Nº COMARCA DE CAXIAS DO SUL DAL TOE ARTIGOS ESPORTIVOS LTDA. ACÓRDÃO

EMBARGOS DO DEVEDOR. NOTA PROMISSÓRIA. FACTORING.

Comprovado o recebimento de valor, prevalece a obrigação de ser restituído, sob pena de afronta ao princípio do não enriquecimento indevido. Cobrança de juros de 0,5 % ao mês. Nota promissória é título líquido, certo e exigível.

Apelo provido.

APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Nº 70008303968 COMARCA DE CAXIAS DO SUL

FACTUS FACTORING E FOMENTO COMERCIAL LTDA.

APELANTE

DAL TOE ARTIGOS ESPORTIVOS LTDA. APELADO

A C Ó R D Ã O

Acordam os Magistrados integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao recurso de apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO (PRESIDENTE E

REVISOR) E DRA. AGATHE ELSA SCHMIDT DA SILVA.

Porto Alegre, 27 de maio de 2004.

DR. MARCELO CEZAR MÜLLER, Relator.

R E L A T Ó R I O

DR. MARCELO CEZAR MÜLLER (RELATOR)

FACTUS FACTORING E FOMENTO COMERCIAL LTDA., nos autos dos embargos do devedor opostos por DAL TOE ARTIGOS ESPORTIVOS LTDA., interpôs recurso de apelação, em face da sentença que julgou procedentes os pedidos efetuados.

Em suas razões, aduziu que o factoring foi efetuado para aquisição de mátria prima, sendo regular a emissão das notas promissórias. Houve preparo.

Na resposta foi defendida a manutenção da sentença. É o relatório.

V O T O S

DR. MARCELO CEZAR MÜLLER (RELATOR)

A execução está baseada em sete notas promissórias, com valor total de R$ 15.600,00.

O fundamento da sentença é de que as notas promissórias são nulas, porque houve empréstimo pela exeqüente e não desconto de título.

Como a execução está baseada em notas promissórias, devidamente assinadas pelos executados, devem ser rejeitadas as preliminares argüidas na petição inicial dos embargos. As notas promissórias são títulos líquidos, certos e exigíveis.

Conforme a lição de Humberto Theodoro Júnior, em Processo de Execução, 12ª ed., p. 136:

“Reportando ao magistério de CALAMANDREI, pode-se afirmar que ocorre a certeza do crédito, quando não há controvérsia sobre sua existência (na); a liquidez, quando é determinada a importância da prestação (quantum); e a exigibilidade, quando o seu pagamento não depende de termo ou condição, nem está sujeito a outras limitações

(3). A certeza refere-se ao órgão Judicial, e não às partes (4). Decorre, normalmente, da perfeição formal do título e da ausência de reservas à sua plena eficácia.”

A alegação de pagamento (notas promissórias números 1 e 2) não diz respeito aos títulos cobrados (notas promissórias números 3 a 9). Ora, ausente a prova de pagamento, está presente o interesse jurídico no ajuizamento da execução.

Em suma, não há razão para invalidade total das notas promissórias, uma vez que a emitente recebeu o valor de R$ 17.261,54, fl. 37.

Em Estudo sobre o contrato de factoring de autoria do Dr. Marcelo Hugo da Rocha (www.jusnavegandi.com.br) consta:

“4.2 Espécies de factoring:

Luiz Lemos Leite elenca de forma muito clara e objetiva as espécies ou modalidades de factoring praticadas no Brasil: (25)

....

d) Compra de matéria-prima – a empresa de factoring faz a intermediação da compra de matéria para seu cliente, negociando diretamente com o fornecedor, visando obter melhor preço de compra.”

Então, não cabe à empresa de factoring apenas o desconto de títulos.

De qualquer forma, deve ser destacada a circunstância da embargante ter recebido o valor, o qual deve ser restituído.

Importante salientar a inexistência de alegação sobre a cobrança de juros ilegais. Sobre o valor consignado somente houve a incidência do IGP-M e juros de 0,5% ao mês.

Nem a referência ao pedido de revisão mostra-se específico, em relação a qual encargo deveria ser excluído da cobrança. Sem o detalhamento do parte, não é possível acolher o pedido. É possível ainda mencionar sobre a

possibilidade, no caso, da embargante ter demonstrado qual valor seria indevido, o que não está presente nos autos.

As partes livremente efetuaram o negócio jurídico. Note-se que empréstimo entre particulares não é proibido, mas somente a cobrança de juros ilegais.

Portanto, a embargante recebeu os valores, sem motivo justificado para deixar de efetuar o pagamento, sobre pena de afronta ao princípio do não enriquecimento indevido (art. 964 do Código Civil de 1916).

