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Valerio de Oliviera Mazzuoli - Direito Internacional Privado - Curso Elementar - 2015

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Produção digital: Geethik

CIP – Brasil. Catalogação-na-fonte.

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. M428d

Mazzuoli, Valerio de Oliveira

Direito internacional privado : curso elementar / Valerio de Oliveira Mazzuoli. – Rio de Janeiro : Forense, 2015.

Inclui bibliografia

ISBN 978-85-309-6377-4

(6)
(7)

Aos meus estudantes, daqui e d’alhures. À amiga Giselle de Melo Braga Tapai, pelo incentivo constante.

(8)

Duas Palavras

Em meados de 2014 recebi, com entusiasmo, honroso convite da Editora Forense para escrever este livro. A vontade dessa casa editorial (e também minha) era conhecer uma obra que atendesse às necessidades fundamentais dos graduandos em Direito na disciplina Direito Internacional Privado. Para a matéria normalmente ministrada, em muitas Faculdades de Direito, quando muito, em não mais que um semestre escolar, não há, seguramente, a possibilidade real dos docentes enfrentarem todos os pontos de sua parte especial, senão apenas fazer compreender a parte geral da ciência do conflito de leis, com isso permitindo aos estudantes darem os primeiros passos no grande e complexo universo de temas que orbitam o contemporâneo Direito Internacional Privado.

Com esse exato propósito veio à luz este livro, que visa abordar didaticamente a parte geral do Direito Internacional Privado em nível elementar. Trata-se de obra destinada aos estudantes do curso de graduação em Direito, elaborada com o fim de investigar os pilares fundadores e as regras gerais da disciplina, com especial enfoque à sua aplicação pelo juiz. Apesar, porém, de destinado prioritariamente aos estudantes, não se descarta possa o livro ser utilizado pelos profissionais do Direito (Advogados, Juízes, membros do Ministério Público etc.) interessados em esclarecer dúvidas correntes sobre questões relativas à parte geral da matéria.

Destaque-se que a presente obra versa a teoria geral do conflito de leis sem se deter na explicação de temas próprios do Direito Civil, como, v.g., atinentes ao direito das coisas, das obrigações, ao direito de família e das sucessões, supondo-se que o estudante, neste momento investigativo, já percorreu os institutos elementares do Direito Civil aplicáveis, para o que interessa a este estudo, à ciência do conflito de leis. Da mesma forma, os temas ligados ao processo civil internacional (tais a competência internacional, cooperação jurídica internacional, cartas rogatórias, homologação de sentenças estrangeiras etc.) não foram versados aqui, por se entender não fazerem parte do Direito Internacional Privado stricto sensu. Também não se fez, neste livro, um inventário das teorias antigas e modernas relativas à matéria, muito menos se pretendeu lecionar História do Direito (como fazem inúmeros manuais dessa disciplina) àqueles que nos honram com a sua leitura. Não se trata, portanto, de um livro de teorias, menos ainda de um livro de história. Não que as teorias e a história da disciplina não sejam importantes; apenas não foi a opção que se escolheu para levar a cabo esta obra. Portanto, o que se entrega aos estimados leitores é um livro que analisa a ordem do dia na regulamentação do Direito

(9)

Internacional Privado brasileiro, bem assim suas interconexões com o sistema jurídico internacional (regulado pelo Direito Internacional Público) e com os instrumentos que dele vêm à luz.

Esclareça-se, por oportuno, que os temas relativos à nacionalidade e à condição jurídica do estrangeiro, presentes em muitas obras de Direito Internacional Privado, não foram versados neste livro, por terem sido já detalhadamente estudados no meu Curso de Direito Internacional Público, publicado pela Editora Revista dos Tribunais/Thomson Reuters (atualmente em 9ª edição). Tais disciplinas constituem – para falar como Oscar Tenório – “apenas pressupostos do direito internacional privado”,* contando com soluções dadas, muitas vezes, pelo Direito Internacional Público, especialmente por tratados internacionais, o que torna desnecessário (segundo penso) estudá-las em obra dedicada ao Direito Internacional Privado. Quanto à nacionalidade, neste livro não se fez mais que inseri-la entre os elementos de conexão existentes; por sua vez, nada aqui se estudou sobre a condição jurídica do estrangeiro. Convido, portanto, os leitores interessados, a visitar o meu Curso de Direito Internacional Público, para que ali investiguem, em detalhes, esses dois importantes temas.

Para encerrar essa introdução, cabe uma reflexão final. Sabe-se que na Europa o Direito Internacional Privado é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente, por se tratar de um Continente em que milhares de pessoas mantêm relações familiares, contratuais, civis e comerciais de diversa índole, com conexão internacional. Tal fato possibilita, sem sombra de dúvida, a criação de farta jurisprudência a respeito de inúmeras questões da matéria naquele Continente. No Brasil, no entanto, assim como nos demais países do América Latina, têm sido raras as ações judiciais a envolver questões atinentes ao Direito Internacional Privado, se comparadas às ações diuturnamente propostas com base exclusivamente no Direito interno, o que é facilmente constatado procedendo-se a uma pesquisa no foro em geral; das milhares de ações judiciais decididas todos os dias em nosso país, apenas uma ou outra diz respeito a um caso relativo ao tema, o que impossibilita, na prática, a formação de uma sólida jurisprudência sobre conflito de leis entre nós. O que nos resta? A priori, fica ao internacionalista brasileiro a missão de propor, ao menos em nível doutrinário, soluções para os problemas de Direito Internacional Privado apresentados. É dizer, ainda que não se tenha material jurisprudencial suficiente para compreender, na prática, cada ponto controverso da disciplina, ao menos no plano doutrinário é possível buscar respostas aos problemas que o assunto apresenta. Esta obra, portanto, tem a finalidade de contribuir nesse sentido.

Espero que este livro possa ser bem recebido pelos estimados estudantes e professores, para que nele tenham um referencial didático de compreensão dos temas

(10)

elementares da parte geral do Direito Internacional Privado no Brasil. Em especial, meus sinceros agradecimentos ao Grupo GEN e à Editora Forense, seus Diretores e Superintendentes, pela confiança depositada neste professor para que levasse a cabo esta obra.

Cuiabá, fevereiro de 2015.

(11)

*

__________

TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I. 9. ed. rev. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1968, p. 14 [o grifo é do original].

(12)

1. 1.1 1.2 1.3 2. 3. 3.1 3.2 3.3 4. 1. 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.6 2. 2.1 2.2

Sumário

Abreviaturas e Siglas Usadas

Capítulo I

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, DIREITO INTERTEMPORAL E DIREITO UNIFORME

Colocação do problema

Abertura legislativa e função do DIPr Interação legislativa global

DIPr e direitos humanos DIPr e direito intertemporal DIPr e direito uniforme

Impossibilidade de uniformização total Uniformização regional e global

Diferenças de fundo Perspectiva

Capítulo II

NOÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Conceito de DIPr

O “elemento estrangeiro” Conflitos interestaduais Discricionariedade estatal Missão principal do DIPr A questão da nomenclatura

Necessidade de divergência entre normas estrangeiras autônomas e independentes

Objeto e finalidade do DIPr Objeto do DIPr

(13)

3. 3.1 3.2 4. 5. 5.1 5.2 1. 2. 2.1 2.2 2.3 3. 3.1 3.2 3.3 4. 4.1 4.2 1. 1.1 1.2 1.3 1.4 2. 2.1

Posição do DIPr nas ciências jurídicas

O DIPr é direito interno ou internacional?

