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A Psicosofia de Lao Tsé, Krishna e Buda segundo a espiritologia

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SICOSOFIA

DE

L

AO

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RISHNA

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UDA

S

EGUNDO

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SPIRITOLOGIA

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© do autor – 2012

Direitos reservados desta edição RiMa Editora

Rua Virgílio Pozzi, 213 – Santa Paula 13564-040 – São Carlos, SP

Fone/Fax: (16) 3411-1729 www.rimaeditora.com.br

Rua Nove de Julho, 1380 – Sl 21 Centro – 13560-042 – São Carlos, SP

Fone/Fax: (16) 3368-4329 M357p Marques, Adilson

A psicosofia de Lao-Tsé, Krishna e Buda segundo a espiritologia / Adilson Marques – São Carlos: RiMa Editora, 2012.

84 p.

ISBN – 978-85-7656-235-1

1. espiritologia. 2. Lao-Tsé. 3. Krishna. 4. Buda. I. Título. II. Autor.

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OLEÇÃO

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ULTURA DE

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EDIUNIDADE A coleção Cultura de Paz e Mediunidade foi idealizada para divulgar as sete pesquisas realizadas pelo projeto Homospiritualis, entre os anos de 2001 a 2010. Elas não foram feitas dentro das Universidades, porém, utilizaram heurísticas próprias das Ciências Humanas.

A mediunidade foi inserida no projeto Homospiritualis por volta de 2001, após a visita de dois médiuns kardecistas ao Cen-tro de Estudos e Vivências Cooperativas e para a Paz, um local onde diferentes atividades eram ofertadas à comunidade e grupos de estudos se reuniam. Com a inserção destes dois novos partici-pantes, a fenomenologia mediúnica se tornou a ferramenta prin-cipal para as pesquisas que abordaram os seguintes temas: a Apometria, a Umbanda, as técnicas de desobsessão, as filosofias orientais etc.

Em 2003, o projeto criou uma ONG para servir de laborató-rio para as pesquisas: a ONG Círculo de São Francisco, encerrada após a conclusão das mesmas.

Apesar de utilizar a suposta comunicação com os espíritos como recurso metodológico, é importante esclarecer que o projeto Homospiritualis não tem nenhuma posição fechada sobre o fenô-meno. Buscando conhecer as interpretações sobre esta manifesta-ção psíquica, encontramos seis diferentes hipóteses:

1. a mediunidade é fraude, charlatanismo; 2. a mediunidade é uma patologia mental;

3. o médium manifesta durante o transe informações presen-tes em seu próprio inconsciente;

4. o médium manifesta informações presentes no inconsci-ente coletivo da humanidade;

5. o médium é um instrumento do demônio;

6. o médium transmite informações de seres incorpóreos, os espíritos dos mortos.

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Apesar da existência das seis teorias acima e, possivelmente, de outras que não conhecemos, as pesquisas realizadas no projeto Homospiritualis não se preocuparam em teorizar sobre esse as-sunto, concentrando o seu esforço no conteúdo das mensagens transmitidas pelos médiuns que participaram do projeto. Assim, através da mediunidade coletamos informações e dados que fo-ram interpretados utilizando vários recursos e métodos das pes-quisas qualitativas em Ciências Humanas como a História oral, a Pesquisa-ação, a Etnografia, a Mitocrítica etc.

Este campo de pesquisa, original e que abre uma nova pers-pectiva acadêmica, recebeu, de nossa parte, o nome Espiritologia ou Ciências do Espírito.

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S

UMÁRIO

Apresentação ... 9

Introdução ... 13

Capítulo 1 – A psicosofia de Lao-Tsé comentada pelos espíritos ... 16

O não-lutar ... 22

A não-ação ... 24

O não-saber ... 24

O não-desejo ... 25

Capítulo 2 – A Psicosofia de Krishna comentada pelos espíritos ... 29

Capítulo 3 – A Psicosofia de Buda comentada pelos espíritos ... 44

Anexo... 73

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A

PRESENTAÇÃO

O livro “Evangelho segundo o espiritismo” é considerado um livro religioso pelos adeptos da Doutrina Espírita. Muitos chegam a afirmar que ele é a “bíblia do espiritismo”. Particularmente, não concordo com essa idéia. Em minha opinião, o livro é uma espécie de tratado de “ciências das religiões”, escrito através do método criado por Kardec, no século XIX: a coleta de dados através de entrevistas com prováveis espíritos, realizadas em reuniões mediúnicas organizadas com a finalidade de estudar um tema de interesse da humanidade através do diálogo com estes “seres incorpóreos”.

Por alguma razão, o método proposto por Kardec deixou de ser utilizado em grande parte do movimento espiritista. Hoje pre-domina o que alguns chamam de “espiritismo sem espíritos”. Além disso, o livro acima se tornou, realmente, uma espécie de “Bíblia” para alguns setores do movimento espiritista, sobretudo aqueles que tendem a se fechar para o estudo de outros ensinamentos espiritualistas, com medo de manchar a chamada “pureza doutri-nária”.

Porém, o livro nada mais é do que a opinião de alguns espíri-tos entrevistados por Kardec sobre os evangelhos canônicos. E, em nenhum momento, eles afirmam que não podem opinar sobre os evangelhos apócrifos ou, inclusive, sobre os livros sagrados de outras religiões, inclusive, as não-cristãs.

E isso se tornou evidente, para mim, em 2001, quando des-cobri a comunicação mediúnica. Até aquele momento, não mani-festava nenhum interesse pelo estudo do espiritismo. Minha pai-xão, desde a adolescência, sempre foi os ensinamentos místicos do Oriente e, por isso mesmo, a primeira coisa que fiz quando descobri a possibilidade de conversar com os “mortos” foi dialo-gar com eles sobre os ensinamentos de Lao-Tsé, Buda, Krishna e outros.

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A grande surpresa, nesse processo, foi descobrir que estes pro-váveis seres incorpóreos admiram e respeitam tais ensinamentos, não os interpretando como “errados”, “mistificações” ou incom-patíveis com os ensinamentos cristãos presentes no “Evangelho segundo o espiritismo”. Dentro de uma visão realmente laica, ou seja, de respeito por todas as manifestações religiosas, foi possível constatar que os espíritos são transreligiosos, respeitando todos os movimentos sagrados que ajudam na libertação espiritual do ser humano.

E neste livro, que encerra a coleção Cultura de Paz e Mediunidade, vamos apresentar a opinião dos espíritos que en-trevistamos sobre os ensinamentos de Lao-Tsé, Krishna e Buda, reunidos, respectivamente, em livros como Tao Te Ching, Bhagavad Gita e Dharmapada. Futuramente, em outra coleção, pretende-mos apresentar a opinião deles sobre os ensinamentos presentes em alguns evangelhos apócrifos, como é o de Tomé e o de Madalena e também sobre o Eclesiastes, um dos mais interessantes livros do Antigo Testamento, e também sobre o Sermão da Montanha, pro-vavelmente, a essência de todo o ensinamento cristão.

Mas é importante ressaltar também o motivo de chamarmos os ensinamentos de todos estes mestres de Psicosofia (expressão que estamos usando desde 2003 para representar uma sabedoria espiritual) e não, como normalmente acontece, de Psicologia ou de Filosofia. Com a expressão Psicosofia queremos realçar a di-mensão universal e atemporal destes ensinamentos, ao contrário do que ocorre com as disciplinas acadêmicas acima. Nesse senti-do, ao utilizarmos a expressão Psicosofia também enfatizamos o caráter místico (lembrando que misticismo não é superstição) que possuem, e sempre voltado para a “libertação espiritual” do ser humanizado, ou seja, do espírito preso ao ego.

Além disso, a expressão Psicosofia serve também para distin-guir os ensinamentos destes mestres das religiões criadas por seus discípulos ao longo da história da humanidade. Nenhum deles criou religião, no sentido tradicional deste termo, ou seja, pressu-pondo a existência de uma doutrina e de um ritual. Os ensinamentos que transmitiram transcendem essa dimensão

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limitadora das religiões e nos faz lembrar que, frequentemente, a espiritualidade não caminha de mãos dadas com as religiões, ape-sar delas merecerem todo o nosso respeito, pois são instrumentos ainda necessários nos chamados “mundos de provas e expiações”. A Psicosofia, portanto, é empírica, construída a partir de ex-periências místicas e transcendentais, como a meditação e outras práticas espiritualistas. Muitas vezes, a Psicosofia destes mestres se mistura, nas religiões criadas por seus discípulos, com supersti-ções e dogmatismos que vão caducando com o tempo, pois são construções sócio-culturais que sofrem a ação de Cronos, distan-ciando-se da força arquetípica e agregadora presente no ensinamento original.

