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Academic year: 2021

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Revista Conjuntura Econômica IBRE/FGV, Rio de Janeiro, abril de 2016 vol.70, n.4, pp.24-26

http://bit.ly/1wMzA3R

VENDER O QUE JÁ FOI ATÉ DISTRIBUÍDO?

José Roberto Afonso

Vender parte das enormes reservas internacionais passou a ser defendido por alguns como uma possível panaceia para o Brasil sair da recessão. Parece algo muito simples: os dólares seriam vendidos e os reais assim recebidos seriam aplicados pelo próprio governo para aumentar investimentos em infraestrutura ou mais gastos sociais, ou para repassar a bancos federais que ampliarem a oferta de crédito, ou mesmo para salvar empresas estatais em agruras financeiras. Mas essa é uma proposta que acumula equívocos, a começar porque ignora a complexidade e a pouca transparência que cerca a matéria.

Antes de tudo, é importante atentar que as reservas brasileiras estão depositadas e são geridas pelo Banco Central (BC): quando vendidas, os reais entrarão nos cofres do BC e não vão diretamente para o caixa do Tesouro Nacional (TN). Mas quando o BC apurar o lucro por tal operação, teria que transferir ao TN? Sim. Ao final de cada semestre, o BC apura os resultados de suas operações cambiais (e o faz em separado das operações em moeda local). Se houver lucro, pouco depois o BC deposita, em espécie, nos cofres do TN; se houver prejuízo, o TN deve emitir títulos e transferir para a carteira do BC. Um detalhe ignorado é que tal processo tem sido realizado mesmo sem que as reservas sejam vendidas. O montante das reservas é convertido para Reais diariamente, conforme a variação da taxa cambial – como outros ativos, de um investidor, que seja marcado a mercado. Na medida em que haja uma desvalorização cambial, esse ativo do BC valerá mais em Reais e esse ganho será acrescido na sua conta de resultado. Se houver valorização cambial, o ativo do BC diminuirá em Reais e essa perda contada no resultado. O fato é que, a cada ano, quando se chega no último dia de junho e no último de

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dezembro, se verifica qual o valor em Reais daquele ativo em divisas do BC e a sua variação acumulada no respectivo semestre, se converte em ganho ou perda do mesmo BC e, depois de consideradas outras operações, será repassado para o TN ou será coberto pela emissão de títulos pelo TN.

Esse relato simples mas passo a passo visa retratar o fato de que a variação das reservas tem sido precificada a cada dia, a que for acumulada em um semestre contabilizado na respectiva demonstração e, o principal, o

correspondente resultado foi transferido pelo BC ao TN ou compensado pelo TN junto ao BC. Isto é, os ganhos ou as perdas das reservas internacionais são um objeto de acerto de contas semestralmente entre BC e TN. Isso ocorre independente da reserva ter sido vendida ou adquirida, ou seja, sem que essa operação haja a efetiva realização desse resultado.

Em particular, no caso de lucro, quando ele decorre do mesmo volume de reserva passar a valer mais em Reais, o BC, por obrigação legal, tem

repassado o citado ganho ao TN. Isso ocorre mesmo sem que o BC tenha recebido de terceiros que tivessem comprados as reservas. Muitos detalhes envolvidos nessa rotina exigem reflexão.

A primeira e mais importante, é que a efetiva venda de uma reserva internacional pelo BC não deveria, em tese, levar a transferir para o TN o valor recebido em tal transação. A correção cambial observada até o anterior dia 30 de junho ou 31 dezembro, o que for mais recente, já foi computado e

transferido. Desde então, apenas a variação cambial até a data da efetiva venda da reserva é que restaria a ser apurada, computado no resultado do semestre em curso e objeto do referido acerto de contas. Se a taxa cambial tiver crescido desde o final do último semestre, será contada uma diferença positiva, a ser repassada pelo BC ao TN, mas isso deve ser uma parcela muito pequena do valor da venda. Se a taxa cambial tiver decrescido, aí ocorre algo mais curioso: a diferença negativa exige que o seu montante seja devolvido pelo TN ao BC (isso se não houver ganho nas demais operações).

A receita com a venda da reserva internacional não será transferida no mesmo montante pelo BC ao TN simplesmente porque já foi repassado anteriormente, em sua maior parte, ou talvez até em excesso (se houve valorização cambial nos últimos meses ou dia). Portanto, o primeiro e maior equívoco é supor que o valor integral da venda das divisas estrangerias seriam

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convertidas em receita para os cofres públicos. Isso já foi feito antes que a venda tenha sido processada.

