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PSICANÁLISE E OS NOVOS LAÇOS SOCIAIS: PARA ALÉM DO ÉDIPO

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Academic year: 2021

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CEP

CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

PSICANÁLISE E OS NOVOS LAÇOS SOCIAIS:

PARA ALÉM DO ÉDIPO

DENISE LEVY

Trabalho apresentado como parte dos requisitos para o Curso de Formação em Psicanálise.

Turma: Ciclo II – Quintas-feiras das 18h00 às 21h00.

SÃO PAULO

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Justificativa do trabalho

Este semestre nos foram apresentadas diversas teorias e conceitos que tratam da constituição do sujeito e dos processos de construção do aparelho psíquico. Estes são os temas a partir dos quais elaborei este trabalho.

Tomando como referência as aulas sobre Freud e Lacan, proponho não exatamente uma reedição do conteúdo abordado em aula, mas sim uma releitura do tema a partir dos novos organizadores sociais na chamada Era da Globalização.

Este trabalho, que traduz as minhas reflexões a respeito dos temas tratados durante o semestre, traz em si parte do meu percurso pessoal, a saber:

1. Meu interesse pela psicanálise lacaniana e

2. Meu percurso profissional como educadora, tendo como foco de pesquisa os possíveis diálogos entre a psicanálise e a educação.

Não utilizei a bibliografia proposta para as aulas, que já foram lidas e discutidas coletivamente. Busquei bibliografias complementares que me possibilitassem, a partir do tema proposto, novas articulações. Espero que minha proposta, embora pouco acadêmica, atenda às expectativas do curso de formação do CEP.

Atenciosamente,

___________________________________ Denise Levy

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Psicanálise e os novos laços sociais: para além do Édipo

O ser humano não nasce sabendo

Dotado da estrutura biológica mais imatura dentre todos os animais, nada do que tem lhe garante a sobrevivência e a humanidade, que lhes serão dadas de fora, por meio da linguagem e de sua relação com o outro.

O homem nasce em um mundo com uma cultura e uma história que o precedem. É falado antes mesmo do seu nascimento e é imerso desde sempre no campo da palavra e da linguagem. É por meio da linguagem e da interação com o outro que se apropriará das convenções simbólicas que permitirão sua entrada na sociedade. Freud nos apresenta o mito de Édipo e a castração simbólica como condição para a constituição do sujeito. Lacan enfatiza a experiência especular enquanto fundadora da estrutura psíquica, com a entrada no registro do imaginário, a separação da mãe e o surgimento do sujeito dividido que se constitui enquanto falta a ser e se aliena no campo do Outro.

Édipo, linguagem, narcisismo, castração... Como pensar esses organizadores em uma sociedade pós-moderna que exige novas formas de subjetivação? Como pensar a falta em um mundo de excessos que instiga o sujeito à insaciabilidade e ao gozo a qualquer preço? Como pensar a função paterna em famílias que se apresentam nos mais diferentes formatos e nas quais os papeis são constantemente relativizados? Como pensar a castração em um mundo tecnocientificista com a promessa de saberes ilimitados capazes de desafiar as próprias leis da vida? O mundo mudou mais nos últimos cem anos do que nos dois mil anos que os precederam.

O século XX foi marcado pela reconstrução de valores tradicionais que, abalados em seus alicerces, nos guiou rumo à grandeza da globalização capitalista, oferecendo inúmeras possibilidades de avanços, ampliando nossos horizontes tecnológicos, políticos, econômicos, sociais, culturais e familiares (FERRY, 2010).

O filme A Rede Social (2010) retrata a evolução do Facebook. Criado por um jovem universitário em 2003, a rede captou em apenas 6 anos 500 milhões de usuários no mundo inteiro, revolucionando a comunicação global. A onda revolucionária de protestos contra as ditaduras nos países árabes, conhecida como Primavera Árabe, foi atribuída ao poder viral de propagação das redes sociais. Em pouco tempo foram abaladas as lideranças políticas no Egito, Tunísia e Líbia.

As tecnologias da informação e da comunicação ultrapassam fronteiras superando diferenças culturais, etárias e geográficas. Surgem novas formas de laços sociais. A Sociedade da Informação e seus discursos com pretensão de verdade desconstroem valores e homogeneízam populações. Podemos, à luz da psicanálise, refletir sobre os novos organizadores sociais e sua influência no processo da constituição psíquica do sujeito e com a construção de novos saberes?

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Os novos organizadores sociais e o declínio da função paterna

“À medida que a demanda dos adultos visa a montagem de um cotidiano de relações adequadas, coloca-se a educação das crianças, e em geral a vida junto delas, no registro da complementaridade”. (LAJONQUIÈRE, 2006)

A educação implica uma questão geracional. A dívida simbólica sustenta a transmissão da educação e a herança recebida de outras gerações impulsiona novas ações. Ao longo da história da humanidade a educação é constantemente contestada e antigos valores dão lugar a novas ideologias.