O DIPr versa matéria afeta ao direito privado ou ao direito público? Conflitos de leis estrangeiras no espaço

DIPr brasileiro

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB Estatuto pessoal no DIPr brasileiro

Capítulo III

FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Introdução Fontes internas

Constituição e leis Costume nacional

Doutrina e jurisprudência interna Fontes internacionais

Tratados internacionais Costume internacional

Jurisprudência internacional Conflitos entre as fontes

Conflitos entre fontes de categorias distintas Conflitos entre fontes de mesma categoria

Capítulo IV

ESTRUTURA DAS NORMAS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Normas indicativas

Normas diretas e indiretas Hipótese e disposição Lex fori e lex causae

Categorias de normas indicativas Conflitos das normas de DIPr no espaço

(14)

2.2 3. 4. 4.1 4.2 4.3 4.4 5. 1. 1.1 1.2 2. 2.1 2.2 2.3 2.4 3. 3.1 3.2 4. 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 4.6 4.7

Conflito espacial negativo (teoria do reenvio) Conflitos das normas de DIPr no tempo

Aplicação substancial das normas de DIPr Problema das qualificações

Conflitos de qualificação Questão prévia

Adaptação ou aproximação Direitos adquiridos no DIPr

Capítulo V

ELEMENTOS DE CONEXÃO

Elemento e objeto de conexão Diferenças de fundo

Procedimento de localização Espécies de elementos de conexão

Conexões pessoais

Conexões reais (territoriais) Conexões formais

Conexões voluntárias

Qualificação dos elementos de conexão Qualificação pela lex causae Conflito positivo e negativo Principais elementos de conexão

Território Nacionalidade Domicílio

Vontade das partes Lugar do contrato A lex fori

Religião e costumes tribais

(15)

1. 1.1 1.2 2. 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 3. 3.1 3.2 4. 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 4.6 4.7 5. 1. 2. 3. 3.1 3.2 3.3 3.4

APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO PELO JUIZ NACIONAL

Dever de aplicação do direito estrangeiro indicado Imposição legal no Brasil

Norma estrangeira como direito (não como fato) Aplicação direta da lei estrangeira

Aplicação ex officio

Prova do direito estrangeiro

Lei estrangeira como paradigma para recursos excepcionais Análise e interpretação da lei estrangeira

Aplicação errônea da lei estrangeira e recursos cabíveis Impossibilidade de conhecimento da lei estrangeira

Rejeição da demanda ou aplicação da lex fori? Solução do direito brasileiro

Limites à aplicação do direito estrangeiro Direitos fundamentais e humanos Ordem pública

Normas de aplicação imediata (lois de police) Fraude à lei

Lei mais favorável (prélèvement/favor negotii) Reciprocidade

Instituições desconhecidas Conclusão

Capítulo VII

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO PÓS-MODERNO

Introdução

Diálogo com Erik Jayme

O novo DIPr e os valores pós-modernos Pluralismo (diversidade cultural) Comunicação

Narração

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4. • • • • Conclusão Referências Bibliográficas Anexos Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 Projeto de Lei do Senado nº 269, de 2004

Convenção de Direito Internacional Privado (1928)

Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado (1979)

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Abreviaturas e Siglas Usadas

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade AgRg – Agravo Regimental

AREsp. – Agravo em Recurso Especial art. – artigo

arts. – artigos

atual. – atualizada (edição) Cap. – Capítulo

Cf. – Confronte/confrontar CIJ – Corte Internacional de Justiça cit. – já citado(a)

Coord. – coordenador/coordenadores CPC – Código de Processo Civil DIPr – Direito Internacional Privado

ed. – edição/editor etc. – et cetera

EUA – Estados Unidos da América

IDI – Institut de Droit International (Instituto de Direito Internacional) LICC – Lei de Introdução ao Código Civil

LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Min. – Ministro(a)

OEA – Organização dos Estados Americanos Org. – organizador/organizadores

p. – página(s) Rel. – Relator

REsp. – Recurso Especial ss. – seguintes

STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça

t. – Tomo Trad. – tradução

Uncitral – United Nations Commission for International Trade Law (Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional)

Unidroit – International Institute for the Unification of Private Law (Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado)

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v.g.verbi gratia/por exemplo vol. – volume

(19)

1.

Capítulo I

Direito Internacional Privado, Direito

Intertemporal e Direito Uniforme

Colocação do problema

As relações humanas, já há muito tempo, têm ultrapassando todas as fronteiras terrestres, espraiando-se pelos quatro cantos do planeta. Tal é reflexo do caráter cosmopolita do homem, que necessita incessantemente manter relações e intercâmbios ao redor do globo, seja no plano social (familiar, cultural, científico, artístico etc.) ou do comércio (de que é exemplo a sedimentação dos usos e costumes comerciais internacionais, que se convencionou chamar lex mercatoria).1 De fato, não passa

desapercebido de qualquer observador a constância diária em que se realizam atos ou negócios jurídicos para fora de uma dada ordem doméstica, especialmente em razão dos avanços dos meios de transporte (com ênfase especial ao transporte aéreo) e das comunicações em geral (v.g., do rádio, da televisão, do telefone e, principalmente, da Internet).2

Atualmente, pode-se mesmo dizer que as fronteiras e os limites de um dado Estado existem somente para si, não para as relações humanas, que diuturnamente experimentam a movimentação de milhares de pessoas ao redor da Terra. Contratos são concluídos, todos os dias, em várias partes do mundo, por pessoas de nacionalidades distintas; consumidores de um país, sem ultrapassar qualquer fronteira, adquirem produtos do exterior pelo comércio eletrônico; pessoas viajam constantemente a turismo e a negócio para outros países; casamentos entre estrangeiros são realizados em terceiros Estados; sentenças proferidas num país são homologadas em outros; sucessões de bens de estrangeiros situados no país são diuturnamente abertas etc. Todos esses fatores somados demonstram claramente uma crescente “internacionalização” das relações humanas, especialmente no contexto atual de um mundo cada vez mais “circulante”.3

Dessas relações, porém, estabelecidas para fora de uma dada ordem jurídica – relações interconectadas, portanto, com leis estrangeiras autônomas e independentes – nascem sempre problemas que têm como destinatário final, como não poderia deixar de

(20)

1.1

ser, o Poder Judiciário. Este é que deverá resolver a quaestio juris apresentada, dando a cada um o que lhe é devido: suum cuique tribuere. Para chegar a esse desiderato, porém, deve o juiz do foro percorrer um caminho espinhoso, cheio de desafios e problemas dos mais diversos (relativos, v.g., à pesquisa do teor e vigência de certa norma estrangeira, à sua devida aplicação ao caso concreto etc.). Esse “caminho” que deve o Judiciário percorrer, quando presente uma questão jurídica interconectada com leis de distintos países, em nada se assemelha à via ordinariamente empregada para a resolução de uma questão tipicamente interna, merecendo, só por isso, a devida atenção dos juristas.

