doutos fundamentos ali vertidos, desde logo e pelas razões que se passarão a expor, discordando, desde logo, da classificação das referenciadas obras como obras que

alteraram substancialmente a estrutura externa e a divisão interna do arrendado.

3º Pois, conforme também resulta dos factos assentes (al. c), o arrendamento teve início no ano de 1991, tendo sido clausulada quanto ao destino do

arrendado o exercício da actividade industrial e comercial de cafetaria e exploração de bilhares. (al. d) dos factos assentes)

4.° E ainda que (Cláusula quinta e sexta do contrato de arrendamento do Contrato vertidas nas als. g) e h) dos factos assentes) o locatário poderia levar a efeito, no local arrendado, a expensas suas, obras de adaptação ao fim a que o mesmo se destina e que, quaisquer obras que possam alterar a estrutura do imóvel, obedecendo embora às imposições camarárias, carecem de

autorização expressa dos senhorios.

5.° Ora, esta permissão de adaptação do prédio arrendado ao fim a que o mesmo se destina — actividade industrial e comercial de cafetaria e

exploração de bilhares – não se limitou ao início do arrendamento, podendo os RR. realizar tais obras de adaptação sempre de acordo com aquela finalidade e em função das novas necessidades e imposições legais.

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6.° Ora, nessa medida pretendendo os RR. adaptar o imóvel às suas

necessidades comerciais vieram a executar as referidas obras, munindo-se dos respectivos pareceres técnicos, dos quais se concluiu que a estrutura do

edifício não ficava afectada nem na sua solidez nem na sua estética e muito menos na sua divisão interna.

7.° Todas estas obras levadas a cabo pelos RR., revelam-se obras necessárias ao fim a que se destina o locado, sem as quais os RR. se viriam impedidos de exercer a respectiva actividade comercial.

8.° Com efeito, a abertura na parede da fachada do lado nascente um buraco com a aplicação de uma chaminé em zinco para a saída de fumos e odores não constituiu uma alteração substancial da estrutura externa do edifício, esta obra mostrou-se imprescindível à actividade exercida no prédio arrendado para se proceder à exaustão dos fumos e ventilação do espaço utilizado pelos utentes, que, de contrário, impediriam a abertura ao público e funcionamento do café e salão de jogos.

9.° E ainda por imposição legal da realização de obras referida no art. 12°, n° 2, do RAU permitia aos RR. efectuar obras, ao abrigo do Decreto-Lei n.°

368/99, de 18 de Setembro, assim como o Dec. Regulamentar n°4/99 de 1 de Abril no seu número 3 impunha um prazo temporal para a realização de obras. O próprio Dec-Lei 168/97, de 4 de Julho, com as alterações do Dec-lei 57/02, de 11 de Março dispõe que “as estruturas, as instalações e o equipamento dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas devem funcionar em boas condições e ser mantidas em perfeito estado de conservação e higiene, por forma a evitar que seja posta em perigo a saúde dos seus utentes”.

10.° Com efeito, para se poder adaptar a cave a salão de jogos seria

necessário proceder à execução de uma caixa de escadas, uma vez que as existentes não seriam aprovadas pelo Serviço Nacional de Bombeiros, nem pela Câmara Municipal como entidade licenciadora do projecto.

11.º Contudo, a abertura de uma nova caixa de escadas, não foi efectuada sem que antes tivessem sido realizados estudos credenciados para não colocar em risco de colapso a estrutura do imóvel — vejam-se os doc. n.° s 4, 5 e 6 juntos com a contestação.

12.° Todas estas obras levadas a cabo pelos RR. são obras necessárias ao fim a que se destina o locado, sem as quais ver-se-iam impedidos de exercer a

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13.° E ao dar de arrendamento o imóvel, e nas sucessivas renovações do mesmo, a Autora concordou e ficou bem ciente da actividade que os arrendatários ali iriam exercer.

14.° Não desconhecendo as condições mínimas de instalação e funcionamento que os RR. seriam obrigados a cumprir, sob pena de o imóvel arrendado não servir o fim a que se destinava.

15.° Com efeito, e no que respeita às obras em mérito, atenta a resposta negativa dos pontos 6 e da B.I., sempre se terá de aceitar que as mesmas não tenham causado deteriorações no edifício, pondo em causa a segurança e a estabilidade do mesmo, pois, concordando com a douta

sentença proferida em primeira instância “a verdade é que as obras de que se trata são susceptíveis de configurar uma alteração da disposição interna do locado importando uma diferente forma de ocupação do espaço interior, pois que, o mesmo era amplo e por via das obras executadas pelos RR. ficou com divisórias e compartimentos e ao nível das escadas que permitem o acesso à cave, as que já existiam no locado apresentavam-se com os lanços cortados e foram alteradas.”

16.° No que respeita às obras efectuadas ao nível das escadas, partilhamos do entendimento vertido na douta sentença proferida em primeira instância, na medida em que mesmo que se viesse a considerar que as mesmas alteram “ substancialmente” a disposição interna do locado, nem por isso se lhe haveria de conferir relevância resolutiva, tudo em obediência ao princípio ou a regra geral da boa fé, coordenado com a finalidade do contrato.

17.° É pois nossa convicção firme que, atenta a finalidade do contrato, e ainda por força do princípio da boa fé, seria de impor ao senhorio a realização das referenciadas obras no sentido de se poder alcançar o objectivo do contrato. 18.° Aliás, se as escadas em apreço não fossem alteradas, por forma a

obedecerem às normas de segurança do ponto 2.3.5 do anexo ao Dec. Lei n.° 368/99 de 18 de Setembro, as autoridades administrativas poderiam

inviabilizar o funcionamento no locado, ao nível da cave, do estabelecimento comercial aí instalado e designadamente do salão de jogos, com exploração de bilhares, podendo aquelas autoridades determinar o encerramento desse espaço por não obedecer às normas regulamentares de segurança.

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19.° O que só por si nos leva a concluir, que sem as obras de adaptação das escadas a cave do locado não podia continuar a assegurar o fim para que foi arrendado.

20.° Pois, conforme já vem referido não nos podemos esquecer que a relação contratual celebrada em determinada época ou tempo não é estática e

imutável.

21.° A própria relação obrigacional decorrente do contrato de

arrendamento é dinâmica, perpetuando-se no tempo mas que se desenvolve e se dinamiza também no tempo.

22.° Da vigência do contrato de arrendamento, o arrendatário determina em função dos tempos, novidades estéticas, melhorias, oportunidades de negócio, etc., as condições em que exerce o seu negócio.

23.° Pelo que, para se poder falar de uma alteração substancial tem de pôr em causa a resistência, a segurança e a vitalidade do próprio prédio, não

bastando a mera alteração da fisionomia deste.

