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Capítulo IV A agroindústria familiar e a produção de novidades no desenvolvimento rural: uma análise comparativa entre sul e nordeste do Brasil

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Capítulo IV

A agroindústria familiar

e a produção de novidades

no desenvolvimento rural: uma análise

comparativa entre sul e nordeste do Brasil

Norma Kiyota Marcio Gazolla Nildete Maria da Costa Ferreira Gelson Pelegrini Miguel Ângelo Perondi Luís Alberto Cadoná Audrey Merlin Leonardi de Aguiar

Este capítulo se inscreve no debate mais geral existente no Brasil sobre as transformações tecnoprodutivas e rurais existentes nas diferentes formas de fazer agricultura e desenvolvimento rural. Mas principalmente visa refletir dentro do universo da agricultura familiar a crescente necessidade manifestada pelos agricultores e suas organizações em aumentar o valor agregado de sua produção. Assim, reflete sobre a experiência ora denominada de agroindús-tria familiar que surge no país em várias regiões onde existe uma agricultura realizada em pequena escala e consolidada há algum tempo.

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Também problematiza o “modelo” de produção predominante no meio rural brasileiro, o qual é baseado na intensificação do uso de recursos e tecnologias adquiridos através dos mercados externos às propriedades rurais (Ploeg, 2008). Nessa conjuntura, os agricultores encontram-se numa situação em que os custos de produção são tão elevados que estes não conseguem ser compensados pelos rendimentos oriundos da venda dos produtos e por outras atividades econômicas. Assim, muitas famílias de agricultores estão buscando alternativas mais sustentáveis para garantir a sua continuidade no meio rural, como é o caso da experiência de agroindustrialização de alimentos discutidas nesse trabalho.

Os casos investigados na presente pesquisa foram escolhidos por serem consideradas “sementes e brotos” da transição deste padrão de agricultura que está sendo desenvolvido em direção a um mais sustentável. Em primeiro lugar, estas iniciativas são diferentes das tradicionais por terem abandonado esta via de desenvolvimento e terem ingressado numa estratégia de agregação de valor aos seus alimentos com base nos próprios recursos da família (força de trabalho, terras, agroecossistemas, conhecimentos) e por se inserirem em mercados locais principalmente as chamadas cadeias curtas de comercialização, produzindo alimentos étnicos, típicos, artesanais, locais, entre outros e com baixos custos de transação e de produção.

Em segundo lugar estas iniciativas começam a construir, mesmo que muito timidamente por serem pequenas e frágeis, processos de mudanças ins-titucionais locais nos modos sociotécnicos de produção, nas regras e práticas sociais que podem no futuro gerar processos mais amplos de desenvolvimento rural, dependendo dos avanços que forem observados. Por isso, elas são enten-didas como “sementes e brotos” por portarem em si a possibilidade de um de-senvolvimento ao contrário do dominante e que poderá resultar em um futuro promissor se possuírem algum grau de apoio local dos atores, das instituições e políticas públicas.5 Se isso acontecer, estas iniciativas podem se desenvolver

gerando uma maior autonomia, sustentabilidade e qualidade de vida a estes atores que as dirigem e também à sociedade como um todo, por produzirem alimentos diferenciados em sabor, especificidades e atributos de qualidade.

De maneira geral, os estudos têm mostrado que estas iniciativas surgem em regiões de agricultura familiar consolidada há algum tempo, que preservaram os conhecimentos de transformação de alimentos e produtos agropecuários

5 Por exemplo, se possuírem apoio das políticas públicas e das instituições para realizarem as

ad-equações perante as legislações sanitárias, fiscais, jurídicas, ambientais, entre outras, que incidem na produção agroalimentar.

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como uma prática histórica (Oliveira et al., 1999, 2002). Estes experimentos se desenvolvem com poucos recursos e em pequena escala, muitas vezes mar-ginais aos sistemas institucionais de fomento e de fiscalização agroalimentar, possuindo diversas dificuldades para se inserirem nos mercados formais e para a ampliação espacial destes. Para dar conta destas dificuldades, uma saída tem sido a crescente organização em redes, associações e cooperativas como forma de avançar suas conquistas e reconhecimentos perante a sociedade (Mior, 2005).

Segundo Guimarães (2001) e Prezotto (2002), esses aspectos de infor-malidade das unidades trazem à tona o dúbio papel das instituições e agências reguladoras dos sistemas agroalimentares. De um lado, algumas delas têm operado no sentido de fiscalizar e punir estas iniciativas com base nos parâ-metros da legislação agroalimentar oficial, desconsiderando outros aspectos da qualidade dos alimentos. De outro lado, outras partes do Estado têm ten-tado apoiar em vários níveis estas iniciativas com políticas, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), Programa de Agroindústria Federal do MDA e com políticas estaduais, a exemplo do Rio Grande do Sul e Paraná. Porém, pesquisas iniciais sobre o tema mostram que estas políticas fortalecem os agricultores mais estruturados e informados, nem sempre atingindo os informais e os mais pobres como os agricultores da região nordeste do país (Raupp, 2005; Wesz, 2009).

