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Panorama Macroeconômico

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FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS

ISSN 1234-5678

Nº 314 Novembro / 2006

Antonio Lanzana e Luiz Martins Lopes destacam a aceleração do ritmo de crescimento como o grande desafio para os próximos anos, e expõem o papel do investimento e do aumento da produtividade para o sucesso desta tarefa.

Arnaldo Mazzei Nogueira faz um balanço das relações trabalhistas no setor público du-rante o governo FHC, em comparação com os dois primeiros anos do governo Lula. Rodrigo Mantovani Policano inicia uma série de dois artigos sobre a sensibilidade da política monetária no Brasil apresentando alguns resultados para o período 1995-2005. Antonio Carlos Lima Nogueira dá seqüência à série iniciada na edição anterior, analisando os impactos da proteção à propriedade intelectual sobre o sistema produtivo de sementes de soja no País.

Daniela Corrêa analisa dados publicados recentemente pelo DIEESE e aponta algumas tendências atuais da participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas no Brasil.

Iraci del Nero da Costa comenta algumas alternativas políticas do Presidente Lula para a sustentação do apoio obtido nas últimas eleições, e possível ampliação de sua base de apoio para o próximo pleito eleitoral.

Segundo a Carta Fipe, a tentação de agradar o eleitor mediano levaria à diminuição do esforço fiscal. Rodrigo Celoto avalia os resultados das contas públicas e destaca a queda no superávit primário do governo nos primeiros nove meses do ano em comparação com o mesmo período de 2005, e o crescimento da receita total no mesmo período. Para Roberto Luis Troster é importante que o ciclo de reduções da taxa básica se reflita na expansão do crédito. Simão Davi Silber destaca a manutenção do ambiente externo favorável e coloca o

crescente desequilíbrio no balanço de pagamentos norte-americano como a principal ameaça à continuidade deste cenário. Fernando Homem de Melo aponta perspectivas de melhora na rentabilidade

do setor agrícola para a safra 2006/07. Manuel Enriquez Garcia comenta dados do IBGE para o nível de atividade e

emprego, e destaca a taxa recorde de investimento no segundo trimestre de 2006, a maior desde 1997.

Panorama Macroeconômico

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INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO

ISSN 1234-5678

CONSELHO CURADOR

Hélio Nogueira da Cruz (Presidente) André Franco Montoro Filho Andrea Sandro Calabi Joaquim José Martins Guilhoto Ricardo Abramovay Maria Cristina Cacciamali Simão Davi Silber DIRETORIA

DIRETOR PRESIDENTE

Carlos Antonio Luque DIRETOR DE PESQUISA

Eduardo Haddad DIRETOR DE CURSOS

Paulo Picchetti PÓS-GRADUAÇÃO

Dante Mendes Aldrighi SECRETARIA EXECUTIVA

Domingos Pimentel Bortoletto COORDENAÇÃO DE PUBLICAÇÕES - SUPERVISÃO EDITORIAL E PRODUÇÃO

Eny Elza Ceotto EDITOR CHEFE

Gilberto Tadeu Lima CONSELHO EDITORIAL

Ivo Torres Lenina Pomeranz Luiz Martins Lopes José Paulo Z. Chahad Maria Cristina Cacciamali Maria Helena Pallares Zockun Simão Davi Silber ASSISTENTES

Maria de Jesus Soares Luis Dias Pereira PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO

Sandra Vilas Boas

Nº 314 NOVEMBRO DE 2006

AS IDÉIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE PANORAMA MACROECONÔMICO

carta Fipe ... 3 finanças públicas ... 4

RodRigo RodRigues Celoto

política monetária ... 6

RobeRto luis tRosteR

setor externo ... 7

simão davi silbeR

agricultura ... 8

FeRnando Homemde melo

nível de atividade e emprego ... 10

manuel enRiquez gaRCia

ARTIGOS 12 ... investimento e produtividade – desafios para 2007 e próximos anos

antonio lanzana, luiz maRtins lopes 16 ... um balanço das relações de trabalho no setor público brasileiro

na transição do governo FHC para o governo Lula

aRnaldo mazzei nogueiRa 23 ... a sensibilidade da política monetária no Brasil: 1995-2005

RodRigo mantovani poliCano 25 ... propriedade intelectual na indústria de sementes no Brasil:

impactos na cultura da soja

antonio CaRlos lima nogueiRa 31 ... tendências recentes da participação nos lucros ou resultados no Brasil

daniela CoRRêa 34 ... o segundo mandato: um programa possível

iRaCidel neRoda Costa 36 ... regra monetária, chaveamento markoviano e funções-resposta a impulso

dependentes de regimes: uma avaliação da política monetária brasileira ao longo do Plano Real

RaFael HenRique RodRigues moReiRa 40 ... uma proposta justa e viável para reformar a Previdência Social

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novembro de 2006

panorama macroeconômico

carta Fipe

acertar o problema da previdência e recompor a atual estrutura de gastos públicos. Qualquer escolha muito diferente desagradaria ao eleitor mediano.

Infelizmente, seria a partir de agora que o superávit de 4,25% do PIB passaria a ter um efeito positivo, com círculo virtuoso, pois a dívida passaria a cair de modo significativo, abrindo espaço para a redução dos juros e expansão do financiamento ao setor privado. Ao contrário, a tentação de atender ao eleitor mediano nos levaria a diminuir o esforço fiscal, aumentando os gastos públicos. Isto nos levaria a uma política mone-tária ainda mais apertada e câmbio mais valorizado. O crescimento econômico seria prejudicado. Longe ficaria o objetivo de 5,0% ao ano.

Essa escolha de menor crescimento econômico pode ser uma cilada. Em vinte anos, um crescimento eco-nômico vigoroso tem um efeito muito maior sobre a redução da pobreza que qualquer política de distri-buição que não esteja relacionada à educação. Como sempre, sabemos que a maioria das escolhas públicas envolve um conflito de gerações.

Será que o eleitor mediano brasileiro tem uma taxa de desconto muito alta que o faz escolher, como pre-ferível, sacrificar o crescimento econômico em troca de se beneficiar no presente com um nível maior de gastos públicos? Se tomarmos o nível de taxa de juros (taxa de desconto do consumo futuro) que esse eleitor está disposto a pagar, para antecipar o seu consumo, teremos a resposta.

Passadas as eleições, e reeleito o Presidente Lula, o governo iniciou conversações e o debate interno sobre eventuais mudanças na política econômica, em especial tendo como objetivo o alcance de um crescimento econômico da ordem de 5,0% ao ano. Apenas como referência, a taxa média de crescimen-to do PIB nos últimos doze anos foi cerca de metade dessa taxa-objetivo.

Toda escolha pública tem a dificuldade da irraciona-lidade. No Brasil, o melhor exemplo dessa escolha é o nível de gastos públicos. O eleitor mediano brasileiro, aquele que determina o rumo político do País, não paga impostos diretos (renda) e, por desinformação, acredita que também não paga impostos indiretos (consumo). Deste modo, sua escolha racional (do seu ponto de vista) é por mais gastos públicos, uma vez que ele tem a percepção de que não paga por eles.

De outro lado, a chamada “classe média” que, na realidade, são os 20% mais ricos da população, paga uma carga pesada de impostos diretos, principalmen-te sobre a renda, e também sabe que paga impostos indiretos, principalmente em seus gastos de consumo. Além disto, a “classe média” não utiliza os serviços públicos de saúde (paga por planos de saúde) e edu-cação (paga escolas particulares). Excetua-se o caso da universidade pública. A “classe média” considera-se sacrificada (exemplo: a não correção da tabela do imposto de renda) e, obviamente, fica insatisfeita com a escolha do eleitor mediano.