24.° As obras em questão não violentam os interesses da Autora, já que não colocam em crise a segurança da estrutura do prédio, no sentido de o ter atingido na sua essência (segurança e resistência), nem o prejudicam

esteticamente, antes o tendo beneficiado quanto a segurança, salubridade e protecção ambiental, não podendo, por isso, antes pelo contrário, falar-se também em diminuição dos seus valores locativo e venal.

25.° Finalmente, não pode deixar de atender-se ainda quanto à interpretação “alteração substancial” e “elemento estrutural” ao resultado da perícia técnica realizada nos autos.

26.° Esta perícia provou que as obras realizadas não criam condições de colapso ou ruína da estrutura, não existindo perigo para a segurança e estabilidade do edifício. Bem como que para que fosse autorizado o

funcionamento do salão de jogos e café teve de ser instalado um sistema de evacuação de fumos, nos termos do art. 109 do RGEU. Neste sentido, pode ver-se a resposta ao art. 15° da perícia realizada.

Foram assim violados por erro de interpretação os arts. 4.°; 11º, n.°1; 15.°; 16. °; 12.°, n° 1, e 2; 64.° al. d) e art. 121.° do RAU; 1043.° n.° 1, 1031.° al. b); 1036.°;1038.° al. d) e ainda o art. 34.° do DL. n.°328/86, de 30/09.

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Termos em que deve o presente recurso merecer provimento e substituir-se o douto acórdão por um outro que revogue o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto na parte em que declara resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre Autora e RR., condenando estes a entregar de imediato o prédio à autora.

Os RR. contra-alegaram.

***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provada a seguinte matéria de facto:

1) Mediante partilha judicial efectuada no âmbito do processo especial de inventário nº.108/96, que correu termos neste Tribunal, foram adjudicados à autora, por sentença homologatória transitada em julgado, 5/8 do prédio urbano composto por sub-cave, cave, rés-do-chão e 1º andar, sito na Avenida M... de S..., em São João da Pesqueira. - al. A) dos factos assentes;

2) Na mesma partilha foi adjudicado 1/8 do mesmo prédio urbano a cada uma das filhas da autora BB, CC e DD.- al. B) dos factos assentes;

3) Mediante escritura celebrada no Cartório Notarial de São João da

Pesqueira, no dia 19 de Dezembro de 1991, GG, na qualidade de procurador de HH e EE, declarou constituir um contrato de arrendamento relativamente ao rés-do-chão e à cave do prédio urbano sito na Urbanização da D..., lote número c..., da freguesia de São João da Pesqueira, inscrito na matriz respectiva sob o art. .... - al. C) dos factos assentes;

4) O local arrendado destina-se ao exercício da actividade industrial e

comercial de cafetaria e exploração de bilhares. - al. D) dos factos assentes; 5) O arrendamento foi feito pelo prazo de cinco anos, prorrogável, e teve o seu início em Junho de 1991. - al. E) dos factos assentes;

6) Foi acordada a renda anual de novecentos e sessenta mil escudos, a pagar em duodécimos de 80.000$00 (oitenta mil escudos), no primeiro dia do mês a que respeitar, no domicílio da senhoria ou do procurador. - al. F) dos factos assentes;

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7) De acordo com a cláusula quinta do referido contrato o locatário pode levar a efeito, o local arrendado, a expensas suas, obras de adaptação ao fim a que o mesmo se destina. - al. G) dos factos assentes;

8) Estabelece a cláusula sexta do mesmo acordo que quaisquer obras que possam alterar a estrutura do imóvel, obedecendo embora às imposições

camarárias, carecem de autorização expressa do senhorio. - al. H) dos factos assentes;

9) A cláusula sétima apresenta a seguinte redacção - “Ficarão a fazer parte integrante do local arrendado, todas as obras e benfeitorias efectuadas pelo locatário que não possam ser levantadas sem detrimento do mesmo, cabendo a este, porém, o direito de indemnização pelo seu valor, digo mesmo”. - al. I) dos factos assentes;

10) Aquando da celebração do contrato o locado não tinha qualquer divisória, quer ao nível da cave quer ao nível do rés-do-chão. - al. J) dos factos

assentes;

11) Há cerca de 4 meses os réus demoliram a laje do rés-do-chão, numa área de cerca de 4 m2. - al. L) dos factos assentes;

12) No vão deixado em aberto construíram umas escadas em ferro com cerca de 22 degraus, em estrutura metálica, aparafusada no pavimento inferior e na viga do pavimento superior. - al. M) dos factos assentes;

13) Na cave construíram uma parede em bloco de cimento para suporte da laje existente, servindo de apoio às escadas. - al. N) dos factos assentes; 14) Junto ao balcão os réus alargaram a abertura existente de 1,80 m de altura por 80 cm, de largura, criando um vão quadrangular com 2,20 m de lado. - al. O) dos factos assentes;

15) Paralelamente à parede exterior do lado Norte e a uma distância de 2 m, os réus construíram uma divisória em tijolo com o comprimento de 12 m que liga à parede Norte através de uma outra parede com 2 metros de

comprimento, sem no entanto tocarem o tecto. - al. P) dos factos assentes; 16) Criando deste modo uma divisória interior sem luz e ventilação naturais. - al. Q) dos factos assentes;

17) Na placa do teto abriram buracos com 20 cm de diâmetro, em liga de alumínio com amianto. - al. R) dos factos assentes;

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18) Para ocultação dos materiais referidos no ponto anterior os réus

colocaram um tecto falso, em “pladure”, suspenso por “baguetes” metálicas. - al. S) dos factos assentes;

19) A três metros da parede exterior, do lado poente da cave, de topo a topo, os réus construíram uma divisória em tijolo, fixo ao solo e às paredes Sul e Norte, com massa de areia e cimento, sem tocar o teto. - al. T) dos factos assentes;

20) Criando assim dois compartimentos sem luz e ventilação naturais. - al. U) dos factos assentes;

21) Nas extremas de tais compartimentos rasgaram dois vãos com a largura de 80 cm e 1,80 m de altura, para aplicação de duas portas que dão acesso às casas de banho. - al. V) dos factos assentes ;

22) Na parede da fachada Nascente os réus abriram um buraco com 60 cm x 40 cm, onde aplicaram uma chaminé em zinco, para a saída de fumos e

odores. - al. X) dos factos assentes;

23) Os réus procederam à realização dos trabalhos referidos em 11) a 22), sem autorização da autora. - al. Z) dos factos assentes;

24) A Autora nunca se recusou a receber as rendas. - al. AA) dos factos assentes;