Assim, a relação entre a Psicosofia e as religiões que se funda-mentam nela pode ser compreendida na paradoxal frase de Lao-Tsé: “quando todo o mundo reconhece o bem, enquanto bem, ele se torna o mal”. A religião transforma o ensinamento espiritual, que é algo para ser vivenciado cotidianamente, em algo a ser atin-gido, mediatizado por ela através da doutrina e do rito. Contradi-toriamente, a virtude valorizada no ensinamento original se torna inacessível, se perdendo no meio das abstrações e opiniões diver-gentes. A felicidade, o amor, a fé, a paz interior etc. se tornam menos reais na medida em que são tantos os meios criados (dou-trinas e rituais) para atingi-los, e cada vez mais rebuscados e com-plexos, que nos tornamos “alienados”, ou seja, esquecemos que as virtudes já estão dentro de nós, só precisando ser despertadas.

Quando passamos a buscá-las fora de nós, nas doutrinas e nos ritos religiosos, nossos esforços se concentram nos meios e, como afirmou Lao-Tsé, este caminho não conduz a nada. Ou me-lhor, conduz ao auto-engrandecimento (fortalecimento do Ego) e entra em conflito com o Tao (a fonte real de todo o Bem) e se autodestrói. É por isso que as religiões não são perenes, ao contrá-rio das Psicosofias.

E, em relação à Espiritologia, já apresentamos uma reflexão mais profunda sobre ela no primeiro livro desta coleção. De forma resumida, ela consiste no uso da História Oral para se entrevistar

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prováveis espíritos, através de reuniões mediúnicas organizadas para essa finalidade. Não temos, obviamente, como afirmar cien-tificamente se são espíritos e não o próprio inconsciente do mé-dium em transe que se manifesta. Pode até mesmo ser o “demô-nio”, como afirmam as religiões neo-pentecostais. Mas o fato é que alguém responde e é este “alguém” que estamos chamando, em tese, de “espírito”.

Durante toda a década da Cultura de Paz (2001-2010) tive-mos a Graça de poder estudar com estes “seres incorpóreos” os ensinamentos espirituais de vários mestres. E neste pequeno livro desejamos compartilhar com todos que amam o saber ou o estudo das coisas divinas, sem apego por particularismo ou exclusivismo religioso, as reflexões sobre as Psicosofias destes três mestres ori-entais, Lao-Tsé, Krishna e Buda.

São Carlos, 01 de janeiro de 2012 Dia Mundial da Paz

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I

NTRODUÇÃO

Religião e Ciência almejam a verdade. Porém, ambas partem de métodos distintos para estudar algum fenômeno. De forma geral, o método da Ciência é dedutivo e o da Religião baseado na expe-riência direta de um assunto espiritual. E como a expeexpe-riência reli-giosa nem sempre é possível de ser reproduzida em laboratório, muitos acreditam que o homem religioso e o homem cientifico se excluem reciprocamente.

Porém, a experiência mediúnica pode ser uma porta de entra-da para aproximar esses dois campos do saber. Ela pode ser uma experiência religiosa, pois envolve supostos espíritos e, ao mesmo tempo cientifica. E apesar de ela acontecer muitas vezes de forma espontânea e fragmentária, é possível ser observada a partir de métodos que permitam coletar dados e alcançar resultados objeti-vos.

Mas não estou preocupado com o fato mediúnico em si, com o objetivo de comprovar a vida após a morte, mas com o conteú-do das mensagens que os médiuns obtêm, seja por meio da psicografia (escrita), da psicofonia (verbalmente) e outros.

Minha primeira experiência mediúnica aconteceu em 2001, quando dois médiuns kardecistas foram me procurar no antigo Centro de Estudos e Vivências Cooperativas e para a Paz, hoje Núcleo de Animagogia e Práticas Bionergéticas Rosa de Nazaré. Eles disseram que foram até lá porque um espírito havia passado o meu nome e endereço.

Este espírito se identificava como dr. Felipe. Foi com ele que tive minha primeira experiência em conversar com um suposto morto. Na época, eu estava concluindo o meu doutorado na Fa-culdade de Educação da USP e comecei a idealizar um pós-douto-rado relacionado com mediunidade. Infelizmente, nenhuma ins-tituição de ensino superior que procurei se interessou pelo meu

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projeto de pesquisa, mas, mesmo assim, resolvi levá-lo adiante. E um dos temas que resolvi pesquisar foi a opinião dos supostos espíritos em relação aos ensinamentos orientalistas, que chamo de Psicosofia, particularmente os de Lao-Tsé, Krishna e Buda.

Muitos dos espíritos entrevistados afirmavam trabalhar no cen-tro acima, isto porque lá se realizavam práticas como hatha-yoga, tai-chi-chuan, meditação, entre outras. Ou seja, em tese, seria um local “frequentado” por espíritos orientais. As pesquisas envolve-ram vários médiuns, entre os anos de 2003 e 2008. Alguns eenvolve-ram totalmente inconscientes, ou seja, não se lembravam de nada do que os espíritos falavam durante as entrevistas. Mas alguns eram conscientes e tinham os que preferiam responder as perguntas por meio da psicografia.

Algumas entrevistas foram filmadas em vídeo, como as do espírito pai Joaquim de Aruanda, que se manifesta através do médium Firmino José Leite. Parte de sua fala sobre os ensinamentos de Buda podem ser acessadas no canal do projeto Homospiritualis, no youtube.

A partir de 2008 comecei a organizar o material coletado e fiz com ele algumas palestras, quase sempre em centros espiritualistas. Poucos são os chamados centros espíritas que acei-tam informações que não estejam já presentes nos livros de Kardec, mesmo que tenham sido obtidas através de espíritos. Estas infor-mações costumam ser classificadas como “não-doutrinárias”. Tam-bém cheguei a postar trechos deste livro em algumas listas de dis-cussão espírita na internet e fui acusado de estar postando textos sobre outras doutrinas e não sobre espiritismo.

Porém, apesar dos espíritos responderem questões sobre os ensinamentos de Lao-Tsé, Krishna e Buda, em nenhum momento eles fizeram críticas à doutrina espírita ou ao cristianismo. Ao contrário, sempre enfatizaram a unidade de todas essas Psicosofias. Assim, compreendi que apesar do assunto espírito e/ou mediunidade ser um tema religioso, é preciso partir de uma visão laica para se estudar algo através da mediunidade, ou seja, da consulta aos espíritos. Essa é uma necessidade básica para que

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haja um distanciamento em relação ao espiritismo instituído e se possa dialogar com estes seres de uma forma natural e espontâ-nea, sem a necessidade paranoica de julgar o que é ou não “anti-doutrinário”.

Os temas que foram discutidos nestas reuniões mediúnicas foram tirados de três clássicos da literatura oriental: o Tao Te Ching, de Lao-Tsé; a Bhagavad Gita, poema épico que faz parte do Mahabharata e o Darmapada, que reúne alguns dos sermões de Buda, compilados por seu primo Ananda.

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C

APÍTULO

1

A

PSICOSOFIA

DE

L

AO

-T

COMENTADA

PELOS

ESPÍRITOS

No meio espiritista, sobretudo para os que aceitam as comu-nicações de Emmanuel, suposto mentor espiritual de Chico Xavier, acredita-se que a civilização chinesa, em seus primórdios, foi uma das poucas que não foram constituídas por espíritos exilados de Capela. Quando teria iniciado o degredo daqueles espíritos, a ci-vilização chinesa já estava consolidada na Terra, afirma Emmanuel. Mas, mesmo assim, esta civilização também recebeu seus missio-nários, entre eles, Lao-Tsé.

Segundo os historiadores, não há comprovação de sua exis-tência. Alguns chegam a afirmar que o livro Tao Te Ching pode ter sido escrito por alguma confraria espiritualista. Outros levantam a hipótese de que ele viveu por volta do ano 570 a.C., tendo nas-cido em uma família nobre chinesa.

Com a espiritualidade obtivemos a informação de que ele existiu e que se tratou realmente de um espírito missionário que para cá foi enviado para auxiliar na “evolução espiritual da huma-nidade”, particularmente, da civilização chinesa, apesar da uni-versalidade de sua Psicosofia.

