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ECLI:PT:TRP:2015: IDPRT.P1.D1

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ECLI:PT:TRP:2015:15941.09.1IDPRT.P1.D1

http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2015:15941.09.1IDPRT.P1.D1

Relator Nº do Documento

Eduarda Lobo rp2015102815951/09.1idprt.p1

Apenso Data do Acordão

28/10/2015

Data de decisão sumária Votação

unanimidade

Tribunal de recurso Processo de recurso

Data Recurso

Referência de processo de recurso Nivel de acesso

Público

Meio Processual Decisão

Rec Penal negado provimento

Indicações eventuais Área Temática

1ª Secção . Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores

princípio da continuidade da audiência; perda da eficácia da produção da prova; princípio da plenitude da assistência dos juízes; reprodução ou leitura permitidas de autos e declarações; falecimento de testemunha; recurso; interesse em agir; declarações de co-arguido;

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Sumário:

I – O legislador presumiu que o prazo de 30 dias constitui o limite razoável para acautelar os princípios da continuidade da audiência, da imediação e da oralidade, cominando com a ineficácia da produção de prova já realizada a sua inobservância.

II – O princípio da plenitude da assistência dos juízes determina que só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados na audiência final.

III – As declarações orais prestadas em anterior sessão da audiência que constituam prova ineficaz por integrarem a previsão do art. 328.º n.º 6 do C.P.P. ou por não ter sido possível a continuação da audiência pelo mesmo juiz, não podem servir para fundamentar a decisão (art. 355.º do C.P.P), não sendo permitida a sua leitura ou a audição da respetiva gravação.

IV – Não constituindo prova proibida ou nula, o aproveitamento do depoimento prestado em julgamento (ainda que com perda de eficácia) por testemunha entretanto falecida e produzido perante outro que não o concreto juiz encarregado de julgar a causa é a solução que melhor cumpre as exigências de contraditório.

V – Não tem legitimidade para recorrer nem interesse em agir o arguido [recorrente] que invoca a nulidade da sentença por assentar em meio de prova proibido uma vez que atendeu e valorou o que foi dito por testemunha abonatória da sua conduta social, em audiência cuja prova foi declarada ineficaz e cuja reprodução fora por ele próprio requerida.

VI – Nada impede que o tribunal valore as declarações prestadas por um coarguido, mesmo que em prejuízo de outro coarguido, ainda que não disponha de outros meios de prova que

corroborassem tais declarações, ressalvada a situação prevista no artº 345º nº 4 do CPP. A credibilidade de tais declarações deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação da prova.

Decisão Integral:

Proc. nº 15941/09.1IDPRT.P1 1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO

No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos na Secção Criminal – J3 da Instância Local da Maia, Comarca do Porto com o nº 15941/09.1IDPRT, foram

submetidos a julgamento os arguidos B…, C…, D… e E…, Lda., tendo a final sido proferida sentença, depositada em 16.03.2015, que absolveu o arguido B… da prática de um crime de abuso de

confiança fiscal p. e p. no artº 105º nº 1 do RGIT e condenou os arguidos:

- C…, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. no artº 105º nº 1 do RGIT na pena de 135 dias de multa à taxa diária de € 5,00;

- D…, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. no artº 105º nº 1 do RGIT na pena de 135 dias de multa à taxa diária de € 5,00;

- E…, Lda., pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. nos artºs. 7º nº 1 e 105º nº 1 do RGIT na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 8,00.

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Inconformados, vieram os arguidos C… e D… interpor recurso da sentença e ainda o arguido C… interpor recurso do despacho proferido em ata, a fls. 846, que indeferiu o requerimento formulado pelo recorrente de audição das declarações prestadas pela testemunha F… na audiência de julgamento do dia 01.11.2013.

E extraem das respetivas motivações as seguintes conclusões: A. Recurso do arguido C…:

1. O recurso ora interposto confronta o dia 25 de Fevereiro de 2015 como a sua causa irradiante, porquanto que se trata aquele da data de uma audiência de julgamento atinente ao processo encimado onde foi propalado pelo Mmo. Juiz a quo um despacho ao qual o recorrido aloca a sua posição de dissídio;

2. Do que se tratou foi tão-somente da recusa jurisgénica de confrontação de uma testemunha – F… – com um auto (artº 356º.3.b) do CPP), lavrado sobre uma audiência de julgamento declarada sem efeito nos termos do artº 328º nº 6 do CPP, onde os registos colhem uma versão que é divergente daquela ulteriormente narrada ao tribunal e ao juiz de julgamento. Se podemos e devemos assim delimitar o objeto do conhecimento jurisdicional ad quem, façamo-lo pelo seguinte: Quid juris, se declarada sem efeito a prova oral produzida em audiência por ter corrido o prazo de preclusão entre audiências de julgamento, nos termos do artº 328º.6. do CPP, vier a requerer-se a reprodução do seu teor, como prova documental (artº. 364º do CPP), sob os alvores dos artigos 355º.2 e 356º.3.b) do CPP, isto é, para confrontação de uma testemunha com a oralidade documentada por via de gravação magnetofónica ou audiovisual das suas declarações prestadas anteriormente perante juiz e que são marcadas pela multiplicidade de versões sobre os mesmos factos? Noutras palavras, mais autorizadas e que aplicaremos subsuntivamente no excurso infra contido, pode a perda de eficácia probatória cessar defronte de hipóteses constituintes de oralidade documentada?

3. Como se vê, a interrogação formulada defere assaz relevo ao artigo 328º.6 do CPP, pelo que é natural que o ensejo revisitacional se paute pela invocação de considerações valorativas sobre o princípio da concentração ou da continuidade da audiência de julgamento penal;

4. O que se faz em articulação com o artº 355º do CPP, este sufragador do princípio da imediação e de onde irradia a consequência aposta ao artigo 328º.6 do CPP, para assertar que do que se trata é de uma “exigência de prossecução tanto quanto possível unitária e continuada de todos os termos e atos processuais, devendo o complexo destes, em todas as fases do processo,

desenvolver-se na medida do possível concentradamente, seja no espaço seja no tempo”, assim não correndo com interrupções ou adiamentos que não absolutamente indispensáveis; isto é, o princípio da concentração, como corolário dos princípios da oralidade e da imediação, clama por “uma audiência unitária, continuada, e no menor espaço de tempo, em que tenha lugar uma apreciação de todo o material probatório”.

5. Noutras palavras, (1) “a oralidade e a imediação exigem uma audiência unitária, continuada, em que tenha lugar a apreciação conjunta e esgotante de toda a matéria do processo. Daqui a

concentração espacial – a propósito da qual se fala também por vezes de um princípio de

localização -, exigindo que a audiência se desenvolva por inteiro em um mesmo local, apropriado ao fim que com ela se pretende obter e aonde devem ser trazidos todos os participantes

processuais (a sala de audiência); e a concentração temporal exigindo que, uma vez iniciada a audiência, ela decorra sem solução de continuidade até final. O artigo 328º consagra claramente o princípio da concentração no que toca à sua manifestação temporal de continuidade da audiência:

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“a audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu

encerramento”. Os intervalos limitativos da continuidade da audiência podem ter lugar sob a forma de simples interrupções, ou de verdadeiros adiamentos, se a simples interrupção não for bastante para remover o obstáculo. À interrupção ou ao adiamento por período não superior a cinco dias o CPP liga o efeito da continuação da audiência – esta retoma-se a partir do último ato processual praticado na audiência interrompida ou adiada: ao adiamento por tempo superior a cinco dias, e até trinta, corresponde uma decisão do tribunal, oficiosa ou a requerimento, no sentido da repetição ou não de alguns dos atos já realizados; ao adiamento superior a trinta dias, em regra não admissível, liga o CPP o efeito do recomeço da audiência – a prova já realizada perde toda a eficácia (artigos 328º nºs 4, 5 e 6) “A concentração pressupõe que os atos processuais devem desenrolar-se numa só audiência, ou em poucas audiências próximas temporalmente entre si, com o objetivo evidente de que as manifestações realizadas de palavra pelas partes perante o juiz e as provas

