CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DO CONSUMIDOR
NOTA TÉCNICA 01/2014/CCO
Protesto de título. Termo de Ajustamento de Conduta não cumprido. Cláusula estipuladora de pagamento de quantia aferível por simples cálculo aritmético. Obrigação pecuniária representativa de dívida líquida, certa e exigível. Possibilidade de protesto.
1 OBJETO
A partir de solicitação de apoio indagando acerca da possibilidade de se levar a protesto Termo de Ajustamento de Conduta não cumprido, no qual o valor da multa é aferível por simples cálculo aritmético, o Centro de Apoio Operacional do Consumidor do Ministério Público do Estado de Santa Catarina (CCO), ciente do estímulo à efetividade na atuação em prol da coletividade que a solução jurídica representa, posiciona-se sobre o assunto, mediante a emissão da presente Nota Técnica.
2 ABORDAGEM FÁTICO-JURÍDICA
2.1 PROTESTO
O protesto de título é considerado ato solene e formal, que objetiva a comprovação de ausência de cumprimento de obrigação pecuniária assumida pelo devedor. Embora, a princípio, restrito aos títulos de crédito e estritamente vinculado ao direito cambiário, o legislador, quando da edição da Lei Federal n. 9.492/97 (que
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disciplina o ato de protesto), optou por ampliar seu alcance, permitindo-se levar a protesto, além dos títulos creditícios, também outros documentos de dívida.
Nesse sentir, a redação do art. 1º da referida Lei define o protesto como “ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”.
Conforme disciplina Hélia Márcia Gomes Pinheiro1, duas são as posições
doutrinárias quanto ao alcance do aludido dispositivo - que, em verdade, não são conflitantes, apenas divergindo quanto à forma de interpretação: 1) ao dar-se uma interpretação restritiva à redação do artigo, compreende-se que a expressão “documentos de dívida” refere-se tão somente aos títulos executivos judiciais e extrajudiciais, esses elencados no artigo 585 do Código de Processo Civil; e 2) em uma interpretação extensiva, o dispositivo abrangeria todo e qualquer documento de dívida líquida e certa que tenha como fito a comprovação de inadimplemento por parte do devedor.
A posição extensiva, a propósito, é a que melhor se coaduna com o caráter bifronte do instituto de protesto, materializado, de um lado, pela constituição em mora do devedor ao mesmo tempo em que prova sua inadimplência e, de outro, pela modalidade alternativa de cobrança de dívida, calcado na efetividade, pois a cobrança se dá pelo prisma extrajudicial.
No entanto, ainda que restritiva fosse a posição prevalecente, mesmo assim o protesto do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) está em consonância com suas diretrizes, conforme se observará na sequência.
1
PINHEIRO, Hélia Márcia Gomes Pinheiro. Aspectos Atuais do Protesto Cambial. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. p. 21.
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2.2 TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) encontra guarida na Lei n. 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública, que, ao tratar da legitimidade para a propositura da ação, assim dispõe:
Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público;
[...]
§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
O referido dispositivo, por sua vez, encontra sintonia com o estatuído no Código de Processo Civil. Verbis:
Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais: [...]
VIII – todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribui força executiva.
Tem-se, portanto, um compromisso firmado em consonância com o ordenamento jurídico e que possui como objeto determinadas condutas ou atividades. Visando à tutela de interesses/direitos coletivos (lato sensu), busca-se solução consensual a uma situação que esteja em evidente desconformidade com a lei; por meio de um acordo, ajustam-se as condições de cumprimento da(s) obrigação(ões) assumida(s), tal qual o modo, tempo e lugar. Assim, o termo firmado, conforme os retro citados dispositivos, possuirá eficácia de título executivo extrajudicial.
Ao discorrer sobre o tema, Alexandre Amaral Gavronsky2 atenta à necessidade de
certeza e liquidez do compromisso firmado por meio de Termo de Ajustamento de Conduta para que se alcance a eficácia de título executivo:
2
GAVRONSKI, Alexandre Amaral. Técnicas extraprocessuais de tutela coletiva: A efetividade da tutela coletiva fora do processo judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 390-391.
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Para alcançar a plena eficácia de título executivo que lhe confere a lei, o compromisso de ajustamento de conduta deve atender aos requisitos específicos dessa sua condição, sendo reiterada na doutrina a exigência de certeza e liquidez. Em principio, deve, pois, ser certo, i.e, definido claramente quanto aos elementos que o constituem (sujeitos, natureza da relação e objeto), e líquido, ou seja, suas obrigações devem ser expressamente determinadas.
Impende salientar, por oportuno, que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que o atributo da liquidez permanece hígido quando o valor da dívida constante do título puder ser apurado por mero cálculo aritmético.
À guisa de exemplo, colaciona-se ementa de recente acórdão emanado daquela corte3:
PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 NÃO CONFIGURADA. EXECUÇÃO. LIQUIDEZ DO TÍTULO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO
BANCÁRIO DO SFH.
1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
2. O possível julgamento de ação revisional não retira a liquidez ínsita ao contrato de financiamento habitacional, demandando-se, apenas, adequação da execução ao montante apurado na ação revisional. Precedentes do STJ.
3. Não há iliquidez no título quando os valores podem ser determinados por
meros cálculos aritméticos.