Em nível nacional estas iniciativas são importantes em números. Por exemplo, as estimativas do MDA apontaram para a existência de aproxima-damente 35 mil empreendimentos dessa natureza, em 2008. Já os dados do Censo Agropecuário (IBGE, 2006) destacam que 16,7% dos estabelecimentos rurais no Brasil beneficiam e/ou transformam alguma matéria-prima.6Nas

duas regiões estas iniciativas também são proeminentes. Na região sul os da-dos do IBGE (2006) mostram que o valor da produção da agroindústria rural atinge R$ 338.291.750,00. Este valor da produção é dividido entre os diver-sos mercados em que os alimentos processados são vendidos, destacando-se principalmente a produção para autoconsumo, estoque, perdida ou doação (a chamada produção “não vendida” pelo IBGE) com 44,45%, a venda direta aos consumidores (25,07%) e para os intermediários (21,93%). No nordeste o valor da produção fica em R$ 1.237.860.340,00, sendo quase quatro vezes maior do que no sul. Este se divide em vários mercados também, sendo os mais relevantes a comercialização para os intermediários (39,09%), a exportação (24,31%), a venda direta para os consumidores (12,57%) e a produção “não vendida” (12,30%).

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Do ponto de vista teórico, este trabalho segue na esteira de outros estudos que entendem o desenvolvimento rural como um processo de surgimento de novas práticas, processos e políticas, que ocorre a partir dos atores sociais e se constituem como movimentos mais autônomos de desenvolvimento destes (Long, 2001, 2006; Ploeg et al., 2000). Nesses estudos, o desenvolvimento rural não passa necessariamente por grandes teorias de interpretação, mas pela investigação da ação dos atores sociais e de suas práticas, buscando com-preender os processos sociais e econômicos pelos quais estes constroem novos produtos e serviços ligados ao acesso de novos mercados como é o caso destas iniciativas investigadas (Ploeg et al., 2002 apud Milone, 2009).

Nesse sentido teórico dado, duas noções são centrais a investigação. A primeira é a de agência da Perspectiva Orientada aos Atores de Norman Long (2001, 2006). Por este conceito se entende que os atores sociais (os agricultores e outros) possuem agência social que é a capacidade de “saber” e de “conhe-cer”, mesmo frente às situações problemáticas e restritivas. Por essa noção os agricultores são dotados de uma ação ativa na construção de suas estratégias de desenvolvimento e dos seus projetos de vida. Eles possuem conhecimentos e sabem como agir frente a um evento social mesmo não esperado, a ação das instituições ou de outros atores sociais com quem mantêm interações de diver-sos tipos (Long, 2001, 2006). Pelo conceito de agência se pode compreender como as famílias constroem as suas iniciativas de agroindustrialização de forma diligente, desenvolvendo novidades no interior das propriedades, se inserindo em novos mercados e desenvolvendo relações com instituições locais e outros atores como o estudo demonstra.

A segunda noção usada é a de produção de novidades. Esta surge para romper com a ideia de inovação, muito ligada as características tecnológicas e lineares da modernização da agricultura. Por esta noção se entende que os agricultores podem construir novidades de diversas formas e que estas são uma dimensão importante dos seus processos de desenvolvimento rural contemporâneos. As novidades construídas pelos agricultores se caracterizam por serem internas ao local/território, possuírem base nos conhecimentos tácitos e contextuais (às vezes no científico também), serem não lineares e radicais em sua existência. Estas podem ser tanto novos produtos/processos, novas tecnologias, mas também novos mercados, novas redes sociais, novos conhecimentos, uma recombinação de recursos diferentes, novas organizações sociais, entre outras que os agricultores se utilizam para criarem novas confi-gurações sociotécnicas. Estas podem lhes dar como resultados, nas iniciativas investigadas, direções diferenciadas de desenvolvimento como uma maior au-tonomia reprodutiva relativa, maiores níveis de sustentabilidade, diminuição

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de custos de produção e transação, a inserção em um novo mercado, entre outros (Wiskerke e Ploeg, 2004).7

Esta investigação se configura como um estudo das estratégias adotadas por famílias envolvidas com a agregação de valor no meio rural. O objetivo é analisar de forma comparativa o processo de agroindustrialização familiar em algumas das suas dimensões fundamentais como as estratégias usadas pelas famílias, o entendimento dos seus modos de organização social, a mobilização de recursos, as diferentes formas de construir as novidades e os efeitos dessa experiência na vida da família e no local (economia, mercados, nas instituições, entre outras).

Para atingir este objetivo o trabalho apresenta a análise comparativa entre casos de agroindústrias familiares do sul e nordeste do Brasil, localizadas especificamente no norte do Rio Grande do Sul, sudoeste do Paraná e na mi-crorregião da Chapada de Apodí no Rio Grande do Norte. Nessas três regiões, foram pesquisadas nove iniciativas de agroindústrias familiares que apresentam distinções de produtos, de organização social, de formas de se relacionar com a legislação sanitária e jurídico-fiscal, enfim, com diferentes formas de conso-lidar esta estratégia, a partir dos diferentes recursos e contextos vivenciados.

Do ponto de vista da estruturação, este capítulo está organizado em duas seções principais, além da introdução e de algumas considerações finais. Na primeira seção se situam os casos pesquisados discutindo-se algumas das suas principais características, bem como das regiões em que elas se inserem (sul e nordeste). Na segunda seção são apresentados os resultados de pesquisa, mos-trando-se os efeitos das iniciativas sobre algumas variáveis selecionadas como a família, a economia local, as instituições, os mercados, os conhecimentos e a produção de novidades.

A experiência de agregação de valor e as distintas regiões

Essa seção se destina a situar as regiões de estudo em suas característi-cas principais e as iniciativas de agregação de valor que foram investigadas, de forma a situá-las em seus contextos sociais, econômicos e institucionais, construindo um “pano de fundo” para a discussão que se desenvolverá adiante no capítulo.