O estudo que ora se inicia tem por finalidade compreender esse “caminho” que há de percorrer o Poder Judiciário para resolver as questões sub judice interconectadas com leis estrangeiras autônomas e independentes, missão própria da disciplina versada neste livro.

Abertura legislativa e função do DIPr

Toda vez que uma relação jurídica se perfaz entre ordens jurídicas distintas, pode nascer (e, via de regra, nasce) o problema relativo aos conflitos de leis no espaço. Se os Estados, porém, não estivessem dispostos a “abrir” suas legislações à aceitação da eficácia de uma norma estrangeira em seu território, tais conflitos espaciais de leis estrangeiras não existiriam, eis que, nesse caso, apenas a lei do foro, a lex fori, seria unilateralmente aplicada (sabendo-se já da insuficiência do critério unilateral para resolver todas as questões jurídicas interconectadas que a pós-modernidade apresenta). Se assim procedessem os Estados, as soluções para os casos concretos sub jucide (presentes “elementos de estraneidade” em tais relações jurídicas) poderiam ser extremamente injustas, dada a impossibilidade de se localizar o real “centro de gravidade” (ou “ponto de atração”) da questão em causa,4 notadamente no mundo atual

que visa cada vez mais garantir a diversidade cultural e os direitos das pessoas em geral.5

Ao tempo que os Estados consentiram em abrir suas legislações ao ingresso e eficácia de normas estrangeiras perante o foro interno, nasceu o problema em estabelecer qual a mais apropriada ordem atrativa da relação sub judice, presente um elemento de estraneidade na relação jurídica. Em outras palavras, a multiplicidade de relações jurídicas envolvendo ordens estatais diversas – que contam, sabe-se, com uma pluralidade imensa de fontes normativas – fez nascer o problema decisivo das opções a serem tomadas para resolver a questão da aplicação de mais de uma lei a um mesmo caso concreto. Daí terem a Ciências Jurídicas criado, para a sua resolução, um conjunto regras

(21)

1.2

capazes de coordenar as relações estabelecidas entre essas ordens contradizentes no espaço, denominado Direito Internacional Privado.6

Interação legislativa global

O DIPr – cuja função precípua é determinar em que condições jurídicas pode ser resolvido o problema antinômico entre ordenamentos diversos – é disciplina agregadora das legislações dos distintos Estados, vez que permite aos juízes de todo o mundo conhecer e aplicar (sem qualquer necessidade de “incorporação” ou “transformação”) normas estrangeiras vigorantes em contextos dos mais variados, quer sob a ótica política, social, cultural ou econômica. Sem o DIPr, as legislações internas seriam (como são) incompletas para reger as situações jurídicas interconectadas no espaço, bem assim aos operadores do direito não seria dada a oportunidade casual de conhecer a legislação (produto da cultura) de diversos países do mundo.

Essa característica do DIPr autoriza a existência de uma “interação legislativa” em nível global, hoje cada vez mais crescente, cuja consequência marcante é fazer conhecer aos rincões mais distantes do planeta a cultura jurídica de um povo em dado momento histórico. Como consequência, quanto mais “circulam” ao redor do mundo essas legislações, também se propagam – como ensina Jacob Dolinger – a compreensão da diversidade, o respeito pelo desconhecido e a tolerância para com o estranho, possibilitando uma maior aproximação entre os povos.7 Por outro lado, essa interação

normativa tem também permitido aos legisladores nacionais adaptarem seu direito interno em razão da uniformização extraconvencional do DIPr. De fato, à medida que se vão comparando as legislações de todo o mundo, por meio da aplicação de normas estrangeiras em contextos extraestatais, os Estados também passam a incorporar, de certa maneira, o conhecimento do conteúdo da norma estranha (com o apoio decisivo da doutrina, é certo) para, pouco a pouco, adaptar seu sistema jurídico ao da maioria, o que faz nascer, de forma salutar, a uniformização extraconvencional das principais regras de DIPr.

Ademais, destaque-se ser o DIPr a única disciplina jurídica que permite ter uma norma interna expressão transfronteira, atribuindo ao direito estatal índole nitidamente exterior. Em razão das normas do DIPr, a legislação de um dado Estado, que, a priori, é promulgada para ter efeitos eminentemente internos, tem a potencialidade de ultrapassar as fronteiras nacionais para ver-se aplicada em ordem jurídica em tudo distinta, graças aos elementos de conexão existentes nesse ramo do Direito.

(22)

1.3 DIPr e direitos humanos

O DIPr, para falar como Haroldo Valladão, é o “anjo da guarda” dos cidadãos ao redor do mundo, viajantes, estrangeiros, pessoas de origens e domicílio diversos.8 Esse

seu mister já demonstra a nobreza da disciplina, que há de visar, sobretudo, à proteção das pessoas ao redor do mundo, não obstante aparentar ser método frio, até prepotente, de localização da norma jurídica aplicável à relação sub judice. No fundo, porém, a técnica que utiliza o DIPr para a localização da norma aplicável deve obediência a valores e princípios maiores, ligados à proteção das partes (seres humanos) no processo, estabelecidos tanto pela Constituição quanto por instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados e em vigor no Estado.9

Tal não significa, contudo, ter o DIPr soluções perfeitas para os problemas que lhe são postos; trata-se, evidentemente, de ramo imperfeito do direito, exatamente por lidar com a aplicação ou o reconhecimento de normas estranhas à lex fori.10 Mesmo assim,

ainda que imperfeito, deve o DIPr, atualmente, se esforçar ao máximo em resolver os conflitos de leis estrangeiras no espaço com vistas sempre voltadas à consideração de que há pessoas por detrás das regras em conflito; há seres humanos que são dotados de dignidade e direitos e que merecem uma solução justa e harmônica para o seu problema.11

Não é difícil perceber, portanto, o notável valor que têm os direitos humanos para o DIPr na pós-modernidade, especialmente ao se reconhecer que, mesmo no caso de relações privadas que ultrapassam fronteiras, o valor da dignidade da pessoa humana há de ser sempre preservado.12 De fato, o valor dos direitos humanos, na pós-modernidade,

se espraia por todos os ramos do Direito, não sendo diferente com o DIPr. À medida que as normas de DIPr da lex fori indicam uma ordem jurídica a ser aplicada à relação sub judice, subentende-se que essa ordem indicada deva regular a questão principal pautada nos valores constitucionais (direitos fundamentais) e internacionais (direitos humanos) relativos à proteção dos cidadãos, sem o que o DIPr contemporâneo não atenderia à sua função precípua, que é resolver, com harmonia e justiça, o conflito sub judice de leis no espaço com conexão internacional.13 Como destaca Fernández Rozas, o DIPr

contemporâneo tem superado a sua concepção meramente localizadora (formalista) para atingir uma dimensão de caráter material, voltada, sobretudo, à realização da justiça.14