Do ponto de vista político, será muito difícil manter o atual nível de esforço fiscal de superávit primário,

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novembro de 2006

R$ milhões Correntes % PIB

2005 2006 2005 2006

Discriminação Jan-Set Ano Jan-Set Jan-Set Ano Jan-Set

Nominal 33 647 63 641 41 127 2,38 3,28 2,70 Governo central 47 398 73 284 50 119 3,35 3,78 3,29 Governo federal1/ 45 906 74 106 42 258 3,24 3,82 2,77 Bacen 1 492 - 822 7 861 0,11 -0,04 0,52 Governos regionais -1 145 5 416 7 498 -0,08 0,28 0,49 Governos estaduais -1 380 4 755 5 749 -0,10 0,25 0,38 Governos municipais 236 661 1 749 0,02 0,03 0,11 Empresas estatais -12 607 -15 060 -16 491 -0,89 -0,78 -1,08 Empresas estatais federais -11 309 -14 248 -12 787 -0,80 -0,74 -0,84 Empresas estatais estaduais -1 412 - 940 -3 849 -0,10 -0,05 -0,25 Empresas estatais municipais 115 128 145 0,01 0,01 0,01

Juros nominais 120 149 157 146 121 653 8,49 8,11 7,99 Governo central 100 862 129 025 99 543 7,12 6,66 6,53 Governo federal1/ 99 594 130 159 91 841 7,03 6,72 6,03 Bacen 1 268 -1 134 7 703 0,09 -0,06 0,51 Governos regionais 17 905 26 739 23 559 1,26 1,38 1,55 Governos estaduais 14 583 21 949 19 585 1,03 1,13 1,29 Governos municipais 3 322 4 790 3 974 0,23 0,25 0,26 Empresas estatais 1 381 1 381 -1 449 0,10 0,07 -0,10

Empresas estatais federais - 57 -1 070 -3 098 0,00 -0,06 -0,20 Empresas estatais estaduais 1 278 2 220 1 479 0,09 0,11 0,10 Empresas estatais municipais 161 230 169 0,01 0,01 0,01

Primário -86 502 -93 505 -80 526 -6,11 -4,83 -5,29 Governo central -53 464 -55 741 -49 424 -3,78 -2,88 -3,24 Governo federal -78 185 -93 629 -83 663 -5,52 -4,83 -5,49 Bacen 224 312 158 0,02 0,02 0,01 INSS 24 497 37 576 34 080 1,73 1,94 2,24 Governos regionais -19 050 -21 323 -16 061 -1,35 -1,10 -1,05 Governos estaduais -15 963 -17 194 -13 836 -1,13 -0,89 -0,91 Governos municipais -3 087 -4 129 -2 225 -0,22 -0,21 -0,15 Empresas estatais -13 988 -16 440 -15 041 -0,99 -0,85 -0,99 Empresas estatais federais -11 252 -13 178 -9 689 -0,79 -0,68 -0,64 Empresas estatais estaduais -2 690 -3 160 -5 328 -0,19 -0,16 -0,35 Empresas estatais municipais - 46 - 102 - 24 0,00 -0,01 0,00

RodRigo RodRigues Celoto (*)

finanças públicas

Necessidades de Financiamento do Setor Público

O superávit primário do governo federal de janeiro a setembro foi de R$ 80,5 bilhões (5,29% do PIB), um superávit menor que o do mesmo período do ano passado de R$ 6,5 bilhões (6,11% do PIB).

O governo central obteve um superávit de R$ 49,4 bi-lhões (3,24% do PIB), sendo R$ de 83,6 bibi-lhões (5,49% do PIB) do governo federal, de R$ 158 milhões (0,01% do PIB) o déficit do BACEN e de R$ 34 bilhões (2,24% do PIB) o déficit do INSS.

Os governos regionais alcançaram um superávit primário de R$ 16,06 bilhões (1,05% do PIB), sendo de R$ 13,8 bilhões (0,91% do PIB) e R$ 2,22 bilhões (0,15% do PIB) os superávits dos governos estaduais e municipais, respectivamente.

As estatais tiveram um superávit de R$ 15 bilhões (0,99% do PIB), sendo R$ 9,6 bilhões (0,64% do PIB) das estatais federais, R$ 5,3 bilhões (0,35% do PIB) das estatais estaduais e R$ 24 milhões das estatais municipais.

tabela 1 - necessidades de financiamento do setor público

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novembro de 2006 Jan-Set 2005 2006 % 06/05 Receita Total 351.307 396.141 12,8% Receitas do Tesouro 275.028 309.673 12,6% Receita da Previdência 75.204 85.400 13,6% Receita do Banco Central 1.075 1.068 -0,6% Transferências 60.123 67.684 12,6% Receita Líquida 291.184 328.458 12,8% Despesa Total 241.490 280.181 16,0% Despesas do Tesouro 140.490 159.475 13,5% Pessoal e encargos 66.367 74.423 12,1% Custeio e Capital 73.676 84.594 14,8% Transferências ao Banco Central 447 458 2,6% Despesas da Previdência Social 99.702 119.480 19,8% Despesas do Banco Central 1.298 1.226 -5,6% Result. Primário Governo Central 49.695 48.277 -2,9% Tesouro Nacional 74.416 82.515 10,9% Previdência Social (24.498) (34.080) 39,1%

Banco Central (224) (158) -29,4%

Resultado Primário Governo/PIB 3,51% 3,17% -9,7% Fonte: STN.

tabela 2 - resultado do Tesouro Nacional - R$ milhões

Os juros nominais no período foram de R$ 121,6 bilhões (7,99 % do PIB) contra R$ 120,14 bilhões (8,49 % do PIB) no mesmo período de 2005. As despesas com juros do governo central foram de R$ 99,5 bilhões (6,53% do PIB), dos governos regionais R$ 23,5 bilhões (1,55% do PIB) e das estatais uma receita de R$ 1,45 bilhões (0,10% do PIB).

O resultado nominal resultante no período foi de R$ 41,12 bilhões (2,7% do PIB) contra R$ 33,6 bilhões (2,38% do PIB) no mesmo período do ano anterior.

Resultado do Tesouro Nacional

A receita total do Governo Central cresceu 12,8% em termos nominais no acumulado de janeiro a setembro, saltando de R$ 351,3 bilhões para R$ 396,1 bilhões, um crescimento bastante superior à inflação do período.

As receitas do Tesouro subiram de R$ 275,0 bilhões no mesmo período do ano passado para R$ 309,6 bilhões em 2006, um crescimento de 12,6%. A receita da pre-vidência apresentou um crescimento de 13,6%.

As transferências tiveram um acréscimo de 12,6%, sendo de 12,8% o crescimento da receita líquida resultante.

As despesas totais cresceram 16% no período: de R$ 241,5 bilhões para R$ 280,2 bilhões. As despesas com pessoal e encargos cresceram 12,1%, alcançando R$ 74,4 bilhões, as despesas com benefícios previdenci-ários cresceram 19,8%, atingindo R$ 119,48 bilhões, e as despesas custeio e capital cresceram 14,8%, alcan-çando R$ 84,59 bilhões.

O resultado do Governo Central nos primeiros nove meses foi de $ 48,2 bilhões (3,17% do PIB), um de-créscimo de 2,9% em relação ao resultado de R$ 49,7

bilhões (3,51% do PIB) obtido no mesmo período de 2005. O déficit da previdência social cresceu de R$ 24,5 bilhões no mesmo período do ano passado para R$ 34,1 bilhões no ano em curso, um crescimento de 39,1%. O Banco Central apresentou déficit de US$ 158 milhões no período.

(*) Economista – Participante do Grupo de Conjuntura da FIPE. E-mail: rodrigo.celoto@h9.com.br

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novembro de 2006

Com crédito barato e abundante, aumenta a capaci-dade de endividamento de indivíduos e empresas e gera-se um impulso de demanda na economia, que no atual quadro conjuntural não é inflacionário.

Entretanto, é fundamental que o crédito se transfor-me num catalisador para o crescitransfor-mento e não vire um estímulo temporário de importação de bens de consumo. Para isto, o segundo conjunto de medidas é necessário. Deve-se focar no aumento do potencial de geração de riquezas existente, induzindo a mais investimento.

O maior incentivo para investir mais é melhorar o futuro. É fundamental adequar o Brasil para produ-zir, nos novos tempos, usando todo o seu potencial. As ações devem ocorrer em três frentes: a) educação básica, ampla, geral e irrestrita; b) reforma do Estado – política, tributária, da previdência, administrativa, da segurança e judicial; c) empresarial – adaptar o quadro produtivo a um país em transformação, com concorrência globalizada e câmbio valorizado, no qual o lema deve ser simplificar, desonerar, apoiar e adequar para produzir cada vez mais.

O quadro de estabilidade de preços e juros reais cain-do abre uma janela de estabilidade com algum espaço fiscal, que tira a urgência, mas não a importância, de amoldar o Brasil ao Século XXI. Deve evitar-se ime-diatismos, mas não postergar soluções. O resultado das mudanças será mais investimento no presente, criando-se, com isso, um círculo virtuoso de mais crescimento, mais investimento e maior espaço po-lítico para mais reformas. Neste cenário, imaginar o PIB crescendo 7% em 2010 é razoável.

(*) Fipe. E-mail: robertotroster@uol.com.br

A política monetária vive um quadro singular: os fatores que seguram a inflação, o câmbio e os preços vão continuar a atuar durante os próximos anos. A abertura comercial e financeira, o diferencial de juros internos e externos, a evolução da economia mundial, a dinâmica dos preços e a estrutura produtiva brasilei-ra fazem com que seja brasilei-razoável antecipar uma taxa de juros básica de um dígito em 2008, com estabilidade de preços e equilíbrio externo.

