Doutor
Esperanto
Walter Francini
O romance de Lázaro Luís Zamenhof, criador
da língua internacional
Com carta-prefácio do Dr. Mário Graciotti, da Academia Paulista de Letras
Sumário
Prefácio ... 91
Na escola da vida ... 112
A vida ensina ... 133
Sonho gorado ... 174
O sonho renasce ... 215
Festejando um nascimento ... 256
Rigor paterno... 277
Alegria e tristeza ... 318
O trabalho de reconstrução ... 359
Reclusão voluntária ... 3910
“Idealnumeista incorrigível” ... 4311
Acertando a carreira ... 4712
Casamento à vista? ... 5113
A companheira ... 5514
Ajuda inesperada ... 5715
Lançamento da língua internacional ... 6116
Atividade editorial ... 6717
Dificuldades materiais ... 7318
“Impossibilidade absoluta” ... 7720
Adesão extraordinária ... 8521
No limiar do século ... 8922
Em Boulogne, uma nova humanidade ... 9323
Prece universalista ... 9724
Intocabilidade do esperanto ... 10725
Princípios éticos ... 11326
Contra os ultranacionalistas ... 12127
O caso da “delegação” ... 12528
Na Alemanha ... 13129
Na Espanha ... 13330
Nos Estados Unidos ... 13531
Para o “Congresso das raças” ... 13932
Despedindo-se da liderança ... 14333
Frustração ... 14734
Em luta com a doença ... 15135
Em favor da humanidade ... 15536
A partida ... 159 Posfácio ... 161 Apêndice ... 165 Adendo ... 177 Obras consultadas ... 179Minha homenagem sincera ao Dr. Erlindo Salzano, que na aprazível cidade de Porto Ferreira (SP) foi meu primeiro mes-tre de esperanto.
* * *
Meus melhores agradecimentos à Associação Paulista de Espe-ranto em cuja biblioteca realizei as pesquisas que deram origem a esta publicação.
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Prefácio
Carta enviada para o autor pelo Dr. Mário Graciotti, di-retor do Clube do Livro, secretário da Academia Paulista de Letras e autor de várias obras laureadas, dentre elas o monu-mental Firmamento no universo finito.
São Paulo, 27 de abril de 1973.
Caro e distinto confrade WALTER FRANCINI
Não sei como classificar a impressão que me ficou da leitura do seu magnífico livro DOUTOR ESPERANTO. Entre comovido e assustado, primeiro, pelo toque humano que os seus escritos apresen-tam; segundo, pelo gigantesco sonho universalista de um homem, aspirando unir os outros homens no plano do diálogo e da compre-ensão, favorecido por um idioma comum.
Percebo nesta minha espontânea emoção, provocada pela lei-tura de seu atraente livro, a presença, embora remota, de outro homem, que, da Galileia, sonhou, também, unir-nos por uma
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outra linguagem, mais volátil do que a palavra, mas intrin-secamente mais profunda na sua nobre expressão: a linguagem silenciosa do Amor!
Gostaria de lembrar-lhe a conveniência de tornar neutra, em todo o sentido, racial, moral, religioso, político, econômico, a in-comparável figura do Dr. Zamenhof, pois ele, também, se consi-derava universalista, neutro, acima das miúdas questões e coisas dos pequeninos homens, embora não perdesse os alicerces de sua terra nativa.
É tão belo o que V. escreveu, caro Walter, e tão digno é tudo o que se refere à obra de Zamenhof, que pobres e frágeis são estas mi-nhas palavras com que saúdo o nascimento de seu ensaio e a possível aurora, que ele aguarda, pois em suas páginas se fundem, mesmo em faixa modesta, as esperanças de toda uma civilização, cansada, cansadíssima, de tantos inquietantes e cruéis desencontros.
Do amigo, patrício e muito admirador,
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Capítulo 1
Na escola da vida
Local: a cidade de Bialistoque, na província de Grodno, Polônia.
Época: 15 de dezembro de 1859. Domínio russo.
Num sobrado grande, mas modesto, as horas custam a passar. O chefe da casa, professor Marcos, caminha nervoso ante a porta fechada do quarto onde sua esposa Rosália vai dar à luz. Já faz tempo que a parteira entrou lá, mas até agora nada. Esta espera sem fim deixa o professor angustiado. Finalmente ou-ve-se um grito agudo e longo e o Sr. Marcos para de caminhar, inclinando a cabeça na direção do grito. Sua enorme barba negra contrasta vivamente com a palidez do rosto.
O professor demonstra toda a ansiedade do homem que se torna pai pela primeira vez.
Passado algum tempo, a parteira surge triunfante à porta para anunciar com voz festiva:
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O pai entra no quarto, examina satisfeito a criança e con-templa a esposa que descansa, feliz.
— Você sofreu muito, Rosália?
— Um pouco... mas foi menos do que eu pensava ...
O marido toma-lhe uma das mãos e beija-a. Dona Rosália olha a criança e diz:
— Deus nos mandou um menino. Você está contente, Marcos?
O professor tem uma personalidade austera, pouco expan-siva. Mas neste momento está emocionado, com os olhos li-geiramente umedecidos. Um novo ser veio ao mundo, e isto é, um acontecimento solene, quase santo, mesmo para aqueles que como o Senhor Marcos não aceitam um plano de vida superior ao material. O professor beija sua esposa na testa e responde-lhe:
— Estou contentíssimo! Mas você precisa descansar... Enquanto ele se retira, dona Rosália contempla enternecida o recém-nascido. Que destino lhe estará reservado? Será um grande homem ou levará vida obscura?
Não se preocupe, dona Rosália, deixe o tempo passar. Gló-ria ou obscuridade, pobreza ou fartura, alegGló-ria ou tristeza, tudo forma as lições da escolha da vida. Se ele for um grande ho-mem, tanto melhor. Se, porém, o seu destino for humilde, isso não tem importância, o que vale é a bênção de viver, é a opor-tunidade renovada, a cada dia que nasce, de crescer espiritual-mente e ser feliz.