permaneçam fielmente na memória deste na hora de ditar a sentença”; (3) “Quando se fala em oralidade como princípio geral do processo penal tem-se em vista a forma oral de atingir a decisão. O processo será dominado pelo princípio da escrita quando o juiz profere a decisão na base de atos processuais que foram produzidos por escrito (atas, protocolos, etc.); será pelo contrário dominado pelo princípio da oralidade quando a decisão é proferida com base em uma audiência de discussão oral da matéria a considerar. É exatamente isto – mas só isto – que com o princípio da oralidade se quer significar”; (4) “ O sistema da oralidade, aplicado no terreno das provas, e em particular nas provas a serem constituídas, assinala o momento do ingresso, também no mundo do juízo jurisdicional, daquele diverso método de raciocínio que, originado na passagem do Medievo ao Renascimento, e estando sublinhado por nomes como Galileo Galilei e Bacon, o fundador da escola experimental moderna, e de tantos outros pensadores e homens da ciência, encontra-se hoje, sem dúvida, na base do conceito de juízo em geral”; (5) Ligado ao princípio da oralidade deparamos com o princípio da imediação, definível como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma perceção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão. Também aqui, como no princípio da oralidade, o ponto de vista decisivo é o da forma de obter a decisão – cfr. AUJ nº 11/2008, do STJ; (6) o princípio da imediação relaciona-se com o carácter imediato, quer dizer, não mediado ou livre de interferências, da relação de todos os sujeitos processuais entre si e com o objeto da

causa, que propicia tal modo de conceber o processo. Assim, para Calamandrei, pondo a ênfase da dimensão da interatividade, “imediação significa presença simultânea dos vários sujeitos do

processo no mesmo lugar, e, por conseguinte, possibilidade de fontes de prova aonde os autores farão maior empenho. Frente ao processo penal do antigo regime, no qual o processo se efetuava sobre um material que o tribunal recebia por escrito e, portanto, já elaborado em outra sede, se afirma agora a superioridade do juízo presencial, em tempo real, que, em expressivos termos do mesmo autor, oferece a vantagem de que “na viva voz falam também o rosto, os olhos, a cor, o movimento, o tom de voz, o modo de dizer, e tantas outras pequenas circunstâncias, que modificam e desenvolvem o sentido das palavras e fornecem tantos indícios a favor ou contra o afirmado com elas”. Portanto, imediação como “observação imediata" (Florian); como forma de encurtar as

distâncias” (Carnelutti) ou de “integral e direta perceção, por parte do juiz, da prova”.

6. Aqui chegados, cumpre apreciar aquela que é a consequência aposta às hipóteses em que o porvir determina uma interrupção ou um adiamento inter – audiências superior a 30 dias: perde eficácia toda a prova produzida, prescreve o nº 6 do artº 328º do CPP;

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quaisquer prescrições de nulidade probandi, a previsão do artº 120º.2.d) do CPP, atinente a um regime de nulidade de atos processuais por afronta ao princípio da legalidade (Ac. TRE de

11.10.1994: “A violação do nº 6 do artº 328º do CPP, ainda que não venha expressamente indicada na lei como nulidade absoluta ou relativa, constitui nulidade nos termos do disposto no artº

120º.2.d) do CPP, na medida em que implica a violação do princípio da imediação das provas, o que pressupõe a continuidade da audiência; Tal nulidade envolve a invalidade do julgamento e, consequentemente, da própria sentença”; Ac. TRE de 19-10-1996: “A violação do disposto no nº 6 do artº 328º do CPP constitui nulidade que, quando invocada nas alegações de recurso, determina a nulidade do julgamento, ainda que a prova oral já tenha sido produzida e a suspensão do

processo tenha sido determinada, apenas, para obtenção de elementos escritos”), outra, mais extensa e hierarquicamente mais autorizada, propalou uma consequência não invalidante sobre a prova produzida em julgamentos cujas audiências distem entre si por mais que 30 dias (Ac. STJ de 03-07-1996: “Ordenando-se a continuação da audiência suspensa de forma a ser ultrapassado o prazo de 30 dias de adiamentos, não se verifica nulidade, mas apenas a perda de eficácia da prova feita oralmente em anteriores sessões. Daí que apenas possa ser afetada a eficácia probatória dessa prova quando incluída nos fundamentos da sentença”; Ac. STJ de 15-10-1997: “O nº 6 do artº 328º do CPP não comina, diretamente, de nulo, nem o despacho que faz retomar a audiência que permaneceu adiada ou interrompida por período superior a 30 dias, nem a audiência de julgamento realizada à sombra de tal despacho, nem a decisão proferida em resultado daquela audiência de julgamento; apenas a prova feita oralmente em anteriores sessões da audiência perde eficácia; O disposto no nº 6 do artº 328º não tem aplicação ao caso de a leitura da sentença ocorrer depois de ultrapassados 30 dias sobre o encerramento da audiência”; Ac. RL de 02-12-1997: “O adiamento da audiência por mais de 30 dias, embora determine a perda de eficácia da prova testemunhal anteriormente produzida, não invalida os efeitos da audiência anteriormente efetuada, designadamente no que respeita ao exercício de direitos”). Ou seja, a jurisprudência maioritária apenas declara o revivalismo da prova oral, salvaguardando a validade e a eficácia de toda

aqueloutra já edificada no processo: imediatismo e oralidade sim, mas em tudo quanto não é prova documentada (artºs. 362º a 364º do CPP);

8. Se é de prova documentada que falamos, há que dar espaço então ao princípio de

documentação da audiência, de que cuidam os artigos 362º a 364º do CPP, afinando o diapasão pela seguinte regra: as declarações orais prestadas em audiência são sempre gravadas e

documentadas na ata;

9. Densificando o seu âmbito, “o objetivo primordial da documentação integral e fiável das provas orais produzidas em audiência de julgamento é possibilitar ao tribunal superior, em caso de recurso, a completa e segura reapreciação das provas que especificadamente sejam aduzidas para

reclamar a alteração do julgamento da matéria de facto. Gravação integral que, em caso de

recurso, desonera o tribunal recorrido de proceder à transcrição dos depoimentos gravados, como sucedia no regime anterior, ou seja, havendo gravação – que é obrigatória – não há transcrição das provas orais produzidas na audiência. Com o que se economiza ao erário público (os custos de transcrição dos mega-processos eram enormes e desproporcionados) ao mesmo tempo que se ganha em celeridade (as gravações ficam imediatamente disponibilizadas para os sujeitos

processuais), ao mesmo tempo que se colocou ponto final da questão de saber quem tinha de fazer a transcrição e o que era necessário transcrever”, pelo que articulado o artigo 364º com o artigo 328º.6 do CPP e com o não menos relevante artigo 355º há que concluir, com sorte para a hodiernidade e para o seus estado evolutivo – teconológico, que a perda de eficácia probatória

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subjacente ao artº 328º.6 do CPP, se se reporta apenas a declarações orais (prova oral) esbarra na factispecie destoutra norma quando, no concatenado de atos processuais no tempo, proclama a perda de eficácia de uma prova que está, afinal, documentada, tendo por isso superado as barreiras da prova testemunhal para se convolar em prova documental:

? As declarações prestadas oralmente em audiência são obrigatoriamente gravadas e documentadas, reza o artº 364º.

10. Compreende-se que o sejam, mormente quando se vislumbram as condicionantes histórias que levaram àquela legiferância que reforçou as exigências do contraditório, do imediatismo e da

oralidade (artº 355º do CPP): é que se o tempo corrido ao tempo da lavra das normas adjetivas do CPP em 1987 se caracterizava por um ascetismo tecnológico no tangente aos Tribunais pátrios, a medida do presente ostenta já a transmutação desse legislador asceta, desse legislador histórico, num legislador atento às constantes mutações de um tempo vincadamente inovador e acautelador dos porvires desse jaez eminentemente computacional, como bem denota a cláusula aberta

constante da parte final do artº 364º: “ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas”. Um legislador, este que hoje decreta a mnemónica de todas as declarações num suporte físico que as documenta, que de caso pensado quis reduzir ao máximo os riscos de dissipação cognitiva e morosidade processual quando se logrem interlúdios entre

audiências de julgamento superiores a 30 dias, tendo-o feito com conhecimento da jurisprudência existente, isto é, aquela que reduzia o âmbito do artigo 328º.6 do CPP à perda de prova não

documentada, e tendo-o feito, mais também, sabendo que por este modo não lograria aquilo que o legislador de 1987 queria ao máximo evitar: o enviesamento do processo aquisitivo de informação pelo juiz de julgamento pela perda do imediatismo do depoimento;

11. Vale por dizer, portanto, que a interpretação conjugada dos artºs. 328.6 e 364º estriba que até o mais conservador hermeneuta logre o reenvolvimento das normas à luz dos seus elementos

histórico e atualista, determinando que a perda de eficácia de prova exista apenas defronte de oralidade não documentada;

12. Oralidade e documentação, essas, que são dados proclamadores do chamamento analítico do princípio da imediação (artº 355º do CPP), o qual, via de regra, inviabiliza a produção de prova por quaisquer meios que não a examinação em julgamento;