A história que cerca o livro também é singular. Afirma-se que pouco antes de abandonar a China para morrer em paz, foi inter-pelado por um guardião que lhe pediu para escrever um resumo de seus ensinamentos. Assim teria nascido o Tao Te Ching.

Para este estudo com a espiritualidade, optamos em usar a tradução realizada por Huberto Rohden, educador e filósofo universalista brasileiro. E as reuniões em que perguntas foram for-muladas aos supostos espíritos aconteceram entre os anos de 2003 e 2006. As respostas apresentadas a seguir já foram utilizadas

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tam-bém em diferentes cursos de Animagogia, uma proposta educativa que formulamos e cujos princípios básicos são os ensinamentos de Lao-Tsé, Krishna, Buda, Jesus, Espírito Verdade (que, em tese, respondeu as perguntas de Kardec, importantes para a sistemati-zação da Doutrina Espírita) e Mahatma Gandhi.

Como fizemos no livro anterior dessa coleção, após a respos-ta dos espíritos aos nossos questionamentos, apresenrespos-tamos um breve comentário à resposta.

Pergunta 01 – O que a espiritualidade pode nos dizer a respeito do livro Tao Te Ching?

Resposta – A resposta para esta indagação pode ser encontrada em O livro dos espíritos quando o Espírito Verdade diz a Kardec para estudar todas as doutrinas e filosofias, do passado e do presente. O espiritismo seria apenas a chave para a compreensão dessas sabedorias espirituais, que vocês chamaram de Psicosofia, e que são universais, portanto, que não estão vinculadas apenas a uma determinada cultura ou a um determinado tempo histórico. Elas são verdadeiros caminhos para vencer o mundo de provas e expiações.

Comentário – Podemos constatar o respeito aos ensinamentos de todos os tempos e lugares. E, curiosamente, O livro dos espíri-tos é citado para manifestar o valor do Tao Te Ching. A questão que fazem referência é a de número 628, na qual o Espírito Verda-de afirma que não há nenhum sistema filosófico antigo, nenhuma tradição, nenhuma religião a negligenciar, enfatizando: “não negligencieis, portanto, de haurir objetos de estudos nestes mate-riais: eles são muito ricos e podem contribuir poderosamente para a vossa instrução”. Infelizmente, são muitos os centros espíritas que não seguem essa orientação e, o que é pior, seus coordenado-res classificam quem estuda “outras doutrinas” de “não-doutriná-rios”, como se o estudo fosse uma espécie de heresia que pode, em tese, manchar a “pureza doutrinária” do Espiritismo.

Pergunta 02 – E qual é a melhor tradução deste livro?

Resposta – É aquela que chegar às suas mãos. Todas possuem uma finalidade providencial. O importante, porem, é ler com o coração. Quem ler os poemas que compõem o Tao Te Ching com a razão ficará preso à letra

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morta, não compreendendo seu significado profundo. Os maiores proble-mas são de interpretação e não de tradução. Para se recuperar o sentido profundo de seus ensinamentos hoje em dia já se fala em laoísmo para diferenciar a obra de Lao-Tsé das práticas exotéricas e supersticiosas cria-das pelos taoístas ao longo dos milênios.

Comentário – Como salientamos na introdução deste livro, a Psicosofia tem um fundamento universal. Porém, com frequência, ela se mistura com superstições, rituais e outras necessidades do ego, ou seja, do ser humanizado. O mesmo aconteceu com os ensinamentos de Lao-Tsé nas mãos de muitos taoístas. Porém, por ser um ensinamento universal, o Tao Te Ching se mantém sempre atual, enquanto os rituais, panacéias e outros produtos culturais do taoísmo têm seus momentos de apogeu e crise, como acontece com todas as produções religiosas. A compreensão espiritual dos poemas é praticamente impossível se não usarmos a intuição. Mui-tas vezes, ao lermos os poemas, parece que estamos diante de uma contradição. Porém, os ensinamentos de Lao-Tsé estão transitando pelos dois pólos arquetípicos e complementares: o Yin e o Yang. Independentemente da tradução, a mente intuitiva é capaz de acessar a dimensão numinosa, a essência espiritual desta Psicosofia.

Pergunta 03 – O Teo Te Ching teria sido um livro inspirado pela

espiritualidade?

Resposta – Obviamente. Nenhum livro é escrito sem a interferência da espiritualidade. Porém, como há várias moradas no reino de Deus, existem vários tipos de espíritos intuindo os escritores. Cabe a cada um escolher a companhia que vai querer ao seu lado, uma vez que os iguais se atraem. E Lao-Tsé foi a personalidade vivenciada por um espírito de muita Luz e que foi convidado para a missão que realizou na China. E no caso do Tao Te Ching podemos afirmar que foram também espíritos superiores que intuíram Lao-Tsé na hora de confeccionar seus belos poemas universalistas. A China foi uma das grandes civilizações do passado que não precisou dos exilados de Capela para se desenvolver. Ao contrário do Egito para onde foram encarnar os espíritos mais evoluídos, entre os exilados, e do povo judeu, onde encarnou os espíritos exilados mais orgulhosos e fanáticos, a

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China contou com o amparo da espiritualidade, mas sem precisar do “em-purrão” que os exilados empreenderam em outros povos.

Mesmo assim, o Tao Te Ching foi um dos primeiros manuais que serviram para orientar a evolução dos espíritos, inclusive de muitos exilados de Ca-pela, que começavam aqui uma nova aventura reencarnatória. Gradativamente, os ensinamentos ali registrados chegavam até outros po-vos, através do intercâmbio cultural, influenciando outros missionários, apesar dos chineses terem criado uma civilização extremamente fechada. O importante é que, o que Deus quer deve ser. Quando um ensinamento precisa chegar a um determinado lugar, ele chega, não importa como. Comentário – Segundo Edgard Armont e outros estudiosos, há cerca de 10 mil anos atrás, teria acontecido um exílio de espíritos rebeldes para a Terra. Estes espíritos não estavam em condições de continuar “evoluindo” naquele outro sistema solar e passaram a encarnar na Terra. Acredita-se que tais espíritos não eram evolu-ídos moralmente, apenas intelectualmente. A presença deles na Terra teria proporcionado a mudança que os antropólogos apon-tam entre o período paleolítico e o neolítico, com a domesticação dos animais, o surgimento da agricultura e outros avanços tecnológicos e culturais. E como os iguais se atraem, os espíritos afirmam que, mesmo entre os capelinos, havia diferenças evolutivas, de forma que os mais “evoluídos” entre eles foram encarnar, primeiramente, no Egito. Por sua vez, os mais “orgulho-sos e fanatizados”, começaram sua aventura encarnatória na Ter-ra no meio do povo judeu. Mas é importante salientar que a res-posta acima não manifesta preconceito étnico-racial, uma vez que os espíritos, em tese, encarnam em todas as raças, etnias e, inclu-sive, gênero. Por exemplo, o mesmo espírito poderia, em uma encarnação, nascer no Egito como mulher e, na seguinte, como um homem judeu.

No caso da China, apesar de ser um ensinamento ético, o confucionismo, talvez a principal escola filosófica rival ao taoismo de Lao-Tsé, e que chegou a ser considerada a religião oficial da China durante muito tempo, não consegue aceitar a espontanei-dade e não se abre para uma vida simples baseada nos fluxos da natureza. O Tao Te Ching, nesse sentido, vem sempre lembrar o

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ser humano da necessidade de se voltar para a verdadeira vida, a do espírito, relativizando a necessidade do controle exterior, do Estado forte e presente na vida cotidiana da população etc. Mes-mo com toda a burocratização e excessos de rituais, as coisas invi-síveis nunca deixam de existir.

Pergunta 04 – E qual foi a proposta espiritual do livro, uma vez que os poemas muitas vezes parecem não ter sentido?

Resposta – Ao longo dos 81 poemas que o compõem, o Tao Te Ching afirma que o ser humano não está preparado para compreender a natureza intrínseca de Deus. A razão humana não é suficiente para realizar essa proeza. E isso também foi dito para Kardec, em meados do século XIX. Os espíritos disseram para Kardec que falta ao encarnado um sentido para compreender a natureza intrínseca de Deus, exatamente o que afirma o Tao Te Ching.