25) Os réus depositam as rendas em contas abertas à ordem da autora,

inicialmente na agência do BNU e actualmente na agência da C.C.A.M. de São João da Pesqueira. - al. CC) dos factos assentes;

26) Os cunhados dos réus, II e JJ dão ordens aos empregados do

estabelecimento instalado no rés-do-chão e cave do prédio urbano referido em 3). - al. DD) dos factos assentes;

27) Adquirem produtos para revenda. - al. EE) dos factos assentes; 28) Escolhem fornecedores. - al. FF) dos factos assentes;

29) Pagam directamente a tais fornecedores. - al. GG) dos factos assentes; 30) Abrem e fecham aquele estabelecimento. - al. HH) dos factos assentes; 31) Em 12 de Outubro de 1993 a ré mulher sofreu um acidente de viação. - al. MM) dos factos assentes;

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32) Em consequência desse acidente a ré esteve internada durante mais de um mês no Hospital de São Pedro, em Vila Real. - al. NN) dos factos

assentes;

33) Após ter recebido alta hospitalar permaneceu em casa sem poder trabalhar. - al. OO) dos factos assentes;

34) Os réus procederam ao pagamento da renda relativa ao mês de Agosto de 1996 no dia de Agosto de 1996. - al. PP) dos factos assentes;

35) A renda de Junho de 1996 foi paga no dia 12 de Junho de 1996. - al. QQ) dos factos assentes;

36) A renda relativa ao mês de Janeiro de 1997 foi paga no dia 09 de Janeiro de 1997. - al. RR) dos factos assentes;

37) Em Agosto de 1997 os réus procederam ao pagamento da renda no dia 11 desse mês e ano. - al. SS) dos factos assentes;

38) A renda relativa ao mês de Setembro de 1997 foi paga no dia 09 desse mês e ano. - al. TT) dos factos assentes;

39) A renda relativa ao mês de Julho de 1997 foi paga no dia 09 desse mesmo mês. - al. UU) dos factos assentes;

40) Os réus procederam à remoção do pavimento existente no rés-do-chão e cave do prédio urbano referido em 3). - al. VV) dos factos assentes;

41) Colocaram soleiras, peitoris e guarnições em mármore. - al. XX) dos factos assentes;

42) Procederam à pintura interior e exterior do mesmo.- al. ZZ) dos factos assentes;

43) Colocaram mosaico cerâmico, com refechamento das juntas. - al. AAA) dos factos assentes;

44) Colocaram rodapés em mosaico cerâmico, com refechamento de juntas. - al. BBB) dos factos assentes;

45) Colocaram novos tubos substituindo a canalização existente. - al. CCC) dos factos assentes;

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46) Colocaram, substituíram e repararam a rede de esgotos, tubos de PVC, sifões e grelhas de ventilação. - al. DDD) dos factos assentes;

47) Revestiram e pintaram as paredes interiores e tectos. - al. EEE) dos factos assentes;

48) Colocaram tijoleira e mosaico e rectificaram o piso. - al. FFF) dos factos assentes;

49) Colocaram 6 portas interiores em madeira, com aro e guarnições envernizadas. - al. GGG) dos factos assentes;

50) Colocaram rodapé em madeira de mogno. - al. HHH) dos factos assentes;

51) Colocaram rodapé em madeira envernizada. - al. III) dos factos assentes;

52) Substituíram o equipamento sanitário. - al. JJJ) dos factos assentes; 53) Substituíram as instalações eléctricas. - al. LLL) dos factos assentes; 54) Instalaram telefone. - al. MMM) dos factos assentes;

55) Colocaram um sistema de exaustão de fumos. - al. NNN) dos factos assentes;

56) Prolongaram a tubagem de exaustão de fumos. - al. OOO) dos factos assentes;

57) Colocaram um teto falso, incluindo a fixação da estrutura. - al. PPP) dos factos assentes;

58) Verificaram e rectificaram as tubagens da rede de abastecimento de água e de esgotos. - al. QQQ) dos factos assentes;

59) Montaram um sistema electrónico no café e salão de jogos. - al. RRR) dos factos assentes;

60) Executaram uma cobertura em estrutura metálica. - al. SSS) dos factos assentes;

61) Procederam ao capeamento da platibanda em chapa zincada. - al. TTT) dos factos assentes;

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62) Regularizaram o pavimento com betão leve na espessura média de 5 cm. - al. UUU) dos factos assentes;

63) Demoliram paredes e removeram o gradeamento existente. - al. VVV) dos factos assentes;

64) Construíram paredes interiores, sendo algumas duplas em alvenaria de tijolo. - al. XXX) dos factos assentes;

65) Colocaram isolamento térmico. - al. ZZZ) dos factos assentes;

66) Emboçaram, cerzitaram e rebocaram das paredes interiores. - al. AAAA) dos factos assentes;

67) Emboçaram, cerzitaram e rebocaram de acabamento a areado fino com argamassa de lento, cal e areia fina, incluindo impermeabilização, em toda a altura as paredes interiores. - al. BBBB) dos factos assentes;

68) Emboçaram, cerzitaram e rebocaram de acabamento a areado fino com argamassa de cimento, cal e areia fina, incluindo impermeabilização, das paredes exteriores. - al. CCCC) dos factos assentes;

69) Colocaram janelas exteriores de três folhas de abrir, em alumínio com vidro duplo. - al. DDDD) dos factos assentes;

70) Colocaram janelas exteriores de quatro folhas de abrir, em alumínio com vidro duplo. - al. EEEE) dos factos assentes;

71) Colocaram um aparelho de ar condicionado. - al. FFFF) dos factos assentes;

72) Montaram a tubagem e aparelhos de ar condicionado no salão de jogos e café. - al. GGGG) dos factos assentes;

72-A) “ Os réus têm no seu estabelecimento máquinas de jogo.” – resposta ao ponto 5º-A da base instrutória;

73) Para procederem ao alargamento da divisória referida no ponto 14) os réus demoliram parte da parede do lado Norte, existente junto do balcão do café. - resposta ao ponto 1) da base instrutória;

74) Os lanços das escadas já existentes no locado e que permitem o acesso à cave são cortados. - resposta ao ponto 9. da base instrutória;

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75) A canalização existente no rés-do-chão e cave do prédio urbano referido no ponto 3) encontrava-se deteriorada e que tal levava a que, por vezes,

ocorressem inundações na cave. - resposta ao ponto 10. da base instrutória;

76) Por essa razão os réus tiveram de remodelar a canalização e rede de esgotos existentes. - resposta ao ponto 11. da base instrutória; 77) Os vãos de acesso às casas de banho foram rasgados numa parede construída pelos réus. - resposta ao ponto 13. da base instrutória;