Nesse sentido, têm merecido cada vez mais destaque no DIPr – servindo tanto a título ordem pública (v. Cap. VI, item 4.2, infra) quanto a título de normas imperativas (v. Cap. VI, item 4.3, infra) – o papel das convenções internacionais de direitos humanos em vigor no Estado, as quais são capazes de balizar a aplicação do método tradicional, tornando-o mais próximo do ideal de justiça no caso concreto, especialmente quando se leva em

(23)

2.

conta que a principal fonte interna do DIPr – a lei – cede perante o comando dos tratados internacionais em vigor (v. Cap. III, item 3.1, infra).15 De fato, atualmente, como observa Erik Jayme, já é possível constatar que as referências aos direitos humanos “figuram cada vez mais no grande número de argumentos utilizados para resolver os litígios internacionais”.16

Em suma, o DIPr contemporâneo não pode escapar ao respeito dos valores dos direitos fundamentais (constitucionais) e dos direitos humanos (internacionais) que conferem suporte axiológico e permeiam todo o sistema de justiça estatal, ampliando a sua missão tradicional de mera localização da lei aplicável às questões jurídicas interconectadas, rumo a uma técnica mais elaborada (e, sobretudo, mais justa) de solução de conflitos normativos, na qual se respeitam a Constituição e as normas internacionais de direitos humanos, humanizando a relação jurídica.

DIPr e direito intertemporal

Não há que se confundir o DIPr com o chamado Direito Intertemporal, que visa resolver conflitos de leis no tempo (retroatividade, irretroatividade e ultra-atividade das leis),17 definindo a incidência de leis estáticas sobre uma realidade que persiste em

momentos que se sucedem,18 ou ainda regulando a relação de uma nova lei com fatos já

encerrados e com relações jurídicas contínuas, iniciadas antes de sua entrada em vigor.19

No caso do DIPr, ao contrário, a questão é espacial, não temporal, eis que o que se visa regular são os fatos em conexão espacial com normas estrangeiras divergentes.

Não há dúvidas que ambos esses direitos – o DIPr e o Direito Intertemporal – têm em comum o fato de resolverem problemas relativos à aplicação (aos “conflitos”) das normas jurídicas, ao que se pode dizer serem técnicas interligadas de resolução de antinomias. O DIPr, contudo, é mais amplo que o Direito Intertemporal, à medida que resolve conflitos normativos entre diversos sistemas jurídicos, enquanto aquele tem aplicação apenas no que tange às divergências temporais ocasionadas num dado e único sistema normativo.

O que se acabou de dizer não invalida a existência de conflitos entre as normas de DIPr no tempo. Perceba-se: o DIPr não regula questões intertemporais, matéria afeta ao Direito Intertemporal, senão apenas conflitos de leis estrangeiras no espaço; tal não significa que entre as próprias normas do DIPr não possam surgir conflitos temporais, como se verá oportunamente (v. Cap. IV, item 3, infra).

(24)

3.

3.1

DIPr e direito uniforme

Também não há que se confundir o DIPr com o chamado Direito Uniforme. Este último – que é direito, diferentemente do DIPr, que é direito sobre direitos – é formado por tratados internacionais que visam, como o seu próprio nome diz, uniformizar as soluções jurídicas relativamente a um determinado tema de direito (cambial, tributário, marítimo, de família etc.). Tal se dá pelo fato de os Estados reconhecerem que a aplicação única e exclusiva de suas leis domésticas de DIPr tem impedido, especialmente no atual contexto, em que os contatos e as transações internacionais multiplicam-se a cada dia, a desejada uniformização das regras conflituais sobre determinados temas.

Para que a uniformização abrangesse todo o planeta, contudo, necessário seria criar um poder central internacional capaz de solucionar as controvérsias existentes, independentemente de aceite dos Estados (o que até o presente momento não existe). Tal o motivo pelo qual o Direito Uniforme – talvez melhor nominado, como pretende Jacob Dolinger, Direito Uniformizado20 – verse apenas certos temas de interesse dos Estados.

Estes, ainda, podem ou não ratificar os tratados respectivos, o que deixa espaço, como se vê, para que os demais conflitos normativos com conexão internacional continuem a ser resolvidos pelas regras do DIPr de cada Estado.21

Impossibilidade de uniformização total

É verdade que se o Direito Uniforme conseguisse resolver os problemas jurídicos de todo o mundo, uniformizando todas as regras relativas às questões de direito internacional privado, tal faria desaparecer as normas domésticas sobre conflito de leis, e, assim, o próprio DIPr, já que não mais seria necessário indicar a lei aplicável nos casos de conflitos de normas estrangeiras interconectadas.22 Seria também possível que um dado

Estado se recusasse a editar normativa interna de DIPr, pelo fato de reconhecer que as regras que a sociedade internacional cria em conjunto (por meio de tratados) trazem mais certeza e segurança relativamente à uniformização do direito aplicável em casos de conflitos de leis, quando então ter-se-ia um Estado sem qualquer regra doméstica a regular o DIPr, mas obrigado por normas internacionais de direito uniforme (ratificadas e em vigor) disciplinadoras de uma vontade comum. Assim, onde houvesse um Direito Uniforme convencionado não haveria a necessidade, sequer a possibilidade, de continuar operando o DIPr.23

(25)

3.2

• • • •

3.3

a ocorrer em âmbito universal,24 parece evidente que o DIPr continua a subsistir como ramo especializado das Ciências Jurídicas, o que não retira, porém, a importância das normas internacionais uniformizadoras, hoje em dia cada vez mais em voga.25

Uniformização regional e global

Sobre o Direito Uniforme relativo à matéria do direito internacional privado merecem destaque, no contexto regional interamericano, as várias Convenções Interamericanas de Direito Internacional Privado, fruto das Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado (CIDIPs),26 que visam uniformizar temas

importantes e controvertidos do DIPr, tais como:

conflitos de leis em matéria de letras de câmbio, notas promissórias e faturas (CIDIP I, Panamá, 1975);

normas gerais de DIPr; eficácia extraterritorial das sentenças e laudos arbitrais estrangeiros; prova e informação do direito estrangeiro; conflito de leis em matéria de sociedades mercantis; conflito de leis em matéria de cheques; domicílio das pessoas físicas em DIPr; e cartas rogatórias (CIDIP II, Montevidéu, 1979);

competência na esfera internacional para eficácia extraterritorial das sentenças estrangeiras; personalidade e capacidade jurídicas de pessoas jurídicas no DIPr; e conflito de leis em matéria de adoção de menores (CIDIP III, La Paz, 1984); e

direito aplicável aos contratos internacionais (CIDIP V, Cidade do México, 1994).27

Por sua vez, no plano global, cabe destacar a atuação de vários organismos intergovernamentais, dos quais os mais importantes para o DIPr, atualmente, são: a Uncitral (United Nations Commission for International Trade Law); o Unidroit (International Institute for the Unification of Private Law); e a Conferência da Haia sobre Direito Internacional Privado (que atua desde 1893). Esta última – cujo objetivo, nos termos do art. 1º do seu Estatuto, é “trabalhar para a unificação progressiva das regras de direito internacional privado” – tornou-se o mais importante foro intergovernamental global para a unificação do DIPr.28

(26)

4.