Além disso, o livro de Lao-Tsé traça um roteiro, através das virtudes nele anunciadas, para o “regresso ao lar”, ou seja, para que o espírito eterno volte para os braços de Deus, de onde saiu. Tais virtudes seriam a “não-ação”, o “não-lutar”, o “não-saber” e o “não-desejo”, todos também ensi-nados pelo cristianismo, apesar de nem todos os que se dizem cristãos terem essa compreensão. Ao longo do tempo, estas virtudes foram interpretadas de forma errônea, perdendo seu sentido espiritual e orientando diferentes práticas religiosas desvinculadas da proposta original, como frequentemente acontece até hoje com todos os ensinamentos, por exemplo, com os de Buda e de Jesus, no passado, e com os do Espírito Verdade, atualmente.

Comentário – O Livro dos Espíritos, apesar de trazer como infor-mação que Deus seria a inteligência suprema e a causa primária de todas as coisas, na questão 10 afirma que não temos como compreender a natureza íntima de Deus. Nesse sentido, os espíri-tos entrevistados por Kardec sugerem que devemos aceitar que Deus existe e não nos preocupar com nenhum sistema. De certa forma, é a visão de Buda e de Lao-Tsé. Ainda segundo este último, qualquer reflexão sobre o Tao, seja ela sistemática, ativa, contemplativa etc. isola o indivíduo dessa força oculta de toda a vida e de toda verdade. E as quatro virtudes, em síntese, vão além da visão ética de Confúcio, da idéia de que devemos tratar os outros da forma como gostaríamos que os outros nos tratasse. Essa idéia ainda pressupõe uma concepção particular de Bem que

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gostaríamos de impor aos outros. Lao-Tsé acredita no Bem que já trazemos dentro de nós e que pode ser vivenciado plenamente quando não elaboramos conscientemente metas para a nossa evo-lução. Assim, ao parar de racionalizar, de fazer planos etc. come-çaríamos, realmente, a nos “elevar”. E isso aconteceria natural-mente, sem nos aperceber do processo.

As quatro virtudes formam um programa prático que revela uma simplicidade Franciscana, destituída de doutrinas, rituais e qual-quer tipo de busca exterior, como podemos compreender em um dos ensinamentos de Chuang Tzu, um dos que mais compreen-deu e viveu a Psicosofia de Lao-Tsé: “você só encontrará a felicida-de quando parar felicida-de procurá-la”.

Pergunta 05 – Vocês poderiam comentar um pouco mais sobre a concepção de Deus segundo o Tao Te Ching?

Resposta – A palavra Tao já existia no vocabulário chinês, mas não com a concepção dada a ela no Tao Te Ching. Em muitos contextos, ela pode ser traduzida como “caminho”, mas não neste livro. No Tao Te Ching a tra-dução mais adequada seria Deus. Traduzir a expressão como “caminho” não é suficiente para abarcar todo o significado profundo proposto no texto. O caminho é a prática das virtudes.

Várias passagens podem ser pesquisadas para que vocês compreendam que a referência feita é a Deus, que para os espíritas é a Inteligência Suprema e a causa primária de todas as coisas. Assim, temos diversas passagens que nos fornecem indícios precisos, como nos poemas 14 e 32. Portanto, tudo que pode ser compreendido pelo ser humano não é o Tao. O Tao está além das formas e das compreensões humanas. Mas é possível entrar em união com o inominável e invisível Tao através da vivência das quatro virtudes que estão presentes no poema, todos universais e atemporais. A prática destas virtudes é a vivência do Tao, ou seja, é o caminho para a nossa realização espiritual. E estes poemas deixam claro que o Tao precede e produziu tudo o que há entre o Céu e a Terra, em outras palavras, o Tao é a causa primária de todas as coisas.

Comentário – A visão de Lao-Tsé, como salientamos, é muito diferente daquela adotada por Confúcio. A própria “realização espiritual” se não for feita de forma desinteressada e espontânea

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não é a vivência do Tao, mas apenas outra forma de ilusão. E as quatro virtudes, como veremos abaixo, não são regras de compor-tamento. Elas são atitudes, ou seja, ações sentimentais que diferen-ciam o “sábio” dos outros, mesmo quando as ações exteriores de ambos sejam as mesmas: o coração do “sábio” está centrado no Tao e não em si mesmo. Assim, quem vive com o coração centrado no Tao, abandona a necessidade de querer compreender, julgar ou cri-ticar, pois o que hoje é “bom”, amanhã pode ser considerado “mau”. E aquilo que, por um ponto de vista, é considerado “certo”; por outro, é considerado “errado”. Com o coração centrado no Tao, o sábio simplesmente deixa o Tao operar nele e através dele.

E Deus, neste caso, não seria aquela concepção com a qual estamos acostumados: a de um senhor que pune ou premia de acordo com o seu humor. Como afirma o espírito que respondeu a pergunta, não temos como explicar Deus, é preciso apenas saber que ele existe e é a causa primária de todas as coisas, assim como o Tao para Lao-Tsé.

Pergunta 6 – E o que a espiritualidade pode dizer a respeito das 4 virtudes, segundo o Tao Te Ching?

Resposta – Todas elas são direcionadas pelo coração e não pela razão, isso deve ficar claro. Entender cada virtude sem praticá-la não é suficiente. E sua prática se resume ao amor incondicional. Mas esta prática é interior e não exterior. Aparentar vivenciar uma determinada virtude não passa de um comportamento meramente formal. No poema 27 temos uma alu-são de como é viver a vida humanizada pela ação do Espírito e não apenas na formalidade do ato exterior.

Comentário – a partir desse momento, os espíritos vão abordar cada uma das virtudes. Faremos nosso comentário após a apre-sentação delas.

O

NÃO

-

LUTAR

A primeira virtude anunciada no livro é o “não-lutar”. Se pensarmos que o sentimento que nutre a Terra em seu estágio de provas e expiações é o egoísmo, podemos compreender que o natural é o ser humano agir com motivações egoístas. Portanto, nossa atitude natural diante dos outros e

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da natureza é a de “lutar” para defender nossas verdades, nossos pontos de vista, nossos valores...

Dentro dessa perspectiva, “não-lutar” significa deixar de responder às agressões alheias com a mesma face. “Não-lutar” significa dar a outra face à vida, conforme Jesus também ensinou. Ou seja, da mesma forma que a moeda possui sempre duas faces, se alguém vem para cima de você com ódio, colocar em prática o “não-lutar” é dar a ele a outra face: o amor. O “não-lutar” é exatamente isso. As pessoas agem inconscientemente moti-vadas pelo ódio, pelo orgulho, pela vaidade etc. Todas essas atitudes afas-tam o ser humano do Tao, de Deus. E a prática do “não-lutar” é inverter esse ciclo. É dando sempre a outra face que se pratica o “não-lutar”. É dando amor para todos, inclusive para aqueles que nos ofendem. A oração de São Francisco também diz a mesma coisa: perdoar sem ser perdoado, compreender mesmo não sendo compreendido... Esse é o sentido do “não-lutar”. Não importa o que o outro fez ou falou, cabe aquele que diz seguir os ensinamentos de Lao-Tsé ser sempre amoroso. Mas ser amoroso não quer dizer ser bobo ou “bonzinho”. Em algumas situações é necessário ser enérgico, porém agindo amorosamente e não com ódio. Foi assim que Jesus expulsou os vendedores do templo. Ele precisou ser enérgico, mas, interior-mente, agiu com a bondade pura de seu coração.

Para uma pessoa que não compreenda o seu significado profundo, “não-lutar” passa uma impressão de passividade, de aceitação de tudo o que nos acontece. Mas, ao contrário, ela exige muita ação, sobretudo interior. Uma vez que a nossa tendência como ser humano é a de reagir às agressões do mundo de provas e expiações com a revolta, com o desejo de vingança ou com o ódio, é preciso ser muito forte para “não-lutar”.

Por isso o “não-lutar” é uma virtude. Independentemente de qual for sua ação exterior, ele é praticado sempre que agimos com paciência, somos in-dulgentes e colocamos em prática o perdão das ofensas. Aliás, no século XX, Mahatma Gandhi afirmou que o perdão é a arma dos fortes, já que os fracos não sabem perdoar.

Enfim, para que possamos falar das outras virtudes, vocês sabem o que é a caridade segundo a Doutrina Espírita? Está em O Livro dos Espíritos: é ser benevolente, indulgente e perdoar. Ou seja, ser caridoso é praticar o “não-lutar”.

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A

NÃO

-

AÇÃO

A segunda virtude presente no Tao Te Ching é a “não-ação”. Ela é idênti-ca à primeira, porém, não aborda a forma sábia de reagir à ação alheia. Agora, Lao-Tsé nos ensina como devemos agir. Em outras palavras, como deve ser a nossa iniciativa.