13. As exceções, que as há, colhemo-las das prescrições contidas no nº 2 do artº 355º e nos artºs. 356º e 357º do CPP: leitura de atos processuais, vertida em autos e declarações documentadas dos sujeitos processuais, o que é trazido à liça porquanto o leitmotiv do dissídio se circunscreve à exegese do artº 356º.3.b) do CPP;

14. Assim perspetivado o problema, e quando é sob o artº 356º.3.b) que devemos discorrer, cumpre concluir da legitimidade da decisão judicial de recusa de um requerimento que lograva a confrontação de uma testemunha com o auto das suas declarações prestadas numa audiência cuja prova – toda ela, documental e oral – foi dada sem efeito pelo juiz de julgamento;

15. Cedo antecipámos que no escopo do artigo 355º e das suas limitadas reservas de exceção está a tríade principiológica da contraditoriedade, da imediação e da oralidade, pelo que a sua análise é o que dá o mote para a enunciação do seguinte silogismo:

? Se a audiência é sempre documentada e as declarações aí prestadas pelos intervenientes

processuais constam impostergavelmente de suporte idóneo à sua integral reprodução (cfr. artigos 99º, 101º e 362º a 364º do CPP; “as declarações prestadas na audiência são sempre

(obrigatoriamente) documentadas na ata. Essa documentação é feita, em regra, através de gravação áudio (magnetofónica) ou audiovisual (voz e imagem). Como neste domínio há outros

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meios capazes de assegurar a finalidade da documentação integral das provas pessoais oralmente produzidas na audiência e, ademais, se antevê evolução na tecnologia adequada, é também

possível e permitido que se faça com recurso a meios estenográficos, estenotípicos ou outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral da cena judiciária vivida na audiência, em particular das declarações e da atuação dos intervenientes no julgamento”; Ac. TRP de 20-03-2006 (Proc. nº 0650954);

? Se a perda de eficácia probatória é uma estatuição do princípio da concentração cuja esfera de aplicação se circunscreve à prova oral pura (cfr. artigo 328º.6 do CPP; “ a norma do artº 328º.6, mais do que caucionar a concentração da audiência, visa remediar a dissipação, na memória dos julgadores após o decurso de um determinado período, da chamada prova volátil: a sua suposta volatilização com a passagem do tempo obrigá-la-ia, para refrescamento da memória dos

julgadores, a repetir-se. Porém, não se pode falar em prova volátil quando tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente em audiência, através de gravação

magnetofónica ou audiovisual ou de outros meios técnicos idóneos à reprodução integral daquelas. Assim, devendo limitar-se a perda de eficácia decretada pela 2ª parte do artº 328º.6 do CPP à chamada prova volátil, a respetiva documentação, garantindo a sua perenidade, deixará de justificar tão drástica cominação”; Ac. TRE de 02-12-1997; Ac. TRE de 21-06-2005 (Proc. nº 1198/04-1); Ac. STJ de 06-02-2008 (Proc. nº 07P4374); Ac. TRL de 13-02-2007;

? E se a imediação é uma meta – desiderato que cessa defronte de autos contendo declarações de testemunhas cuja leitura é admitida excecionalmente em audiência (cfr. artigos 355º 1 e 2 e

356º.3.c) do CPP);

? Então forçoso é concluir que se uma audiência se repetir nos alvores do artigo 328º.6, mas as declarações das testemunhas constarem de idóneo suporte documental, a sua confrontação, sob os limites do artº. 356º.3.b), tem de ser admitida para preservação da prova já produzida e para asseguramento de dois móbeis tão peculiares no processo penal: a celeridade e a certeza processuais;

16. Um raciocínio deste jaez entra de imediato em rota de colisão com a decisão recorrida quando esta postulou que “ a audiência de julgamento foi dada sem efeito, estando por isso a repetir-se o julgamento com apreciação de todas as provas, quer documentais quer testemunhais e que, nos termos do artº 328º.6 do CPP, todas as provas produzidas perderam a sua eficácia”, pois não só esta obnubila a jurisprudência que vinculava a instância de decisão (certo é que fora do escopo do artº 328º.6 do CPP está toda a prova documental produzida na audiência adiada, ainda que a documentação se reporte às declarações dos sujeitos processuais – Ac. TRE de 02-12-1997; Ac. TRE de 21-06-2005; Ac. TRL de 13-02-2007; Ac. STJ de 06-02-2008), como pelo olvido propala um resultado final que é, afinal, inconstitucional quando afronta os seguintes artigos da Constituição da República Portuguesa: Artºs. 2º e 32º.1 e 5 da CRP;

17. No mais, que constitui a grande pecha da decisão em crise, o refute da confrontação de uma testemunha com as suas declarações orais documentadas contribuiu inelutavelmente para o anquilosamento hermenêutico daqueles que são os elementos histórico e sistemático da norma, pois se o artº 9º do Código Civil lança o processo exegético a partir da reconstrução do

pensamento legislativo, tão mais certo é que a proposição contida no 328º.6 do CPP –

acautelamento da perda de prova através da sua dissipação na memória dos julgadores – não colhe aplicação quando aquela prova que pretende salvaguardar, a volátil, se encontra

documentada: “a documentação da prova volátil destina-se, justamente, a evitar a sua dissipação (…) Mostrando-se ultrapassados os receios de um eventual risco de esquecimento do que se

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passou em audiência e de impossibilidade de apreciação unitária da prova – receios que justificam a continuidade da audiência e aconselham a preclusão da prova quando aquela não se verificar -, não pode deixar de se considerar desproporcionada a preclusão da prova já realizada sempre que tenha havido gravação magnetofónica ou audiovisual, ou a utilização de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência. Por outro lado, sendo o princípio da continuidade um verdadeiro garante da aceleração processual na fase de julgamento, a preclusão da prova em virtude de não ter sido possível retomar a audiência no prazo referido no nº 6 do artº 328º, nos casos em que o tribunal tenha procedido ao registo integral da prova produzida, acabaria afinal por redundar numa contraproducente e incompreensível negação do princípio da celeridade, face à possibilidade que tem o tribunal de, se necessário,

atualizar, recorrendo ao conteúdo das gravações, as declarações, bem como as impressões, colhidas no momento, que elas deixaram. E tanto mais que a perda de eficácia da prova pode acarretar gravame desmesurado, quer para o arguido, quer para a vítima, sendo que ficaria

particularmente afetada a prossecução das finalidades do processo – realização da justiça. Tutela de bens jurídicos, estabilização das normas, paz jurídica dos cidadãos – em tempo útil. A todos os inconvenientes e gravames acima expostos acresceriam ainda os sobejantes conhecidos riscos decorrentes da repetição de depoimentos. (…) As preocupações de celeridade seriam até afetadas se, em vez de se reconhecer eficácia à prova produzida na sessão anterior à interrupção, se

impusesse a renovação de todo o julgamento ou a repetição dessa prova. E, por outro lado, a existência de documentação de prova e a não desmesurada dilação entre as duas sessões é de molde a afastar o risco de desvanecimento ou confusão na memória dos intervenientes processuais das ocorrências verificadas na sessão anterior. Existindo registo integral, facilmente consultável, quer pelo Tribunal, quer pelos sujeitos processuais, da prova produzida em audiência, a

interrupção, mesmo por período temporal superior a 30 dias, das diligências probatórias, não é de molde a afetar a correta e adequada valoração final das provas” – J. Carmona da Mota, em

declaração de vencido sobre o ac. STJ 11/2008 que contou com a adesão dos também vencidos Juízes Conselheiros Maia Costa, Raul Borges, Simas Santos e Arménio Sottomayor;

18. Aderimos a tais argumentos quando perguntamos, por certo retoricamente, qual é o advogado de hoje, com prática desde 1987 (data da aprovação do CPP vigente, pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro), que tendo calcorreado os tribunais nesse ano, alguma vez sonhou com os registos áudio e audiovisual da audiência de julgamento que agora propalam em todos os órgãos decisores pátrios?