78) Para que fosse autorizado o funcionamento do salão de jogos teriam de ser construídas duas casas de banho. - resposta ao ponto 14 da base

instrutória;

79) E instalado um sistema de exaustão de fumos e de ventilação. - resposta ao ponto 15 da base instrutória;

80) Foi devido ao acidente sofrido pela ré mulher que os II e JJ passaram a praticar os factos descritos nos pontos 26) a 30). - resposta ao ponto 17 da base instrutória;

81) Na realização dos trabalhos referidos nos pontos 40) a 72) os réus despendera quantia não apurada. - resposta ao ponto 18 da base instrutória;

82) As obras realizadas pelos RR., descritas nos pontos 40) a 72), valorizam o locado em montante concretamente não apurado. - resposta ao ponto 22 da base instrutória;

83) E tais obras não podem ser levantadas sem detrimento para o locado. - resposta ao ponto 23 da base instrutória;

84) Em 07/01/2002, a ora Ré EE depositou na Caixa Geral de Depósitos, na conta nº.07389542750, agência de São João da Pesqueira, os montantes de € 1.496,39 correspondentes a € 5.686,30, relativas ao locado identificado no ponto 3), a favor da ora Autora Lúcia Amaral Mesquita, à ordem do Tribunal Judicial de São João da Pesqueira, constando das respectivas guias de depósito juntas a fls. 93 e 94, assinaladas as quadrículas de “depósito posterior” e de “depósito posterior c/ indemnização” e, ainda, no tocante à guia de fls. 94 “condicional” e em sede de observações na guia de fls. 93, a seguinte menção: “6 meses do ano de 1997”.

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Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa, quanto ao recurso da Autora:

- saber se, tendo os RR. depositado as rendas e a recorrente, como senhoria as ter levantado, isso impede que peça a resolução do contrato por ter sido violado o acordo quanto ao modo e lugar de pagamento:

- se está provado que a renda mensal foi alterada a partir de Abril de 1996, devendo considerar-se não escritas as respostas aos quesitos 3º e 4º: - se o estabelecimento, entre 1996 a 2009, esteve a ser explorado por uma Sociedade, e não pelos RR/arrendatários, por causa de um acidente de viação sofrido pela Ré;

- se os RR. deram ao locado um fim diverso do contratualmente previsto, instalando um salão de jogos com várias máquinas (flippers);

- se o Acórdão é nulo por excesso de pronúncia, por ter considerado a renunciabilidade de direitos disponíveis, que não foi invocada pela Autora; Quanto ao recurso dos RR. saber:

- se as obras realizadas no locado estão autorizadas pelo teor do contrato de arrendamento e, algumas delas eram imperiosas para que nele pudesse ser exercida a actividade comercial e industrial de cafetaria e exploração de bilhares;

- se as obras que, no Acórdão, foram consideradas alteração

substancial da estrutura externa e da disposição interna do locado, além de o não serem, se encontram justificadas pelo fim do contrato.

Vejamos:

Entre a Autora, por si e como legal representante das suas filhas

menores, como locadoras e os RR. como locatários, foi validamente celebrado, em 19.9.1991, um contrato de arrendamento comercial relativamente ao rés-do-chão e à cave do prédio urbano sito na Urbanização da D..., lote número c..., da freguesia de São João da Pesqueira.

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Como se provou, o local arrendado destinou-se ao exercício da actividade industrial e comercial de cafetaria e exploração de bilhares e foi celebrado pelo prazo de cinco anos, prorrogável, tendo tido início em Junho de 1991.

Foi acordada a renda anual de novecentos e sessenta mil escudos, a pagar em duodécimos de 80.000$00, no primeiro dia do mês a que respeitar, no

domicílio da senhoria ou do procurador.

De acordo com a cláusula 5ª do contrato, o locatário podia levar a efeito, no local arrendado, a expensas suas, obras de adaptação ao fim a que o locado se destinava.

Nos termos da cláusula 6ª, quaisquer obras que possam alterar a estrutura do imóvel, obedecendo embora às imposições camarárias, carecem de

autorização expressa do senhorio.

A cláusula 7ª tem a seguinte redacção - “Ficarão a fazer parte integrante do local arrendado todas as obras efectuadas pelo locatário que não possam ser levantadas sem detrimento do mesmo, cabendo a este, porém, o direito de indemnização pelo seu valor, digo mesmo”.

Sem discussão das partes, o Acórdão recorrido considerou aplicável o DL. 321-B/90, de 15.10 – RAU – não obstante as alterações constantes do DL. 275/95, de 30.9 e a revogação do RAU pela Lei 6/2006, de 27.2, - NRAU - tendo em conta o que nesta se dispõe nos arts. 59º, nº1, e nas normas transitórias contidas nos arts. 26º e 27º.

Estamos perante um contrato de arrendamento não habitacional. A Autora pediu a resolução do contrato, invocando como causa de pedir: o não

pagamento da renda na forma e no lugar convencionado, a mora quanto ao pagamento de várias rendas, a realização de obras não autorizadas que alteraram substancialmente a estrutura e a divisão interna do locado, a cedência a terceiros, por si não autorizada, e o uso do locado para fins diversos daquele a que se destinava.

Por sua vez, os RR. impugnaram, sustentando não estarem em mora, ter sido aceite a modificação do contrato quanto ao modo e lugar do pagamento e que as obras realizadas eram imperiosas para nele poderem explorar a actividade

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industrial e comercial de cafetaria e exploração de bilhares, sendo que as obras realizadas, muitas delas de imposição obrigatória pelas autoridades administrativas (sob pena de não poderem explorar aquele estabelecimento), não causaram dano ao prédio nem constituem alteração substancial da sua estrutura ou modificação das divisões internas.

Na acesa controvérsia que leva mais de dez anos é patente a irredutibilidade das partes quanto à execução do contrato e quanto aos fundamentos

resolutivos invocado pela Autora.

Na 1ª Instância, a acção foi julgada improcedente por se ter considerado que nenhum dos fundamentos invocados como violação do contrato ficou provado, ou se ficou provado, não justificava a resolução.

Daí que não tivesse apreciado a reconvenção, onde os RR. pediram

indemnização por benfeitorias para a hipótese de proceder a acção com o inerente despejo.

Já a Relação, no seu Acórdão, revogou a sentença e, no que respeita à acção, considerou verificado apenas um dos fundamentos resolutivos do contrato – a realização pelos RR., sem consentimento da Autora, de obras que alteraram substancialmente a estrutura externa e a divisão interna do locado – art. 64º, a) do RAU.

Já no que respeita à reconvenção, considerou que a Autora deveria indemnizar os RR. por algumas das obras feitas no locado, por se tratar de benfeitorias necessárias e úteis, valor a apurar em execução de sentença.