Se por um lado as projeções de juros, câmbio e inflação estão em queda, paradoxalmente, as de crescimento também estão caindo. As estimativas médias de cres-cimento para os próximos quatro anos são inferiores a 4% ao ano, e estão sendo reduzidas, criando um círcu-lo vicioso de projeções menores, menos investimento e, com isso, menos crescimento. Até a estimativa mais mencionada, ou seja, a de o Brasil crescer 5% em 2010, é muito pequena. Falta visão e falta ambição.

O ponto é que o quadro conjuntural modificou-se. Deve-se adequar a política econômica ao novo cená-rio. Há a necessidade de mudar, de se adaptar à nova realidade e há a oportunidade para se reverter o pes-simismo. Com isso, pode-se crescer mais, superando com folga as estimativas mais otimistas. Para tanto, são necessários dois conjuntos de medidas: criar um empurrão de demanda na economia e fazer com que o mesmo seja canalizado para investimentos e não se transforme numa bolha de consumo passageira.

O empurrão pode ser conseguido com um choque de crédito. Mesmo considerando que a taxa de juros básica está no seu nível histórico mais baixo, o custo para o tomador final ainda continua entre os mais altos do mundo. Um barateamento expressivo do crédito é necessário e factível. Depende apenas de o Poder Executivo zerar as alíquotas de toda a tributação do crédito, inclusive dos recolhimentos compulsórios.

RobeRto luis tRosteR (*)

política monetária

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novembro de 2006

Os indicadores da evolução da economia mundial sinalizam a continuidade de um cenário externo fa-vorável – embora em desaceleração – para a evolução da economia brasileira no curto prazo. As maiores preocupações estavam localizadas na trajetória da economia americana: uma economia aquecida, com papel importante desempenhado pelo “boom” imo-biliário e a possibilidade da inflação se manter em um patamar acima de 3% ao ano. Esta conjugação de eventos levaria, inexoravelmente, o Federal Reserve a continuar aumentando a taxa de juros de curto pra-zo, além de aumentar as chances de uma realocação abrupta de portfólio entre os Estados Unidos, Europa e Ásia, que poderia ocasionar uma desvalorização mais acentuada da moeda americana e um aumento dos Federal Funds para evitar uma queda abrupta do dólar. A grande ameaça que paira sobre a economia mundial continua sendo o crescente desequilíbrio do balanço de pagamentos dos Estados Unidos. As infor-mações disponíveis até setembro de 2006 indicam um patamar de déficit de transações correntes de 7% do PIB americano, proporção sem precedentes no perí-odo pós-guerra. Embora exista o risco de uma rápida desvalorização da moeda americana, em virtude da resistência de outros países (principalmente bancos centrais) em financiar o déficit externo dos Estados Unidos, parece pouco plausível que o Japão, União Européia e China deixem de apoiar uma desvaloriza-ção ordenada da moeda americana em troca de uma desvalorização rápida do dólar. As pressões inflacio-nárias decorrentes de uma rápida desvalorização do dólar levariam ao aumento de taxas de juros e a uma desaceleração do crescimento da economia americana e mundial com reflexos importantes sobre a liquidez internacional, repercutindo fortemente sobre os países emergentes.

Juros elevados nos Estados Unidos, acompanhados por idêntica política na União Européia e Japão,

provável com as informações estatísticas disponíveis até o final de outubro: o crescimento do PIB ame-ricano foi de apenas 1,6% no terceiro trimestre e o núcleo do índice de preços ao consumidor teve uma média de crescimento de apenas 2,3% nos últimos 12 meses. Adicionalmente, o preço médio dos imó-veis residenciais apresentou estabilidade no último trimestre, depois de subir sistematicamente desde o início do ano 2000. Desde 2000, o preço dos imóveis nos Estados Unidos já cresceu 70% em termos nomi-nais, sinalizando com a possibilidade de uma reversão rápida, estilo “estouro de bolha”, para os preços dos imóveis. Embora não descartada tal hipótese, uma estabilidade de preços diminui as chances de uma correção rápida de rota no mercado imobiliário, que poderia aumentar a probabilidade de desaceleração econômica e crise financeira na economia americana. Com isto, a economia americana deve terminar 2006 com um crescimento entre 3% a 3,2%, compatível com a expansão de seu PIB potencial, portanto na direção daquilo que se convencionou chamar de “soft landing”. Para os demais países desenvolvidos o panorama macroeconômico é semelhante. A União Européia deve ter um ano com recuperação do crescimento, devendo passar dos 1,3% observados em 2005 para 2,5% em 2006; o Japão terá um crescimento idêntico ao de 2005, ou seja, próximo de 2,5%. Com isto a eco-nomia mundial deverá crescer este ano 5% e a modesta redução do nível de atividade dos principais países do mundo projeta um crescimento de 4,9% em 2007. Trata-se, portanto, de um cenário externo benigno e muito parecido ao observado neste ano. A redução do preço internacional do petróleo e os consecutivos recordes da Bolsa de Valores de Nova York dão indi-cações de mesma tendência. Mesmo com este “céu de brigadeiro”, o crescimento médio do PIB brasileiro foi de 3%. Imaginem se a economia mundial vier a crescer a 2,5% nos próximos anos: cresceremos 1%?

simão davi silbeR (*)

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novembro de 2006

A safra 2006/07, ora em processo de plantio, será a segunda consecutiva de ajuste à política macroeco-nômica de juros elevados e taxa de câmbio apreciada. Entretanto, as variáveis internacionais estão mudando rapidamente e poderemos, muito bem, considerar o ano de 2006 como tendo sido o fundo do poço da crise agrícola. Esta nota abordará essa possibilidade.

Na safra 2005/06, recém-terminada, tivemos, pelos dados da CONAB – Companhia Nacional de Abaste-cimento – uma redução de 1.812 mil hectares na área com grãos (–3,7%). Na atual safra, 2006/07, a segunda estimativa da CONAB é de uma redução um pouco maior, de 1.873 mil hectares (–4,0%). O grande des-taque é a redução da área com soja, principalmente na região Centro-Oeste. No total, a redução foi de 2.485 mil hectares. Milho e trigo também tiveram apreciáveis reduções.

Até pouco tempo previa-se a continuidade da crise agrícola no decorrer de 2007, por conta da continuida-de da “âncora” cambial. O Relatório continuida-de Mercado do Ban-co Central do Brasil previa, em meados de novembro, uma taxa média de R$ 2,23/US$ no próximo ano. Isto seria extremamente desfavorável à comercialização agrícola. Entretanto, mudanças positivas estão em andamento, todas elas favorecendo a rentabilidade do setor. Elas são: a) menores custos de produção, re-sultado da apreciação cambial; b) elevação dos preços internacionais de grãos, milho, soja, trigo e arroz; c) drástica queda dos estoques mundiais, principalmente de milho e trigo – estes são os menores, proporcio-nalmente ao consumo, dos últimos vinte anos; d) os programas de bioenergia, por quase todo o mundo, mas principalmente nos Estados Unidos. Esta é uma mudança estrutural apenas recentemente percebida.

Evidentemente, algumas dessas mudanças estão in-terligadas, somando-se à quebra da safra australiana de trigo (e seus efeitos-substituição).

A elevação dos preços internacionais de grãos a partir dos últimos meses traz uma conseqüência extrema-mente favorável à agricultura brasileira, ou seja, maior rentabilidade na safra 2006/07. Isto é o resultado de menores custos de produção (conseqüência da apre-ciação cambial) e da elevação dos preços recebidos no momento de comercialização no primeiro semestre de 2007 (a razão sendo maiores preços externos). Como exemplo, vejamos os dados da Bolsa de Chicago para o milho: a) 08/2006: US$ 90/ton; b) 11/2006: US$ 136/ton; c) 05/2007: US$ 144/ton. Isto também indica que os produtores devem fazer proteção futura (hedge) com a nova linha de crédito do Banco do Brasil. O estoque mundial de milho, o menor em mais de 20 anos, está estimado em apenas 12,4% do consumo mundial em 2006/07. O consumo de milho nos Estados Unidos aumentou em mais de 20 milhões de toneladas para outros fins que não o de ração nos últimos dois anos. O estoque mundial de soja ainda é relativamente tranqüilo, mas o efeito-substituição na produção na safra 2007/08 está mantendo seus preços futuros em patamar elevado, ao redor de US$ 250/ton. Isto tam-bém compensará a apreciação cambial.

Os programas de bioenergia ao redor do mundo, principalmente no Brasil e nos Estados Unidos, de-verão levar a uma mudança estrutural no mercado mundial de grãos. No Brasil teremos a nova fase do programa do álcool, afetando as áreas de grãos e o preço internacional do açúcar. O programa do bio-diesel (soja) também contribuirá para isso, ainda que mais gradualmente.