19. Em jeito de conclusão sobre o caso subjacente, o despacho que indefere o requerido – leitura de declarações prestadas perante juiz, nos termos do artº 356º.3.b) do CPP, malgrado o tenham sido numa audiência irregular nos termos do artº 328º.6 - obnubila uma compreensão atualista do sistema jurídico e da sua unidade para confutar que a malha da celeridade processual seja

reforçada, com benefícios indeléveis para todos os sujeitos processuais, desde o arguido ao ofendido, passando de permeio pelas finalidades do processo: a procura da verdade material através de uma resposta processualmente válida (Luhmann);

20. Queira o juiz aclarar a cognoscibilidade de um depoimento e poderá a todo o tempo promover a replicação do testemunho; o que não poderá, contudo, porque os interesses de salvaguarda que presidiram à feitura da disciplina legal do artº 328º.6 se modificaram com a evolução do estádio da tecnologia, é relegar de todo a prova produzida quando ela é documentada;

21. Fá-lo-á, sim, se a prova ostentar erros, falhas e intromissões sonoras (cfr. inter alia, Ac. TRP de 19-12-2005 – Processo 0554742); fá-lo-á sim, se as declarações, por algum motivo, se perderam

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(cfr. Ac. TRP de 20-03-2006, Proc. 0650954; Ac. TRP de 27-03-2006, Proc. nº 0651069);

22. Noutro sentido julgar, como se fez, além de acarretar riscos notórios de contraditoriedade entre depoimentos, conforma a audiência de julgamento num nebuloso espaço de discussão onde

alguém, imbuído de má-fé processual, pode provocar um adiamento superior a 30 dias para alterar o seu depoimento sem poder ser caucionado com as suas declarações sobre a mesma hipótese: que juiz é este que permite, in limine, que uma testemunha declare a culpa de um agente e o seu contrário? Que juiz é este que permite que um mesmo arguido confesse a autoria e a negue posteriormente? Mais, que juiz é este que permite isto tudo sem sequer requerer a extração de certidão, quanto às testemunhas deponentes, para aferição do eventual cometimento de crime de falsidade de depoimento?

23. E que juiz da Comarca do Porto é este, que conhecendo a jurisprudência da sua relação sobre perda de gravação de depoimentos prestados em audiência de julgamento registados em cassete audio – Ac. TRP de 27.03.2006 Proc. 0651069): Tendo sido gravada a audiência de discussão e julgamento e constatando-se que, no Tribunal da causa, desapareceu uma cassete onde se

continha a gravação de vários depoimentos, não deve ser anulada toda a produção de prova, (que decorreu em duas sessões) mas, apenas, anulando o julgamento e, consequentemente, a

sentença, a fim de se proceder a nova audição dos depoimentos que constavam do suporte áudio prestado (e só desses, que se perderam e não estão documentados – acrescento nosso) -, anula toda a prova de uma audiência, fazendo tabula rasa de tudo o que os autos denotam já como acervo documentado?

24. Tudo exposto, e quando está em causa uma decisão de recusa de leitura de um auto contendo as declarações de uma testemunha – F… - prestadas perante autoridade judiciária nos termos do artº 356º.3.b) do CPP, dúvidas não sobram quanto à ilegalidade da decisão;

25. Em concomitância com o que vimos arguindo outro domínio há que reclama a invalidade da decisão recorrida: queremos referir-nos ao deferimento de um requerimento (fls. 781 a 783 e 790), com vista aposta no já distante dia 23-10-2014 e decisão tomada na preclusão do seu quinto dia ulterior (28-10-2014), pelo qual a instância recorrida estribou o seguinte: “Nada a opor ao requerido no ponto 5 do requerimento apresentado pelos arguidos a fls. 781 a 783, atento o falecimento da testemunha e bem assim o estatuído no artigo 356º.4 do Código de Processo Penal”;

26. Mais queremos, ao que a medida do vero não permite que a racionalidade do processo

inteletual cognitivo da defesa se acantone, referir-nos de igual monta ao sobrevindo dia 04-III-2015, também ele vivificador de uma nova ata de audiência de discussão e julgamento sobre o processo em crise, da esfera de competências do mesmo Juiz e ocorrida nos alvores do princípio da

continuidade da audiência (artº 328º do CPP): “Ata de audiência de discussão e julgamento – Data: 04-03-2015, pelas 14h 30 – Na presente audiência, passou-se à reprodução das declarações prestadas pela testemunha G… no dia 01/01/2013, tal como ordenado no despacho datado de 30/10/2014”;

27. Se a primeira referência que carreamos delimita o despacho recorrido (25-II-2015) no tempo pela anterioridade (30-X-2014), este último fá-lo já na ulterioridade (04-III-2015), pelo que era expetável que se constasse uma harmonização de julgados entre quem foi sempre o único decisor na contenda, o que não ocorreu;

28. Sem poder deixar que o olvido se apodere dos factos, retemperemo-los: uma testemunha G…, arrolada pela defesa sob o regime do depoimento ínsito no artº 128º.2 do CPP, se na audiência interrompida e posteriormente dada sem efeito falou com apoditicidade sobre a honradez da

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esse depoimento não o pôde fazer, porquanto faleceu;

29. O decesso, cabendo na base legitimadora que o baluarte legal do artº 356º.4 do CPP cauciona, foi o que serviu de ensejo ao requerimento da sua leitura através do suporte documental sobre si registado na pretérita audiência – a audiência ineficaz – (gravação magnetofónica ou áudio-visual, sem prejuízo da utilização de meios estenográficos ou estenotípicos: artº 364º do CPP), o que foi deferido;

30. Posto isto, urge, por tudo, perguntar: para o Mmo. Juiz e para o MP que provas, afinal, perderam eficácia com a interrupção da audiência por um período de tempo que excedeu os 30 dias? Numa hipótese dessa estirpe – repetição do julgamento – que prova pode afinal valer em audiência da audiência no que é tangente ao espetro de aplicabilidade dos artºs. 355º.2 e seguintes do CPP (prova, que sem imediação, está contida em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência é permitida)?

31. Para tal há que indagar dos efeitos e consequências do ato jurisgénico que, depois de refutar a confrontação de uma testemunha com o suporte documental das suas declarações pré-prestadas numa audiência de julgamento ineficaz nos termos do artº 328º.6 do CPP (cjg. artº 356º.3.b) CPP), vem a admitir quanto a uma testemunha decessa, no mesmo processo, a leitura das declarações do seu depoimento lavrado no mesmo dia, no que estamos com Rosenberg para afirmar que a ilegalidade da decisão é um óbvio ululante que entra pelos olhos dentro de todos quantos são neste quesito hermeneutas;

32. Sim, se a prova produzida numa audiência perdeu eficácia e se convolou em prova nula e, por isso, em prova proibida, porque motivo se enjeita a reprodução da sua documentação nos termos do artº 356º.3.b) e, ao invés, se admite já no concernente ao nº 4 do mesmo artigo?

33. Estivéssemos no domínio da jus-privatística e redarguiríamos à decisão do Mmo. Juiz a quo com o latinismo Tu Quoque ou com a arguição da inalegabilidade como modelos comportamentais evidenciadores de um comportamento constitutivo de abuso de direito, pois outro não é o modo por que age aquele Juiz que, depois de assacar à documentação de uma audiência ineficaz a proibição integral de toda a sua prova, admite a final a sai reprodução, contanto que o seja em tudo que não privilegie os interesses da defesa;

34. A ilegalidade é assaz brutal ao ponto de peticionar a arguição de uma inconstitucionalidade, já que a decisão postula a violação do artigo 32º da CRP (Garantias do processo Criminal) quando surpreende toda uma estratégia de defesa com decisões obnubilantes sobre uma mesma matéria; 35. Em suma, portanto, nenhum suporte existia para que a instância recorrida pudesse refusar a reprodução do acervo documental da audiência ineficaz, a fim de se confrontar a testemunha E… com as incongruências internas do seu depoimento antecedente, mormente quando aquelas foram prestadas perante juiz, não foram cominadas expressamente com a nulidade, constam de suporte físico documental e, mais importante, já havia uma decisão no processo que permitira, quanto a outras declarações da audiência ineficaz (as da testemunha falecida), a sua leitura, com o que saem violados os artigos 328º.2 e 356º.3.b) do CPP, pari passu com as garantias de um fair trial que o artº 32º sufraga, devendo decretar-se a ilegalidade de todo o julgamento e a sua

consequente repetição, depurada de vícios ofensivos das garantias da defesa;

36. Face a tudo, e quando o artº 412º proclama o dever de enunciação nas conclusões das normas jurídicas violadas e do seu justo sentido hermenêutico, são os artigos 328º.6, 355º.2, 356º.3.b) e 363º e 364º do CPP os comandos violados pelo despacho recorrido, porquanto aquela decisão se estribou numa precípua configuração da perda de eficácia da prova determinada pelo artigo 328º.2 do CPP, que visando o acautelamento das exigências dos vetores principiológicos do processo