No Rio Grande do Sul a investigação foi desenvolvida no município de Frederico Westphalen, localizado no norte gaúcho, em 2009. Foram

7 Não se desenvolve aprofundamentos nas noções teóricas usadas. Para um maior conhecimento

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realizadas duas entrevistas coletivas com os vários membros das famílias das Agroindústrias Magalski (produtora de derivados de frutas e hortaliças) e da Agroindústria Vitalli (produtora de derivados da cana-de-açúcar, como as rapaduras), as duas devidamente legalizadas no Ministério da Saúde, da Agricultura e em nível municipal (alvará de funcionamento). A investigação também contou com dados secundários regionais e de outras pesquisas já rea-lizadas no local, como da pesquisa Caracterização e análise das agroindústrias

familiares da Região do Médio Alto Uruguai (Pelegrini e Gazolla, 2006).8 Essa

dispõe de um banco de dados sobre 106 agroindústrias familiares de várias cadeias produtivas, localizadas nos 30 municípios da região do Médio Alto Uruguai. Esses dados complementaram quantitativamente as informações do roteiro do Projeto IPODE.

No sudoeste do Paraná a pesquisa foi desenvolvida em seis iniciativas de transformação do leite por agricultores familiares para caracterizar a diversi-dade existente: o Laticínio Alto Alegre com SIP, produzindo vários tipos de queijos e manteiga por uma associação de 20 famílias de agricultores; Leite e nata pasteurizado Aprove com SIM; Iogurte Celena com SIP; Queijo colonial Capra com SIM; Queijo colonial Três Irmãos com SIM; e uma unidade de leite não pasteurizado (informal).9 A pesquisa foi realizada em conjunto com

outro projeto denominado Condicionantes, estratégias, organização e

agroin-dustrialização nos sistemas de produção familiares com a cadeia leite no Território Sudoeste do Paraná (Kiyota, 2008).10.

No Rio Grande do Norte, utilizou-se como campo empírico a Cooperativa Potiguar de Apicultura e Desenvolvimento Sustentável (Coopapi), localiza-da no município de Apodí (RN). Essa cooperativa trabalha principalmente com mel, artesanato em palhas e derivados de mel. A pesquisa empírica foi realizada em três etapas. A primeira constou de uma conversa informal de caráter exploratório com a presidente da cooperativa. A segunda ocorreu em Apodí, onde se realizaram algumas entrevistas com outros diretores e sócios da cooperativa. A terceira etapa consistiu na aplicação do roteiro de entrevista do IPODE com agricultores e mediadores sociais.

8 Este projeto de pesquisa recebeu financiamento da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária

(Fapergs), pelo Edital Pró Coredes, no ano de 2006.

9 Serviço de Inspeção Municipal (SIM) e Serviço de Inspeção do Paraná (SIP).

10 Este projeto recebeu recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq) e do Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar e foi coordenado pelo Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) e Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater).

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Estas iniciativas foram selecionadas devido a três motivos principais: (a) representam um desenvolvimento rural diferenciado do que vinha ocorrendo regionalmente, seja em relação às práticas sociais, seja em relação aos processos produtivos; (b) são iniciativas que inovam no sentido de estarem construindo novos conhecimentos, mercados e organizações sociais próprias; (c) as iniciati-vas rompem com vários conceitos arraigados institucionalmente nestas regiões e começam a construir, mesmo que de forma tímida em alguns casos, outro conjunto de regras e referências sociais diferentes das anteriores. Por isso, são tidas como “novas sementes e brotos” que podem levar a transições importantes nos processos de desenvolvimento rural onde se situam.

Com relação ao desenvolvimento histórico das regiões, no sul, até meados dos anos 1990, a agricultura familiar, de onde nasce a experiência de agroin-dustrialização, reproduziu-se com base em relações claramente mercantilizadas que a levaram a uma crescente fragilização, devido à dependência de insumos e tecnologias externas à propriedade que a direcionaram quase que totalmente para os mercados destes fatores de produção (Conterato, 2004). Após os anos 1990, começa a haver um movimento pequeno, porém contínuo, de diversi-ficação econômica e produtiva junto às famílias rurais, incluindo o início do surgimento das agroindústrias familiares e de outras atividades produtivas, de serviços, atividades não agrícolas e outras que ocorrem neste espaço rural. Nesse contexto, as agroindústrias familiares emergem como uma novidade dos próprios agricultores familiares e como outra estratégia de desenvolvimento rural para conseguirem sair do squeeze da agricultura em que se encontravam nos últimos anos (Ploeg, 2008).11

Segundo dados do IBGE (2006) na microrregião de Frederico Westphalen no Rio Grande do Sul a agricultura familiar possui 23.090 estabelecimentos agropecuários (em percentual algo em torno de 93,04%) do total existente, com a média das propriedades rurais de 13,0 hectares. A população é predo-minantemente rural, representando, na média, 56,8% da população total da Região do Médio Alto Uruguai. O Valor Adicionado Bruto (VAB) é predomi-nantemente agropecuário se comparado aos outros setores econômicos, ficando acima de 50% da riqueza gerada regionalmente. Além disso, o processo de desenvolvimento histórico se deu em torno da produção agrícola e pecuária, possuindo pouca diversificação rural e intersetorial.

11 A palavra squeeze significa “aperto”, “compreensão” ou “estreitamento” das condições de

reprodu-ção social da agricultura familiar, que se encontrava numa situareprodu-ção em que os preços das tecnologias e insumos comprados externos a propriedade eram mais elevados do que os preços ganhos pelos seus produtos vendidos, ocorrendo um processo de compressão de suas rendas. Para uma maior discussão do tema ver Ploeg (2008).