FeRnando Homemde melo (*)

o ajuste agrícola está em andamento

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novembro de 2006

No resto do mundo, além do biodiesel (soja), a prin-cipal mudança é o programa do álcool nos Estados Unidos, a partir do milho. Em 2006 serão utilizados 53 milhões de toneladas de milho na produção de álcool combustível, o correspondente a 22% da produção norte-americana desse cereal. Em 2007, a previsão é de uma utilização de 88 milhões de toneladas naquele país. Evidentemente, os subsídios serão elevados (lá os derivados de petróleo não são tão tributados como no Brasil). Isto mexe com preços em todo o mercado de grãos no mundo e garantirá uma nova e melhor situação para a rentabilidade da agricultura brasileira, mesmo com a apreciação cambial.

(*) Professor Titular do Departamento de Economia da FEA-USP e Pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE. (e-mail:- fbhm@usp.br).

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novembro de 2006

Segundo informações do IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB), medido a preços de mercado, e referente ao segundo trimestre de 2006, em valor, alcançou a cifra de R$ 508,73 bilhões, em face dos R$ 480,16 bi-lhões obtidos em igual trimestre de 2005. Do montante registrado no segundo trimestre de 2006, R$ 453,8 bilhões são devidos ao Valor Adicionado a preços básicos, enquanto que os R$ 54,9 bilhões restantes constituíram-se em Impostos sobre a totalidade dos produtos. Ademais, analisando-se os componentes do Valor Adicionado observa-se que a Agropecuária contribuiu com R$ 37,9 bilhões, a Indústria com R$ 184,5 bilhões, ao passo que os Serviços totalizaram R$ 252,9 bilhões. O IBGE informa que no primeiro semestre de 2006 o PIB acumulou R$ 987,1 bilhões, e no referente à oferta, a Agropecuária atingiu R$ 72,9 bilhões, a Indústria R$ 352,2 bilhões e os Serviços R$ 501,3 bilhões.

Sob a ótica da renda, os dados coletados pelo IBGE dizem que, no segundo trimestre de 2006, a Renda Nacional Bruta atingiu o montante de R$ 492,4 bi-lhões, em face de R$ 462,5 bilhões em igual período de 2005, que a Poupança Bruta alcançou a cifra de R$ 118,3 bilhões, com um incremento de R$ 3,5 bilhões quando comparada com o segundo semestre de 2005. Assim, no primeiro semestre de 2006 a Renda Nacional Bruta atingiu o valor de R$ 955,8 bilhões, enquanto que a Poupança Bruta alcançou o montante de R$ 224,4 bilhões.

Focando a demanda agregada, no segundo trimestre de 2006, os dados do IBGE mostram que o Consumo das Famílias totalizou R$ 282,3 bilhões, o Consumo do Governo R$ 94,2 bilhões, a Formação Bruta de Capital Fixo situou-se em R$ 102,2 bilhões, enquanto que a variação de estoques atingiu a soma de R$ 13,4 bilhões. No setor externo, o registro mais importante foi a continuidade do superávit da Balança de Bens e

Serviços, que ficou superavitária em R$ 16,6 bilhões (R$ 78,6 bilhões de exportações e R$ 62,0 bilhões de importações). A taxa de investimento no segundo trimestre de 2006 registrou 20,1% do PIB, a maior taxa desde 1997 (que foi de 20,4%), e a relação Poupança/ PIB situou-se em 23,2%, apresentando uma queda de –0,7% em comparação com igual período de 2005.

Por outro lado, em termos pontuais, informações do mês de setembro de 2006 (as mais recentes até este momento), obtidas pela Pesquisa Industrial Mensal Produção Física do IBGE, mostram que em relação a agosto de 2006 a produção industrial apresentou taxa de crescimento negativa (–1,4%), sendo que no acumu-lado do ano o porcentual de alta foi de +2,7% e nos últimos doze meses houve um incremento positivo de apenas +2,3%. Segundo o IBGE, aumentos no ritmo de crescimento do produto industrial brasileiro, no acumulado do ano, foram observados em vinte e uma das vinte e três atividades pesquisadas, bem como em todas as quatro categorias de uso.

Dentre as atividades pesquisadas, e em relação a abril de 2006, as que registraram maiores altas foram: Veículos Automotores (+6,2%), Alimentos (+2,5%) e Máquinas e Equipamentos (+3,1%). Com os piores desempenhos situaram-se: Material Eletrônico e Equipamentos de Comunicações (–7,9%) e Outros Químicos (–2,7%).

Por sua vez, sob a ótica das categorias de uso, e ainda na comparação setembro de 2006 em face de agosto de 2006, a maior pressão negativa para o recuo de –1,4% foi proveniente do setor de Veículos Automotores, com recuo de –9,3%; do setor de Fumo, com queda de –26,6%, de Outros Produtos Químicos, com va-riação negativa de –3,2%, e de Outros Equipamentos de Transportes, com incremento negativo de –11,8%. Por seu lado, e na comparação com o mês

imediata-manuel enRiquez gaRCia (*)

nível de atividade e emprego

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Mensal de Emprego, contam que a taxa de desocu-pação foi de 10,0% em setembro de 2006, ou seja, –0,8% menor que a registrada no mês imediatamente anterior (que foi de 10,8%). O contingente de pessoas ocupadas situou-se em 20,7 milhões, ou seja, houve um incremento positivo de +1,2% comparativamente a agosto/06 e de +3,1% em face de igual período de 2005. Por seu turno, no que diz respeito ao rendimen-to médio da população ocupada, ocorreu queda de –0,8% na passagem de agosto/06 para setembro/06, passando de R$ 1.030,20 em agosto para R$ 1.003,23 em setembro. A Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE evidenciou que os homens representavam, em setem-bro/06, 55,6% dos ocupados, e as mulheres 44,4%; que a população entre 25 a 49 anos constituía 63,2% desse contingente; e que 52,1% das pessoas ocupadas tinham onze ou mais anos de estudo.

(*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP. E-mail: enriquez@usp.br

Os artigos do Panorama Macroeconômico foram escritos entre 31/10 e 22/11/06. mente anterior, todas a categorias de uso registraram

quedas na produção, com maior destaque para Bens de Consumo Duráveis (–4,4%), Bens de Capital e Bens Intermediários (ambas com quedas de –2,1%), enquanto que Bens de Consumo Semi e não Duráveis experimentaram queda de –0,2%.

Por seu turno, os dados da Pesquisa Industrial Men-sal Produção Física-Regional do IBGE apontam que a produção industrial registrou queda em oito dos 14 locais pesquisados. O recuo mais acentuado em relação a agosto/06 foi observado em Goiás (–2,7%). São Paulo registrou queda de –2,7%, bem acima do recuo apontado pelo IBGE para a média nacional. Destacaram-se, com variações positivas, na passagem de agosto/06 para setembro/06, os Estados do Espírito Santo (+9,9%), Pernambuco (+3,1%) e Rio Grande do Sul (+2,4%). No acumulado do ano, e em relação a igual período de 2005, os dados apontaram para crescimento do produto industrial em onze locais dos catorze pesquisados pelo IBGE. A indústria do Pará apresentou a maior expansão (+15,2%), sustentada pelas exportações de minério de ferro e produtos si-derúrgicos. Ainda com taxas acima da média nacional (+2,7%) encontram-se as indústrias do Ceará (+8,3%), do Espírito Santo (+6,8%), de Pernambuco (+4,4%), de Minas Gerais e da Bahia (ambos os Estados com incremento de +4,2%), da região Nordeste (+3,6%) e de São Paulo (+3,4%).

Quanto à população empregada, as informações co-letadas pelo IBGE em setembro de 2006, via Pesquisa

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novembro de 2006

antonio lanzana (*)

luiz maRtins lopes (*)

investimento e produtividade –

desafios para 2007 e próximos anos

artigos

Desde a implantação do Real (julho-1994), a econo-mia brasileira mostra grande evolução no sentido de atingir a estabilização, tanto interna como externa. O ritmo de crescimento dos preços vem convergindo para a casa dos 4%, praticamente acompanhando a taxa de inflação anual dos países emergentes mais bem posicionados. Ao mesmo tempo, observa-se substancial melhora nos indicadores externos, com saldos expressivos na balança comercial (e de transa-ções correntes) e saudável evolução da relação dívida externa/exportações.

Os resultados mais favoráveis obtidos em termos de estabilização não são corroborados, porém, pelo comportamento do PIB. Ao contrário, o crescimento de 2,5% a.a. registrado no período 1994/2005 pode ser considerado medíocre, principalmente se comparado à expansão de 4,5% anual da economia mundial e de cerca de 7% a.a. dos países emergentes.