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penal que são a oralidade, a concentração e a imediação, não se confunde contudo com a perda absoluta de prova daqueles que são os atos documentados à luz do artº 364º do CPP, pois que o espírito postergador da “prova volátil” é prevenido pela perenidade que a documentação dos atos, ainda que orais, permite (363º e 364º do CPP);

37. Assim, quando se cuida de analisar os artºs. 355º.2 e 356º.3.b) do CPP e de olhar a permissão de confrontação de uma testemunha tergiversante com as suas declarações anteriores,

dissidentes, prestadas perante juiz, não há, atentos os interesses da unidade do sistema e as garantias de um processo equitativo, nada mais que deva determinar que a prova produzida numa audiência ineficaz seja fulminada com a brutal e integral nulidade, contanto, repise-se que se tratem de atos documentados e aos quais o Juiz possa acudir para formar a sua convicção sem medos ou receios de olvidos, i.é, sem o perigo de enviesamento do princípio da imediação;

38. A fortiori, pelos efeitos irradiantes que resultam da violação daqueles comandos e da oposição de decisões sobre a mesma matéria, são os artigos 32º e 2º da CRP que são também violados quando coartam as garantias de defesa do arguido. *B. Recurso dos arguidos C… e D…: 1. C… e D…, co-arguidos no processo identificado neste recurso, não se conformando com a prolação da sentença judicial condenatória que estribou o seu juízo de censurabilidade penal pelo cometimento de um crime p. e p. pelo artº 105º do RGIT – Regime Geral das Infrações Tributárias – (abuso de confiança fiscal) em igual medida da pena, i.é, 135 dias de multa à taxa diária de 5€, num total de 675€, sobre ela vêm agora discorrer criticamente, colocando na absolvição o seu desiderato;

2. Como primeiro flanco de rebatimento tem-se a arguição, sobre a sentença recorrida, da sua nulidade por violação do artº 328º.6 do CPP, uma vez que sob o desenlace adjetivo da instância a quo se viu que a marcha do tempo inter-audiências de julgamento foi assaz lato a ponto de

provocar o efeito cominatório estatuído pelo artº 328º.6 do CPP: depois de ter tido lugar uma primeira audiência de julgamento, o que ocorreu no dia 25.02.2013, onde prestaram depoimento inter alia, a testemunha G…, porque a sua continuação era obstaculizada pela norma referida, foi decretada ineficaz toda a prova produzida;

3. Decisão essa, que com prejuízos para a justiça, levou o Mmo. Juiz que retomou o julgamento a não permitir que uma testemunha (F…) pudesse ser confrontada com a documentação das suas declarações anteriormente prestadas sob o regime do artº 356º.3.b) do CPP, ao que sobreveio a arguição de uma nulidade pelo aqui recorrente C…, hodiernamente em estádio de recurso; 4. Sem o seu prejuízo, a verdade é que a sentença condenatória recorrida aloca na sua

fundamentação que atendeu valorativamente ao que foi dito pela “testemunha G…, que refere conhecer os arguidos C… e D…, os quais considera pessoas corretas, com bons princípios, que frequentaram a casa do depoente. Depoimento idóneo e espontâneo, que também destaca as qualidades dos arguidos”, pelo que a nulidade da sentença reside na circunstância desta concreta testemunha apenas ter prestado depoimento na audiência cominada com a perda de eficácia probatória, não já intervindo naqueloutras de 25.02.2015 e 04.03.2015, o que era inexorável quando se atende à circunstância indelével de nesse hiato ter falecido;

5. Quer-se saber porque foram as suas declarações reproduzidas e apura-se que isso resultou da deferência jurisgénica à leitura de declarações sob os alvores do artº 356º.4 do CPP, o que nos leva a indagar porque decretou o Mmo. Juiz a quo que toda a audiência de 2013 perdeu eficácia e nenhuma declaração pode ser reproduzida para, depois, vir sufragar a admissibilidade probatória da leitura das declarações de um arguido nos termos da norma mencionada, dessa forma

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(Proc. 07P4822);

6. Por este modo perspetivas as coisas, é notória a existência de um vício de legalidade sobre a sentença condenatória, por intumescer a sua fundamentação de prova proibida nos termos do artº 328º.6 do CPP, com o que assacamos a imperiosa necessidade de um devir, através de acórdão, que declare a nulidade da sentença e, por seu efeito, a absolvição dos recorrentes do crime porque foram condenados com fundamento na doutrina da contaminação processual do fruto da árvore proibida, contanto que é insofismável o contributo para a condenação de um meio de prova proibido (artº 125º do CPP);

7. Questão incidental como esta, já aflorada, é o recurso interposto pelo arguido C… em 07.04.2015, sobre o qual se repisa a manutenção no seu interesse, retido que ainda está (artº 412º nº 5 do

CPP);

8. Outra nulidade existe e se arroga neste recurso contra a sentença condenatória em crise: a violação do artº 345º nº 4 do CPP, na medida em que os recorrentes, então meros arguidos, viram coartados os seus direitos processuais previstos nos artºs. 61º.d) e 343º nº 1 do CPP quando o co-arguido B…, sem contar com a promoção jurisgénica de qualquer corroboração, prestou-se a depor, no que foi ouvido pelo Tribunal, aí relegando a sua confissão e tomando outrossim partido por uma versão, que se algo narrou, foi o enviesamento da verdade através da sua desresponsabilização contra a proposição de um devir jurisdicional caucionante de um juízo de censura ético-jurídica sobre os co-arguidos C… e D…, o que foi atendido valorativamente pelo Tribunal contra os recorrentes;

9. Podia o arguido B… fazê-lo? Arguido que é e personagem processual que tem na lei

constitucional a resenha das suas garantias fundamentais (artº 32º da CRP) e na lei adjetiva o seu sequente gizar (artºs. 61º.d) e 345º do CPP), a resposta é afirmativa; poderia contudo o Tribunal a ele atender para fundar a condenação dos co-arguidos? Cremos que não, precisamente com fundamento no artº 345º nº 4 do CPP;

10. Com efeito, pomo da questão não é saber se podia o Mmo. Juiz valorar o depoimento e validá-lo como meio de prova no que ao arguido B… respeita; pomo da questão é, outrossim, saber se o podia fazer para daí extrair a prova de factos de que resulta a condenação penal dos co-arguidos quando é consabida a presença de um comando como aquele constante do artº 345º nº 4 do CPP, que reza que os depoimentos de um co-arguido não podem dar lugar à imputação criminal dos demais;

11. E a resposta, neste quesito, é rotundamente negativa, no que além da lei é proposto por Teresa Beleza (in Tão Amigos que nós éramos: o valor probatório do depoimento do co-arguido no

Processo Penal Português, RMP, nº 74, Abril/Junho de 1998) e pelo Acórdão do TC nº 54/97 de 14-07, bem como pelo Acórdão da Relação de Guimarães de 09.02.2009;

12. Com efeito, se a presunção de inocência e o direito ao silêncio e à não auto-incriminação são vetores constitucionalmente vinculísticos (cfr. artº 32º da CRP), e se os meios de prova só são admissíveis quando não há uma lei que os refute, então, silogisticamente pensando, não podemos deixar de ver no artº 345º.4 do CPP a proibição de valoração do conhecimento probatório do co-arguido contra os outros que o acompanham nessa posição processual, numa norma que vem a ser, afinal, corolário do artº 125º do CPP e da doutrina da fruits of the poisonous tree (métodos de prova proibidos por força de lei);

13) Malgrado manifestarmos que é posição dos recorrentes que a sentença propalada se mostra enviesada por ostentar vícios de legalidade que são concomitantemente inconstitucionais, sempre se antecipa, no exercício de cautela que o bom exercício do mandato forense prescreve, que ainda

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que se admita a legalidade do conhecimento probatório do co-arguido duas ressalvas há que são impostergáveis:

1) A necessidade de corroboração dessas declarações pelo apuramento ontológico de factos mínimos que a sufraguem;

2) O grau de credibilidade que lhe deve ser conferido, que é diminuto;

14. E uma e outra, que não existem e não são credíveis, deviam ter levado a instância decisora a não aderir cegamente às declarações do co-arguido para fundar, como fundou, a incriminação que se verifica;

15. Declarações do co-arguido, de resto, que meio de prova que são, nos dão o mote para análise dos factos provados com os quais os recorrentes não podem concordar. Em causa os factos provados elencados sob a seguinte ordem na sentença: 5); 6); 7); 9); 10); 11); 12); 16); 17); 18); 21); 22); 23); 24), todos sufragadores da qualidade de gerente de facto dos recorrentes;