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No território sudoeste do Paraná,12 dos 58.922 estabelecimentos rurais,

51.616 são de agricultores familiares, correspondendo a 87,64% dos estabeleci-mentos e 46,41% da área total. Esses agricultores familiares produzem 84,95% do total de leite produzido na região, que correspondeu a 405.551.839 litros de leite no ano. O surgimento das unidades de transformação no final dos anos 1990 acompanha o crescimento da atividade leiteira na região ocorrida, que aponta o sudoeste como a região que possui maior número de agricultores in-seridos nesta atividade no Paraná, com 29.932 estabelecimentos (IBGE, 2006). No nordeste, o surgimento da atividade apícola não esteve necessaria-mente relacionado à crise do modelo de desenvolvimento agrícola baseado nas

commodities, pois apresenta uma grande diversidade de produtos direcionados

aos mercados, mesmo que em pequenas quantidades. A atividade de extração do mel é praticada desde 1939 e a criação de abelhas em colmeias é nova e surge no contexto da diversificação de atividades, sem muita vinculação com a crise do algodão, mas principalmente para aumentar as rendas das famílias. A Coopapi surge nesse contexto, principalmente para organizar coletivamente os agricultores, eliminar os intermediários na comercialização do mel e melhorar a qualidade dos produtos vendidos.

Localizada a 337 km da capital do Rio Grande do Norte, na microrregião da conhecida Chapada do Apodí, o município de Apodí foi assim denominado pela grande faixa de solos férteis que se prestam a variados tipos de culturas. O município foi dividido em quatro regiões, cujas características geográficas e produtivas condicionaram a denominações como: a Região de Areia, com predominância da cultura do cajueiro e da produção do mel; a Região do Vale, com maior produção de arroz e da fruticultura irrigada; a Região da Chapada, onde predomina a criação de caprino e ovino, mel e arroz sequeiro; e a Região de Pedra, com destaque para a criação bovina e a piscicultura (Ferreira, 2010).

O município de Apodí possui uma área de 1.603 km2 e uma população

de 35.768 habitantes, com mais de 50% residentes no meio rural. Das 3.184 propriedades, 2.945 foram consideradas pelo último censo agropecuário como de agricultura familiar. Este segmento responde pela produção dos alimentos, como o feijão, o milho, o arroz, o caju, o mel, as carnes bovinas, suínas, caprinas e ovinas, as hortaliças, entre outros. O município é o maior produtor de mel de abelha e de arroz em casca do estado (Idema, 2004). O sistema fundiário do município é composto, predominantemente, por pequenos estabelecimentos,

12 Território sudoeste do Paraná é composto por 42 municípios: os 37 municípios da mesorregião

sudoeste paranaense e os cinco municípios da microrregião de Palmas da mesorregião centro-sul paranaense.

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sendo que 48% estão na faixa entre 1 a 10 hectares. Possui densidade demo-gráfica de 22,03 habitantes por km² e um IDH de 0,654.

Na próxima seção se realiza a análise dos resultados da investigação com-parativa entre estas iniciativas do sul e do nordeste, destacando-se os principais efeitos das iniciativas sobre variáveis como o grupo familiar (trabalho, qualidade de vida, aspectos que se modificaram com a agroindustrialização), a economia local (preços, mercados, dinamização econômica, rendas), as instituições (principais instituições e políticas públicas existentes, os fóruns que as inicia-tivas participam, as relações com as instituições), as organizações dos próprios agricultores (a criação/participação em associações e cooperativas) e as diversas novidades produzidas (novas organizações, os novos mercados, conhecimentos).

Os efeitos da experiência para o desenvolvimento rural

e a produção de novidades

Nas iniciativas analisadas as agroindústrias são entendidas como em-preendimentos sociais e econômicos que surgem no contexto da chamada “agroindústria caseira”. Uma situação em que esta não é separada das outras atividades produtivas e econômicas das unidades de produção, sendo um pro-longamento das atividades produtivas agropecuárias da família, realizada em função do consumo doméstico e em local considerado não adequado à escala agroindustrial. A “agroindústria caseira” é a fase em que ocorre o nascimento da experiência nas unidades de produção e corresponde a um momento em que o beneficiamento, manipulação e processamento dos alimentos são realizados visando um valor de uso para as famílias (Pelegrini e Gazolla, 2008).

O processo da transformação do produto, antes destinado para autocon-sumo ou para a venda de pequenas quantidades para vizinhos e “conhecidos”, em mercadoria ocorre nas três regiões estudadas. As famílias do Rio Grande do Sul já faziam açúcar mascavo, compotas e conservas dos produtos existen-tes em suas hortas e pomares. Os “colonos” do sudoeste do Paraná já tiravam leite de algumas vacas para o consumo ou para fazer queijo, nata ou manteiga. Os agricultores do nordeste já coletavam o mel de colmeias encontradas nas matas para o seu consumo, mesmo que de uma forma não organizada e fora de parâmetros técnicos atuais.

O papel das famílias é central no desenvolvimento das iniciativas. Estas possuem o papel de fornecer os conhecimentos históricos de produção das matérias primas, no processamento dos alimentos e depois na comercialização. As famílias dividem as tarefas dentro do grupo doméstico com base em papéis

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bem claros, com base na idade, sexo e funções dos componentes familiares. Os homens geralmente realizam as tarefas mais pesadas e a comunicação externa da unidade de produção com o exterior, como no caso do acesso aos merca-dos. As mulheres desenvolvem mais os serviços domésticos, as atividades de processamento e cuidado com os animais. Já os jovens ajudam em quase todas as tarefas das unidades e alguns trabalham fora da propriedade como forma de complementar a renda familiar como foi observado no sul.13 Alguns jovens

também retornaram as propriedades devido à existência das agroindústrias, devido ao fator ocupacional e as rendas geradas.