Parece correto dizer que só o DIPr é capaz de regular os conflitos de leis no espaço com conexão internacional, eis que se o assunto for regulado por normas de Direito Uniforme, não se terá mais o “conflito” de leis, objeto de regulação do DIPr, pois o cumprimento do tratado ratificado – nos termos da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 – é uma obrigação dos Estados, que retira qualquer possibilidade de “escolha” da ordem jurídica (nacional ou estrangeira) aplicável ao caso concreto, para “impor” a solução encontrada no tratado respectivo. Tal não significa, contudo, que não possam existir normas de DIPr, alheias ao Direito Uniforme, expressamente previstas em tratados internacionais.

Como se percebe, não se confunde o DIPr com o Direito Uniforme, eis que aquele visa resolver (indiretamente, indicando qual lei valerá em primeiro grau) os conflitos de leis no espaço com conexão internacional, enquanto este último pretende suprimir os conflitos existentes, por meio da criação de regras (decorrentes de tratados) uniformes entre os Estados; as regras do primeiro são indiretas, pois apenas “indicam” o ordenamento jurídico (nacional ou estrangeiro) aplicável ao caso concreto, enquanto que as do segundo são diretas, disciplinando imediatamente a questão jurídica sub judice.29

O Direito Uniforme não pertence ao DIPr, não sendo a recíproca, porém, verdadeira. O DIPr é parte, pode-se dizer, do Direito Uniforme Geral, uma vez que este último tem por finalidade uniformizar as várias leis divergentes no mundo e, em última análise, as inúmeras leis internas de DIPr.30 Ademais, o DIPr pode sempre servir como alternativa à tentativa de unificação do direito substancial, pois, como explica Erik Jayme, sua aplicação pode permitir a integração de pessoas em um espaço econômico sem fronteiras, garantindo-se as mesmas condições de liberdade no exercício de suas atividades econômicas.31

Perspectiva

Dada a dificuldade prática (ou verdadeira impossibilidade) de estabelecimento de um Direito Uniforme para a resolução de todas as questões relativas aos conflitos de normas estrangeiras interconectadas, a solução até agora encontrada tem sido atribuir ao direito interno dos Estados a competência primária para a edição de normas indicativas.

A técnica escolhida e ainda aplicada pelos Estados, enquanto não sobrevém melhor solução, consiste em estabelecer, por meio do Direito interno, regras de solução de conflitos de leis no espaço com conexão internacional, que vêm a ser exatamente o foco principal do DIPr. Este, como se percebe, baseia-se na extraterritorialidade das leis

(27)

(nacionais e estrangeiras) e na possibilidade de sua aplicação em ordens jurídicas distintas (aplicação da lei nacional na ordem jurídica estrangeira, e da norma estrangeira perante o direito interno). Não se poderia, de fato, pensar na sobrevivência do DIPr se não se estabelecesse, como premissa fundamental, a possibilidade de aplicar extraterritorialmente o nosso direito e, em consequência, o direito estrangeiro perante a nossa ordem jurídica.32

Apesar das novas nuances pelas quais tem passado o DIPr na era atual, a perspectiva que se tem em relação à matéria é no sentido de continuarem as soberanias a estabelecer suas próprias regras de conflitos de leis, junto, é certo, à cada vez maior participação dos Estados em convenções internacionais uniformizadoras, as quais, havendo antinomias, prevalecem sobre aquelas.33

Pouca coisa, porém, na ordem internacional, tem feito mudar o estilo dos Estados na condução de sua política interna relativa à edição de regras conflituais, ficando muitas das respostas do DIPr a depender de soluções que ainda provém de um certo individualismo estatal, sobretudo daquelas ordens que pouco (ou nada) têm buscado participar de iniciativas de integração e uniformização da matéria.

Seja como for, não se pode descartar o trabalho cada vez mais constante do Direito Internacional Público em uniformizar as normas de DIPr, a fim de trazer mais estabilidade e certeza para as relações, sobretudo privadas, que diuturnamente caem na teia de legislações estrangeiras em tudo interconectadas. Porém, não se pode desconhecer que as normas internacionais relativas à unificação das normas indicativas são (ainda) numericamente muito poucas, assim como têm sido parcas as adesões de Estados a tais convenções, o que leva a crer que a maioria dos Estados ainda considera o DIPr como ramo do seu direito público interno.34

(28)

1 2 3 4 5 6 7 8 __________

V. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. 6. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 25. Sobre a lex mercatoria e sua influência no direito contemporâneo, v. GOLDMAN, Berthold. Frontières du

droit et lex mercatoria. Archives de Philosophie du Droit, nº 9 (Le droit subjectif en question). Paris: Sirey, 1964, p. 177-192; GALGANO, Francesco. Lex Mercatoria: storia del diritto commerciale. Bologna: Il Mulino, 1993; STRENGER, Irineu. Direito do comércio internacional e lex mercatoria. São Paulo: LTr, 1996; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. A nova lex mercatoria como fonte do direito do comércio internacional: um paralelo entre as concepções de Berthold Goldman e Paul Lagarde. In: FIORATI, Jete Jane & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Coord.). Novas

vertentes do direito do comércio internacional. Barueri: Manole, 2003, p. 185-223; e

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 72-83.

Sobre os problemas colocados pela era da Internet relativamente ao DIPr, como, v.g., o lugar para demandar e a lei aplicável à relação jurídica, v. especialmente SVANTESSON, Dan Jerker B. Private

international law and the Internet. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law, 2007; e GILLIES, Lorna E. Eletronic commerce and international private law: a study of electronic consumer contracts.

Hampshire: Ashgate, 2008.

Para uma análise dos efeitos desse assim chamado “mundo circulante”, v. BAUMAN, Zygmunt.

Globalização: as consequências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p.

17-33.

Sobre o tema, cf. especialmente LAGARDE, Paul. Le principe de proximité dans le droit international privé contemporain: cours général de droit international prive. Recueil des Cours, vol. 196 (1986), p. 9-238; e DOLINGER, Jacob. Evolution of principles for resolving conflicts in the field of contracts and torts. Recueil des Cours, vol. 283 (2000), p. 187-512.

Para um exemplo de injustiça na aplicação “fria” da lex fori, que não caberia reproduzir neste momento, v. Cap. VII, item 2.1, infra.

O termo foi utilizado, pela primeira vez, na obra de STORY, Joseph. Commentaries on the conflict

of laws: foreign and domestic. Boston: Hilliard, Gray & Company, 1834, p. 9, no seguinte trecho:

“This branch of public law may be fitly denominated private international law, since it is chiefly seen and felt in its application to the common business of private persons, and rarely rises to the dignity of national negotiations, or national controversies” [grifo nosso]. Na França, a expressão foi pioneiramente empregada, nove anos depois, na obra de FOELIX, M. Traité du droit international

privé ou du conflit des lois de différentes nations en matière de droit privé. t. 1. Paris: Joubert,

1843. Observe-se que Niboyet, equivocadamente, e parecendo desconhecer a obra anterior de Story, atribui a Foelix o uso inaugural da expressão Direito Internacional Privado, tanto na França como no resto do mundo (cf. Cours de droit international privé français. 2. ed. Paris: Sirey, 1949, p. 54). Deve-se, porém, ao jurista alemão Friedrich Carl von Savigny (1779-1861) a fundação do moderno DIPr, a partir da publicação do 8º volume do seu Tratado de Direito Romano, texto reconhecido como o marco na sistematização da disciplina, quando então se compreenderam o seu objeto e finalidade (cf. Traité de droit romain, t. 8. Trad. Charles Guenoux. Paris: Firmin Didot Frères, 1851, 532p).