Importa, então, apreciar os fundamentos recursivos da revista da Autora. Antes de mais, e no que respeita ao fundamento resolutivo relacionado com o montante e lugar de pagamento da renda, cumpre afirmar que a recorrente pretende a alteração da matéria de facto, do ponto em que sustenta que se devem considerar não escritas as respostas negativas aos quesitos 3º e 4º. “Autora e réus acordaram que a partir de Abril de 1996 a renda devida pela utilização do espaço referido em 1, passaria a ser de 100 000$00 mensais? (quesito 3º)

“Na sequência deste acordo os réus, entre 96.04.08 e 97.04.09, depositaram na conta da autora a quantia mensal de 100 000$00?” (quesito 4º).

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A pretensão da recorrente radica no facto de considerar provado que houve acordo para aumento da renda com base em extractos de conta onde os RR. efectuaram os depósitos durante mais de um ano voltando, depois, a depositar renda inferior.

Não alegando a Autora qualquer dos fundamentos onde radica a competência para alteração da matéria de facto por este Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do recurso de revista – arts. 722º, nº2, e 729º, nº2, do Código de Processo Civil –, não pode ser alterada a matéria de facto. Ademais não se pretende que as respostas sejam outras, mas antes que se considerem não escritas as respostas negativas, nos termos do art. 646º, nº4, do Código de Processo Civil.

O aumento da renda poderia provar-se por qualquer meio probatório, não estando tal alteração abrangida pela forma do contrato e, ademais, não consta que existam documentos que constituam prova plena dessa alteração, ou que tivesse havido confissão do facto.

A propósito, apenas se considerou provado que foi acordada a renda anual de novecentos e sessenta mil escudos, a pagar em duodécimos de 80.000$00 (oitenta mil escudos), no primeiro dia do mês a que respeitar, no domicílio da senhoria ou do procurador.

A Autora nunca se recusou a receber as rendas. Os réus depositaram-nas em contas abertas à ordem dela, inicialmente na agência do BNU e, depois, na agência da C.C.A.M. de S. João da Pesqueira.

Nos termos do art. 64º, nº1, a) do RAU, o senhorio pode resolver o contrato se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios, nem fizer

depósito liberatório.

No contrato foi acordado que a renda seria paga em casa do senhorio.

Tendo-se provado que a Autora nunca se recusou a receber as rendas, ou seja, que não há mora creditoris, mas que os RR. depositaram as rendas em contas abertas em nome dela em duas instituições bancárias, primeiro no BNU, e depois na CCAM de S. João da Pesqueira, importa realçar que é a Autora quem, no art. 27º da petição inicial, afirma que os RR. nunca lhe pagaram a renda directamente, antes a depositando, o que autoriza a conclusão que, desde 1991, quando o contrato passou a vigorar, deu tácito assentimento à modificação daquela cláusula do contrato não considerando haver violação pelo facto da renda não lhe ser paga directamente mas depositada.

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Este comportamento, objectivamente considerado, evidencia que a Autora aceitou a actuação dos RR. e daí que, numa perspectiva de confiança e da boa-fé, os RR. tendo sempre depositado a renda, seriam agora confrontados com uma conduta contraditória da Autora que, à luz do princípio da confiança e das regras da boa-fé, art. 762º do Código Civil, exprime abuso do direito – art. 334º do Código Civil – na modalidade de venire contra factum proprium. A Autora sempre levantou as rendas, sinal que não questionou o seu montante, mesmo admitindo, sem que se saiba o motivo porque nada a

propósito foi alegado, por que o valor da renda mensal foi alterado para mais e, depois, para menos.

As partes ficaram reféns da pouco ortodoxa execução do contrato, não conseguindo provar a quem se deveu o que consideram violação do convencionado.

À Autora competia alegar e provar – art. 342º, nº1, do Código Civil – factos justificativos de tal incomum procedimento, sendo relevante que, se

efectivamente não tivesse dado o seu consentimento à alteração da forma de pagamento e tivesse considerado que a renda depositada ao longo dos anos não era a renda convencionalmente acordada, deveria, atempadamente, ter intentado a acção visando a resolução do contrato, ou posto em causa a eficácia liberatória do depósito.

A questão não deve ser enquadrada na perspectiva expressa pela recorrente – cfr. conclusão 2ª das suas alegações – ou seja, que, por se estar perante facto continuado, o não ter ela levantado as rendas não precludiu o direito de pedir a resolução do contrato com fundamento no depósito indevido.

A justificação para os depósitos ancora no facto da Autora não ter discordado, ao longo dos anos, desse procedimento a que necessariamente anuiu, à luz do facto concludente de ter levantado as rendas e, durante cerca de uma década, não se ter manifestado contra um comportamento com que coonestou mas agora considera violador do seu direito.

A confiança incutida nos RR. seria traída se se considerasse que foi continuadamente violado o contrato.

A violação do contrato – o incumprimento em sentido lato – pressupõe que a parte infringente actue com culpa, que seja censurável o seu comportamento que lesa a parte contrária, todavia não se antevê, in casu, que assim se possa considerar no quadro factual apurado.

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Na conclusão 7ª das suas alegações, sustenta a Autora que os RR. cederam a fruição das instalações locadas à sociedade “O R..., Café, Salão de Jogos, Lda.”, que passou a explorar sem o consentimento da recorrente o

estabelecimento até 2009.

Estaria em causa a norma do art. 64º, nº1, f) do RAU conjugada com o art. 1038º f) do Código Civil.

Dispõe o citado normativo do RAU, que o senhorio pode resolver o contrato se o locatário – “Subarrendar ou emprestar, total ou parcialmente, o prédio

arrendado, ou ceder a sua posição contratual, nos casos em que estes actos são ilícitos, inválidos por falta de forma ou ineficazes em relação ao senhorio, salvo o disposto no artigo 1049.° do Código Civil”.

Este fundamento consta alegado nos arts. 32º a 37º da petição inicial, mas aí em parte alguma se afirma, sequer, a existência de uma sociedade por quotas com aquela denominação social.

O que a Autora alega é que os RR. teriam a intenção de ceder a exploração do estabelecimento a familiares deles, irmã e cunhado, II e JJ que, conjuntamente com os RR., em “regime de parceria” têm vindo a gerir o estabelecimento.