Outra mudança percebida nas famílias com a agroindustrialização foi o abandono dos sistemas produtivos de grãos e commodities e o aumento da área, produção e trabalhos com as matérias-primas e produtos processados. No sul, as famílias buscam incrementar a produção e diversidade de frutas, hortaliças e do leite. No nordeste os agricultores aumentam a produção do mel, buscam melhorias nos seus padrões técnicos visando maximizar a qualidade do mesmo e seus derivados. Isso é uma mudança radical, pois os agricultores que anteriormente trabalhavam dentro de atividades e mercados tradicionais começam a mudar as suas práticas, construindo a experiência de agroindus-trialização, que por si mesmas trazem novas referências sociais, de mercados e regramentos (Ploeg et al., 2004). Isso é a primeira grande novidade construída pelas famílias, a mudança de um padrão convencional de desenvolvimento para a agregação de valor à sua própria produção.

Há também efeitos sociais das iniciativas, como os agricultores se senti-rem mais valorizados por participasenti-rem da Coopapi (maior autoestima e orgu-lho), conseguirem ter acesso a eletrodomésticos, pagar os estudos dos filhos, compram carros, reformam as residências, acessam serviços médicos e odon-tológicos possuindo melhorias em sua situação social. O aumento da renda resultante da agroindustrialização possibilitou outros efeitos não econômicos nas famílias, como a possibilidade de tirar férias, irem a festas, comprarem roupas novas, viajarem, o que gerou melhorias no bem estar familiar. No sul são relatados aumento da autoestima, reconhecimento perante outros atores sociais e instituições e se sentirem orgulhosos de suas iniciativas. Também se encontrou melhorias na saúde e alimentação das famílias pelo melhor conhe-cimento adquirido em cursos, formações e viagens de estudos realizados em conjunto com instituições locais ou políticas públicas.

13 No Paraná se encontrou em uma das iniciativas investigadas a grande contratação de força de

trabalho de fora do grupo familiar. No Laticínio Alto Alegre há 58 pessoas empregadas, alguns sócios e outros não do Laticínio.

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As iniciativas também impactaram na economia local onde se inserem. No nordeste, a Coopapi trouxe mudanças significativas para a economia ao propiciar a ampliação do volume de produtos apícolas comercializados e das rendas. Este fato está dando condições para a realização de investimentos em outras atividades e ocupações na unidade de produção, que acabam repercu-tindo na economia local e regional. Também se notou aumento das ocupações e postos de trabalho locais devido à existência da cooperativa, da Casa de Mel,14

na minifábrica de beneficiamento de castanha de caju e na de polpa de frutas. Estes postos têm sido ocupados por jovens e filhos dos cooperados.

As receitas oriundas da apicultura também são importantes na cobertura dos custos de produção de outras atividades agrícolas como o plantio de fei-jão, milho, arroz e do cajueiro. Parte da renda é investida em benfeitorias na unidade familiar (cercas, depósitos para a produção, etc.) e na compra de gado bovino. Também se preocupam mais com a qualidade do mel colocado nos mercados, pois entendem que disso dependem as vendas futuras. A Coopapi, no caso da iniciativa do nordeste, é a principal novidade consolidada por estes atores sociais, que se autorreforça a partir do reconhecimento do ideal cooperativo pelos seus membros que se sentem parte dinâmica da mesma. Ela é considerada uma novidade organizacional gerada a partir da agência dos próprios agricultores, mas com contribuições importantes das instituições e de outros atores que também se encontram a frente no trabalho.

No sul os efeitos observados foram a elevação da renda das famílias, manutenção e retorno dos membros familiares na unidade de produção, am-pliação da circulação de recursos financeiros no setor de serviços e comércio, aumento da arrecadação dos impostos sobre a circulação dos produtos propi-ciando recursos para a administração municipal e gerando empregos diretos ou indiretos.15

Relataram-se ainda melhorias em estradas e reconhecimento da ativi-dade leiteira como importante pelas instituições locais. Algumas iniciativas empregam muitos sócios e não sócios, quando coletivas como o Laticínio Alto Alegre, gerando ocupações locais que são importantes aos pequenos

municí-14 Casa de mel é a denominação dada às pequenas indústrias pertencentes às associações comunitárias

ou a um proprietário em particular, onde é processado o mel antes de ser entregue à cooperativa.

15 No sul algumas experiências pesquisadas chegam a gerar 50% da renda anual das famílias. O

restante das rendas provém de atividades agropecuárias, aposentadorias, políticas públicas e outras fontes de renda e trabalhos, algumas de fora dos estabelecimentos. O caso da Agroindústria Vitalli é um exemplo de rentabilidade da atividade. Segundo a família, eles comercializam aproximadamente 11.000 rapaduras por ano ao valor de R$ 3,50 por unidade, resultando em R$ 38.500,00 por ano. Essa é a renda bruta oriunda apenas da rapadura, sem contabilizar a paçoquinha e o puxa-puxa, os outros dois produtos produzidos pela agroindústria, porém em menores proporções.

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pios. Muitos empregos indiretos surgem, como é o caso dos freteiros do leite (pessoal que trabalha no transporte) e dos representantes comerciais. Também se observou maior poder aquisitivo das famílias para comprarem bens, produ-tos e serviços nos centros urbanos, gerando movimentação financeira local.

Outro efeito verificado foi a diversificação de rendas nas propriedades dos agricultores, o que ocorreu em todas as iniciativas. No nordeste essa diversificação se dá através do arroz, feijão, artesanato em palha (bolsas, cha-péus e embalagens), o beneficiamento da castanha de caju (castanha natural e torrada) e a fabricação de polpas de frutas. No sul através dos cultivos de diversas frutas e hortaliças para a agroindustrialização e de outras atividades produtivas relacionadas ao leite (plantio de pastagens, melhoramento genético do gado, silagem, etc.).