O grande desafio da economia brasileira para 2007 e próximos anos é exatamente o de acelerar o ritmo de crescimento do produto, sem perder a conquista da estabilização. Entende-se que, para isso, será funda-mental não somente aumentar a taxa de investimento, mas também desenvolver esforços no sentido de elevar a produtividade da economia brasileira. O objetivo deste artigo é explicar os fatores que impactam essas

duas variáveis (investimento e produtividade), bem como analisar o comportamento das mesmas na evolução recente da economia brasileira.

Sabe-se que a capacidade de produção de um país depende do seu estoque de capital e da produtividade, e que o ritmo de expansão é determinado pelos acrés-cimos do estoque de capital (investimento) e pelos ganhos de produtividade. Assim, ter-se-ia:

(1)            ∆ = ∆ I y y I y y , em que yyé a taxa de crescimento do produto potencial.

Desagregando-se os dois termos da equação, pode-se explicar a questão do crescimento enfocando: a) a taxa de investimento (             y I , relação de investimento

sobre o produto); e b) a produtividade da economia

(            ∆ I

y , relação incremental produto/capital).

Vale destacar a importância do investimento [I], tanto para a manutenção do estoque de capital (de-preciação [I – IL]) como sua ampliação (por meio do investimento líquido [IL]). O crescimento é fruto da produtividade e da taxa do investimento líquido, da reposição da depreciação para manutenção da capacidade de produção e do ritmo de expansão da produtividade da economia. A equação simplificada

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acima omite o resíduo de expansão da produtividade. A forma agregada da relação investimento/produto apresentada na equação deve ser computada em ter-mos do investimento líquido, além do provimento da depreciação do capital.

Essa questão assume um papel importante tendo em vista a possível aceleração da taxa de depreciação nos últimos anos (principalmente em função de tecno-logia). Sinaliza que o investimento bruto precisa ser mais elevado para manter o mesmo nível de investi-mento líquido do passado.

Ainda em relação ao investimento, tem-se observado uma polêmica em relação à poupança necessária para financiá-lo. Enquanto alguns analistas enten-dem que a poupança é pré-requisito para viabilizar o investimento (portanto precondição para o cresci-mento), outros defendem a idéia de que a poupança é endógena, isto é, ela surge automaticamente com a expansão do PIB, quando aparecem as oportunidades de investimentos.

Quanto a essa discussão, entende-se que um tratamen-to mais adequado em termos de variáveis determinan-tes do investimento deve ser dividir o investimento em público e privado. No que respeita ao primeiro, pode-se considerar que a taxa de investimento do setor público depende da poupança pública, isto é, da diferença entre receita tributária e despesas correntes. No caso brasileiro, a carga tributária passou de 25% do PIB na década de setenta para 37% do PIB em 2005, mas as despesas correntes cresceram em ritmo muito mais acentuado, impondo forte redução na capacidade de poupança do setor público e conseqüentemente do investimento. Estima-se que a taxa de investimento público tenha caído de 7% na década de setenta para menos de 2% do PIB, atualmente.

É verdade que o próprio investimento tende a elevar as despesas correntes do setor público, mas não é isso que se tem observado no Brasil nos últimos anos. As principais pressões sobre a despesa pública advêm da previdência e dos juros. Enquanto na década de

se-tenta as despesas com juros reais representavam 0,6% do PIB, em 2005 alcançaram 7,3% do PIB. No mesmo período, as despesas com previdência passaram de 7,2% do PIB para 13%. E mais: considerando-se apenas o INSS, as despesas saltaram de 2,5% do PIB em 1988 para 7,5% atualmente.

Quanto ao investimento privado, no caso brasileiro, dois fatores podem ser considerados determinantes: o volume de lucro retido e o ambiente econômico. Uma análise mais detalhada das fontes de financiamento realça a importância do lucro retido como determi-nante fundamental de investimento. No mercado financeiro, falta “funding” para a liberação de recursos de longo prazo, com o setor atuando muito mais no financiamento de bens de consumo duráveis e capital de giro; o mercado de capitais é incipiente; e o BNDES não consegue sequer executar seu orçamento por falta de tomadores (vale lembrar ainda que o orçamento do BNDES representa apenas cerca de 15% do investi-mento bruto do País).

A retenção de lucro por parte das empresas, porém, tem esbarrado em duas grandes dificuldades: de um lado, a elevada carga tributária (que reduz a rentabilidade dos negócios) e, de outro, as condições favoráveis às aplicações financeiras (juros elevados e liquidez imediata), o que, de certa forma, “obriga” as empresas a aumentar o porcentual relativo ao lucro distribuído.

Ainda em relação ao investimento privado, vale des-tacar o estudo do Banco Mundial (“Doing Business”), realizado para uma amostra de 155 países e no qual o Brasil apresenta um dos piores ambientes para investi-mento, ocupando a 119ª posição, atrás de países como Sri Lanka, Nigéria e Albânia. Os itens analisados pelo Banco foram: burocracia, custo e tempo para abrir ou fechar um negócio, dificuldade para exportar e im-portar e carga tributária. O gráfico a seguir, retirado do texto “Simplificando o Brasil” (FIPE/2005), fornece uma visão agregada dessas distorções, com o Brasil situando-se totalmente fora da curva.

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indicador médio desfavorável ao clima para investimentos

Além da taxa de investimento, o outro componente da dinâmica do crescimento é a expansão da produtivi-dade da economia. No que se refere à produtiviprodutivi-dade, várias questões devem ser destacadas:

a) O custo elevado do investimento reduz o

“quan-tum” do investimento para a mesma taxa de

pou-pança. Neste item vários fatores influenciam;

O sistema tributário, principalmente em termos de sua capacidade de desonerar os investimen-tos;

Política cambial e comercial que afeta o custo da importação de bens de capital;

Disponibilidade de infra-estrutura, a preços competitivos (em muitos casos, a ausência de condições adequadas de infra-estrutura aumen-ta o custo do investimento).

b) A regulação assume um papel fundamental em situações de realização de investimentos em infra-estrutura pelo setor privado; como esses investimentos têm retorno social maior que o pri-vado, a existência de marcos regulatórios estáveis são fundamentais para viabilizar o investimento privado nessa área. A conseqüência seria uma produtividade maior dos demais investimentos privados.

c) Como destaca Douglass North, o quadro institu-cional exerce papel importante na capacidade de crescimento do produto; é preciso ter confiança i.

ii.

iii.

nas instituições, o que exige regras simples, com decisões tomadas numa economia de mercado; no Brasil, como já se destacou, os custos de abertura, desenvolvimento e fechamento de empresas são incompatíveis com a criação de um clima favorável para os investimentos.

d) A produtividade da economia é também afetada pela questão tecnológica: dificuldade de acesso à tecnologia mais moderna, como ocorreu devido às reservas de mercado, no passado, contribuindo para reduzir a eficiência do investimento; isto ficou claro na situação do setor têxtil em 1994, devido à proteção, anteriormente colocada, sobre as impor-tações de máquinas para o setor.

e) A busca de escalas ótimas de produção também eleva a produtividade; neste sentido, a maior inserção internacional do País, que conduz a um processo de especialização das economias (em razão das vantagens comparativas), é produtiva nessa direção.

f) E, por fim, considerando a complementaridade entre capital e trabalho, a qualificação da mão-de-obra afeta a produtividade do capital.

A tabela a seguir apresenta a evolução do PIB e do investimento líquido no Brasil desde 1968. Consi-derando uma relação capital/produto de 3,0 e uma taxa de depreciação linear do capital de 5% a.a., os resultados são os seguintes:1

Brasil – crescimento, investimento e produtividade

Período PIB

%a.a. IL% produtividadeExpansão da % a.a.

PIB/IL

1968/1980 8,9 9,5 5,7 0,94

1981/1993 1,6 5,3 -0,2 0,30

1994/2005 2,7 6,1 0,6 0,44

Desafios (Metas para

Próximos Anos) 4 a 5 10,0* 0,6 a 1,5 * Equivalente a investimento bruto na faixa de 25% do PIB. Fonte dos Dados Brutos: IBGE.

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Como se pode observar, é importante retomar taxas mais elevadas de investimento, dado que o investi-mento líquido tem sido muito reduzido ao longo dos últimos anos. A explicação maior, entretanto, para as diferentes taxas de crescimento do PIB parece residir do lado da produtividade.

Com efeito, enquanto no período de 1968/1980 a ex-pansão da produtividade responde por 5,7% ao ano (do crescimento econômico de 8,9% ao ano), entre 1981/1993 sua contribuição torna-se negativa, e volta a subir, mas ainda em taxas muito reduzidas, ao longo de mais de dez anos do Real para cá.