4. Agravo Regimental não provido. (sem grifo no original) (AgRg no Recurso Especial nº 1.235.160 – RS. 2ª Turma. Rel. Min. Herman Benjamin. Data do julgamento: 20 de março de 2012).
A par da força executiva conferida ao Termo de Ajustamento de Conduta, a(s) obrigação(ões) - e a(s) respectiva(s) sanção(ões) imposta(s) - a ser(em) cumprida(s) pelo(s) compromissário(s) pode(m) revestir-se de naturezas distintas, tais como:
obrigação de fazer, de não fazer, de dar coisa certa etc.4
3
Adotando a mesma linha de raciocínio, as decisões proferidas no Resp. 270.674/RS (3ª Turma, julgado em 30/5/2001) e AgRg no Resp. n. 970.912/PE (5ª Turma, julgado em 17/3/2009).
4
Na mesma linha, Motauri Ciochetti de Souza (Ação civil pública e inquérito civil. 4. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. p. 116).
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Compartilhando essa diretriz, Alexandre Amaral Gavronsky5 aduz que o TAC pode
ter por objeto obrigação de dar, de fazer, de não fazer ou de pagar determinada quantia (por exemplo, a título de danos morais coletivos e de multas fixadas no instrumento e devidas pelo descumprimento do pactuado).
2.3 PROTESTO DE OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS NO TAC
Como já realçado6, o protesto tem por escopo primordial a constatação do
descumprimento de um compromisso firmado, com vistas a compelir o devedor a adimpli-lo. Recaindo o protesto sobre quaisquer documentos que detenham eficácia de título executivo judicial e extrajudicial e representativos de obrigação(ões) líquida(s), certa(s) e exigível(eis), é possível inferir-se que, de maneira geral, o inadimplemento de obrigação(ões) estipulada(s) em Termo de Ajustamento de Conduta é passível de ser comprovado mediante protesto.
A propósito, iniciativas como a ora aventada, no sentido de romper com a prática arraigada de buscar a efetividade de alguns títulos executivos somente pela via judicial, já foram chanceladas pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante se infere do precedente abaixo reproduzido:
RECURSO ESPECIAL. PROTESTO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA,
TRANSITADA EM JULGADO. POSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DE QUE
REPRESENTE OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA LÍQUIDA, CERTA E EXIGÍVEL. 1. O protesto comprova o inadimplemento. Funciona, por isso, como poderoso instrumento a serviço do credor, pois alerta o devedor para cumprir sua obrigação. 2. O protesto é devido sempre que a obrigação estampada no título é líquida, certa e exigível. 3. Sentença condenatória transitada em julgado, é título representativo de dívida - tanto quanto qualquer título de crédito. 4. É possível o protesto da sentença condenatória, transitada em julgado, que represente obrigação pecuniária líquida, certa e exigível. 5. Quem não cumpre espontaneamente a decisão judicial não pode reclamar porque a respectiva sentença foi levada a protesto”. (STJ, REsp n. 750805/RS, julgado em 14/2/2008). (sem grifo no original)
5
GAVRONSKI, Alexandre Amaral. Op. cit., p. 396. 6
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De igual sorte, em recente decisão, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.126.515, em 3 de dezembro de 2013, alterando jurisprudência anterior sobre o tema e atentando para a nova redação do parágrafo único do art. 1º da Lei n. 9.492/97, admitiu a possibilidade de protesto de Certidão da Dívida Ativa (CDA), reconhecendo-a como título executivo extrajudicial hábil ao protesto, sobretudo por estar em consonância com os objetivos do “II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”, publicado em 2009.
Assim como a CDA, o TAC é título representativo de obrigações que se convertem em recursos públicos. No caso de Santa Catarina, os valores são destinados ao Fundo para Reconstituição dos Bens Lesados previstos na Lei Estadual n. 15.694/2011 e aos Fundos Municipais (se houver), conforme previsão do art. 13 da Lei n. 7.347/85 - Lei da Ação Civil Pública.
Por fim, insta-nos alertar que, quando o título (na hipótese em tela, o TAC) encerrar obrigação de dar ou de fazer, mostra-se inviável, pela própria natureza de tais avenças, a realização de protesto, à medida que não poderá o devedor simplesmente ir ao tabelionato de protestos e quitar, em pecúnia, aquelas obrigações, pois, como adverte, com propriedade, Ermínio Amarildo Darold (in Protesto cambial. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 30/31), "devendo o pagamento ser feito diretamente no tabelionato, como poderia implementar-se a entrega, a ele, tabelião, de, ad exemplum, 10.000 sacas de um produto, ou, ainda, a execução de determinada tarefa?" (obra citada, p. 31).
3 CONCLUSÃO
Em razão de todo o exposto, tendo em vista a natureza de título executivo extrajudicial conferido ao Termo de Ajustamento de Conduta, entende-se – sem caráter vinculativo – que, quando há estipulação de cláusula prevendo o pagamento de
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determinado valor, seja como obrigação principal (dano moral coletivo, por exemplo), seja como multa pelo inadimplemento de obrigação assumida, não há óbice legal que impeça levar-se a protesto o referido documento, ressalvada a imperiosa observância de que a obrigação pecuniária reclamada seja líquida, certa e exigível.
Florianópolis, 17 de março de 2014.
José Galvani Alberton Marcelo de Tarso Zanellato Procurador de Justiça Promotor de Justiça
Coordenador-Geral dos CAOps Coordenador do CCO