Uma importante avaliação do impacto gerado nas condições de vida das famílias rurais no processo de agroindustrialização do sul (sudoeste do Paraná) pode ser observado em Perondi (2007). Este, ao analisar o grupo de agricul-tores que agrega valor à produção (por meio do processamento de alimentos), demonstrou que estes apresentam uma renda agrícola e total três vezes maior que a média do grupo que diversifica apenas com commodities agrícolas. A maior renda agrícola e total é devida aos sistemas de produção que agregam valor conseguirem se distanciar estrategicamente dos mercados de insumos, sem abrir mão de uma participação mais vantajosa na comercialização. Tal observação coincide com Ploeg (2006), quando afirma ser necessário desatrelar a fonte dos insumos produtivos dos mercados, para permitir o surgimento de uma agricultura mais autônoma e rentável.

Efeitos sobre a economia local são relatados nos casos pesquisados. No nordeste a atuação da Coopapi influenciou o dinamismo da agricultura familiar no tocante à comercialização do feijão, galinha caipira, da castanha, do arroz e do artesanato, atividades estas que incluem mulheres e jovens. No sul, quando as iniciativas são coletivas, propiciam a compra da produção de leite dos cooperados e de outros agricultores locais, assegurando um canal de comercialização e preços mais altos do que em outros mercados. Outro fato que pode ser citado como efeito da agroindustrialização é a busca de parte da matéria-prima com os vizinhos, parentes ou nos mercados regionais, devido a não produção da totalidade da mesma pelas famílias. Isso oferece uma alterna-tiva de venda aos agricultores que não possuem agroindústria e outras formas de comercialização de frutas, legumes e verduras.

Outro aspecto importante e que se verificou nas duas regiões pesquisadas foi o maior acesso a informações e aumento dos conhecimentos dos agricul-tores, devido a maior interação com as organizações, outros atores sociais

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e as instituições locais (Long, 2006). No nordeste isso foi propiciado pela Coopapi, através de reuniões e assembleias. Novos conhecimentos são gerados sobre preços, relação com a cooperativa, mercados, padrões de qualidade do mel, insumos, financiamentos e contratos com outras organizações. Isso tem possibilitado melhores condições de produção e, por derivação, de acesso aos mercados.

No sul isso acontece através de cursos de formação, de viagens de estudo, de reuniões com as instituições e organizações regionais, com a prática diária de venda da produção nos mercados e na sua interação com os atores sociais e consumidores. Os conhecimentos se ampliam em tecnologias, mercados, preços, custos da transformação do leite, conhecimentos sobre a produção de leite, manejo do gado, pastagens, políticas, crédito e legislação. Também se notou uma diferenciação de gênero, em que os homens têm acesso a mais informações que as mulheres, devido às atividades que eles exercem e ao acesso privilegiado ao ambiente externo à unidade de produção. Todos estes novos conhecimentos são uma novidade importante das iniciativas nas duas regiões, pois anteriormente a existência da experiência nestas famílias não possuía este processo de aprendizagem social, em função de não interagirem tanto com ou-tros atores, instituições e com os mercados (Ploeg et al., 2004; Stuiver, 2008). Em relação ao ambiente institucional, às políticas públicas e às organiza-ções, as iniciativas estudadas produzem desenvolvimentos em duas direções: (a) primeiro a construção de relações com instituições e políticas públicas; (b) segundo, com as organizações da própria agricultura familiar local e/ou regional, efetivando uma gama ampla de relacionamentos e contratos mantidos pelas famílias.16

Com relação às instituições públicas nacionais nas duas regiões se verificou uma aproximação muito grande das iniciativas com o MDA e com a Conab. No primeiro caso através do Programa Territórios Rurais, Territórios da Cidadania e nas feiras organizadas pelo ministério. No segundo por participarem do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), como forma institucional de acesso aos mercados. Destacam-se ainda as relações com o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) no acesso ao crédito no caso da Coopapi e com universidades diversas no apoio técnico e científico, tanto no sul como no nordeste. Destaca-se também o Pronaf em todas as iniciativas investigadas como crédito alocado as iniciativas e as relações locais com órgãos de extensão rural (Emater) e prefeituras. No sul a experiência também possui relação em sua origem com o Banco Nacional da

16 A definição de instituições e de organizações é abordada segundo Douglass North (1994). Para

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Agricultura Familiar (BNB), importante no fomento do nascimento de algumas iniciativas, inclusive com um foco na produção orgânica.

Com relação a interações com políticas públicas estaduais se destacam no sul alguns programas como o Fábrica do Agricultor, o Paraná 12 Meses, a Feira

Sabores do Paraná promovida pelo governo estadual e o Programa Sabor Gaúcho

no Rio Grande do Sul. Estes forneceram crédito, assistência técnica, apoio à comercialização e a estruturação de muitas iniciativas. Já no nordeste a Coopapi possui parcerias estabelecidas com outras cooperativas como a Cooperativa dos Trabalhadores Autônomos (CTA), a Cooperativa da Agricultura Familiar de Apodi (Coofap)1317e com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio

Grande do Norte (Fetarn), desenvolvendo interfaces com outras cooperativas e a organização sindical estadual. Essa é uma diferença fundamental entre os casos do sul e do nordeste. Neste último não há políticas estaduais de incentivo a agregação de valor e as parcerias são buscadas com outras organizações sociais do rural.