DOLINGER, Jacob. Direito e amor. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 135-136.

Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado: introdução e parte geral. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1970, p. 4.

(29)

9 10 11 12 13 14 15 16 17

Sobre a proteção internacional (global e regional) dos direitos humanos, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 881-1021. Cf. ainda, MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Os sistemas regionais de proteção dos

direitos humanos: uma análise comparativa dos sistemas interamericano, europeu e africano. São

Paulo: Ed. RT, 2011, 183p; e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direitos humanos. São Paulo: Método, 2014, p. 49-152. Para um estudo comparado entre os sistemas e modelos de proteção da Europa e da América Latina, v. CARDUCCI, Michele & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria tridimensional das integrações supranacionais: uma análise comparativa dos sistemas e modelos de integração da Europa e América Latina. Rio de Janeiro: Forense, 2014, especialmente p. 43-132.

Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I. 9. ed. rev. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1968, p. 10.

Daí a precisa observação de STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 35: “Objetivando proteger o homem no plano coexistencial, respeitando sua condição de ser sociável e livre, empenha-se o direito internacional privado em converter-se num corpo de princípios jurídicos que possa reger as manifestações da atividade humana sobre o planeta. (…) Desenvolvendo-se no espaço e no tempo, impera sobre a universal unidade dos agrupamentos humanos e protege todas as manifestações da personalidade individual, seguindo-a em sua peregrinação através das soberanias para reger em todas as partes e em todos os momentos a atividade civil do homem, em defesa de suas aspirações, de sua liberdade, de seu bem-estar. Tal é o escopo e essência do direito internacional privado”.

Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne (cours général de droit international privé). Recueil des Cours, vol. 251 (1995), p. 49-54; ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 7-26; e MARQUES, Claudia Lima. Ensaio para uma introdução ao direito internacional privado. In: DIREITO, Carlos Alberto Menezes, CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto & PEREIRA, Antônio Celso Alves (Coord.). Novas perspectivas do direito internacional contemporâneo: estudos em homenagem ao Professor Celso D. de Albuquerque Mello. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 325. Para um estudo aprofundado do tema da dignidade da pessoa humana, v. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de

1988. 9. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. V. também as observações levantadas no Cap. VII, infra.

FERNÁNDEZ ROZAS, José Carlos. Orientaciones del derecho internacional privado en el umbral del siglo XXI. Revista Mexicana de Derecho Internacional Privado, nº 9 (2000), p. 7-8: “O DIPr só pode ter uma função material, igual à de qualquer outro ramo do Direito, consistente em dar uma resposta materialmente justa aos conflitos de interesses suscitados nas relações jurídico-privadas que se diferenciam por apresentar um elemento de internacionalidade”.

Sobre as relações do direito interno com os tratados de direitos humanos, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002; e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva, 2010.

JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 54.

(30)

18 19 20 21 22 23 24 25 26 27

doutrina da irretroatividade das leis e do direito adquirido. São Paulo: Ed. RT, 1968.

V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos. São Paulo: LTr, 1997, p.

15.

V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 43.

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 6. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 35.

Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 28-29; e VILLELA, Anna Maria. A unificação do direito na América Latina: direito uniforme e direito internacional privado.

Revista de Informação Legislativa, ano 21, nº 83, Brasília, jul./set. 1984, p. 5-26. Sobre a

aplicação dos tratados uniformizadores pelo juiz nacional, v. OVERBECK, Alfred E. von. L’application par le juge interne des conventions de droit international prive. Recueil des Cours, vol. 132 (1971), p. 1-106.

Daí a observação de Oscar Tenório: “Somente a existência e a permanência desses conflitos justificam e explicam o direito internacional privado. (…) Necessário que evitemos as confusões entre o direito internacional privado e o direito uniforme, pois aquele tem como fato irremovível a diversidade de legislações, e este, querendo acabar com a diversidade das leis, acabará com o próprio direito internacional privado” (Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 37 e 44-45). Nesse exato sentido, v. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado. São Paulo: LTr, 2001, p. 61-62: “Ora, o ideal seria mesmo que se unificassem as normas substanciais de todos os direitos privados do mundo. A esta altura, já não haveria a necessidade de se indicar a lei aplicável devido à unificação das próprias normas do direito privado. Entretanto, tal cenário não deverá se concretizar em um futuro próximo. O que temos de mais concreto é o trabalho desenvolvido nas áreas econômicas e comerciais, onde encontram destaque os esforços empreendidos pelo UNIDROIT”.

V. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado. 5. ed. rev. e atual. por Osiris Rocha. Rio de

Janeiro: Forense, 2001, p. 54.

Como destaca Oscar Tenório: “A variedade das legislações torna muito difícil o estabelecimento de regras uniformes para todos os países. Surgem paliativos, pois os Estados não renunciam a alguns dos seus interesses em benefício da comunhão internacional. (…) As leis que se aplicam às relações extraterritoriais dos homens não são as mesmas nas diferentes nações, havendo necessidade da solução dos conflitos que nascem de sua dessemelhança” (Direito internacional

privado, vol. I, cit., p. 10). Mais enfaticamente, assim leciona Edgar Carlos de Amorim: “Como o

Direito Uniforme deveria ser o direito comum a todos os povos, podemos dizer, até mesmo com certa margem de certeza, que esse direito nunca será uma realidade e não passará de um sonho, de uma utopia. (…) O Direito Uniforme, ou melhor dizendo, a uniformização do direito, conforme acabamos de frisar, ainda não adquiriu sentido universal. É, portanto, parcial e incompleta” (Direito

internacional privado. 9. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 10).

Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 40-41.

Para uma visão dos primeiros trabalhos codificadores na América Latina, cf. VILLELA, Anna Maria. A unificação do direito na América Latina…, cit., p. 15-22.

Destaque-se que nem todas as CIDIPs uniformizam questões de DIPr propriamente, senão de verdadeiro Direito Internacional Público. Tais são, v.g., a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional (CIDIP I); a Convenção Interamericana sobre Restituição

(31)

28 29 30 31 32 33 34

Internacional de Menores (CIDIP IV); a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; e a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores (CIDIP V).

