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Construindo uma comunicação com uma adolescente com atitudes interpretativas. Ernesto René Sang 1

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Academic year: 2021

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Construindo uma comunicação com uma adolescente com atitudes interpretativas.

Ernesto René Sang1

O propósito desta comunicação é contribuir com alguns elementos do material clínico do atendimento terapêutico de uma adolescente à reflexão sobre a especificidade da psicanálise de adolescentes. Considerando a maneira do adolescente apresentar no encontro analítico sua vivencia emocional, sofrimento, percepção e recursos de elaboração. No material apresentado, como abordagem terapêutica foi escolhida criar um diálogo em que as falas espontâneas e estimuladas da paciente ganhem uma ressonância que indica um sentido afetivo para configurar um espaço psíquico de elaboração. Em relação à paciente apresentada esta abordagem permitiu mapear áreas de vivência que se constituíram em vias de acesso ao seu mundo emocional.

Recebo um telefonema de uma mãe pedindo um horário para a filha porque ela tinha concordado em retomar um atendimento terapêutico. A mãe me informa rapidamente que a filha já tinha sido atendida quando morava com os pais em outra cidade, mas tinha se desinteressado após algum tempo. Atualmente está morando em SP, cursando uma faculdade. O tom da mãe parece formal durante a conversa, sugere que vai depender da filha o início de um possível trabalho terapêutico comigo.

Marcado o horário, apresentou-se uma menina em seus 20 anos, de aparência normal, que me disse que precisava aprender a se comunicar mais. Ponto. Silencio da parte dela, o que entendo como um convite e licença para que possa fazer algumas perguntas para que ela possa se apresentar. O olhar não expressa muita coisa, apenas uma expectativa quanto ao meu modo de abordá-la. De minha parte percebo que tem uma fissura no meio do lábio inferior e que ela contrai os lábios como a fechar a fissura no lábio com esses movimentos. Esses movimentos dos lábios me fazem lembrar como os peixes respiram pela boca. Passo então a chamá-la para mim de peixinho. Fico sabendo que ela apagou um dia ao acordar e ir tomar banho. Quebrou alguns

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dentes da frente. O médico explicou que pode ter sido por uma queda de glicemia, estão pesquisando a possível causa, pois nunca antes tinha acontecido.

Fico sabendo que já tinha sido atendida em terapia numa cidade próxima de onde morava com os pais. É filha única e está cursando o segundo ano de faculdade. Os pais a instalaram em um apartamento próximo à faculdade. Atualmente mora só, os pais costumam visita-la durante a semana. Pergunto do curso que está fazendo, dos seus hábitos de lazer, amigos, colegas. Ela responde a tudo muito laconicamente mas não há sinal de má vontade. Apenas parece que não se engancha nas minhas perguntas, não faz espontaneamente qualquer comentário. Me indago: o que ela acha interessante para ser comunicado? Penso nisso, procuro por isso... mas, claramente ela me faz entender que é tarefa minha ter essa iniciativa. Ela se oferece como um painel eletrônico em que é necessário adivinhar uma tecla da tela para que apareça alguma janela.

Percebo que sua conduta poderia ser entendida como uma resistência, mas, ao longo dos cinco meses de trabalho que temos, sua atitude em relação a mim me faz desconsiderar isso. Fico com a impressão de que estou diante de uma menina que fica na expectativa de que o adulto diga o que quer dela. Respeito? Timidez? Cautela? Certamente. Ao longo das nossas sessões vou ficando mais confortável em perguntar, puxar assunto, caçando qualquer sinal que possa ser um estímulo. Meu peixinho vai descrevendo que mora de fato num aquário, construído pelos pais que lhe proporcionam o ambiente possível de vida. Não há questionamento nem rebeldia da parte dela. Está tudo bem! Em SP ela é uma aluna responsável com seus estudos. Faz suas obrigações escolares. Fico impressionado com isso. Seu interesse é superficial, normal. Gosta do que é apresentado comercialmente como interessante. Conseguiu se relacionar com os colegas de maneira a ter um grupo de trabalho na faculdade. Não há saídas nem baladas. Terminando a semana de aulas volta correndo para sua cidade. Lá, ela tem uma vida familiar comum. Acompanha os pais em visitas a familiares e amigos. Seu grupo de amigas vem do tempo do colegial. Muitas estão estudando fora, de maneira que os encontros são mais esporádicos. Gosta muito de assistir filmes de terror em casa, com as amigas e ficar até tarde com elas em sua casa como fazia no tempo do colégio.