Como salientamos, a tendência do ser humano é agir motivado pelo egoís-mo, o sentimento que nutre os mundos de provas e expiações. Enquanto fizermos isso, não viveremos Deus dentro de nós. Porém, quando tomarmos consciência e, voluntariamente, passarmos a agir de forma naturalmente amorosa, estaremos colocando em prática a “não-ação”.

Em suma, “não-agir” não é ficar inativo, não fazer nada. Não é ficar de braços cruzados deixando a vida nos levar, mas deixar de pautar a nossa existência pelo sentimento básico que move a humanidade: o egoísmo. Não foi por acaso que o Espírito Verdade ensinou Kardec que o maior dos males da humanidade é justamente o egoísmo. É esse sentimento que preci-sa ser atacado pela raiz e a prática da “não-ação” vipreci-sa exatamente esse objetivo. E essa mudança é interior e não exterior. Não adianta fingir participar de um ato amoroso enquanto a atitude, a ação sentimental, não for amorosa. Até dar um prato de comida para quem precisa pode ser uma ação egoísta. Tudo depende da intenção que está por trás de cada ato. “Não-ação” também traz em si o sentido profundo da palavra abnegação. Nos poemas 13 e 24 encontramos o lirismo de Lao-Tsé exaltando o cami-nho para vencermos as tribulações das vicissitudes humanas e pautarmos nossa existência pela renúncia ao egoísmo, o que significa agir no teatro da vida humanizada com desinteresse e humildade.

É por isso que a “não-ação” não pode ser confundida com sujeição à pobre-za ou à servidão. A “não-ação” é sempre interior e não exterior como pode-mos contemplar no poema 67. E ela nos ajuda a ser desapegados na pros-peridade e também pacientes na adversidade.

O

NÃO

-

SABER

A terceira virtude é o “não-saber”. Será que Lao-Tsé queria que todos parassem de estudar ou que se confinassem na ignorância? Obviamente que não. Acontece que o saber, conforme organizado na Terra, estimula o

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orgulho, a vaidade, a pompa dos títulos acadêmicos e outras coisas que afastam as pessoas de Deus. Lembremos que conhecimento não é sinônimo de sabedoria. E Lao-Tsé está se referindo ao conhecimento que mata o espírito por estar limitado apenas à apreensão dos sentidos e à mente consciente. O conhecimento que nos afasta do Tao é apresentado no poema 12 e é ele que precisa ser transcendido. Daí Lao-Tsé ensinar a importância do “não-saber”.

Para quem quiser viver Deus em seu coração, ele recomenda a prática do “não-saber”. E qual seria o saber que realiza o Tao? Seriam todos que tornam a pessoa mais humilde, mais tolerante, mais amorosa. O sábio está consciente do seguinte fato: tudo aquilo que percebemos não é o Real. Tudo o que percebemos é manifestação do Tao, mas o importante são as forças que se ocultam por trás dos fenômenos captados pelos sentidos e refletidos pela mente consciente. É por isso que ele afirma que os conheci-mentos humanos não são capazes de atingir a natureza real das coisas, mas são fortes para criar orgulho e vaidade naquele que acha que sabe alguma coisa. Não é à toa que encontramos também no Eclesiastes a se-guinte afirmação: “aquele que aumenta sua ciência aumenta sua dor”. E a essência do “não–saber” pode ser lida no poema 6 quando ele nos exorta a praticar o verdadeiro saber: “o que torna simples o coração”.

O

NÃO

-

DESEJO

E a quarta e última virtude é o “não-desejo”. E Lao-Tsé afirma que nin-guém consegue viver sem desejar. Desejar é algo inerente ao ser humano. Porém, deixando-se guiar pelo instinto, cada um só terá desejos egoístas. Por isso ele ensina o “não-desejo” que nada mais é do que canalizar o desejo para um único objetivo: realizar o Tao, ou seja, vivenciar Deus cotidianamente.

E para fazer isso o roteiro já foi apresentado acima; está na prática das demais virtudes: o “não-lutar”, a “não-ação” e o “não-saber”.

Podemos ver que a essência do Tao Te Ching não se choca com os ensinamentos de Jesus. Aliás, as quatro virtudes acima estão sempre pre-sentes nos ensinamentos do mestre Galileu.

Como em todas as religiões, o problema é quando o ensinamento deixa de ser vivido e em seu lugar os discípulos criam infinitos rituais e dogmas. Os

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ensinamentos presentes no Tao Te Ching são universalistas e atemporais. O livro é um roteiro seguro para quem pretende vencer o mundo de provas e expiações. E foi com esse intuito que ele foi escrito.

E como disse Jesus, “seja feita a Vossa vontade”. Ao falar assim estava nos estimulando para a libertação do desejo de conquistar os tesouros que a traça rói, os ladrões roubam e a ferrugem consome. Os objetos de nossos desejos são como miragens que nunca nos satisfazem. Quando conquistamos aquilo que desejamos, nossa satisfação dura pouco e logo passamos a desejar outra coisa, nos envolvendo em um ciclo vicioso que nos traz apenas sofrimento, ansiedade e preocupação. Mesmo assim, o “não–desejo” não quer dizer que vamos conseguir ficar sem desejar, já que isto é impossível. Mas podemos fazer com que os nossos desejos sejam canalizados para que sejam os mesmos que o do Tao. Em suma, que seja feita a Vossa vontade e não a nossa. Em outras palavras, o “não-desejo” não quer dizer apatia e nem resigna-ção, no sentido de aceitação passiva de tudo o que acontece, mas uma compreensão ativa de que somente recebemos o que necessitamos e merece-mos, naquele determinado momento de nossa vida humanizada, em fun-ção do que plantamos no passado. Não há decepfun-ção quando se pratica o “não-desejo”. Além disso, a simplicidade de coração nos faz amar tudo aquilo que nos acontece ou que faz parte do nosso destino, pois temos a certeza de que não há uma só circunstância, prazerosa ou não, que não possua um ensinamento superior para aprendermos.

A prática do “não-desejo” nos leva a agradecer tudo o que o Tao nos dá. Ao compreender que não se vive das circunstâncias materiais, mas da essência que se oculta por trás delas, o nosso único desejo passa a ser a busca por nossa realização espiritual, o que é feito quando praticamos as demais virtudes, que estão inteiramente integradas.

É por isso que encontramos a caridade na essência do “não-lutar” e da “não-ação” e a humildade e a simplicidade na prática do “não-saber”. Colocar tais virtudes em prática passa a ser o nosso único desejo, como ensina Lao-Tsé no poema 57. Quando os espíritos dizem que fora da caridade não há salvação, estimulam o “não-desejo”. Ou seja, buscam estimular o espírita a pautar sua vida por um único desejo: a prática da verdadeira caridade (ser benevolente, indulgente e perdoar). Quando as quatro virtudes são colocadas em prática, viver para o espírito ou para o Tao deixa de ser uma crença consoladora, tornando-se uma certeza

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indestrutível. Liberto do orgulho e dos tentáculos do egoísmo, a pessoa se torna de fato humilde. Ao chegarmos a esse ponto, podemos dizer que o caminho, que começou com um pequeno passo, foi, finalmente, percorrido. Comentário – São muitos os ensinamentos apresentados acima, mas vou começar pela compreensão da impermanência das coi-sas. Os ensinamentos de Lao-Tsé valorizam a aceitação de tudo o que acontece de bom grado, pois tudo que vem do Tao é “bom”. A luz não existiria sem as trevas, o dentro sem o fora, o alto sem o baixo, o vazio sem a forma etc. E tudo o que acontece ou existe serve para exercitar o que, de fato é importante, por exemplo: a paciência, o desapego, a gratidão etc. Apesar dos inúmeros mos-teiros e eremitérios taoistas, Lao-Tsé não defende o isolamento da vida profana. Ao contrário, é dentro dela que o sábio deve viver com o coração ligado no Tao. Ou seja, observando como ele opera na natureza e imitando-o, fazendo o que precisa ser feito, mas sem fadiga; e sendo útil aos outros, de forma indiscriminada e universal, sem ressentimento ou discriminação.