No período de maior aumento de produtividade deve-se ressaltar a utilização mais intensa do capital, investimentos que ampliaram o trabalho efetivo, maior disponibilidade da infra-estrutura induzindo maior complementaridade entre o investimento público e aumento do investimento privado, além de regras mais simplificadas e de menor burocracia da economia nesse período.

É possível que ao longo do período mais recente a taxa de depreciação tenha se acelerado mais fortemente do que as consideradas na elaboração dos resultados apresentados. Caso este processo esteja efetivamente ocorrendo, a taxa de investimento líquido no passado tenderia ser a maior que a registrada, o inverso ocorren-do com o períoocorren-do recente. De qualquer forma, porém, as diferenças de produtividade são tão significativas entre os períodos que o efeito da produtividade jamais poderia ser descartado. Vale lembrar, além disso, que se a taxa de depreciação atual é maior, mais necessária ainda se tornaria a aceleração do investimento.

O desafio para os próximos anos é o de acelerar o ritmo de crescimento, que exige aumento de investimento líquido e expansão da produtividade. Neste sentido, metas de 4% a 5% ao ano para o PIB exigem taxas de investimento líquido próximas a 10% e expansão de produtividade entre 0,6% e 1,5% ao ano.

Em relação ao investimento, é importante ressaltar que a construção (obras públicas, fábricas e residências) corresponde a algo próximo a 70% do investimento to-tal (e máquinas e equipamentos 30%).2 Além de maior

lado, a importância do investimento em infra-estru-tura e, de outro, a necessidade de adoção de medidas que disponibilizem recursos para financiamento do setor de construção.

No ranking anual de competitividade elaborado pelo

International Institute for Management Development (IMD), o Brasil ocupa posição defasada em relação

aos países avaliados (51ª posição entre 60 países). Além disso, em dois anos o Brasil caiu onze posições no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial, sendo atualmente superado, entre outros, por Gana, Namíbia e El Salvador. E como aponta o relatório do Fórum, grande parte da perda de posições está relacionada à queda da credibilidade das institui-ções públicas e ao ambiente econômico.

Em resumo, a recuperação do crescimento do País passa por dois desafios: elevar a taxa de investimento e aumentar a produtividade. Este processo exige uma ampla reforma fiscal, capaz de reduzir despesas cor-rentes, e mesmo com diminuição da carga tributária, ampliar a poupança pública.

Além do impacto positivo da redução da carga tribu-tária, o lucro retido das empresas (determinante do investimento privado) poderia se elevar pela queda das taxas de juros, viabilizada exatamente pelo ajuste fiscal.

Além disso, a criação de um ambiente mais favorável aos investimentos e a ampliação da produtividade do capital exigem um processo de simplificação tributá-ria, trabalhista e burocrática, e a definição de marcos regulatórios estáveis e de permanente reforço da credibilidade das instituições públicas do País.

1 Para o período 1968/1980 é considerada uma depreciação de 4% a.a. Poder-se-ia considerar também outras hipóteses, como, por exemplo, entre 3% a 5% de depreciação anual do capital e entre 3,0 e 5,0 da relação capital/produto, o que não altera, porém, as direções das conclusões.

2 Barbosa Filho, Nelson H. Estimating potential output: a survey of the alternative methods and their aplications to Brazil. IPEA,

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Apresentação

O governo FHC desenvolveu uma política que, guardadas as devidas proporções, significou uma continuidade da política neoliberal de Collor no que diz respeito ao papel do setor público e estatal. Ado-tou uma política nada negociadora, com elementos autocráticos e criou um jogo de “queda-de-braço” nesse campo. O enfrentamento com os petroleiros, as privatizações, as políticas de contenção salarial e de demissões esboçadas para os demais funcionários do setor público e a ausência de medidas positivas para minorar os problemas do mundo do trabalho em geral demonstram a fraca capacidade de intervenção dos trabalhadores no poder do Estado e a dissonância do governo FHC para com os trabalhadores. Esta foi uma das razões que, depois do segundo Governo de FHC do PSDB, levaram Lula à vitória eleitoral no segundo turno das eleições de 2002.

Para fazer um balanço mais atualizado das relações de trabalho no setor público nos limites deste texto é preciso considerar dois momentos: o primeiro, relativo aos relacionamentos no âmbito mais geral do governo federal, estadual e municipal até o final do segundo mandato de FHC, e o segundo, referente aos dois primeiros anos do governo Lula.

A hipótese central afirma que o legado do governo FHC sob o manto da modernidade do Estado e da adoção de padrões gerenciais para a função pública não encontrou contraponto e nem qualquer alter-nativa efetiva na passagem para o governo Lula. A inovação apresentada diz respeito à criação das mesas permanentes de negociação que poderia abrir novas perspectivas nas relações de trabalho. No entanto, a política macroeconômica truncou os avanços que o

aRnaldo mazzei nogueiRa (*)

um balanço das relações de trabalho

no setor público brasileiro na transição

do governo FHC para o governo Lula

governo Lula poderia apresentar na esfera pública. Há um discurso de mudança, mas, na prática, há a con-servação e recorrência das deficiências anteriores.

Análise das Relações de Trabalho

Iniciemos pela seguinte passagem do resumo exe-cutivo de texto publicado na Revista do CLAD, que se mostra favorável à reforma administrativa implantada no governo FHC:

“La reforma se basó en las experiencias de países que, como Gran Bretaña, Australia y Nueva Zelandi, adoptaron las propuestas de la Nueva Gerencia Pública (New Public Management - NPM). Sin embargo, se destacan las diferencias existentes entre estos países y el Brasil, dadas fundamentalmente por la existencia de una instancia parlamentaria en este último, que representaba un riesgo para el avance de la propuesta, en razón de la necesidad de concertar mayorías circunstanciales en un sistema caracterizado por la fragmentación política. En el proceso se destaca la habilidad de Bresser Pereira, Ministro designado por el Presidente Car-doso para dirigir el recién creado Ministerio de la Administración la Reforma del Estado (MARE). La actuación de Bresser Pereira es de destacar, tanto en lo que se refiere a las estrategias adoptadas para la conducción de la propuesta de reforma a nivel del Ejecutivo y del Legislativo, como en lo que concierne a los múltiples roles empresariales y de liderazgo que desempeñó eficazmente.

La explicación de la trayectoria exitosa de la propuesta debe buscarse en la intervención pre-meditada o circunstancial de una serie de factores

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novembro de 2006 institucionales y no institucionales. La vinculación

de la propuesta con los programa macroeconómicos del gobierno, así como el planteamiento de que la reforma de la administración era una condición necesaria para asegurar la eficacia de las reformas económicas, concitó el apoyo de los ministerios claves y de la opinión pública, para que la enmienda fuese aprobada prácticamente sin oposición.” (Francisco Gaetani, “La intrigante reforma administrativa brasileña”, CLADE, nº 16, fevereiro de 2000).

Assim, de acordo com o autor, o sucesso da reforma dependeu da sua articulação com a política macro-econômica do governo. Sendo correto o argumento acima, e parece que está dentro da lógica neoliberal que defende a adoção dos critérios gerenciais priva-dos para o setor público, há sérios problemas para o governo Lula, que manteve intacta a política ma-croeconômica do governo anterior, radicalizando-a em alguns aspectos, como juros, superávit primário e política cambial, tendo em vista que inviabiliza qualquer mudança transformadora da administração pública e do Estado.

Voltemos um pouco para alguns fatos. O quadro mais geral do setor público federal entre meados dos anos 1990 e início dos anos 2000 ficou marcado pela ação dos dois governos de FHC, cujo programa político combinava a reforma do aparelho do Estado com o ajuste da política econômica orquestrada pelo FMI. As privatizações e as políticas de reestruturação do Estado colocaram os sindicatos de servidores públicos na defensiva e na oposição ao governo, indicando a permanência geral dos problemas nas relações de trabalho. As dificuldades do primeiro período, dadas pelo endurecimento das negociações, pelo “pacote” de contenção de despesas públicas, erroneamente chamado de reforma administrativa, pelo adiamento constante na correção geral dos salários públicos fe-derais, permaneceram ao longo do segundo mandato. Isto tem provocado um desmantelamento do Estado em áreas importantes para a população trabalhadora, como previdência, saúde, educação, segurança, justiça e emprego, e provocado movimentos recorrentes dos

As motivações das greves continuavam sendo priorita-riamente econômicas, ou seja, em torno dos reajustes salariais, manutenção ou ampliação de benefícios e melhorias das condições de trabalho. Há também registros de movimentos reivindicatórios a favor dos planos de carreiras públicas e contra as políticas de reformas do Estado, desde as privatizações, reforma da previdência e administrativa.