“Locação de estabelecimento comercial ou cessão ou concessão de exploração de estabelecimento mercantil – neste contrato, o contraente que do mesmo é titular constitui a favor do outro um direito à exploração da empresa – direito que envolverá o de gozo do prédio onde a empresa funciona (ou há-de

funcionar) mas que com estoutro direito se não confunde: o direito do locatário do estabelecimento tem por objecto o complexo da organização económica em que o estabelecimento se traduz e que é susceptível de ser integrado por elementos muito diversos, corpóreos e incorpóreos (direitos sobre móveis, de crédito, sinais distintivos...), para além do direito ao uso do local.” – V. G. Lobo Xavier, ROA, 47.°-763.

“O contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, que é um a contrato atípico, essencialmente caracterizado “não pela cedência da fruição do imóvel, nem a do gozo do mobiliário ou do recheio que nele se encontre, mas a cedência temporária do estabelecimento como um todo, como uma universalidade mais ou menos complexa. Na transmissão efectuada pelo cedente vai, portanto, incluído todo o somatório de elementos materiais e

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imateriais que integram a organização da empresa desde os móveis e imóveis até à clientela, as patentes e segredos de fabrico, alvarás, etc.)” – Antunes Varela, in RLJ-100/270.

Na “cessão de exploração”, que alguns autores preferem à designação

“locação de estabelecimento”, surpreendem-se os elementos essenciais do tipo contratual definido no art. 1022º do Código Civil, ou seja, a obrigação

temporária de proporcionar a outrem o gozo de uma coisa, mediante

retribuição: todavia, para definir a particularidade do tipo, importa considerar que no negócio em apreço, a cedência é feita pelo proprietário de um

estabelecimento que pode ou não ser o dono das instalações onde ele funciona.

A cessão da exploração, definida por contraposição ao trespasse – art. 115º do RAU – consiste na cedência temporária do estabelecimento; enquanto no trespasse ela é definitiva e, expressamente por força da lei, não carece de autorização do senhorio, tendo, no entanto, de lhe ser comunicada.

A jurisprudência e a doutrina, nas décadas de 50 e 60, consideraram a locação de estabelecimento como um contrato misto de concessão, arrendamento e aluguer.

Assim é que o Professor Antunes Varela, em anotação, na RLJ Ano 100º, pág. 270, o considerou “um negócio misto sui generis” e Barbosa de Magalhães, in “Do Estabelecimento Comercial”, Coimbra, 1951, pág. 235, o entendia como um “negócio jurídico complexo, constituído por vários negócios jurídicos”. Mais recentemente a jurisprudência tem-se inclinado para o considerar “ Como um contrato inominado, a regular pelas estipulações nele vertidas pelas partes e, subsidiariamente, pelas disposições dos contratos típicos mais afins e, depois, pelas regras gerais dos contratos...” – cfr. por todos o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20.10.92, in BMJ 420/524.

O que particulariza o contrato de cessão de exploração é o facto de ter por objecto uma universalidade jurídica, a empresa, que é uma realidade cindível e separável do seu titular e, por isso, transferível sem que tal a afecte ou descaracterize – cfr. Professor Orlando de Carvalho, in “Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial”, Coimbra, 1967, pág. 681.

Com o devido respeito, para além de nem sequer constar nos factos provados que tal sociedade exista, o certo é que a natureza dos actos

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praticados pelas pessoas alegadamente “em parceria com os RR.”, tem uma justificação plausível excludente da cessão na acepção jurídica do conceito: aquelas pessoas, familiares dos RR., apenas colaboraram com eles pelo facto de a Ré mulher ter tido um acidente que a incapacitou de trabalhar,

socorrendo-se do auxílio das pessoas que a Autora considera, indevidamente, serem as cessionárias da exploração do estabelecimento dos RR.

Assim provou-se (pontos 26 a 30º da B.I.):

“Os cunhados dos réus, II e JJ dão ordens aos empregados do estabelecimento instalado no rés-do-chão e cave do prédio urbano referido em 3). Adquirem produtos para revenda. Escolhem fornecedores. Pagam directamente a tais fornecedores. Abrem e fecham aquele estabelecimento. Em 12 de Outubro de 1993 a ré mulher sofreu um acidente de viação. Em consequência desse acidente a ré esteve internada durante mais de um mês no Hospital de São Pedro, em Vila Real. Após ter recebido alta hospitalar permaneceu em casa sem poder trabalhar. Foi devido ao acidente sofrido pela ré mulher que a II e JJ passaram a praticar os factos descritos nos pontos 26) a 30). – resposta ao ponto 17º da base instrutória.”

Não houve, pois, cedência da exploração do estabelecimento. O facto da Ré só ter estado internada um mês, nada se provando sobre se ficou com sequelas incapacitantes por período temporal determinado, não autoriza a conclusão que, após aquele lapso de tempo, deixou de existir motivo para a colaboração de terceiros no giro do estabelecimento.

Competia à Autora o ónus de provar que o procedimento adoptado e que o Tribunal apurou, evidenciava uma transmissão temporária do estabelecimento comercial, nem sequer comunicada ao senhorio[2].

Pelas razões que antes referimos também não se vê fundamento legal para considerar não escrita a resposta ao quesito 17º.

Quanto ao uso do locado para fim diverso do seu destino contratual.

Afirma a Autora – conclusão 11ª – que “Tratando o locado como se fora sua propriedade, acabaram por afectá-lo não a Café e a mesas de bilhar mas também às mais diversas actividades lúdicas, para o que montaram ali um salão de jogos, com várias máquinas, algumas eufemisticamente designadas por flippers, como eles próprios confessam…”.

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Está em causa o fundamento resolutivo previsto no art. 64º, nº1, b) do RAU – a proibição do locatário “usar ou consentir que outrem use o prédio para fim ou ramo de negócio diverso daquele a que se destina.”

No recurso da matéria de facto, a Relação considerou procedente, em parte, a impugnação da Autora, acrescentando à matéria de facto assente o ponto 72º-A com a seguinte redacção - “Os réus têm no seu estabelecimento máquinas de jogo.”

O objecto do arrendamento celebrado em 1991, foi a “actividade industrial e comercial de cafetaria e exploração de bilhares”.

Os RR. têm no estabelecimento máquinas de jogo. Será que por esse facto alteraram, sem consentimento, o locado para fim ou ramo de negócio diverso daquele a que foi destinado?

Respondemos negativamente. O arrendamento já contemplava uma afectação lúdica – a exploração de bilhares – sabe-se que lá existem máquinas de jogo, não se sabendo quais.

O ter-se convencionado no contrato que era consentida a exploração de

bilhares não exclui com base numa interpretação actualista [que o objecto do contrato e o decurso do tempo impõem] que se considere estendido o âmbito da componente lúdica, com a colocação de máquinas de jogo, sabendo-se, até, que essa utilização é alvo de apertada vigilância das autoridades. Daí que, se porventura, se tratasse de máquinas de jogo a dinheiro (por exemplo), por certo que a infracção, ao longo de tantos anos, teria sido detectada.