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Em nossas conversas aparece que gosta de rever seriados de desenhos animados que assistia quando criança, jogar videogame. Indica indiretamente que acompanha novelas de TV. Aproveito o assunto para explorar sua percepção das tramas, dos relacionamentos afetivos que são desenvolvidos, mas seus comentários se limitam a registrar seu estranhamento em relação às condutas dos personagens. Não revelam uma impressão subjetiva que permita mapear seus afetos.

Após quatro meses de trabalho a mãe pede uma entrevista. É o primeiro encontro com o casal, a mãe insiste em que principalmente o pai deve estar presente. Em telefonemas ocasionais em que o pai me ligou para combinar o pagamento fico com a impressão de ser um camarada legal, simples e simpático. A paciente tinha me transmitido que ele é muito dedicado a ela. Esta impressão se confirma no encontro com o casal. Aliás, a mãe explicita que o pai super-protege excessivamente a filha. Eles confirmam que a filha é também muito reservada e pouco comunicativa com eles. O que me surpreende pois a supunha muito próxima com o pai. Dificilmente ela expressa claramente o que quer, pensa ou sente. Dizem que desde muito pequena sempre foi assim. Foi muito precoce e independente em seu desenvolvimento, parecia não precisar da ajuda dos pais. No entanto, essa precocidade de repente acabou no início do primário. Passou a ter dificuldades importantes na alfabetização e na aprendizagem, o que se estendeu durante toda a escolarização. Precisou de suporte psicopedagógico constante. As provas escritas eram seu calcanhar de Aquiles, dava branco na hora de escrever as respostas. No entanto, conseguia se sair bem se as avaliações fossem orais. Nesse momento sou informado que essa dificuldade se mantém na faculdade. O que a motivou a aceitar fazer terapia. É muito custoso para ela conseguir vencer as provas finais e passar de ano.

A medida que os pais iam falando de suas observações sobre a filha fica evidente que eles também a estranham, ela é uma caixinha de surpresa. Não conseguem prevê-la em seus interesses. A mãe percebe que ela se mantém estacionada em seu desenvolvimento social. Parece que não se dá conta das mudanças, que as amigas mudaram.

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Ao descrever esta paciente adolescente iniciando sua terapia penso em como as expectativas moldadas pela formação psicanalítica são frustradas de início, para além das características de um possível diagnóstico fica em aberto para o terapeuta encontrar meios para que o encontro analítico possibilite um processo de subjetivação, a partir de quais elementos da comunicação que a paciente oferece com sua presença no setting proposto. Nesse momento me lembro do que a mãe me contou: desde bebê a mãe costumava cantarolar para ela uma música que parecia ter efeitos mágicos. Enquanto ainda estava grávida dela, a mãe sentiu uma forte contração na barriga. Deitou-se e começou a cantarolar, depois de algum tempo, o bebê parecia ter se tranqüilizado. As cólicas passaram. Já maior, numa ocasião em que a paciente estava chateada, a mãe ao deita-la em seu colo ela disse: Vai, canta aquela sua música! No entanto, com palavras a mãe não consegue chegar nela. Sessão

Entra e me oferece um pouco da água que comprou antes de entrar na sessão. Sentada me diz: Estou precisando de um colchão até 5af.! Fico entre surpreso e achando engraçada essa fala. Digo: Como assim? Ela: É. É isso mesmo. O colchão estava podre. Minha mãe levou embora. Tentando me situar pergunto: Onde você está dormindo? É o colchão da cama de baixo. Minha mãe descobriu que estava podre. Vou ter que me virar. Vou ver se meus amigos têm. Ainda sem entender pergunto: por que tudo isso? Responde apontando para o divã da sala. A minha cama é do tamanho desse aí. Nem muito grande, nem muito pequeno. Digo: Mas talvez não dê para duas pessoas dormirem juntas. Alguém vai cair da cama. Eu. Claro está, completa ela. É que minha prima vem 5af. Alguém deve ter um colchão sobrando, não é possível. Vou falar para minha mãe se ela estiver no MSN. Ontem ela não estava; quando ela está muito cansada ela não entra. Durante esse diálogo percebo que ela está desfrutando de ter me deixado confuso, com expressões de rosto e mãos deixa transparecer o inusitado da situação para ela. Enquanto isso sinto que me foram oferecidos pedaços de um quebra-cabeça que preciso encaixar para ver a figura/situação total. Na verdade, não é tão complexo. No entanto é assim que ela fala comigo. Acabo entendendo que uma prima dela tem que vir a SP e que ficará com ela. O problema é apenas na 5af., pois na 6af. ela volta para sua cidade.