16. Fundamo-nos na sentença e na leitura do que aí consta sob a epígrafe Fundamentação da convicção do tribunal para apurar quais foram os baluartes deste arrazoado probatório, aí vindo a saber que eles se assimilam sobremaneira às declarações do co-arguido B… e aos depoimentos das testemunhas H…, F… e I…;

17. Postergados, se não mesmo olvidados, ficaram outros trechos desses depoimentos, bem como o depoimento do contabilista da sociedade arguida, a testemunha J…, pari passu com a subversão do depoimento da testemunha K… e com o negligenciar ilegal da prova documental trazida à liça pelos recorrentes com a sua contestação;

18. Queremos ser frontais e lacónicos, o que nos leva a principiar pela reconstituição cognitiva das declarações do co-arguido B…, documentalmente suportadas pela forma de registo áudio (artº 364º do CPP), in Habilus, Registo Fonográfico de 25.02.2015, no hiato de tempo lavrado entre 10:42:06 e as 11:14:42, mormente os sub-hiatos aí contidos e aferidos pelas marcas dos minutos 14:30 a 25:30, onde se apreende, no que somos fiéis a reproduzir: (1) que foi o arguido quem criou o pacto social (“fui eu que o criei”); (2) que o arguido assinou os contratos de arrendamento e de aluguer de bens móveis em benefício da sociedade arguida; (3) que o arguido abriu por si a conta bancária em nome da sociedade E…, Lda. (4) que só o arguido estava autorizado a movimentar essa conta e todos os cheques da empresa só podiam ser assinados por si; (5) que foi o arguido quem contratou os trabalhadores e comunicou à Segurança Social a sua admissão; (6) e, mais importante, que foi o arguido quem, em 2008, abandonou a empresa, revogando no banco quaisquer autorizações de movimentação – que o próprio dizia não existirem por nunca ter autorizado – e procurações, mais tendo apresentado queixa contra os co-arguidos, sendo evasivo se o fez em mais algum lado – rectius, se o fez judicialmente – que não o Banco de Portugal;

19. Pela nossa parte, obnubilados que não estamos por um pré-juízo que faz dos arguidos

caçadores de subsídios e relapsos contribuintes fiscais, sempre diríamos que uma medida do óbvio existe e é relatada pelo arguido declarante, o B…: o arguido assume que depois de 2008 nunca os outros arguidos podiam fazer nada quanto àquela empresa. Não o podendo fazer, seja porque o arguido, sócio-gerente da sociedade E…, Lda. revogou todas as autorizações e procurações que pudessem existir, manietando quaisquer terceiros, onde se poderiam eventualmente colocar os arguidos C… e D… à laia de putativos gerentes de facto, e prostrando-se o momento da prática do crime na data em que terminou o prazo do cumprimento dos deveres tributários em discussão (artºs. 5º.2 do RGIT a 41º.b) do CIVA), o que nos remete para o dia 15 de Fevereiro de 2009 no que se afere ao terceiro trimestre de 2008, então é lapidar e translúcida a conclusão pela qual nunca, ainda que tivessem sido gerentes de facto, os arguidos recorrentes podem ter cometido o crime que

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lhes é imputado;

20. Repetimos: o crime considera-se cometido no dia 15 de Fevereiro de 2015 e desde Novembro de 2008 que o co-arguido B… declara que ninguém, além de si – que abandonou a empresa -, poderia sobre ela fazer qualquer ação:

- in Habilus, Registo Fonográfico de 25.02.2015, entre as 10:42:06 e as 11:14:42, minutos 24:00 a 24:30: fui embora da empresa em Novembro de 2008;

- in Habilus, Registo fonográfico de 25.02.2015, entre 10:42:06 e as 11:14:42, minutos 24:30 a 25:15: “fui ao Banco L… dar ordem para que eles – os co-arguidos (acrescento nosso) – não mais pudessem movimentar a conta;

- in Habilus, Registo fonográfico de 25.02.2015, entre as 10:42:06 e as 11:14:42, minutos 20:00 a 22:00 – nunca passei uma procuração ao C… e à D… e fiz queixa no Bdp para que não mais pudessem movimentar a conta da empresa por mim”;

21. O que, aliado ao facto deste depoente ser sócio-gerente único da sociedade arguida faz

concluir, que nem que quisessem poderiam os arguidos C… e D…, em Fevereiro de 2015, regularizar a situação fiscal da sociedade E…, Lda.;

22. Também sobre o depoimento da testemunha F… – in Habilus, Registo Fonográfico de 25.02.2015, entre as 11:40:20 e as 12:05:36 – se colocam óbices de consideração probatória; 23. É que se algo deve por si constar dos factos provados não é que os recorrentes foram gerentes de facto da sociedade arguida, antes que a testemunha F… declarou que só identificou os arguidos C… e D… como patrões da sociedade arguida porque “da última vez que aqui estive me disseram que eles é que eram os patrões” (in Habilus, Registo Fonográfico de 25.02.2015, entre as 11:40:20 e as 12:05:36, minutos 5:00 a 6:00), no que é uma nítida alusão á supradita audiência de

julgamento ineficaz sob o escrutínio do artº 328º.6 do CPP e às considerações aí prestadas pelo Digníssimo Procurador do Ministério Público;

24. Sobre o valor e medida como deve ser considerado o depoimento cremos que nada mais é forçoso dizer para abalar que ele, enviesado que está, permita lograr a posição de domínio de facto dos recorrentes, porque no mais, se a testemunha os via pelas instalações da E…, e via, tal era, mais que natural, inevitável: aí funcionavam também as instalações da empresa M…, SA., às quais estes dedicam o seu trabalho;

25. Eis que chegamos ao depoimento da Sr. Inspetora Tributária, também ela testemunha, a Srª. H… (in Habilus, Registo fonográfico de 25.02.2015, entre as 11:16:58 às 11:39:27), lavrado que está na sentença recorrida como contribuinte de um arrazoado que identifica os recorrentes como

gerentes de facto da sociedade E…, Lda.;

26. Só podemos circunscrever-nos à narração do seu depoimento, o que mais uma vez convoca a descrição dos intervalos temporais no correspondente suporte áudio que o registou. Sobre isso rematámos com o intervalo entre os minutos 12:30 e 16:00 (in Habilus, Registo Fonográfico de 25.02.2015, entre as 11:16:58 às 11:39:27), onde se ouve a depoente declarar: “Contactei os Srs. C… e D…, que me disseram que não eram gerentes da E…, que apenas cederam as instalações e as máquinas. As instalações ficavam no mesmo sítio que a M…. Apontaram B… como responsável, com quem contactei e que disse que não era responsável”, no que depois mais aclara, referindo-se ao edifício onde laboravam a M…, S.A. e a E…, Lda.: “os sítios eram espaços físicos individualizados e diferentes. A entrada era a mesma, mas os espaços distintos”. Perguntar-se-á se não declara, expressis verbis, que identificava os arguidos C… e D… como os responsáveis pela E…, ao que a resposta, para ser verdadeira, é geradora de um rotundo Não, nunca a testemunha os identificou; 27. Ora, aqui temos outro depoimento insuscetível de apontar aos recorrentes o desempenho das

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funções de gerentes de facto na sociedade arguida;

28. E tudo quanto vale para os depoimentos das testemunhas F… e H… pode repisar-se sobre o valor do depoimento da testemunha I… (in Habilus, Registo Fonográfico de 04.03.2015, entre as 14:38:22 e as 14:58:43, mormente o hiato entre os seus minutos 3:00 e 6:00), pois também esta não identifica os recorrentes como patrões na sociedade E…, Lda., antes devendo dizer-se que se a alguém inculca a posição de patrão é ao arguido B…;

29. Neste estádio resta re-valorar os depoimentos das testemunhas K… e J…, o que é empreendido para alijar no espaço sensorial-cognitivo de quem são os Venerandos Juízes Desembargadores decisores quaisquer convicções da posição de gerentes de facto dos recorrentes na sociedade arguida por ser dado notório que eram frequentemente vistos nas suas instalações;

30. Ora, acontece que isso era consequência de aí também laborar a empresa M…, SA., que arrendou parte do seu espaço físico à arguida E…, Lda., a quem subcontratava parte da sua produção, mostrando-se adequada a instalação desta sociedade naquelas instalações por razões, não só de logística, como também de controlo sobre a produção e qualidade do produto;

31. Fosse isto dito por quem não era detentor de especiais conhecimentos do funcionamento do setor têxtil e sem reserva subvalorizaríamos tais depoimentos; contudo, esse não é o caso, quer porque um (K…, in Habilus, Registo Fonográfico de 04.03.2015, entre as 15:23:59 e as 15:29:09) é empresário do setor há mais de 40 anos, quer porque outro foi contabilista em mais do que uma sociedade comercial do ramo (J…, in Habilus, Registo Fonográfico de 04.03.2015, entre as 15:00:28 às 15:19:39);