Como ensina Aragão Seia, in “Arrendamento Urbano”, 5ª edição, pág. 361: “Se o arrendatário dá ao arrendado destino completamente diferente do acordado está-se perante uma nítida violação do contrato, que dá ao senhorio o direito de o resolver.

Se, pelo contrário, se circunscreve o arrendamento a determinado ramo de negócio e no arrendado se desenvolvem conexamente outras actividades similares, complementares ou a ele ligadas há que proceder à interpretação do negócio jurídico, nos termos dos arts. 236.° a 239.° do Código Civil, para se determinar se o arrendatário violou a sua obrigação.

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Ter-se-á de ter, contudo, em consideração que se o senhorio, ao autorizar o exercício no arrendado de determinada actividade comercial ou industrial, podia e devia prever que o arrendatário iria ou poderia ir exercer

acessoriamente uma outra, a ela deu a sua anuência”.

A interpretação actualista, deve partir do contrato e tendo em conta o interesse aí regulado, ponderar se é legítimo estender o seu objecto e finalidade para aquilatar se o resultado se compagina com a intenção presumível dos contraentes, sendo de afastar o resultado interpretativo se afrontar tal vontade, não dispensando essa interpretação um juízo reflexivo sobre a evolução das circunstâncias sociais.

Ao abrigo dessa interpretação actualista não se considera que a estadia de máquinas de jogos numa sala de bilhar – não se provando sequer de que tipo de máquinas se tratava (alegava-se que eram flippers) – seja violadora do fim contratual acordado no arrendamento.

Antes de abordarmos a problemática das obras, importa dizer que o Acórdão não enferma de nulidade por excesso de pronúncia – art. 668º, nº1, d) do Código de Processo Civil – porque, ao invés do afirmado pela recorrente, o Tribunal não proferiu decisão ultra petitum quando, na perspectiva de

aplicação do direito, considerou que a recorrente, analisada a sua conduta no contexto da execução do contrato, renunciou a um direito ou teve actuação integradora do abuso do direito.

O Acórdão operou com os factos provados e decidiu no contexto do objecto do recurso, sendo que na qualificação dos factos é livre, não estando vinculado à regra de direito que as partes consideram aplicáveis – art. 664º do Código de Processo Civil.

Não enferma de nulidade o Acórdão recorrido. Apreciemos agora a questão das obras.

Estamos perante um contrato de arrendamento urbano para comércio e indústria, já que celebrado para fins directamente relacionados com uma actividade comercial – art. 110º do RAU.

Porque tal questão é comum a ambos os recursos, apreciamo-la conjuntamente.

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Na tese da Autora, os RR. violaram o contrato do ponto em que fizeram no locado obras que alteraram substancialmente a sua estrutura externa e a disposição interna das suas divisões, incorrendo no fundamento resolutivo contratual previsto no art. 64º, nº1, d) do RAU.

Por sua vez, os RR., não negando que fizeram obras no locado, consideram que essas obras estavam previstas no contrato e eram imprescindíveis para

adaptar o locado ao fim contratualmente previsto, o exercício da actividade industrial e comercial de cafetaria e exploração de bilhares.

Argumentam, ainda, que foi acordado na Cláusula 5ª que o locatário podia levar a cabo, no locado, a expensas suas, obras de adaptação ao fim a que o mesmo se destinava.

Como vimos, foi locado o rés-do-chão e a cave de um prédio urbano. Na cláusula 6ª foi acordado - “Que quaisquer obras que possam alterar a estrutura do imóvel, obedecendo embora às imposições camarárias, carecem de autorização expressa do senhorio.”

Na Cláusula 7ª – “Ficarão a fazer parte integrante do local arrendado, todas as obras e benfeitorias efectuadas pelo locatário que não possam ser levantadas sem detrimento do mesmo, cabendo a este, porém, o direito de indemnização pelo seu valor, digo mesmo.”

Não existe qualquer prova do estado anterior das instalações locadas a não ser que, quando o contrato foi celebrado, o locado não tinha qualquer divisória, quer ao nível da cave, quer ao nível do rés-do-chão.

Pretendendo os RR., nos termos do contrato, instalar e explorar no locado actividade industrial e comercial de cafetaria e exploração de bilhares, não existindo aí de raiz nada que autorize concluir que se poderiam aproveitar estruturas existentes, surge dificilmente compaginável com as obras que

teriam de ser executadas e que foram autorizadas tendo em vista o fim do arrendamento, o ter-se acordado na Cláusula 6ª que “quaisquer obras que possam alterar a estrutura do imóvel, obedecendo embora às imposições camarárias, carecem de autorização expressa do senhorio.

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Como compatibilizar esta cláusula com aqueloutra que autorizava os locatários a instalar no locado a actividade a que se propunham, que, como é consabido, implicaria autorizações, licenças e vistorias de várias entidades, desde a Câmara Municipal aos bombeiros e a outras ligadas à fiscalização dos requisitos de segurança, higiene e salubridade.

A dificuldade lobriga-se no seguinte quadro: os RR. pretendiam fazer obras para que o estabelecimento pudesse ser legalizado e funcionar.

Mesmo que as obras que pretendessem executar fossem obrigatórias, em obediência a imposições camarárias e outras, teriam que ter a autorização da locadora, e caso tais obras provocassem alterações na estrutura do imóvel seriam recusadas pelo senhorio apenas valendo o juízo subjectivo do locador. A finalidade do contrato e as obras, mesmo que autorizadas pelas autoridades competentes, não poderiam ser efectuadas no caso de, na perspectiva da Autora, alterarem a estrutura do imóvel, o que não deixa de afectar o equilíbrio das posições contratuais.

Não obstante, foi clausulado que todas as obras e benfeitorias

efectuadas pelo locatário ficariam a fazer parte integrante do arrendado, não podendo ser levantadas sem seu detrimento.

Os locatários seriam, então, indemnizados pelo valor das obras que não pudessem ser levantadas sem detrimento do prédio.

A extensão e magnitude das obras foi grande como decorre da

factualidade que consta dos itens 11) a 22) que aqui se tem por reproduzida, sendo certo que essa mesmas obras não obtiveram a autorização da Autora. Sendo a cláusula 7ª limitativa da remodelação a dar ao locado pelos RR., [que teriam que fazer obras de vulto na cave e rés-do-chão], sendo

obrigação do locador proporcionar ao locatário o gozo do locado para os fins a que destina – art. 1031º a) do Código Civil – sendo que no caso a Autora não poderia ignorar que autorizara a realização de obras destinadas ao exercício, no locado da actividade industrial e comercial de cafetaria e exploração de bilhares o que implicava uma utilização totalmente nova prédio, já que anteriormente ele nem sequer tinha qualquer divisória na cave e no rés-do-chão, importa, numa perspectiva de ponderação dos interesses das partes, das regras da boa-fé – art. 762º, nº1, do Código Civil – e do equilíbrio contratual, atender à utilidade económica e aos fins empresariais dos RR., sopesando,

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com prudência, se as obras realizadas efectivamente violaram a lei e o contrato.