Na era da globalização, mudam as formas de subjetivação promovidas pelas figuras parentais e a forma do sujeito se relacionar com a figura de autoridade. Os novos padrões sociais modificam a dinâmica da estrutura familiar. O poder decisório da família perde espaço para as redes sociais, que evidenciam sua força como “modelos” na (re)construção dos processos identificatórios. Buscando expressar sua identidade, o sujeito busca novas significações que sustentem seus significados em uma sociedade não mais pai-orientada, em que as posições dos próprios membros da família são relativizadas: nas redes sociais pais são amigos dos filhos, professores são amigos dos alunos. As redes de relacionamento virtuais subvertem a lógica da distância geracional horizontalizando as estruturas hierárquicas familiares e acadêmicas. O esvaziamento das diferenças entre jovens e velhos, crianças e adultos, alunos e professores não é sem consequência. Tal nivelamento só é possível em detrimento da autoridade que o adulto parece querer recusar (ARENDT, 1979).

As novas redes de relacionamento não são estruturadas pela autoridade ou pela tradição. Os jovens buscam se colocar frente às exigências de uma comunidade virtual que a um só tempo universaliza e segrega, cria exclusões e fabrica inclusões, esvazia progressivamente a diferença entre o público e o privado. O sujeito é exposto ao mundo e a privacidade é um bem em escassez. A coletivização das informações por meio de monólogos articulados estabelece uma nova forma de relação com os objetos e impulsiona a alienação individual. Voltolini (2009) aponta a criação de uma sociedade homogeneizante e imediatista que oferece a primazia do princípio do prazer sobre o princípio da realidade, o primado do Eu sobre o objeto, um convite ao gozo imediato, constante e irrestrito. Liberdade e poder que colocam o sujeito frente à tarefa de saber o que fazer deles.

As mídias sociais rompem todas as fronteiras e demonstram sua força de manipulação nas esferas econômica, cultural e política. Utilizadas como meio de comunicação em massa, as redes sociais são formadoras de opinião, informando e sensibilizando a opinião pública, universalizando conflitos, organizando manifestações. Angariando a simpatia de milhões de adeptos ao redor do mundo, essas mídias se autorizam a ditar novos parâmetros de conduta e incitam o jovem a se (re)inserir no mundo pela ação.

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A sociedade da informação legitima o discurso da ciência e os progressivos avanços tecnológicos oferecem atalhos para o conhecimento, corroborando o discurso capitalista que banaliza o saber transformando-o em mercadoria e objetivando o sujeito. Os valores e expectativas gerados pelos novos padrões sociais encorajam e impulsionam a incessante busca pelo saber e a ilusão do conhecimento ilimitado. O sujeito, exposto ao bombardeio de informações, busca aplicar conhecimentos, mas não se implica via construção de saberes.

“A ciência não mais é pensada como uma atividade específica entre outras do ser humano, mas como alguma coisa cujo impacto social altera a dinâmica do que produz os laços sociais (...) principalmente pelo seu empenho em dar uma imagem de respeitabilidade e discernimento a um conhecimento constituído que sempre está, por sua vez, de algum modo ligado ao impulso dos indivíduos a um consumo que lhes fará bem.” (VOLTOLINI, 2007,p.199).

A experiência especular e a constituição do sujeito

Freud nos traz o mito do Édipo e a figura do pai como condição para a fundação de um sujeito e a determinação da estrutura psíquica. Seus textos pontuam conceitos primordiais no processo de constituição do sujeito, tais como castração, narcisismo e identificação. Em sua releitura aos textos Freudianos, Lacan reforça os conceitos freudianos e vai ainda além, com os Nomes do Pai e a metáfora paterna, o eu ideal e o ideal de Eu e o sujeito do desconhecimento, alienado no campo do Outro. Se por um lado os conceitos freudianos e lacanianos traduzem o que há de mais essencial à constituição do aparelho psíquico, faz-se necessário compreendê-los e articulá-compreendê-los a partir dos novos organizadores sociais do mundo ocidental da pós-modernidade, que pouco se assemelha à sociedade pai-centrada do século XIX e início do século XX.