O Estatuto da Conferência da Haia foi aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 41, de 14.05.1998, ratificado em 23.02.2001 (passando a vigorar para o Brasil nessa data) e promulgado pelo Decreto nº 3.832, de 01.06.2001. Para a lista de todas as convenções aprovadas pela Conferência, consultar: <www.hcch.net>. Sobre o tema, v. OVERBECK, Alfred E. von. La contribution de la Conférence de La Haye au développement du droit international privé. Recueil

des Cours, vol. 233 (1992-II), p. 9-98; RODAS, João Grandino & MÔNACO, Gustavo Ferraz de

Campos. A Conferência da Haia de Direito Internacional Privado: a participação do Brasil. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007; e FRANZINA, Pietro. Conferência da Haia de Direito Internacional Privado: algumas tendências recentes. In: BAPTISTA, Luiz Olavo, RAMINA, Larissa & FRIEDRICH, Tatyana Scheila (Coord.). Direito internacional contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2014, p. 511-529.

Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 45; e VALLADÃO, Haroldo.

Direito internacional privado…, cit., p. 25.

Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 28. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 57.

Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 448.

V. art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (infra).

(32)

1.

1.1

Capítulo II

Noções Preliminares ao Estudo do Direito

Internacional Privado

Conceito de DIPr

O DIPr é a disciplina jurídica – baseada num método e numa técnica de aplicação do direito – que visa solucionar os conflitos de leis estrangeiras no espaço, ou seja, os fatos em conexão espacial com leis estrangeiras divergentes, autônomas e independentes, buscando seja aplicado o melhor direito ao caso concreto. Trata-se do conjunto de princípios e regras de direito público destinados a reger os fatos que orbitam ao redor de leis estrangeiras contrárias, bem assim os efeitos jurídicos que uma norma interna pode ter para além do domínio do Estado em que foi editada, quer as relações jurídicas subjacentes sejam de direito privado ou público.1 Como se vê, o DIPr é a expressão

exterior do direito interno estatal (civil, comercial, administrativo, tributário, trabalhista etc.).

Por meio do DIPr, contudo, não se resolve propriamente a questão jurídica sub judice, eis que suas normas são apenas indicativas ou indiretas, ou seja, apenas indicam qual ordem jurídica substancial (nacional ou estrangeira) deverá ser aplicada no caso concreto para o fim de resolver a questão principal; as normas do DIPr não irão dizer, v.g., se o contrato é válido ou inválido, se a pessoa é capaz ou incapaz, se o indivíduo tem ou não direito à herança, senão apenas indicarão a ordem jurídica responsável por resolver tais questões. Em outros termos, por não ser possível submeter a relação jurídica a dois ordenamentos estatais distintos, o DIPr “escolhe” qual deles resolverá a questão principal sub judice. Daí se entender ser o DIPr um direito sobre direitos (jus supra jura),2 pois

acima das normas jurídicas materiais destinadas à resolução dos conflitos de interesses encontram-se as regras sobre o campo de aplicação dessas normas, ou seja, o próprio DIPr.3

(33)

1.2

Para que o DIPr possa operar num processo judicial deve aparecer na relação jurídica um determinado “elemento estrangeiro” (ou “elemento de estraneidade”) conectando a questão sub judice a mais de uma ordem jurídica.

Não havendo o “elemento estrangeiro” na relação em causa não há que se falar na aplicação das normas do DIPr. Ou seja, não se fazendo presente a conexão espacial com leis estrangeiras contrárias, o problema colocado não pertence ao DIPr, eis que não ultrapassa as fronteiras de um dado Estado. Deve, assim, o ato ou o fato jurídico estar em contato com dois ou mais meios sociais onde vigoram normas jurídicas autônomas e independentes, cada qual regulando à sua maneira o mesmo tema, para que possa operar o DIPr.4

Por exemplo, se dois brasileiros se casam no Brasil e aqui adquirem bens e, posteriormente, pretendem desfazer a sociedade conjugal, nada de estranho há na situação, ou seja, nenhum “elemento estrangeiro” se apresenta, caso em que as normas de DIPr sequer serão suscitadas para resolver a questão, aplicando-se, para tanto, exclusivamente as leis nacionais.

Se, por outro lado, uma brasileira se casa com um italiano na França, vindo lá a residir e a adquirir bens e, passados alguns anos, transferem-se para o Brasil, aqui fixando domicílio, desejando depois, aqui também, desfazer a sociedade conjugal, um problema de DIPr passa a se fazer presente, eis que a relação jurídica encontra-se interconectada com vários “elementos estrangeiros” (nacionalidade dos nubentes; casamento realizado no exterior; aquisição de bens no exterior; primeiro domicílio conjugal no exterior etc.).

Conflitos interestaduais

Destaque-se que os conflitos de leis interestaduais no espaço – v.g., entre leis do Estado de São Paulo e de Mato Grosso – não contêm qualquer elemento estrangeiro a justificar a aplicação das regras do DIPr, pois não são anormais os fatos suscetíveis de serem apreciados por jurisdições diversas de um mesmo país. Ainda que se tenha, nesse caso, que aplicar princípios semelhantes ao do DIPr para a resolução da questão jurídica, não é propriamente o DIPr que está operando na relação, inexistente o elemento de estraneidade necessário à sua utilização.

Ainda que no México, v.g., exista um Código Civil para cada Província e nos Estados Unidos os Estados-federados tenham autonomia para legislar sobre vários ramos do Direito, tal como na Suíça relativamente à autonomia legislativa dos Cantões, mesmo

(34)

1.3

assim, como se vê, os conflitos normativos porventura existentes não ultrapassam as fronteiras exteriores do respectivo Estado, razão pela qual tudo há de ser resolvido pela aplicação interna do Direito interno, nada mais.5

A resolução dos conflitos interestaduais, em suma, não compõe o rol de competências do DIPr, que terá lugar apenas quando presente um determinado elemento estrangeiro na relação jurídica.

Discricionariedade estatal

As regras de DIPr de um Estado são por ele próprio determinadas, salvo se houver tratado em vigor prevendo solução diferente (ainda aqui, porém, o tratado é ratificado pelo Estado segundo a sua própria vontade). Cada Estado, portanto, disciplina a matéria como lhe aprouver, dependendo a validade interna das leis estrangeiras do seu livre arbítrio.6 Assim, como decorrência da discricionariedade estatal nas escolhas relativas à

norma aplicável, é possível que entenda o Estado não ser conveniente a aplicação da lex fori relativamente a determinado assunto, que deveria ser regido exclusivamente pela norma estrangeira, ainda que com certas limitações. Veja-se, v.g., o que dispõe o art. 13 da LINDB:

A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.

As opões sobre a norma aplicável a uma relação jurídica sub judice com conexão internacional decorrem das tradições (costumes) e da vontade política do Estado, segundo os seus interesses particulares,7 muitos dos quais preveem certa superação das limitações impostas pela exclusiva aplicação da lex fori, a fim de garantir a estabilidade do sistema jurídico.8

Não há, a priori, como estancar a atividade do Estado no desiderato de escolha (segundo os seus costumes e tradições) da regência de determinado assunto pela lex fori ou pela lex causae, estando tudo a depender de sua exclusiva discricionariedade. Também a ratificação de tratados de Direito Uniforme não escapa à discricionariedade do Estado, que é livre para se engajar ou não em determinado instrumento internacional, segundo a sua vontade.9

(35)

1.4

1.5

Missão principal do DIPr

O DIPr esgota a sua missão principal uma vez encontrada a norma substancial (nacional ou estrangeira) indicada a resolver a questão concreta sub judice. Para chegar a esse desiderato, porém, deve o juiz do foro qualificar o instituto jurídico em causa (enquadrando-o nunca categoria jurídica existente, v.g., de direito de família, das obrigações, das sucessões etc.) e enfrentar eventual questão preliminar, localizando, depois, o elemento de conexão que levará à norma competente para resolver a questão principal.