32. Ora, no que ao depoimento da testemunha K… respeita (in Habilus, Registo Fonográfico de 25.02.2015, entre as 15:23:59 às 15:29:09, com a menção a caber no intervalo corrido entre os minutos 2:00 e 3:30), é por si referido que a subcontratação é gizada no comércio de têxteis com normalidade, sendo frequente e conveniente que quem subcontrata promova o acompanhamento da produção e do controle da qualidade do produto, mais narrando a testemunha um conjunto de negócios dessa espécie envolvendo a sua empresa e a sociedade M…, SA.;

33. Já sobre o depoimento da testemunha J… (in Habilus, Registo Fonográfico de 04.03.2015, entre as 15:00:28 às 15:19:39) são os minutos 3:00 a 4:30 que atestam que a circunstância da sociedade E…, Lda. ser subcontratada da M…, SA. é um dado absolutamente normal no setor, incluindo-se aí subcontratação com fornecimento de matéria-prima (máquinas, instalações e até trabalhadores). Ao mesmo depoente, diga-se ainda, defere-se também a assunção de que o único proprietário, patrão e gerente da sociedade E…, Lda. era o arguido B… – in Habilus, Registo Fonográfico de 04.03.2015, entre as 15:00:28 às 15:19:39, minutos 7:30 a 9:00: “Dúvidas não tenho, o patrão da empresa era o B…”;

34. Dois depoimentos sérios, isentos e rematados injustificadamente com a insignificância pelo juiz a quo, o que agora se tenta emendar;

35. Tudo exposto quanto à prova testemunhal, que é apreciada sob os parâmetros da livre convicção do julgador e as regras da experiência (artº 127º do CPP), só pode lavrar-se que mal andou a instância a quo ao promover uma assentada que, com desvelo pela legalidade e pela literalidade dos depoimentos, sufraga a ssunção pelos recorrentes de funções de gerentes de facto sobre a sociedade arguida, E…, Lda.;

36. O desvelo pelos depoimentos prestados é tal que é acompanhado pelo negligenciar de todo o acervo documental levado à instância de decisão a quo para prova da normalidade da relação de subcontratação envolvendo as sociedades E…, Lda. e M…, SA.: contrato de arrendamento e contrato de aluguer de bens imóveis (fls. 542 ss);

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37. É certo que sempre poderia, como fez, lavrar-se que “os contratos de arrendamento e de aluguer de bens móveis apenas serviram para dar uma aparência de legalidade, para que os arguidos C… e D…, como legais representantes das sociedades “M…” e “N…”, melhor pudessem contornar a lei e alijar responsabilidades, quer no que concerne ao pagamento de impostos, à obtenção de subsídios e contornar ainda eventuais responsabilidades no que concerne aos credores”;

38. O que não podia ter acontecido era propalar-se tal argumentário a despeito do artº 169º do CPP (Consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa), isto é, com contraditoriedade defronte do depoimento do arguido B… (que

assume que a assinatura em si aposta é sua em ambos os casos – in Habilus, Registo Fonográfico de 25.02.2015, entre as 10:42:06 a 11:14:42, minutos 15:00 a 17:00) [a assinatura dos contratos de arrendamento e de aluguer de bens móveis é minha; confirmo-o] e sem que ninguém – repita-se, ninguém, nem sequer o co-arguido declarante ou o Ministério Público – tivessem em algum momento posto em causa o seu teor, assim abalando a força probatória vinculada que a lei lhes defere;

39. O que nos leva a rematar com a ilegalidade da decisão, por défice de valoração que é

concomitantemente constitutivo de um vício de legalidade por preterição do artº 169º do CPP sobre o valor probatório do documento em processo penal;

40. Tanto já que foi exposto é justificativo de pequenas alterações, agora sobre matéria de direito no tangente ao crime em crise;

41. Assim, foram os recorrentes condenados por um crime de abuso de confiança fiscal, na forma consumada, o que, fundando-se no artº 105º.1 do RGIT, depende ainda da leitura articulada com o nº 2 do artº 5º do mesmo RGIT, porquanto que estamos a discorrer sobre um tipo de crime

omissivo (Ac. do TRC de 24.04.2013 – O crime de abuso de confiança fiscal, recortado no artº 105º do RGIT é um crime omissivo puro, que se consuma no momento em que o agente não entrega a prestação tributária devida, ou seja, a prevista no nº 7 da referida norma; Pedro Lomba/Shearman de Macedo – Do ponto de vista objetivo, o tipo incriminador tem-se por preenchido pela omissão da entrega da prestação tributária exigível”;

42. O momento da prática do ilícito é aferido pela data em que termine o prazo para o cumprimento dos respetivos deveres tributários, o que traz à consideração o regime normal de periodicidade trimestral em que se enquadra a sociedade arguida no concernente ao regime de IVA, que faz com que esta deva proceder ao envio periódico, em cada trimestre, das declarações com o apuramento do imposto sobre o valor acrescentado devido pela atividade económica desenvolvida pela

sociedade arguida (cfr. artºs. 19º a 25º, 26º, 28º e 40º do CIVA), sob pena de quem é sujeito

passivo de tributação vir incidir sobre si responsabilidade criminal, que se estende, por força do artº 7º do RGIT, à responsabilidade individual dos respetivos gerentes;

43. Isto posto, em causa está saber se o hiato de faturação referente ao último trimestre de 2008, alocado na declaração enviada pela sociedade arguida à Administração Tributária, se se mostrar enviesado nos valores que lhe são apostos, é suscetível de gerar responsabilidade penal dos recorrentes, para o que é inelutável determinar o concreto momento da prática do ilícito: 15º dia do 2º mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações (artºs. 41º.1.b) CIVA e 5º.2 RGIT) conforme versa o Ac. do TRC de 24.03.2013: As circunstâncias indicadas no nº 4 do mesmo artigo 105º configuram condições objetivas de punibilidade, isto é, elementos que não se ligam nem à ilicitude nem à culpa, mas que decidem sobre a punibilidade do facto;

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44. Determinámos a data do ilícito assim no dia 15 de Fevereiro de 2009, numa esteira que tem de ser considerada sob a necessidade revisitacional dos factos provados através da constatação de que os recorrentes não podiam deter sobre a sociedade arguida qualquer poder na condução dos seus destinos no poslúdio de Novembro de 2008;

45. Dessa forma, um só resultado conclusivo é admissível: a saber, que à data do ilícito era impossível o seu cometimento pelos arguidos, quisesse-se ainda associar a sua posição na

sociedade E…, Lda. à assunção de poderes de gerência de facto, pois que bem antes do momento do ilícito já aqueles, e quaisquer outros putativos gerentes de facto, não podiam pagar qualquer imposto porque o arguido B… a isso obstaculizou. As palavras são suas, “depois de Novembro de 2008 revoguei todos os acessos bancários”, que “se existiam eu nunca autorizei”, o que fiz “junto do L…”, com “queixa no Banco de Portugal”. Vale por dizer, fossem os recorrentes gerentes de facto, que não eram, e não poderiam pagar o imposto em consideração;

46. Mas a gerência de facto, de per si considerada, é outro dado cuja prova é insofismável no sentido da sua inexistência;

47. Não vamos repisar o que foram os depoimentos lavrados e re-articular que só o co-arguido associa os recorrentes ao seu exercício, pelo que diretamente nos encaminhámos para o artº 127º do CPP – Livre apreciação da prova -, que articulado com as garantias do in dubio pro reo e da presunção de inocência sufragadas pela Constituição no seu artigo 32º, se mostra violado por quem com ausência de quaisquer dados do mundo ontológico que o comprovassem, estribado numa outorga de discricionariedade, o transcende, assentando a decisão condenatória num poder de arbítrio com laivos inquisitoriais, o qual, perdoe-se-nos por dizermos, já só se associa ao poder absoluto e inquebrantável do século XVIII;

48. Mais, também o artº 169º do CPP é atingido, pois existindo prova documental no processo, não pode dela o juiz fazer tabula rasa sem que ninguém coloque em cheque a autenticidade do seu suporte ou conteúdo. Foi o que aconteceu, com prejuízos para a justiça, que se não vir emergir um novo acórdão absolutório, alocará à realidade uma decisão ilegal;

49. E assim vistas as coisas, se o adágio de Beccaria e Feuerbach sine poena sine culpa colhe no artº 40º da lei penal substantiva o substrato recognitivo, só podemos aderir à necessidade de um devir absolutório através da decisão ad quem;