A experiência do espelho é muito maior e vai além do momento de uma maturação. Ela é a evidenciação do papel determinante que ocupa o imaginário na constituição do eu. Lacan descreve a cristalização originária da experiência especular como a forma intuitiva pela qual o sujeito busca sua unidade, a matriz simbólica onde o eu se precipita em forma primordial antes de se objetivar na dialética de identificação com o outro e antes mesmo que a linguagem lhe restitua no universal uma função de sujeito (ASSOUN, 2003). É o momento da captura imaginária da qual emerge o eu enquanto função de desconhecimento. O eu colocado entre a eterna busca e o eterno desencontro de toda ilusão de autonomia, a transformação que se produz no sujeito quando assume para si um ideal de imagem. É na figura do outro, para além de sua própria imagem, que o sujeito busca a unidade e a completude que lhe são recusadas. A completude do outro na dimensão imaginária representa, a um só tempo, rivalidade e identificação. Para além do registro do imaginário, lugar de distinção da relação imaginária entre eu e o outro, Lacan representa no registro do simbólico o grande Outro, como lugar da linguagem e da lei, a voz da cultura. É ele quem ocupa o lugar de ideal do Eu, no qual o sujeito projeta as aspirações de seu eu infantil e narcísico, que guarda a ilusão da perfeição e da completude. Na chamada era da globalização, quem é esse grande Outro que ocupa o lugar de ideal do Eu, no qual os jovens se espelham e se alienam?

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Autorizadas pela sociedade da informação e legitimadas pelo sujeito, as Tecnologias da Informação e da Comunicação são talvez o mais poderoso instrumento de transmissão da cultura. Em um cenário que dispensa mediadores, mudam as formas de subjetivação promovidas pelas figuras parentais, muda a maneira do sujeito se relacionar com a figura de autoridade nas esferas familiar, profissional e acadêmica. Os novos laços sociais, impulsionados pela tecnologia da informação e da comunicação não são apenas construídos por palavras, mas por atos e constante redistribuição de papeis. Os recursos tecnológicos revolucionam os conceitos de distância e temporalidade. As redes virtuais tornam-se a nova forma de comunicação da sociedade pós-moderna, estreitando laços virtuais e promovendo o declínio das relações presenciais. Alterando a forma como a palavra do Outro é endereçada ao sujeito, privilegiam o império dos sentidos, em detrimento da busca do sentido. O sujeito da globalização, aberto a todas as conexões, se submete à lógica do consumo prêt-à-porter e do gozo imediatista, alimentando os anseios de uma geração que se aloja maciçamente no discurso capitalista. O conhecimento se torna uma mercadoria e o desejo de saber conflita com as expectativas da sociedade normalizada, esvaziando o que poderia sustentar qualquer desejo de saber.

“Que o objeto vença significa que no lugar de uma lógica (desejante), na qual cada objeto não seria percebido senão sobre um fundo de ausência (simbólico) em relação ao qual seu brilho (fálico) se sustentaria, viria outra lógica, na qual o objeto é proposto como real e adequado à sua demanda; demanda que já não guardaria mais uma relação dialética com o desejo, sempre particular, mas que nasceria das qualidades contidas no objeto mesmo, e concebidas para criar a demanda sobre ele.” (VOLTOLINI, 2007, p.202)

Na era pós-moderna da globalização as regras de cidadania tornam-se secundárias frente aos valores universais. A globalização sugere uma nova ética que questiona tradições e valores, desafiando e modificando a estrutura das culturas institucionalizadas, mas não fornece dispositivos para que o sujeito sustente internamente as exigências externas.

Este trabalho de pesquisa não se propõe a fornecer respostas, mas sim a trazer elementos que suscitem possíveis reflexões, questionamentos e articulações. Assim, termino este trabalho, assim como iniciei: Édipo, linguagem, narcisismo, castração... Como pensar esses organizadores em uma sociedade pós-moderna que exige novas formas de subjetivação? Como pensar a falta em um mundo de excessos que instiga o sujeito à insaciabilidade e ao gozo a qualquer preço? Como pensar a função paterna em famílias que se apresentam nos mais diferentes formatos e nas quais os papeis são constantemente relativizados? Como pensar a castração em um mundo tecnocientificista com a promessa de saberes ilimitados capazes de desafiar as próprias leis da vida? O mundo mudou mais nos últimos cem anos do que nos dois mil anos que os precederam.

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REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1979 ASSOUN, Paul-Laurent. Que sais-je? – Lacan. Paris: Presses Universitaires de France, 2003 FERRY, Luc. Famílias, Amo Vocês. Objetiva, Rio de Janeiro, 2010

LAJONQUIÈRE, Leandro. A psicanálise e o debate sobre o desaparecimento da infância. In

UFRGS: Educação & Realidade, v.31, PP.89 – 106, 2006

VOLTOLINI, Rinaldo. Pensar é desejar. In Freud Pensa a Educação. Editora Segmento, 2009 VOLTOLINI, Rinaldo. O discurso do capitalista, a psicanálise e a educação. In LEITE, Nina V.A; AIRES, Suely; VERAS, Viviane (ORGS). Linguagem e Gozo. São Paulo: Mercado das letras, 2007

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