Apesar de não encontrarmos reflexões que nos levem a pensar na ideia de destino ou fatalidade, nos ensinamentos de Lao-Tsé en-contramos certa analogia com a distinção que existe na língua francesa entre as palavras destin e destinée. A primeira se refere a algo programado para acontecer e a segunda se refere ao como podemos nos relacionar com o que acontece. Ou seja, podemos usar o que acontece para crescermos ou não. Por exemplo, imagi-nemos um jogo de cartas. Ao distribuir as cartas, um jogador inexperiente pode pegar as melhores enquanto um jogador mais hábil pega as “cartas fracas”. Vamos dizer que essa distribuição seja o destino. Porém, enquanto um recebeu do destino uma “mão boa” e não sabe o que fazer com ela, o outro recebeu apenas “lixo” e mesmo assim consegue “virar o jogo”. Poderíamos pensar ainda no resultado de um instrumento perfeito, com as melhores cordas e sonoridade, na mão de um musicista medíocre; nada de agradá-vel será produzido. Porém, um virtuoso violonista é capaz de criar uma bela e melodiosa harmonia mesmo tendo em suas mãos um instrumento faltando cordas.

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Assim, ser flexível, frugal, desprendido e tranquilo são caracterís-ticas do sábio. E, por isso, ao invés de se preocupar com o que acontece, o taoista vai procurar agir ou reagir diante daquela situ-ação ou fato sem se desligar do Tao: com espontaneidade, man-tendo seu coração sereno e a mente em paz diante de qualquer circunstancia “positiva” ou “negativa”, desapegando-se do que já passou e não sofrendo ou se angustiando com o desejo de querer que as coisas sejam diferentes do que realmente são.

E no que se refere às virtudes, é importante ressaltar que o contex-to em que aparecem no Tao Te King é bem diferente da visão confucionista, voltada para a reforma ou transformação da socie-dade. As virtudes ensinadas por Lao-Tsé servem para reconectar o ser humano à simplicidade do Tao, que age sem alarde e sem exi-gir “direitos autorais”. Esse aexi-gir desinteressado e benevolente está na essência das virtudes apresentadas acima e rompem com a dicotomia presente em algumas práticas psicoterapêuticas contem-porâneas que discutem tipologias comportamentais, classificando as pessoas em “ativas” e “reativas”. Nestas práticas, considera-se o comportamento “ativo” como o mais adequado e o comportamen-to “reativo” como algo negativo e que deve ser superado. Porém, como vimos nos ensinamentos sobre o “não-lutar” e a “não-ação”, o importante seria o agir ou o reagir de forma desinteressada e benevolente, em outras palavras, com o Tao no coração. O agir ou o reagir com egoísmo só afastaria o ser humano do Tao.

E toda essa reflexão parte de uma constatação fácil de compreen-der, mas difícil de colocar em prática: a ideia de que todos nós somos espíritos sem mácula. Porém, coberta pelas névoas da pai-xão e dos desejos, a maioria das pessoas (espíritos encarnados) passa a vida inteira inconsciente desta realidade. As virtudes ensi-nadas por Lao-Tsé visam redescobrir o tesouro oculto e adormeci-do dentro de cada um e viver a vida humanizada à sua Luz, por-tanto, com equanimidade, serenidade e alegria, não importando o que aconteça.

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C

APÍTULO

2

A P

SICOSOFIA

DE

K

RISHNA

EXPLICADA

PELOS

ESPÍRITOS

A Bhagavad Gita é um pequeno poema, dividido em 18 par-tes, que apresenta, basicamente, quatro grandes ensinamentos:

1. a fé plena em Deus, a inteligência suprema e causa primá-ria de todas as coisas;

2. a lei inexorável do carma regendo todas as nossas ações; 3. as três possíveis atitudes humanas diante de qualquer fato; e 4. a maneira para libertar-se da roda das encarnações (samsara), fazendo exatamente o que precisa ser feito, mes-mo que seja lutar em uma guerra e destruir o exército rival. Para compreender a Psicosofia de Krishna é preciso levar em consideração o que na Antiguidade se chamava de sapiência e que se processa intuitivamente. Ela produz sabedoria e não conheci-mento, como faz a ciência, uma ação humana fundamentada no intelecto racionalista e em métodos dedutivos. Para muitos, a Bhagavad Gita não passa de uma grande “bobagem mística”. Mas para quem aprecia o sabor da sabedoria universal, é um deleite para a alma que se reencontra, mesmo que seja através dos ele-mentos do próprio ego.

A racionalidade instrumental, que utilizando a própria refe-rência da Bhagavad Gita poderia ser chamada de “rajas”, não é capaz de compreender que o “correto-agir”, ou seja, a maneira de se relacionar com o mundo fenomênico de forma a se libertar do samsara (ou seja, da roda das encarnações) não está no que é feito, mas no como aquilo foi feito. Por exemplo, parece uma contradição o fato de Arjuna ser incitado por Krishna a lutar e a matar os seus próprios parentes em uma sangrenta guerra para alcançar sua liber-tação espiritual. Porém, esta será alcançada se ele conseguir agir de forma desinteressada, sem apego ou aversão, sem ódio em seu

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cora-ção e sem se prender aos frutos desse ato material. Ou seja, libertar-se do samsara é passar por uma porta para lá de estreita.

E esse é o desafio de Arjuna, um guerreiro que se encontra entristecido e pensa em desistir de lutar, se entregando ao exército rival quando descobre que este é formado por seus próprios paren-tes. E, imerso na angústia, implora a Krishna que o ensine o que deve ou não fazer. E assim tem inicio a Psicosofia de Krishna, ensi-nando ao jovem guerreiro que por mais que tente fugir de sua mis-são, sua natureza interior o impele a agir. E mostrando sua face terrífica, Krishna mostra a Arjuna que Ele já derrotou o exercito rival e que as mãos do guerreiro serão apenas os instrumentos para que a ação carmática ocorra. Ou seja, a guerra vai acontecer de qualquer jeito, uma vez que Deus seria a causa primária de todas as coisas, inclusive das desagradáveis para a ótica humana. Mas Arjuna tem o livre-arbítrio para escolher a atitude, ou seja, a ação senti-mental ou interior. Ele pode agir com sabedoria, libertando-se do samsara, ou não, permanecendo preso à roda das encarnações.

Particularmente, acredito que há muita semelhança entre a Psicosofia de Krishna e a do Espírito Verdade, que fundamenta a doutrina espírita. E é sobre essa possível relação que conversamos com alguns espíritos em reuniões mediúnicas criadas para esse objetivo na antiga ONG Círculo de São Francisco, entre os anos de 2003 e 2006.

Pergunta 01 – Vários ensinamentos que estão em O Livro dos Espíritos são similares aos que aparecem na Bhagavad Gita, porém, quase todos os livros espíritas reforçam que o espiritis-mo seria uma filosofia cristã, considerando o espiritisespiritis-mo a “ter-ceira revelação” cósmica, menosprezando, assim, todo ensinamento milenar do Oriente, isso não seria um equivoco?

Resposta – se pensarmos com a mentalidade do século XXI, sim; mas no século XIX a Europa ainda estava descobrindo as riquezas espirituais do Oriente. Mesmo na época de Jesus, muitos dos ensinamentos que ele trans-mitiu e que chegaram até os dias de hoje também são similares aos que aparecem em livros como a Bhagavad Gita, o Tao Te Ching e outros. E isto porque são ensinamentos universais, transmitidos por verdadeiros avatares, ou seja, enviados de Deus.

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No século XIX, o espiritismo veio trazer um novo alento ao movimento cristão, introduzindo de forma mais enfática a ideia da reencarnação e revalorizando positivamente a mediunidade. Não estranhem se daqui a alguns séculos o Livro dos Espíritos esteja fazendo parte da Bíblia. Os vários livros que compõem a Bíblia foram escritos ao longo do tempo. Dos textos de Moises até o Novo Testamento passaram-se milênios. Assim, quando a ciência comprovar a existência da vida após a morte, a realidade da comunicação mediúnica e a reencarnação, o movimento cristão sofrerá uma grande transformação e o livro de Kardec será lido com outro olhar e aí vocês vão entender porque o espiritismo é considerado a “terceira revela-ção” dentro do movimento cristão, que se inicia com a reforma protestante e tem no mediunismo do século XIX e XX o seu auge. Porém, dentro de uma perspectiva mais ampla, ou mais universalista, obviamente que não se pode negar a importância e o valor dos ensinamentos orientais, princi-palmente estes que compõem a Bhagavad Gita.