Considerando as próprias organizações ou o estabelecimento de relações com outras organizações, as iniciativas também são ricas, principalmente em criar novas organizações coletivas rurais. No nordeste o exemplo da Coopapi na organização dos agricultores, no apoio a produção, na comercialização e na elevação da qualidade do mel é muito visível. No sul isso também ocorre, pois os agricultores criam cooperativas e associações coletivas em torno desta expe-riência. Destaca-se a Cooperativa de Leite da Agricultura Familiar (CLAF), a Cooperativa Integrada da Agricultura Familiar (Coopafi), a Cooperativa dos Produtores da Agricultura Familiar de Frederico Westphalen (Coopraff) e a Rede de Comercialização Solidária das Agroindústrias Familiares (Recosol). Estas cooperativas sulinas se relacionam também com outras organizações de fomento e assessoramento sociotécnico, como é o caso da Cooperativa de Crédito Solidário (Cresol), da Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural (Assessoar), do Centro de Apoio ao Pequeno Produtor (Capa). Em nível local há interfaces com outras entidades de apoio a estas iniciativas como os sindicatos, projetos pontuais de desenvolvimento rural e as feiras de produtores como formas de organização social e de venda direta da produção.

Pode-se observar que as iniciativas estudadas são muito ricas em organi-zações sociais e de representação dos próprios agricultores familiares, princi-palmente na forma coletiva, destacando-se o que Wiskerke e Ploeg (2004) e Ploeg (2008) chamam de cooperativas territoriais. Esta forma de organização social é importante à reprodução das iniciativas por três motivos fundamentais:

17 13 A Coofap é constituída por agricultores de projetos de assentamentos e trabalha na

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a) elas baixam os custos de produção e de transação dos agricultores compa-rativamente se estes agissem de forma individual; b) permitem ganhar maior escala produtiva e nos processos de comercialização; c) unem esforços para a busca de recursos públicos, para pressão politica sobre as instituições (por exemplo, no caso das legislações agroalimentares) e para construírem mercados a distância dos seus locais de origem. Estas ações coletivas podem ser definidas como novidades organizacionais desenvolvidas pelos agricultores devido a sua agência e que possuem o apoio das instituições, de algumas políticas públicas e de outros atores locais, como é o caso da Emater, sindicatos e prefeituras.

Com relação aos mercados criados por essas iniciativas as situações são um pouco diferente nas duas regiões. No nordeste os mercados construídos são: (a) os mercados em que os agricultores entregam para a Coopapi e esta coloca os seus produtos em vários outros mercados, diversificando-os; (b) os mercados institucionais, que é o caso das vendas ao PAA; (c) as feiras organi-zadas principalmente pelo MDA, a participação na Feira Livre Municipal e em eventos regionais e nacionais; (d) os mercados convencionais, como o acesso às lojas do grupo Walmart (Bom Preço, Hiper e Sam’s Club) e a colocação de

display (com castanha e mel) em diversos locais na cidade de Apodí.

No sul os principais mercados acessados pelas iniciativas são: (a) venda direta agricultor-consumidor, que se dá na rua, nos locais de trabalho e nas casas, sendo os principais mercados de algumas agroindústrias; (b) vendas nos mercados institucionais, como é o caso do PAA municipal e regional; (c) vendas em mercados formais, como pontos de comércio e supermercados municipais; (d) vendas em feiras, eventos e exposições agropecuárias em todo o sul; (e) venda em outros municípios da região; e (f) vendas na própria agroindústria, por ocasião de visitas de pessoas do município, turmas de estudantes de uni-versidades, escolas e turistas.

A diferença fundamental das estratégias dos atores é que enquanto no nordeste a construção dos mercados se pauta mais pelos mercados convencio-nais, no sul parece que as cadeias curtas de comercialização são mais impor-tantes, como é o caso do RS onde 43,3% dos mercados são de relacionamento direto agricultor-consumidores (Pelegrini e Gazolla, 2008). Porém, nas duas regiões percebe-se uma grande importância das vendas coletivas, realizadas pelas diferentes cooperativas criadas pelos agricultores, devido aos motivos elencados anteriormente quanto aos seus papéis frente aos agricultores caso agissem de maneira individual.

Duas questões são ainda importantes na discussão dos mercados das agroindústrias familiares investigadas. Primeiro, observa-se uma estratégia que passa pela ideia de “nunca se colocar todos os ovos na mesma cesta”, como

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formulou um agricultor sulino durante a pesquisa. Ou seja, do ponto de vista das estratégias de construção social de mercados, as famílias se preocupam em diversificar as vendas no maior número possível de mercados, como forma de não ficarem dependentes de um elenco restrito de formas de relacionamentos como estes. Segundo, nota-se a grande importância dos mercados locais (de proximidade) e as cadeias curtas de comercialização neste tipo de atividade (Renting et al., 2003; Wilkinson, 2008). Estes mercados são os mais expressi-vos e escoam a maioria dos produtos destas iniciativas de agregação de valor, principalmente naquelas informais (Gazolla e Pelegrini, 2011).

Isso pode ser entendido como uma novidade de mercados criada pela agência dos agricultores, pois anteriormente estes se inseriam em mercados de grãos e commodities agrícolas, que eram mercados tradicionais onde havia grandes graus de dependência e a existências de outros atores já consolidados nas cadeias longas, sendo difícil o desenvolvimento de espaços de manobras diligentes por parte das famílias. Atualmente, estes se inserem em mercados que permitem maiores graus de autonomia, devido serem cadeias curtas de comercialização; serem construídos através das suas próprias estratégias e recursos (usam os seus próprios conhecimentos, agroecossistemas, força de trabalho familiar, etc.); e por conduzirem os agricultores e outros atores locais, como no caso dos consumidores, a assumirem novas práticas sociais e gerarem novas regras locais, mesmo nos casos de informalidade.