Além de não se poder aproveitar um ganho mais de uma vez, a descoberta dessa peculiar relação entre banco central e tesouro deveria finalmente jogar luz sobre as relações entre esses dois órgãos, que raramente despertou muita atenção, até mesmo entre os economistas. Isso ocorre porque tais relações são inegavelmente complexas; com decisões muito sensíveis para a política monetária e cambial, como também para a política fiscal; com troca de fluxos semestrais que podem superar a casa de centenas de bilhões de reais; e ainda com transparência longe de adequada (que vai além da mera publicação de estatísticas e demonstrativos, mas exige ainda sua compreensão e debate).

A crise que caminha para depressão e a ideia simplória da venda das reservas para municiar ações de governo podem ao menos servir de

oportunidade para se discutir de forma técnica, serena e profunda as relações tão intrincadas entre a política fiscal, de um lado, e as políticas monetária, cambial, até mesmo creditícia, de outro. Se parece ainda estarmos longe de firmar um consenso sobre qual deveriam ser as novas e ótimas regras e instituições a cercar tais políticas, ao menos especialistas e autoridades parecem convencidos de que o formato atual precisa ser alterado.

Algumas contribuições podem ser apresentadas para esse interessante debate. Antes de tudo, vale recordar que a fiscalidade atual foi desenhada e implantada quando nem se sonhava em assentar a política econômica em cima de um tripé, no qual, além da austeridade fiscal, também consta os regimes de metas de inflação e de cambio flutuante. É preciso repensar e eventualmente modernizar regras fiscais para serem mais consistentes e harmônicas com as regras que norteiam as outras políticas.

Um diagnóstico atualizado e consistente deve constar no ponto de partida. Se já se avançou no conhecimento e crítica às medidas fiscais atípicas e se isso levou a perda da anterior convenção que política fiscal se limitava ao superávit primário e a dívida líquida do setor público, é preciso avançar mais. Comparar a experiência brasileira com a internacional mostra diferenciais, quando não excentricidades, que está claro hoje não acrescentam melhorar imagem e raio de manobra das autoridades locais.

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O banco central é incluído no setor público não-financeiro, quando em todo mundo é tratado como uma instituição financeira, que como tal financia aquele setor, mas não o integra. Por si só, isso significa que reservas

internacionais não se equiparam ao caixa em moeda local do governo e que computar só operações compromissadas ou toda carteira de títulos se torna uma discussão irrelevante, afinal, não interessam ativos ou passivos, mas o fato é que o BC não é governo.

A dívida deveria passar a ser medida de uma única e simples forma, pelo conceito bruto e a partir da contabilidade pública - ao invés de se limitar a consulta do que o sistema financeiro emprestou ao governo (e deixar escapar o devido a fornecedores, a servidores e aos fiscos).

Mesmo no caso da dívida líquida, ainda que nem todos outros países adotem, quando o fazem se limitam a deduzir as efetivas disponibilidades financeiras (que não é o caso de empréstimos, ainda mais quando a longo prazo, ou até eternos, como no caso do BNDES e do FAT).

Melhorada a qualidade das estatísticas, é urgente modernizar as instituições fiscais. Um passo que já passou a hora de ser dado envolve completar o já previsto na LRF mas que autoridades econômicas sempre resistiram ou se opuseram. É o caso da imposição de limites para a dívida federal, seja para a consolidada (resolução do Senado), seja para a mobiliária (lei ordinária). Não há risco de parada do governo como nos Estados Unidos, porque lá se fixa teto em montantes nominais, e aqui a LRF já vinculou o limite à receita. Além disso, a mesma lei prevê que os limites de dívida sejam reavaliados a cada ano e ainda existem várias válvulas de escape – inclusive, para casos de baixo crescimento (com variação real do PIB abaixo de 1%).

Outra ausência da LRF passo pelo atraso na efetiva implantação do conselho de gestão fiscal, com objetivo para padronizar e sistematizar as contas públicas e para melhorar as articulações federativas.

Paralelo a se completar e modernizar a LRF, também passa da hora de revisar a lei básica do orçamento e da contabilidade pública, que já foi editada há mais de meio século. O Senado já tomou a iniciativa de propor e examinar projeto bastante amplo e ousado, mas novamente autoridades econômicas não ajudam a se avançar em sua tramitação.

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Por último, também se podem adotar inovações extraídas das

experiências internacionais mais recentes e avançadas. É o caso de passar a calcular e acompanhar os resultados fiscais medidos de forma ajustada ao ciclo e em termos estruturais – o que seriam regras mais eficazes do que tentar limitar a expansão de gastos justamente quando a economia mergulha em depressão. Outro caso é o das instituições fiscais independentes, que constituem condição sine qua non para se recuperar a credibilidade da política e das práticas contábeis.

Enfim, a ideia simplória da venda das reservas não é panaceia fiscal – a começar porque não se pode inventar de novo uma receita que já foi criada e até distribuída sem que tenha sido realizada aquela operação. A crise é uma boa oportunidade para se revisitar ideias, para melhorar o diagnóstico e para adotar reformas estruturais, inevitáveis para o Brasil retomar a trilha do crescimento.

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