Sem dúvida que obras, como as que são descritas em 40) a 72) e 73) a 79), dos factos provados implicaram a criação de infra-estruturas sem as quais o estabelecimento não poderia funcionar.

Como poderia funcionar no locado um estabelecimento destinado ao exercício da actividade industrial e comercial de cafetaria e exploração de bilhares se não fossem feitas, por exemplo, divisórias nas paredes para

proporcionar claridade, obras destinadas a garantir segurança nas escadas de acesso entre as divisões (cave e rés-do-chão) e a construção de duas casas de banho?

Quaisquer obras que em espaços abertos, como eram os existentes na cave e rés-do-chão, que implicassem aproveitamento do espaço com a

construção de paredes, obviamente implicariam a alteração na disposição interna das divisões (onde nenhuma havia, passaram a existir duas), não havendo antes qualquer estrutura própria de um café e sala de bilhares, as obras teriam que ser de magnitude para que legalmente pudessem ser autorizadas.

Se apontamos estes factos é para significar que o juízo a fazer, postulado pela proibição contida no art. 64º d) do RAU, não pode escamotear que do nada (passe a expressão), os RR. teriam que construir um estabelecimento para finalidade que a Autora não ignorava e que implicava a realização de obras de vulto, como sem dúvida, foram as que os RR. levaram a cabo no locado.

Sem a realização das obras que foram efectuadas, o estabelecimento não poderia funcionar em termos de assegurar o gozo e fruição que a Autora sabia ser o que seria pretendido pelos RR. e que, como locadora, teria que assegurar.

A Relação, depois de afastar que certas obras violaram a lei e o contrato, escreveu:

“Assim que para todos os efeitos, e com excepção as obras referentes à canalização e rede de esgotos do rés-do-chão e cave, justificadas pela

deterioração da anteriormente existente e pelas inundações que originava, todas as demais serão de considerar obras ilícitas, e na medida em que se considere que consubstanciam alteração substancial da estrutura externa ou da disposição interna das suas divisões, ou que consubstanciem deterioração

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considerável, serão fundamento resolutivo à luz do art. 64º/1/d) do RAU, aplicável à situação em análise”. (fls.977 verso)

[…]

“Já no entanto a demolição da laje do R/C numa área de cerca de 4m2,

deixando um vão aberto onde foi construída uma escada para acesso à cave, e a construção nesta de uma parede em blocos de cimento para suporte da laje existente (11, 12, 13), são manifestamente obras que alteram

substancialmente a divisão interna do edifício, e a sua estrutura.

Aliás a placa de um pavimento é um elemento estrutural, não pode deixar de considerar-se como danos consideráveis a abertura desse vão, bem como a abertura na placa do teto de buraco com 20 cm de diâmetro (17).

Da mesma forma a abertura, na parede da fachada do lado nascente um buraco com 60 cm x 40 cm, onde aplicaram uma chaminé em zinco, para a saída de fumos e odores não pode deixar de considerar-se como alteração substancial da estrutura externa do edifício.” (fls.978)

Concluindo que estas obras constituem fundamento resolutivo, o Acórdão, discordando da sentença, considerou existir fundamento para a resolução do contrato.

Em nota ao art. 64º d) do RAU, o saudoso Conselheiro Aragão Seia, obra citada, págs. 370 a 375, (excluímos as notas de rodapé), escreveu:

“É obrigação do arrendatário não fazer do prédio uma utilização imprudente — al. d) do art.1038° do Código Civil.

Já vimos que nos prédios urbanos podem ter lugar obras de conservação ordinária, obras de conservação extraordinária e obras de beneficiação; em que consistem e quem as pode executar; e que os arrendatários podem

realizar pequenas deteriorações para assegurar o seu conforto e comodidade, que devem reparar antes da restituição do prédio, salvo estipulação em

contrário, e deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em

conformidade com os fins do contrato, sem qualquer obrigação de as reparar antes da entrega ao senhorio.

Sem autorização por escrito do senhorio o arrendatário não pode efectuar no prédio arrendado.

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— obras que alterem substancialmente a estrutura externa

— obras que alterem substancialmente a disposição interna das divisões — actos que injustificadamente causem deteriorações consideráveis.

Se as obras, embora não autorizadas por escrito, não se enquadrarem nestes parâmetros não são fundamento de despejo, mas podem sê-lo de um pedido de indemnização ou de reposição no estado anterior a elas.

Com efeito, não se tratando de pequenas deteriorações, para assegurar o conforto e comodidade ou que resultem de uma prudente utilização, ou de benfeitorias, para conservar ou melhorar, violado o regime locativo, na medida em que o arrendatário só tem o direito de gozo e não de transformação do arrendado, o senhorio, com base na responsabilidade contratual, pode exigir uma indemnização e, atento o disposto no nº1 do art. 1043.° do Código Civil, a reposição do locado no estado em que o entregou, o que pode acontecer antes do fim do contrato, já que o arrendatário é obrigado, nos termos desta

preceito, a manter o arrendado no estado em que o recebeu.

O termo substancialmente, que se refere tanto à estrutura externa do prédio como à disposição interna das suas divisões tem de ser tomado na acepção de consideravelmente.

A lei não define um critério que permita caracterizar o que denomina de alteração substancial ou de deteriorações consideráveis.

Parece que, só caso a caso, será possível proceder a essa determinação sem esquecer que o arrendatário tem apenas o gozo do prédio cedido pelo

senhorio, pertencendo apenas ao proprietário o direito de transformação. Tem de se entender porém, que este autoriza o arrendatário a efectuar as obras necessárias à adequação do arrendado à finalidade do arrendamento. Essas alterações ou deteriorações têm de ser imputáveis ao arrendatário ou às pessoas que consigo convivem. Se o autor for um terceiro, estranho ao contrato, não se verifica a previsão desta al. d).

Como já se escreveu, o julgador para formular um juízo seguro sobre as alterações ou deteriorações deve atender a um critério de razoabilidade considerando, por um lado, a boa-fé do inquilino e o objectivo por ele tido em vista e, por outro a situação do senhorio que não pode sacrificar a estrutura do local às comodidades do arrendatário, sobretudo quando isso possa implicar uma diminuição do valor locativo; por deteriorações consideráveis dever-se-á

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