Nas iniciativas estudadas notam-se duas inferências muito importantes. Primeiro, as novidades desenvolvidas pelos agricultores não são apenas produ-tivas e tecnológicas, como as teorias tradicionais supõem, mas passam também pelas novidades organizacionais, novos conhecimentos obtidos e pelos mercados construídos, que são centrais nas formas como surgiu e se mantém esta experiên-cia historicamente. Segundo, parece que sem o apoio das instituições e políticas públicas (em vários níveis), bem como a existência das organizações coletivas (as cooperativas), quase todas as iniciativas analisadas não teriam atingido o grau de enraizamento e de maturidade produtiva, organizativa e de acesso aos mercados que possuem na atualidade. Isso vai de encontro a hipótese de Ploeg (Ploeg et al., 2004) de que os agricultores sempre criam novidades em constante relacionamen-to com outros arelacionamen-tores sociais e instituições do seu contexrelacionamen-to em que estão imersos.

Algumas reflexões finais

As iniciativas das regiões sul e nordeste do Brasil demonstram que a agricultura familiar apresenta estratégias semelhantes na busca pela sua

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repro-dução social. Apesar das famílias viverem em regiões distintas, apresentarem diferentes formas de organização e sistemas de produção e transformarem produtos diferenciados, as trajetórias das agroindústrias rurais estudadas têm muitos aspectos em comum. O início da experiência ocorreu no momento em que as famílias perceberam que as atividades agrícolas, cujo fornecimento de insumos, o processo de transformação e comercialização estavam nas mãos de terceiros, geravam renda insuficiente para a sua reprodução, pois os outros atores da cadeia produtiva ficavam com a maior parte da renda oriunda da comercialização dos produtos.

Entretanto, perceber a necessidade do encurtamento da cadeia produtiva não era o suficiente, pois os atores das cadeias longas e de commodities já esta-vam consolidados e os agricultores precisaesta-vam buscar outras atividades na quais pudessem exercitar o processo de reconversão produtiva e econômica. Com isso, os agricultores precisavam de recursos organizacionais, institucionais, técnicos e financeiros, para elaborar e concretizar este projeto. Nesse momento, destacou-se a atuação de outros atores sociais, como as organizações, institui-ções e políticas públicas. Estes funcionaram como catalisadores do processo, apoiando o processo de organização coletiva dos agricultores, discutindo as alternativas existentes, possibilitando o acesso a programas, políticas públicas e/ou crédito subsidiado, viabilizando recursos de infraestrutura, logística, aumento da qualidade dos produtos, novos mercados e conhecimentos, entre outras coisas.

Nos casos analisados, o conhecimento histórico dos agricultores sobre o processo de organização social, gestão e transformação dos produtos caseiros interagiu com o chamado conhecimento científico de técnicos e assessorias, que foram demandados durante o processo de implantação e consolidação das unidades agroindustriais, pois esta atividade exige que sempre haja uma retroalimentação dos conhecimentos gerados. Dessa forma, estas iniciativas se nutriram de conhecimentos contextuais, que provém do contexto em que esta experiência está inserida, do conhecimento oriundo dos diferentes atores sociais envolvidos nesse processo.

Estas unidades agroindustriais também geram novidades que estão rela-cionadas à forma como os agricultores objetivam a atividade e as suas estratégias perante a experiência. De forma geral, as principais novidades encontradas, a partir dos universos empíricos investigados, são de quatro tipos: (a) a mudan-ça que as famílias realizaram em seus sistemas produtivos e econômicos, em que nas iniciativas pesquisadas passam das commodities e produção de grãos para a agregação de valor através da agroindustrialização; (b) criação de novas organizações sociais dos agricultores e de outros atores sociais que, de certa

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forma, começam a transformar e requalificar as instituições existentes no local e na economia regional (novas associações e cooperativas); (c) a construção social de novos e diversificados mercados para os seus produtos agroindus-triais, com grande relevância para as cadeias curtas de comercialização em que a proximidade das relações agricultores-consumidores é o atributo principal que define a qualidade dos alimentos; (d) geração de novos conhecimentos contextuais entre os atores e instituições que retroalimentam a experiência e os processos de agroindustrialização, fazendo com que as mesmas evoluam continuamente no tempo.

Para aquelas famílias que conseguem se consolidar nessas novidades, os efeitos das agroindústrias rurais são fáceis de serem identificados: (i) ocorre o aumento da renda; (ii) diversificação das atividades econômicas e produtivas das propriedades; (iii) maior acesso a bens, produtos e serviços locais; (iv) melhoria da satisfação pessoal, da autoestima, alimentação e em alguns casos das condições ambientais; (v) o nível de informação se amplia em várias áreas do conhecimento; (vi) há melhorias no acesso aos serviços de saúde, educa-ção e lazer; (vi) aumentam e melhoram as relações com atores, instituições externas e com os mercados, com a consequente ampliação das interfaces dos indivíduos e das famílias com outras iniciativas, projetos, atividades, fóruns, reuniões, entre outras.

Algumas unidades maiores como as coletivas apresentam maiores reflexos na economia local, pois ampliam a arrecadação do município, movimentam um montante considerável de recursos no comércio e no setor de serviços, criam empregos na área do comércio e serviços e na unidade agroindustrial. As iniciativas individuais não têm efeitos tão claros e diretos na economia local, pois quase não criam empregos e movimentam poucos recursos, por serem iniciativas pequenas, frágeis e informais em alguns casos. Nos municípios nos quais foi criado um conjunto de agroindústrias ou em que há políticas locais claras de agregação de valor (por exemplo, programas municipais de agroin-dustrialização) os reflexos econômicos tornam-se mais visíveis e este processo é potencializado quando esta experiência age de forma coletiva construindo redes, associações ou cooperativas territoriais.

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