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Espontaneamente me conta que o outro dia encontrou no Youtube o Castelo Rá-tim-bum, o filme completo! Ficou muito contente. Conta que “antes de me venderem a casa da praia (que a família costumava alugar para férias) todos os dias passava esse filme”. Ela e os primos, quando pequenos (de idade, claro, porque de tamanho ela ainda é, esclarece) costumavam assistir. Passava todos os anos. Ela baixou o filme e assistiu. Gostava do Nino, de quando ele não conseguia escrever no livro na hora em que os planetas iam se alinhar, e por uma mágica ele ia parar no teto do castelo. De repente, sem perceber, ele conseguia escrever no livro. Gostava muito porque o livro ia se fechando e dando boa noite para as crianças quando chegava ao final. Falava encantada, fazendo expressão de criança pequena.

Nesse momento lembro que recentemente, ela me contou que nas provas não conseguia escrever as respostas, não sabia como começar a escrever. Entendi que porque ela decorava as respostas, não sabia dizer com suas próprias palavras. Penso em fazer referência a isso, mas ela não me dá uma brecha. Continua me contando que também encontrou O estranho mundo do Jack. É muito legal! E, A fábrica de chocolate! Não dá para assistir sem comer chocolate. Ela encontrou os mesmos que aparecem no filme uma vez. E mais outros.

Volta a falar dos amigos que moram no mesmo condomínio e para quem irá pedir emprestado um colchão. Alguns estudam com ela. Aproveito para lhe perguntar como tinha ido na prova da semana passada e para qual estava nervosa. Comento da dificuldade dela semelhante ao do Nino, que não sabe como escrever. Responde que conseguiu, acha que foi bem. Mas não sabe ao certo. Aproveitando o gancho perguntei de amigos de faculdade. Ao que ela nomeia várias colegas de classe com quem ficou por último na prova. Conta que durante a prova elas pediam uma ‘luz’ para o professor, para responder as questões da prova. Ele simplesmente olhava para o teto apontando as luzes da sala. Conta que acabou sabendo de uma resposta que a colega soprou para outra. Aí me conta que uma colega perguntou como estava indo o grupo do qual participa para fazer um trabalho de faculdade. Ela diz que bem, se todos ficarem vivos até junho. Porque deverão ficar juntos até junho. Repete o diálogo. Comenta, estranhando, achando graça, que dois participantes brigam muito, reclamam porque acham que não levam em conta suas opiniões. Como

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a parte dela no trabalho é outra, ela não entra na discussão. Acha entre engraçado e bôbo essas divergências. Fico sabendo que um dos que briga é “viadinho”, sugerindo com isso que o fulano é temperamental e se leva muito à sério, mesmo que, em verdade, deixa de fazer sua parte.

Surpreendentemente, ela está falante, tem estórias para contar, mas conta desse jeito, repetindo para marcar que lhe impressiona. No entanto, sem explicitar que impressão tem. Parece uma criança pequena contando uma adivinhação para um adulto, prestando muita atenção ao que vai dizer, procurando não revelar a resposta enquanto propõe a adivinhação, para não estragar a graça da adivinhação.

Ao chegarmos ao final da sessão ela retoma o assunto de ter que achar um colchão até 5af. Sugere que será uma tarefa engraçada que tem pela frente, mas que cabe a ela resolver.

A partir da teoria da identificação projetiva de Klein, Bion formula sua teoria da relação continente/contido como a experiência relacional primeira em que o mundo mental do bebê se constrói, a partir do qual ganha uma existência como um ser psíquico. Nesse sentido, acredito que para minha paciente sua análise precisa dar conta dela poder tomar consciência da ressonância que ela causa no outro, que lhe proporciona uma noção de ser para si no outro. Certamente, a partir do que é. Uma adolescente.

Ernesto René Sang ernestosang@gmail.com

pedir emprestado um colche moram no mesmo condomcentemente, ela me contou que ngava ao final.mpleto.

Referências

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