Não é missão do DIPr regular nem os temas afetos ao direito público material, como, v.g., o relativo à nacionalidade e à condição jurídica do estrangeiro, nem os relativos ao direito processual, tais a competência internacional da justiça brasileira, homologação de sentenças estrangeiras e concessão de exequatur a cartas rogatórias. Não entendemos (como faz a doutrina francesa) que esses assuntos compõem o universo do DIPr, senão apenas a indicação da norma competente (nacional ou estrangeira) para resolver a questão principal sub judice.

A questão da nomenclatura

Destaque-se que apesar de nominado “Direito Internacional Privado”, esse ramo do Direito, em primeiro lugar, não se limita a resolver conflitos propriamente “internacionais”, eis que as normas em conflito apresentadas são normas nacionais de dois ou mais Estados; esse direito é “internacional” apenas porque resolve conflitos de normas (nacionais) no espaço com conexão internacional (ou seja, resolve conflitos “internacionais” de leis internas). Ademais, o termo “internacional” pode sugerir que existam, no âmbito do DIPr, relações entre Estados soberanos, o que não é verdade, uma vez que o DIPr versa quase que exclusivamente interesses de pessoas privadas, sejam físicas (particulares) ou jurídicas (empresas).10

Em segundo lugar, o assim chamado “Direito Internacional Privado” também não versa, atualmente, apenas questões de índole estritamente “privada”, regulando correntemente temas que escapam a essa alçada (v.g., assuntos criminais, fiscais, econômicos, tributários, administrativos, processuais etc.).11 Por tais motivos é que se

haveria de preferir a expressão utilizada nos países anglo-saxões: conflitos de leis.12

Assim, seria o DIPr melhor nominado Direito dos Conflitos de Leis no Espaço.13

(36)

1.6

2.

2.1

mais utilizada em várias partes do mundo, especialmente na Europa Continental e na América Latina. Aqui, portanto, também a seguiremos.

Necessidade de divergência entre normas estrangeiras

autônomas e independentes

Para que o problema relativo ao DIPr se coloque, já se fez entender, deve haver divergência entre normas estrangeiras autônomas e independentes. Se houver paralelismo (conformidade) entre as respectivas normas estranhas o problema do DIPr não se põe, quando então a questão há de ser entendida como puramente nacional.14 Mesmo assim, para que o juiz do foro chegue à conclusão de que as normas nacional e estrangeira são paralelas, ou seja, disciplinam de forma idêntica o assunto em pauta, deve buscar, pelas regras do DIPr da lex fori, o conteúdo da norma estrangeira indicada, utilizando-se, com rigor, do método comparativo. Tal significa que mesmo no caso de existir paralelismo (conformidade) entre as normas em causa, é obrigação do juiz bem conhecer (e aplicar) as regras do DIPr da lex fori, especialmente porque a semelhança entre as diversas legislações poder ser somente aparente. Seria de todo cômodo ao juiz entender, numa análise rasa do conteúdo da norma estrangeira indicada, haver identificação (similitude) total entre as normas em causa, a fim de aplicar a lei que melhor conhece (a lei doméstica). Daí a cautela e o rigor que deve existir na comparação das normas (nacional e estrangeira) em jogo, para fins de entender uma questão (havendo identificação completa entre as normas) como puramente nacional.

Objeto e finalidade do DIPr

A doutrina em geral se controverte sobre o que vêm a ser objeto e a finalidade do DIPr. Na nossa visão, o objeto e a finalidade do DIPr encontram-se atualmente bem delineados, não sendo necessário embrenhar-se em discussões estéreis e de cunho apenas histórico para compreendê-los.15

Objeto do DIPr

O DIPr tem por objeto a resolução de todos os conflitos de leis no espaço (sejam leis privadas ou públicas) quando presente uma conexão internacional, isto é, uma relação que

(37)

coloca em confronto duas ou mais normas jurídicas estrangeiras (civis, penais, fiscais, tributárias, administrativas, trabalhistas, empresariais, processuais etc.) autônomas e divergentes.16 Seu objeto cinge-se, assim, a tais conflitos espaciais de leis.17 Trata-se,

portanto, do método ou técnica que visa encontrar a ordem jurídica adequada à apreciação de fatos internacionalmente interconectados, ou seja, em conexão com duas ou mais ordens jurídicas, quer relativos ao foro ou ocorridos no estrangeiro.18 Sua razão de

ser está em encontrar soluções justas entre a diversidade de leis existentes quando presente um elemento de estraneidade.19

Razão assiste a Amilcar de Castro, para quem o “objeto único do direito internacional privado é, pois, esta função auxiliar que desempenha no forum: como o fato anormal pode ser apreciado à moda nacional ou à moda estrangeira, indicar in abstractu o direito aconselhável; ou, por outras palavras: como a ordem jurídica indígena não é especialmente destinada à apreciação de fatos anormais, pela regra de direito internacional privado manda observar-se o direito comum, ou direito especial, organizado por imitação de uso jurídico estranho, visando-se sempre à solução justa e útil aos interessados”.20 Correta também a opinião de Irineu Strenger, para quem,

“verdadeiramente, o objeto do direito internacional privado é o conflito de leis no espaço, excluindo-se todos os demais objetos que as várias doutrinas costumam acrescentar ao primeiro e também todo e qualquer objeto concernente seja à uniformidade legislativa, à nacionalidade, à condição jurídica do estrangeiro, bem como a discussão de que o reconhecimento dos direitos adquiridos é o problema das leis no espaço encarado sob outro ponto de vista”.21

Repita-se que atualmente não faz sentido dizer que o DIPr resolve apenas conflitos de leis privadas no espaço, eis que a grande gama de normas estrangeiras hoje conflitantes pertence ao direito público.22 Assim, o DIPr é a disciplina que auxiliará o juiz da causa a

saber qual norma jurídica (a indigenum ou a extraneum) deve ser efetivamente aplicada no caso sub judice tendente à solução justa e útil, independentemente da natureza (privada ou pública) da norma em questão.

Destaque-se que quando se fala em “conflitos” de leis no espaço, na realidade o que se pretende dizer é que duas normas distintas (uma nacional e outra estrangeira) estão a disciplinar diferentemente uma mesma questão jurídica, não significando que exista propriamente um “conflito” (colisão, choque) entre ambas. Não há conflito verdadeiramente, senão uma aparência de conflito, eis que cada ordenamento legisla exclusivamente para si; há uma concorrência (concurso) de leis diferentes sobre a mesma questão jurídica.23 A expressão “conflitos de leis no espaço”, contudo, tem sido utilizada indistintamente pela doutrina em todo o mundo, razão pela qual também aqui a

Referências

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