Comentário – O movimento espírita, de forma geral, considera o espiritismo como sendo o “cristianismo redivivo”. Um ex-presi-dente da Federação Espírita Brasileira chegou a escrever que o “espiritismo não é mais uma religião, mas a religião”. Infelizmen-te, essa visão dogmática e exclusivista impede uma compreensão mais holística ou transreligiosa, compreendendo que todos os ensinamentos espirituais (Psicosofias) se complementam e que a maior parte dos ensinamentos que compõem a doutrina espírita esta presente não só no Novo Testamento, mas também, entre outros, nos ensinamentos de Lao-Tsé, Krishna e Buda. Particular-mente, de todos os ensinamentos espíritas, o único que me parece original é a afirmação de que antes de encarnar o espírito escolhe um gênero de provas, informação que aparece na questão 258 e seguintes de O livro dos Espíritos.

Pergunta 02 – Alguns autores dizem que a Bhagavad Gita está para o Mahabaratha assim como o Sermão da Montanha está para a Bíblia. Essa comparação é correta?

Resposta – Sim, estes dois textos formam a essência dos ensinamentos védicos e cristãos, respectivamente. E os ensinamentos são os mesmos, focando na superação das verdades criadas pelo ego, portanto, das verdades ilusó-rias que prendem o espírito à roda das encarnações até que ele adquira a

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sabedoria que liberta. Podemos inserir neste rol também o Tao Te Ching, de Lao-Tsé.

Comentário – Huberto Rohden, pensador brasileiro criador da filosofia univérsica também enxerga semelhanças entre os três tex-tos, demonstrando a unidade e o valor universal e atemporal des-tas três grandes Psicosofias. Da mesma forma que a Bíblia não foi escrita de uma única vez, mas reúne diferentes livros escritos em épocas diferentes, muitos até contraditórios, o mesmo aconteceu com o épico Mahabharata. Porém, a essência do cristianismo está no Sermão da Montanha que guarda muita semelhança com os ensinamentos abaixo, presentes no capítulo 04, versículos de 18 a 22, da Bhagavad Gita:

18. Quem age sem perder o repouso interno, e quem vê ativi-dade na inativiativi-dade – este é um sábio, quer ativo, quer inativo, sempre realiza o seu dever e age corretamente.

19. O seu trabalho é livre da maldição do egoísmo; o seu desejo de recompensa foi consumido no fogo do conhecimento sagra-do – este é um santo, porque santo é o espírito que o anima. 20. Não se compraz em nenhum fruto do seu trabalho nem se apega a objeto algum da natureza; habita, sempre sereno, na paz do seu eu, porque sabe que não é ele que age, mesmo quando realiza alguma obra.

21. Não espera lucro e nem receia perda; vive todo em si mes-mo, senhor dos seus sentimentos e pensamentos, enquanto age, rei no reino da alma.

22. Habita puro no meio dos impuros; aceita com serenidade todos os acontecimentos; nenhuma adversidade o abate, ne-nhuma prosperidade o exalta; ele é sempre o mesmo.

No texto acima e no Sermão da Montanha, não encontramos uma infinidade de fatos ou de informações, mas ensinamentos univer-sais que originam uma verdadeira Psicosofia inspirada pela sapiên-cia divina e que ciênsapiên-cia humana nenhuma é capaz de compreender racionalmente, pois a singeleza e “pobreza de espírito” da Bhagavad Gita e do Sermão da Montanha ferem a lógica do ego humano.

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Pergunta 03 – A grande polêmica que envolve a Bhagavad Gita está no fato de Krishna estimular Arjuna a lutar e derrotar seus inimigos, no caso, seus próprios parentes. Para alguns, este fato mostraria uma apologia da violência e não da paz. Outros, pen-sando nisso, não aceitam a leitura literal, afirmando que se tra-ta de uma simbologia, de um diálogo figurado entre o ego, re-presentado por Arjuna, e o Espírito, rere-presentado por Krishna. Assim a ênfase seria a luta contra o ego, ferindo-o, matando-o. Qual das duas é a correta?

Resposta – as duas interpretações são corretas. Podemos tomar o texto de forma figurada, entendendo como um diálogo libertador entre o ego e o Espírito, mas também no sentido literal, desde que compreendamos o texto como um todo, não parando em um parágrafo específico.

Quando Krishna diz para Arjuna lutar e derrotar os seus inimigos, ele contextualiza a questão, mostrando que a atitude é que importa e não o fato em si. E esse mesmo ensinamento é ensinado para Kardec, quando o Espírito Verdade afirma que Deus julga a intenção e não os fatos (questão 747 e outras de O Livro dos Espíritos). Além disso, Krishna ensina a lei do carma, mostrando que cada um precisa passar por determinadas situações e que Deus é a causa primária de todas as coisas, inclusive das terríficas. Ele mostra para Arjuna que os inimigos já foram mortos e que os braços do guerreiro são apenas os instrumentos (“O meu poder já derrotou o inimi-go – seja o teu braço apenas o instrumento do meu poder” – capítulo 11, versículo 34) que utilizará para realizar a ação carmática daquele grupo. Porém, após ensinar sobre a fatalidade, ou seja, de que ninguém consegue ficar sem agir, pois todos são compelidos para fazer o que precisa ser feito, Krishna vai ensinar a Arjuna qual deve ser a atitude correta, já que, do fato em si, ele não tem como escapar por ser um guerreiro e agir de acordo com sua natureza interior guerreira.

E vocês podem encontrar o mesmo ensinamento em O Livro dos Espíritos, no resumo teórico da motivação das ações do homem, no capítulo X, do livro III. Aqui, é possível notar que Kardec compreendeu que o livre-arbí-trio foi exercido antes da encarnação e que existe a fatalidade, não como acaso ou questão de sorte ou azar. A fatalidade está nos acontecimentos que se apresentam, mas jamais nos atos da vida moral. Assim, é na esco-lha da atitude com a qual vai lutar que está o livre-arbítrio de Arjuna. Ele

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não tem como fugir do combate; sua própria natureza o levará a lutar e, no caso, exterminar o exército rival.

Aqui também podemos encontrar relação com os ensinamentos do Espírito Verdade. Como ensina Kardec, é na morte que estamos absolutamente sub-metidos à fatalidade, pois não temos como fugir do gênero de morte que deve interromper uma encarnação. Assim, seja por prova ou expiação, os parentes de Arjuna precisavam morrer em um combate. Portanto, eles não têm como escapar dessa fatalidade. E a guerra, como também explica o Espírito Verda-de, é necessária para o progresso e para a liberdade humana (questão 742 e seguintes de O Livro dos Espíritos). Um dia ela acabará sobre a Terra, mas enquanto for necessária, fará parte dos objetivos da Providência.

Comentário – No capítulo 01 do livro, encontramos Arjuna an-gustiado e sofrendo por não querer lutar. Ele diz que prefere mor-rer a matar seus parentes. Nesse momento, podemos dizer que Arjuna ainda pensa como ser humano e não como um Espírito eterno. No capítulo 02, Krishna vai mostrar a ele que o Espírito não morre e não é afetado pela matéria e ensina, nos capítulos seguintes, que o verdadeiro sábio age sempre com equanimidade, sem perder a paz interior e sem apego ou aversão a absolutamente nada do que acontece no mundo fenomênico, e faz o que tem que fazer sem se prender aos frutos de sua ação.

Os versículos de 12 a 15 e os de 22 a 27, do segundo capítulo, são elucidativos a esse respeito:

12. Nunca houve tempo em que eu não existisse, nem tu, nem algum desses príncipes – nem jamais haverá tempo em que algum de nós deixe de existir em seu Ser real.

13. O verdadeiro Ser vive sempre. Assim como a alma incor-porada experimenta infância, maturidade e velhice dentro do mesmo corpo, assim passa também de corpo a corpo – sabem os iluminados e não se entristecem.

14. Quando os sentidos estão identificados com objetos sen-sórios, experimentam sensações de calor e de frio, de prazer e de sofrimento – estas coisas vêm e vão; são temporárias por sua própria natureza. Suporta-as com paciência!

15. Mas quem permanece sereno e imperturbável no meio do prazer e do sofrimento, somente esse é que atinge a imortalidade.

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22. Assim como o homem se despoja de uma roupa gasta e veste roupa nova, assim também a alma incorporada se despo-ja de corpos gastos e veste corpos novos.

23. Armas não ferem o Eu, fogo não o queima, águas não o molham, ventos não o ressecam.

24. O Eu não pode ser ferido nem queimado; não pode ser molhado nem ressecado – ele é imortal; não se move nem é movido, e permeia todas as coisas – o Eu é eterno.

25. Para além dos sentidos, para além da mente, para além dos efeitos da dualidade habita o Eu. Pelo que, sabendo que tal é o Eu, por que te entregas à tristeza ó Arjuna?