As greves dos professores das universidades federais, desencadeadas no período FHC, revelam em diversos aspectos as dificuldades que temos apontado para o desenvolvimento das relações de trabalho e do sin-dicalismo no setor público. Em um dos casos, conta-ram-se mais de 100 dias de greve em nível nacional, e as relações com o governo foram marcadas pela morosidade dos processos de negociação, desgaste do movimento grevista e falta de perspectiva na discus-são da política educacional de ensino superior no re-gime democrático. Ou seja, não houve efetividade nas negociações trabalhistas, não surgiram mecanismos de solução, mediação ou arbitragem do conflito e não houve, de fato, uma melhora nas relações de trabalho dentro do Estado democrático constitucional.

Fica evidenciado o enorme esforço de luta dos pro-fessores, em termos da duração do movimento e das jornadas não trabalhadas, para um grau muito relativo de conquistas e resultados.

As conseqüências desse quadro de deterioração e ameaças do setor público vão desde a aposentadoria precoce de servidores até a perda de quadros para o setor privado ou outros setores mais valorizados do Estado. Até o final do governo FHC, em 2002, esta situ-ação se manteve recorrente, caracterizando a maneira de lidar com o conflito e com as relações de trabalho cada vez mais desgastadas dentro do Estado.

Com algumas exceções, este comportamento difícil entre servidores e governo federal tem-se reproduzido no âmbito dos Estados e municípios, agravado pela aprovação da Lei Camata de Responsabilidade Fiscal. A Lei Camata restringe o gasto da folha de pagamento

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novembro de 2006

e das prefeituras, limitando bastante as políticas de pessoal tanto ativo como inativo.

A deterioração das condições de trabalho no Estado de São Paulo tem provocado inúmeros movimentos paredistas nos diversos setores. O problema principal é a deterioração dos serviços e do atendimento público que tal política provoca.

Dois casos recentes foram reveladores desta situação: a greve dos servidores e professores das universi-dades estaduais no primeiro semestre de 2004 e a maior greve já registrada no setor administrativo da Justiça do Estado de São Paulo que durou 91 dias. No primeiro caso, os efeitos da greve já são conhecidos: comprometimento da qualidade de ensino e do ano letivo, desgaste nas relações entre servidores e rei-torias e resultados econômicos questionáveis de um movimento difícil de ser mantido. No segundo caso, a greve inédita de 91 dias provocou 12 milhões de processos parados, 600 mil sentenças e 400 mil audi-ências deixaram de ser realizadas, 1.500 presos não foram soltos e o tempo da regularização dos serviços pode atingir 4 anos, segundo a OAB e servidores, conforme reportagem da Folha de S. Paulo de 29 de setembro de 2004.

Esta situação no Estado de São Paulo foi denunciada pelo então presidente da CUT, Luiz Marinho, no artigo “Os servidores e o governo estadual” (Folha

de S. Paulo, de 16 de junho de 2004) no qual uma

das chamadas era a seguinte: “Ao dar as costas para o

funcionalismo, Geraldo Alckmin só colabora para sucatear ainda mais o serviço público estadual, porque além da falta de estrutura e equipamentos públicos ... causa descontenta-mento e desmotiva os trabalhadores do Estado.” Em seguida

defende “A democratização das relações de trabalho no setor

público é o caminho para resgatar a credibilidade no gover-no estadual, gover-nos serviços e gover-no funcionalismo e para trazer alívio à população, que sofre com as greves.” ... “Pedimos a

criação de uma mesa permanente de negociação para discutir não apenas salários, mas também as condições de trabalho necessárias para garantir um atendimento de qualidade no serviço público.”

Do que Marinho não se deu conta é que em larga medida o mesmo “dar as costas” estava acontecendo no âmbito do governo federal, no qual ingressará um ano depois, após a crise política, como Ministro do Trabalho.

Na esfera do Município de São Paulo, os sucessores de Luisa Erundina, Paulo Maluf e Pita, romperam o relacionamento conquistado entre servidores, sindi-catos e governo municipal, fazendo voltar às relações da época do autoritarismo militar. No governo Marta Suplicy (2001-2004), retomou-se o caminho da demo-cratização das relações de trabalho no setor público com a instalação do Sistema de Negociação Perma-nente – SINP – para encaminhar as reivindicações do sindicalismo municipal. O SINP constitui-se em uma medida importante e traduz a idéia do Contrato Coletivo de Trabalho no setor público, envolvendo secretarias municipais e mais de 150 mil servidores representados por mais de 20 sindicatos e entidades associativas. Mesmo com o SINP, em 2002 o arrocho salarial do funcionalismo municipal dos anos anterio-res contabilizava perdas salariais de 62%, motivando a greve de setores do funcionalismo. Como foi noticiado à época pelo presidente do Sindicato dos Servidores Municipais “De que adianta ter uma mesa de negociação

se não chegamos a um acordo.” (Folha de S. Paulo, 21 de

maio de 2002).

Com a eleição de José Serra (substituído por Gilberto Kassab) para o governo municipal corre-se o risco da perda do investimento público realizado e da descontinuidade administrativa, como ocorreu an-teriormente.

Lula e a CUT no Poder

A proposta do PT e da CUT para as relações de traba-lho no setor público era assentada nos seguintes eixos: reconhecimento do direito de greve, direito à nego-ciação coletiva e a composição de mesas permanentes de negociação entre servidores e governo. O modelo vinha das experiências nas prefeituras petistas no sentido de democratizar as relações de trabalho no setor público, como mostra o caso de São Paulo.

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Passado o longo período de dificuldades que o setor público experimentou, desde Collor e mais efetiva-mente com os dois governos de FHC, aconteceu o inesperado: Lula foi eleito. As expectativas de mu-dança de rumo eram grandes. Aparentemente havia chegado a hora do acerto de contas dos trabalhadores em geral e do setor público em particular, no sentido de uma revisão profunda das políticas chamadas de desmonte, conforme se observava no discurso do PT, da CUT e dos sindicatos dos servidores públicos sobre os processos de reestruturação do Estado conduzida pelo PSDB e as suas alianças conservadoras.

A história, na realidade, foi outra. As primeiras medi-das do governo Lula, iniciamedi-das pela reforma da previ-dência e mais recentemente com a chamada reforma universitária – PROUNI, produziram o que já estava esboçado: divergências no interior do movimento sindical, com ameaças e desligamentos de sindicatos da CUT e um recrudescimento da oposição em relação ao governo Lula. Entidades dos funcionários públicos federais e estaduais, com destaque para os setores da educação superior, retomaram o campo da oposição política e passaram a acusar o governo de traição às causas dos servidores públicos e dos trabalhadores e ainda de continuidade em relação às políticas neoli-berais do governo anterior.

Em junho de 2003, no contexto da reforma da previ-dência, uma manifestação pública contrária à propos-ta do governo Lula reuniu 30 mil trabalhadores e foi conduzida pelos sindicatos dos servidores públicos, muitos deles filiados à CUT: ANDES (Sindicato Na-cional dos Docentes do Ensino Superior), CONDSEF (Confederação Democrática dos Sindicatos dos Servi-dores Federais), FASUBRA (Federação dos ServiServi-dores das Universidades Brasileiras), CNTSS (Confederação dos Trabalhadores da Seguridade Social), FENAFISP (Federação Nacional dos Fiscais da Previdência), FENASPS (Federação Nacional dos Servidores da Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social), entre outras entidades.

No primeiro embate entre servidores federais e o

espaço favorável diante das iniciativas negociadoras presentes nos ministérios que cuidam do assunto no governo. Seguindo o exemplo das prefeituras petistas, procurou-se introduzir uma mesa permanente de negociação no setor público federal. No entanto, os resultados destas negociações não foram eficazes.

A negociação permanente é sem dúvida positiva, mas fica truncada e obscurecida diante da falta de perspec-tiva mais geral sobre a recuperação do setor público e uma efetiva alteração das políticas neoliberais anterio-res. Os casos das reformas da previdência e do ensino superior, as anunciadas mudanças na área sindical e trabalhista, somadas à manutenção de uma política econômica conservadora, provocaram as primeiras rupturas políticas, partidárias e sindicais. Neste con-texto, e por ocasião da reforma da previdência, o então presidente da CUT, Luis Marinho, e o representante da CONSESF – Conselho de Entidades dos Servidores Federais travaram polêmica pública e aparentemen-te se posicionaram em campos opostos. No mesmo período, um manifesto dos economistas foi lançado reivindicando mudanças na política econômica.