Sílvio Rodrigues, Direito Civil, volume 2, 13ª ed., leciona:

“Pressupostos da ação de ‘in rem verso’. – Com pequenas variações, os autores concordam quanto aos pressupostos necessários para o cabimento da ação de in rem verso. Entendem ser mister: I. um enriquecimento por parte do réu; II. Um empobrecimento por parte do autor; III. A existência de uma relação de causalidade entre os dois fatos; IV. A ausência de causa que os justifique; V. a inexistência de qualquer outra ação para socorre a vítima.” (p. 176)

Neste ponto, deve ser trazida à colação a doutrina de J. M. Carvalho Santos, Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. XII, 8.a ed.. Demonstra, este autor, a importância do princípio do não enriquecimento à custa alheia, obra citada, p. 378. É um princípio universal de direito, de ordem superior, baseado em regras clássicas da justiça e do direito:

“dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere), não lesar ninguém (neminem laedere)” (obra citada, p. 382)

Não há necessidade de invalidar o contrato de financiamento para ser examinado o pedido dos autores:

”Logo, não é da anulação do pagamento que deriva o direito de repetição, mas sim, do princípio de eqüidade que não tolera que ninguém se enriqueça à custa de outrem.” (obra citada, p. 391).

Carvalho Santos, obra citada, p. 379, traz a seguinte lição:

“Na opinião de AUBRY et RAU, a ação de in rem verso, fundada no princípio de eqüidade, que proíbe enriquecer-se à custa alheia, deve ser admitida em todos os casos em que, achando-se o patrimônio de uma pessoa empobrecido à custa de outra pessoa, esta não teria, para obter o que lhe é devido, ação alguma derivada dum contrato, dum delito ou quase delito (obr. cit., parágrafo 578).”

Neste sentido:

“AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE TÍTULO CAMBIAL. NOTA PROMISSÓRIA. PROTESTO. EMPRESA DE FACTORING. SOBRE-CAUÇÃO. NÃO-COMPROVAÇÃO PELO AUTOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELO IMPROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70006733604, DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: LEOBERTO NARCISO BRANCHER, JULGADO EM 07/10/2003)”

“TÍTULO EXECUTIVO. EMBARGOS DE DEVEDOR. ALEGAÇÃO DE TER SIDO DADO EM GARANTIA DO PAGAMENTO DE OUTROS TÍTULOS. EMPRESAS DEDICADAS A "FACTORING". AUSÊNCIA DE REGISTRO CONTÁBIL DA NOTA PROMISSÓRIA: CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO LHE RETIRA A EXECUTIVIDADE E NEM AFETA SUA VALIDADE. AINDA QUE A NOTA PROMISSÓRIA TIVESSE SIDO DADA EM GARANTIA DO PAGAMENTO DE OUTROS TÍTULOS (CIRCUNSTÂNCIA NÃO DEVIDAMENTE COMPROVADA), ELA NÃO RESTARIA, SO POR ISSO, DESPROVIDA DE EXECUTIVIDADE. NA MEDIDA EM QUE O TÍTULO CONTÉM O VALOR DO DÉBITO, NÃO SE PODE DIZER QUE ELE NÃO PREENCHA O REQUISITO DA LIQUIDEZ. A FALTA DE SEU LANÇAMENTO NA CONTABILIDADE DA EMPRESA NÃO TORNA O TÍTULO NULO. EXERCENDO, EMBARGANTE E EMBARGADA, ATIVIDADE DE "FACTORING", NÃO PODE A DEVEDORA, PARA EXIMIR-SE DO PAGAMENTO DO TÍTULO, ALEGAR QUE AS NORMAS DO BANCO CENTRAL VEDAM QUE ELES SE UTILIZEM DE NOTAS PROMISSÓRIAS, PORQUE O ACOLHER DE TAL DEFESA IMPORTARIA EM BENEFICIAR QUEM PARTICIPOU DA INFRINGÊNCIA DELAS. APELAÇÃO DESPROVIDA. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 194078994, SEXTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE ALÇADA DO RS, RELATOR: MOACIR ADIERS, JULGADO EM 15/09/1994)”

“EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. prova exclusivamente testemunhal. A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em foram celebrados (art. 401 do CPC). NOTA PROMISSÓRIA. EXIGIBILIDADE DO TÍTULO. A nota promissória é título executivo e representa a certeza e liquidez da dívida, que se torna exigível com o vencimento. No caso dos autos, o título executado foi preenchido e assinado pelo próprio devedor/embargante, sendo seu ônus demonstrar a abusividade no preenchimento, mister de que não se desincumbiu. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70007293137, DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS, JULGADO EM 03/12/2003)”

“EMBARGOS À EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. ILIQUIDEZ. MEMÓRIA DE CÁLCULO. Não é ilíquido o título no qual o saldo devedor é apurado mediante simples cálculo aritmético. Estando satisfeitos os requisitos formais do título, o valor é matematicamente determinável sem que isso comprometa a certeza e a liquidez do título exeqüendo. A memória de cálculo é requisito secundário do título exeqüendo. Preliminar rejeitada e apelo provido. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70006204846, DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: VICENTE BARRÔCO DE VASCONCELLOS, JULGADO EM 26/11/2003)”

Dessa maneira, considerando os elementos concretos dos autos, deve ser acolhida a inconformidade.

As regras legais indicadas nas contra-razões não incidem diretamente, a ponto de alterar a decisão.

A conclusão.

Os embargos do devedor não devem ser acolhidos. Invertida a sucumbência.

Ante o exposto, o voto é no sentido de prover o recurso.

DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO (PRESIDENTE E REVISOR) - De

acordo.

DRA. AGATHE ELSA SCHMIDT DA SILVA - De acordo.