26. Se o ego está sujeito às vicissitudes de nascer e morrer, nem por isto deves entristecer-te, ó Arjuna.

27. Inevitável é a morte para os que nascem; todo morrer é um nascer – pelo que, não deves entristecer-te por causa do inevitável.

Procurando ensinar a Arjuna a diferença entre o Espírito e o ego, Krishna demonstra que não há motivo para sofrer, pois somente o ego se alimenta dos frutos doces e azedos da árvore da vida, ou seja, passa por vicissitudes. E, entre os capítulos 07 e 13, demons-tra a lei de causa e efeito em ação, ensinando que Deus é a causa primária de todas as coisas, tanto das “boas” como das “más”, das “criações” e das “destruições”. Enfim, nada aconteceria sem a per-missão de Deus, inclusive as guerras. Tudo estaria em Deus. Mas não se trata de uma visão panteísta, que confunde Deus com a criação, mas uma concepção “panenteísta”, ou seja, que Deus, por sua onipresença estaria em todas as coisas, mas, ao mesmo tempo, não se confunde com as coisas criadas, transcendendo-as, como podemos compreender na fala de Krishna no versículo 12, do capítulo 07:

12. Entende que de Mim procedem todas as coisas – consciência, energia e matéria; Eu não estou nelas, mas elas estão em Mim. Mahatama Gandhi, considerado por muitos o hindu mais cristão do século XX, também costumava dizer que Deus estava tanto no bisturi de um médico que salva uma vida, como na arma de um

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bandido que tira a vida de alguém. E, apesar do médico usar seu bisturi e o bandido a sua arma com objetivos distintos, quem, de fato, salvaria ou tiraria uma vida seria sempre Deus. Tendo essa sapiência foi capaz de perdoar e pediu aos hindus que perdoassem o que atirou nele, pois sabia que ele foi apenas o instrumento para o seu desencarne, na hora certa e da forma como tinha que ser. Além da fatalidade nos atos materiais, Krishna ensina a Arjuna que ninguém vive sem agir, pois a própria natureza interna de cada um nos compele a agir. E, nos capítulos finais, do 14 ao 17, apresenta as três atitudes que podem motivar nossos atos: “sattva”, “rajas” e “tamas”. Após compreender todo o ensinamento e se integrar à consciência de Krishna, no capítulo 18, encerrando o livro, Arjuna finalmente decide cumprir sua missão:

73. Tudo compreendi, Senhor dos céus! Desertou de mim a tristeza; tua graça iluminou o meu coração e transfigurou a minha alma. Dissiparam-se as dúvidas; resplandece clara a verdade – e farei o que o teu verbo me mandou.

Pergunta 04 – Seria possível nos explicar a diferença entre as três atitudes ensinadas por Krishna: sattva, rajas e tamas? Há algum ensinamento similar na doutrina espírita?

Resposta – Podemos dizer que se integra a Deus o que supera as três, portanto, estando para além do “bem” e do “mal”, do “vício” e da “virtu-de”. Essas três atitudes demonstram estágios diferentes de evolução e o sábio é aquele que consegue compreender que ninguém pode agir diferente-mente de sua natureza. Você não pode esperar de um espírito que está iniciando suas encarnações como ser humano que tenha os mesmos interes-ses e desejos daquele espírito experiente, que já passou por muitas encarnações. Por isso, de forma geral, nas primeiras encarnações do Espí-rito em um mundo de provas e expiações, que é aquele onde funciona a lei do carma, ou seja, onde cada um colhe o que semeia, sua natureza pode ser chamada de “tamas”. Quem tem essa natureza fundamenta suas ações apenas na busca do prazer sensorial. No plano religioso, é apegado às superstições. Todas as ações desse Espírito ignorante, que está dando os seus primeiros passos rumo a sua purificação são motivadas por “tamas”.

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Depois de várias encarnações, quase todas compulsórias; de muitas vicissi-tudes positivas e negativas, mas sempre pautadas pela inexorável lei de causa e efeito; começa a despertar a consciência deste Espírito. Neste estágio, podemos dizer que a natureza dele agora é outra e pode ser identificada como “rajas”. O intelecto já começa a se desenvolver e ele já faz escolhas racionais. Ele já consegue pesar suas ações e, em alguns casos, começa a praticar o “bem”, mas de forma interessada, pensando apenas nos benefícios que pode-rá adquirir com a sua ação, que pode ser um retorno material ou até mesmo espiritual, como uma melhor condição no mundo espiritual. Vejam a questão 897 de O Livro dos espíritos. Estamos diante do mesmo ensinamento:

Questão 897 – aquele que faz o bem, não em vista de uma

recompensa sobre a Terra, mas na esperança de que lhe será levado em conta na outra vida, e que sua posição ali será tanto melhor, é repreensível, e esse pensamento lhe prejudica o adian-tamento?

Resposta – É preciso fazer o bem por caridade, quer dizer,

com desinteresse.

E quem faz o bem por caridade, por desinteresse é aquele que já possui a terceira natureza apresentada por Krishna: “sattva”. Das três, podemos dizer que esta é a mais “evoluída”, é a mais espiritual, pois a pessoa já consegue agir desinteressadamente. Não espera nada em troca. A pessoa que age motivada por sua natureza “sattva” distingue o “bem” e o “mal”, o “certo” e o “errado” e escolheu o lado em que vai atuar. Mas estamos falando de atitude, de ação interior ou sentimental e não de comportamen-to. Por exemplo, quando Jesus expulsou os vendedores do templo agiu de forma enérgica, assustando a todos. Porém, interiormente, agiu através de sua natureza “sattva”, tendo plena consciência de estar servindo a Deus e amando aqueles vendedores, que só seriam tocados ou despertados por uma ação mais enérgica e enfática.

Não seria passando a mão na cabeça dos vendedores que o problema ali seria resolvido. O caso de Arjuna é similar. Se ele lutar motivado por “tamas”, sua motivação será o ódio e/ou a ignorância; se lutar motivado por “rajás”, sua motivação será conseguir algum benefício material ou espiritual. Mas se lutar motivado por “sattva”, será um mero instrumento nas mãos de Deus, o “servo inútil” como se refere Jesus.

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E por que dissemos inicialmente que as três naturezas devem ser supera-das? Por que é muito comum encontrar pessoas cujo ego lhes diz que possu-em natureza “sattva” julgando e classificando como “errados” os que esta-riam nas outras naturezas, não entendendo ainda que a natureza não dá saltos e ninguém pode agir contrariando sua natureza interior. Essa é uma artimanha do ego para ludibriar aqueles que acham que são “evoluídos”. Mas quem supera as três naturezas é capaz de amar incondicionalmente e jamais vai esperar que alguém que age motivado por “tamas” faça algo diferente daquilo que sua natureza está apta a realizar. Além disso, a ação de todos é guiada sempre por Deus, pois como o Espírito Verdade ensina na questão 964, Deus tem leis que regulam todas as nossas ações e quan-do as violamos, sofremos as consequências delas. É assim que a lei quan-do carma funciona. Portanto, sempre vamos colher o que semeamos. Colhen-do os frutos Colhen-do egoísmo, cada espírito vai lapidanColhen-do sua alma eterna e superando cada estágio até integrar-se plenamente em Deus, encontrando-se para além do “bem” e do “mal”, do “certo” e do “errado”, encontrando-servindo apenas como instrumento da Vontade divina, como meros “servos inúteis”. E quais seriam os ensinamentos do Espírito Verdade que abordam esse tema? São vários, mas vamos nos concentrar naqueles presentes nas ques-tões 655, 672, 736 e 745:

Questão 655 – é repreensível praticar uma religião à qual não se

crê no fundo de sua alma, quando se faz isso por respeito huma-no, e para não escandalizar aqueles que pensam de outra forma?

Resposta – A intenção, nisso como em muitas outras coisas, é

a regra. Aquele que não tem em vista senão o respeito às cren-ças alheias, não faz mal. Ele faz melhor do que aquele que as ridicularizasse, porque faltaria à caridade. Mas aquele que a pratica por interesse e ambição é desprezível aos olhos de Deus e dos homens. Deus não pode ter por agradáveis aqueles que aparentam se humilhar diante dele apenas para atrair a apro-vação dos homens.

Questão 672 – A oferenda que se faz a Deus de frutos da Terra

tem mais mérito aos seus olhos que o sacrifício de animais?

Resposta – Eu já vos respondi dizendo que Deus julgava a

intenção e que o fato tinha pouca importância para ele. (...) Repito que a intenção é tudo e o fato nada.

Referências

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