No plano político e partidário, a expulsão de deputa-dos federais e a debandada de alguns intelectuais à esquerda do PT alimentaram o projeto de fundação de um novo partido: o PSOL – Partido do Socialismo e da Liberdade.

No plano sindical deparamo-nos com alguns fatos que reforça o quadro desenhado. O boletim da ADUSP – Associação dos Docentes da USP/Seção Sindical da ANDES (janeiro de 2005) informou, por meio de debate com lideranças sindicais de esquerda de dentro e de fora da CUT, que a filiação de entidades de servi-dores públicos estava em questão. Após a iniciativa no âmbito de um dos movimentos dos trabalhadores da previdência social dirigido pela FENASPS – Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social, no sentido de propor um desligamento da CUT, o mesmo debate ocorreu com relação ao movimento sindical nacional dos docentes de nível superior – ANDES – Sindicato

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A decisão do Sindicato Nacional dos professores foi tomada em fevereiro de 2005 no 24º Congresso da Entidade em Curitiba, Paraná. Foram 192 votos favoráveis ao desligamento da CUT, 85 votos contra e 12 abstenções. O movimento docente teve uma in-flexão política porque a ANDES se desligou da CUT e se aproximou do CONLUTAS sob a influência do PSTU. Provocou rachas internos ainda não totalmen-te mensuráveis, como demonstra a formação de um movimento dos docentes – PROIFES – de represen-tatividade duvidosa, mas sintomático. Além disso, a ANDES-SN deveria deflagrar nova greve no final de agosto porque não houve acordo nas negociações com o governo Lula.

O que está realmente acontecendo é uma deterioração mais rápida nas relações entre parte do movimento sindical público e o governo, fato que não se imagina-va antes. O que não se sabe ao certo é se com isto os servidores públicos estão se afastando mais ou menos da classe trabalhadora que está fora do Estado.

Em junho de 2005, foi deflagrada a greve dos funcio-nários da Previdência: um excelente laboratório para a avaliação do governo Lula na esfera das relações de trabalho. A conjuntura estava definida pela crise política e moral do próprio governo.

O quadro geral da greve e os seus resultados práticos mostram que as relações com o governo Lula não se alteraram significativamente em comparação com o governo anterior, apesar da adoção da mesa perma-nente de negociação. Para se ter uma idéia, em 1995 foram 34 dias de greve, em 1996 – 38 dias, em 2000 – 103 dias, em 2001 – 111 dias, em 2003 – 50 dias, em 2004 – 44 dias, e em 2005 – 74 dias de greve. O número de dias parados nos dois anos e meio do governo Lula soma 161 contra 286 dos dois períodos de FHC (cf. reportagem da Folha de S. Paulo, setembro de 2005).

A greve dos trabalhadores previdenciários, de 74 dias somente no Estado de São Paulo, teve as seguintes implicações: 80 mil pedidos de benefícios ficaram parados e quase 2,9 milhões de pessoas deixaram de ser atendidas. Além disto, o déficit da previdência,

em torno de 38 bilhões de reais, será aumentado em decorrência da correção dos benefícios atrasados.

A reivindicação do movimento era de aumento de 18% nos salários para os servidores do INSS; aumento de 47% para os servidores do Ministério da Saúde e do Trabalho e plano de carreira. Os resultados da greve foram: salários – divulgados em termos de valores totais (R$ 140 milhões, sendo 60% sob a forma de gra-tificação e incorporação dos outros 40% nos salários), o que pode significar aumentos entre 5% para inativos e 7% para os funcionários da ativa, a partir do ano de 2007; desconto dos dias parados – houve acordo sobre o corte do ponto sem prejudicar os funcionários desde que a jornada de trabalho seja aumentada e o horário de atendimento ao público ampliado; carreira – até junho de 2006 seria concluído o projeto de carreira dos funcionários do INSS; servidores do Ministério da Saúde – terão aumento de 47% dividido em seis anos, tal como já havia sido concedido aos funcioná-rios do INSS.

A greve dos servidores do INSS foi a primeira queda de braço mais efetiva entre o governo Lula e os ser-vidores públicos, com impacto na esfera pública. O editorial do jornal “O Estado de São Paulo”, após um mês de greve, colocava o dedo na ferida: “Só quem depende

do INSS é que sai prejudicado nessa queda-de-braço” ... “Tra-ta-se de uma estratégia moralmente inaceitável na medida em que os grevistas que a empregam não correm qualquer risco, além do de não ter suas reivindicações atendidas. Saem prejudicados, apenas, os segmentos mais pobres da população e que mais dependem dos serviços públicos.” (OESP, 30 de

junho de 2005).

A conclusão do editorial era que o governo, em vez de perder tempo com negociações inócuas, deveria regulamentar o direito de greve no setor público. Do nosso ponto de vista, está explícito neste argumento o caráter conservador da demanda pela restrição do direito de greve no setor público em troca da nego-ciação inócua. De outro lado, é preciso pensar como o movimento sindical dos servidores aparece para a população que mais depende dos serviços públicos. Como articular a luta por melhores condições de

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trabalho e salário dos servidores com a melhoria da qualidade dos serviços prestados à população. O projeto de transformação democrática do Estado tem que responder a esta questão.

Outra greve no plano federal, muito mais importante devido aos impactos econômicos e financeiros no País, foi a dos fiscais da Receita Federal. Setores es-tratégicos ligados à tributação e fiscalização federal, à saída e à entrada no País de mercadorias e pessoas e ao comércio internacional (exportação e importação), como aeroportos e portos no segmento de aduanas, foram interrompidos pela greve do fisco, que durou aproximadamente dois meses. O resultado da greve gerou um dos maiores reajustes salariais no âmbito do governo federal (em torno de 34%). A categoria do fisco tem um espectro social conservador e o seu sindicato nacional oscila entre tendências progres-sistas e conservadoras, mas nem sequer é filiado a qualquer central sindical, seja de apoio ou de oposição ao governo federal. Atua em raia própria em torno dos seus próprios interesses corporativos em seg-mento exclusivo do Estado e de grande importância na esfera pública.

A leitura mais geral sobre o início do governo Lula era de uma certa dificuldade no campo gerencial e administrativo, mesmo porque muitos que ascende-ram ao poder não tinham competência nesse campo. No entanto, muito mais complexas são as questões de natureza política e ideológica que levaram o governo do PT a manter um discurso difuso, e na prática repro-duzir o modo antigo de lidar com a coisa pública. Para alguns, esta situação já estava escrita nas “estrelas”, nas convenções e pronunciamentos da direção oficial do Partido. Para outros, uma decepção e um desencanto com a gestão petista.

Caberia perguntar: qual o futuro das relações de tra-balho no Estado e no setor público na “batuta” de Lula pela segunda vez? A situação é bastante complexa e paradoxal. Por exemplo, o governo anuncia mesa de negociação com participação dos servidores; anuncia novas contratações por concurso público, para

substi-de servidores fesubsti-derais será, em poucos anos, superior a 120 mil. De outro lado, o governo não estabelece com clareza uma política salarial ampla e articulada com as políticas de recursos humanos e de desenvolvimento das pessoas e do trabalho no serviço público federal. Ademais, adota uma política econômica desfavorável à recuperação do próprio Estado.

O governo Lula, apesar das reformas com impacto negativo nas categorias futuras dos servidores públi-cos, atendeu aos interesses difusos (para não dizer confusos) de setores mais amplos da sociedade e do próprio mundo do trabalho que formam uma imagem negativa (para não dizer distorcida) do setor público. De outro lado, apresenta uma política mais favorável aos servidores públicos e ao serviço público em relação aos seus opositores de centro-direita do espectro po-lítico representados pela aliança conservadora entre PSDB e PFL. As tendências mais à esquerda, que têm um programa estatizante e socialista, jogam um papel importante em termos da crítica necessária contra a depredação das condições de trabalho no setor públi-co, mas não têm qualquer possibilidade de agendar os temas estratégicos do Estado brasileiro, como apontou Francisco de Oliveira.

O que seriam das relações de trabalho no setor público federal na batuta de Alckmin, por exemplo? O Estado

de São Paulo foi e continua sendo um laboratório da

flexibilização e privatização do Estado. No entanto, as condições de vida, trabalho, educação, saúde e segurança da população continuam se deteriorando e cada vez mais dependentes do jogo do mercado. A quem interessa esse projeto, a não ser às elites domi-nantes e aos que têm uma visão confusa e distorcida do papel do setor público?

Diante deste quadro, os desafios das relações de traba-lho e do sindicalismo no setor público amplificaram-se, e as perspectivas de melhorias efetivas do setor público, principalmente na esfera dos serviços sociais, estão adiadas. Antes, os servidores públicos mais mobilizados e organizados em sindicatos estavam relativamente unidos com os demais trabalhadores

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