50. Mas essa absolvição, que se impõe sob estes argumentos, é corolário direto também da presença de nulidades insanáveis sobre a sentença recorrida: uma primeira, por violação do artº 328º.6 do CPP e outra, segunda, por valoração do conhecimento probatório do co-arguido contra os demais co-arguidos, com recorte no artº 345º.4 do CPP. Ambas vivenciam uma proibição de valoração de prova (artº 125º do CPP), que existindo como existe, contamina todo o processo, impondo não só a revogação da decisão condenatória como a repetição de todo o julgamento; 51. Em suma, e quando é chegado o momento de concluir e quando esse término é gizado adjetivamente pela lei no artº 412º do CPP, ao decidir-se como se decidiu, resultaram violados os seguintes artigos, que uma vez revalorados pelos Venerandos Juízes Desembargadores deverão dar lugar à absolvição dos recorrentes:

1) Do CPP, os artºs. 128º ss e 164º ss, no tangente aos défices de valoração cognitiva com que o Mmo. Juiz de primeira instância olhou a prova testemunhal e a prova documental; os artºs 125º e 345º.4 do CPP no concernente à valoração de prova proibida com reflexos que contaminam toda a legalidade do processo; e os artºs. 328º.6 e 355º, também sobre a valoração de uma prova

proibida, a saber, o depoimento da testemunha G… através da re-leitura das suas declarações registadas, porquanto se prestou declarações numa audiência verificada sobre este processo no

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corrido dia 01.11.2013 e que foi declarada ineficaz por ter visto sobrevir ao seu curso uma

interrupção superior a 30 dias, viu o seu decesso servir ilegalmente de mote à reprodução de tudo quanto disse – artº 356º.4 do CPP, mas agora numa audiência válida;

2) Do RGIT os artºs. 105º. 1 e 4 e 6, no que é efeito irradiante de uma revisitação fáctica que deve determinar que os arguidos não assumiram funções de gerentes de facto da sociedade comercial E…, Lda., também ela arguida, nem podiam tampouco, ainda que o fossem, manobrar por qualquer moto o seu destino como resultado do bloqueio que o seu efetivo sócio-gerente, o arguido B…, determinou a quaisquer elementos externos à sociedade considerada depois de Novembro de 2008, período temporal que é anterior ao cometimento do ilícito típico;

3) Do CP o artº 40º, postergado pela decisão recorrida a um tempo primeiro quando se imputou a alguém, sem culpa, uma pena, de resto excessiva – artº 70º do CP – por se constatarem aqui graus de culpa e ilicitude, que mínimos que são, deveriam arvorar uma sanção mínima à taxa diária de multa também mínima sobre quem é réu primário, socialmente integrado e publicamente

reconhecido por gizar a sua vida, nas suas vertentes pessoal profissional e pública, por aquilo que o coloquialismo designa por pauta de um bom pater familiae;

4) E por tudo, atento o artº 32º da CRP, são os princípios do in dúbio pró reo e da presunção de inocência também violados quando se sufraga no plano ontológico a existência de factos e dissonância com toda a prova produzida: nada nem ninguém que não o co-arguido reconhece os recorrentes como gerentes de facto da sociedade arguida. *Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de ambos os recursos, concluindo pela respetiva improcedência. *Neste Tribunal da Relação do Porto a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer sufragando o

entendimento desenvolvido pelo Mº Pº na 1ª instância.*Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P. não foi apresentada qualquer resposta. *Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.*

*II – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos: [transcrição]

1) A sociedade arguida, "E…, Lda", é uma sociedade por quotas com o NIPC ………, encontrando-se matriculada na 2ª Conservatória do Registo Predial/Comercial da Maia;

2) O objeto da sociedade arguida consiste no exercício da atividade de "fabricação de outros têxteis diversos", a que corresponde o CAE …..;

3) A sociedade arguida foi constituída no dia 2 de Julho de 2007, tendo exercido a sua atividade até, pelo menos, ao final do ano de 2008;

4) Durante o período de pouco mais de um ano em que exerceu a sua atividade, a sociedade arguida encontrava-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral e, no que toca ao Imposto Sobre o Rendimento, no regime geral de tributação, pertencendo territorialmente ao Serviço de Finanças da Maia;

5) O arguido B… era o único sócio e gerente de direito da sociedade arguida, "E…, Lda.", porém, além dele, eram gerentes de facto da referida sociedade os arguidos C… e D…, respetivamente pai e filha;

6) Na verdade, os arguidos C… e D… acordaram entre si constituírem a sociedade arguida que teria como único sócio e gerente de direito o arguido B…;

7) A sociedade arguida exercia a sua atividade nas instalações da "M…, SA", de que eram legais representantes os arguidos C… e D…. As máquinas utilizadas pela sociedade arguida eram propriedade da sociedade "N…, SA" de que os arguidos C… e D… também eram legais

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havia sido declarada insolvente no processo nº. 496/04.1 TYVNG do 2° Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia;

8) Após a cessação da atividade da sociedade arguida, a maioria dos trabalhadores continuou a trabalhar no mesmo local e com as mesmas máquinas para a sociedade "M…, SA", assim como já tinha acontecido quando mudaram da sociedade "N…" para a sociedade arguida;

9) Foram os arguidos C… e D… que providenciaram por todas as diligências para a constituição da sociedade arguida, suportando os dois primeiros arguidos as despesas necessárias para o efeito, nomeadamente com o capital social e com o advogado;

10) Alguns dos pagamentos devidos à sociedade arguida, "E…, Lda", foram feitos diretamente à sociedade "M…, Lda.", nomeadamente os pagamentos efetuados pela empresa brasileira "O…, Ltda." que ascendeu a cerca de € 267.000,00 (duzentos e sessenta e sete mil euros);

11) Enquanto a sociedade arguida esteve em atividade foram sempre os arguidos C… e D…, na qualidade de gerentes de facto dessa sociedade, quem decidiu, nomeadamente da afetação dos respetivos recursos financeiros à satisfação das suas necessidades, das encomendas e

pagamentos a efetuar aos respetivos fornecedores, do preenchimento das declarações de rendimentos e outras declarações fiscais, bem como do apuramento e pagamento de todos os impostos que eram devidos pela sociedade arguida;

12) Os arguidos C… e D… conheciam a existência e incidência de impostos sobre a atividade desenvolvida pela sociedade arguida de que eram os únicos representantes de facto, tendo pleno conhecimento não só da obrigação legal de facturar as vendas e os serviços prestados pelos montantes que lhes correspondessem, como da obrigatoriedade de cumprir as demais normas legais que definem as obrigações de qualquer agente económico perante a administração fiscal, aí se incluindo o atempado preenchimento das declarações legalmente exigíveis, os mecanismos de retenção na fonte e o pagamento dos impostos devidos;

13) Entre os deveres resultantes da lei vigente encontram-se os de proceder ao envio periódico, em cada mês ou trimestre, consoante o aplicável, das declarações com o apuramento do imposto sobre o valor acrescentado devido pela atividade económica desenvolvida pela sociedade arguida; 14) Essas declarações, no caso do regime de periodicidade trimestral deverão ser enviadas até ao dia 15 do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações, devendo traduzir os

montantes que foram facturados à sociedade arguida e os que esta tenha facturado aos seus clientes, discriminando o valor das prestações de serviços ou transações de bens e o do montante do imposto que sobre as mesmas incida no respetivo período temporal;

15) Sempre que dessas declarações resulte a existência de um crédito de imposto a favor do Estado, ou seja quando num determinado trimestre o montante do imposto cobrado no âmbito das vendas de produtos ou das prestações de serviços pela sociedade arguida exceda o montante de imposto que lhe foi cobrado nas aquisições que suportou no exercício da sua atividade económica, a declaração relativamente à qual suceda deverá ser acompanhada do respetivo meio de

pagamento que transmita para os cofres da administração fiscal aquele montante que foi recebido pela sociedade arguida não por direito próprio, mas por via da sua cobrança enquanto imposto; 16) A despeito desse conhecimento e sabendo que tal atuação implicava consequências penais, em data em concreto não determinada mas situada seguramente entre finais de Dezembro de 2008 e 4 de Fevereiro de 2009, os arguidos C… e D…, na qualidade de legais representantes de facto da sociedade arguida, "E…, Lda.", que esteve em atividade, pelo menos, até finais de 2008, liquidando e recebendo IVA dos seus clientes, decidiram, no período referente ao quarto trimestre de 2008, não fazer a entrega à administração fiscal - Serviços de Administração do IVA - da quantia que a

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