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REVISTA ACADÊMICA DA FACULDADE FERNÃO DIAS

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Academic year: 2021

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RESENHA DO LIVRO DE JERRY DÁVILA

DIPLOMA DE BRANCURA: POLÍTICA SOCIAL E

RACIAL NO BRASIL (1917 – 1945)

Ricardo Matheus Benedicto (FEUSP/FAFE)1

Com o término da escravidão no Brasil, no final do século XIX, o projeto de nação delineado e construído pelas elites brasileiras, tinha no branqueamento do povo seu ponto central. Convencidas da ideia da inferioridade dos africanos e indígenas, as elites políticas e intelectuais do país se perguntavam como resolver o que chamavam de

problema negro, a saber, como construir uma nação civilizada – leia-se branca e

ocidental – em um país de maioria negra?

Esta questão foi respondida, do ponto de vista teórico, com a ideologia da mestiçagem que tinha como sustentáculo a tese de que a mistura de raças tornaria, inevitavelmente, o país mais branco e do ponto de vista prático, com a política nacional de branqueamento, que estava amparada na massiva imigração europeia.

A ideologia da miscigenação apresentava claramente um caráter eugênico. O objetivo da mistura de raças na concepção de pensadores como José Veríssimo (1857-1916) e João Batista de Lacerda (1846-1915), por exemplo, era eliminar a raça negra2. A eugenia, disciplina que gozava de grande prestígio científico no Brasil na primeira metade do século XX, desenvolvida pelo inglês Francis Galton (1822-1911) no século XIX, foi criada com objetivo de viabilizar a existência de uma raça pura. Ou de acordo

1 Doutorando em Educação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Mestre e Bacharel em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Docente na Faculdade Fernão Dias (FAFE).

2 Ver, por exemplo, o artigo de José Veríssimo O País Extraordinário, publicado originalmente no Jornal

do Comércio em 04 de dezembro de 1899 e que foi republicado na coletânea editada por José Mário Pereira Homens e Coisas Estrangeiras, Rio de Janeiro: Topbooks, 2003, e a comunicação apresentada por João Batista de Lacerda, no Primeiro Congresso Nacional das Raças, em Londres, Sobre os mestiços no

Brasil. Este texto pode ser encontrado como apêndice do artigo de Lilia Moritz Schwarcz Previsões são sempre traiçoeiras: João Baptista de Lacerda e seu Brasil branco, publicado na revista História,

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com o sentido etimológico do termo uma raça de bem-nascidos. Para esta empreitada, os eugenistas se serviam de processos de seleção e controle das características humanas consideradas superiores, afim de que elas prevalecessem sobre as características tidas como inferiores.

O projeto de branqueamento da nação, dada sua abrangência, encontrou respaldo nas políticas educacionais do país, desenvolvidas desde a Primeira República até a Era Vargas. É esta correlação entre raça, nacionalismo e eugenia, nas políticas educacionais brasileiras, que foi analisada por Jerry Dávila em seu livro Diploma de

Brancura: Política Social e Racial no Brasil 1917-1945, publicado em 2006 pela

editora UNESP. A versão original deste livro Diploma of whiteness: race and social

policy in Brazil 1917-1945, publicada em 2003, foi produto da tese de doutorado de

Dávila – historiador porto-riquenho e professor associado da Universidade da Carolina do Norte – sob orientação do professor Thomas Skidmore. Jerry Dávila é especialista em relações raciais e já lecionou como professor visitante na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A obra, dividida em seis capítulos, contém uma introdução que faz uma boa apresentação dos temas desenvolvidos e uma conclusão que aponta para um ainda persistente fascínio dos brasileiros pela ideia de raça. Dávila pretende nos mostrar que educadores, médicos e cientistas sociais brasileiros acreditavam que a escola poderia regenerar o povo, curá-lo da sua inferioridade. O autor analisa a expansão e a reforma do sistema público de ensino no país, embora seu locus principal de pesquisa seja o Rio de Janeiro, então capital da República, e argumenta que esse projeto tinha como pano de fundo as teses eugênicas, a crença na superioridade branca e a esperança de curar o povo brasileiro pela escola, oferecendo-lhe um diploma de brancura. Nas palavras do autor:

Para os educadores brasileiros e sua geração intelectual, raça não era um fato biológico. Era uma metáfora que se ampliava para descrever o passado, o presente e o futuro da nação brasileira. Em um extremo, a negritude significava o passado. A negritude era tratada em linguagem freudiana como primitiva, pré-lógica e infantil. Mais amplamente, as elites brancas equiparavam negritude à falta de saúde, preguiça e criminalidade. A mistura racial simbolizava o processo histórico, visualizado como uma trajetória da negritude à brancura e do passado

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ao futuro. Na década de 1930, os brasileiros brancos podiam celebrar a salvo a mistura racial porque a viam como um passo inevitável na evolução da nação. (DÁVILA, 2006, p. 25)

No primeiro capítulo Construindo o homem brasileiro Dávila, a partir de um conjunto de questões que o então Ministro Gustavo Capanema (1900-1985) dirigiu a um grupo de antropólogos, nos mostra como se deu o debate sobre raça, eugenia e branqueamento por meio da educação. Capanema procurava lidar com um problema que o incomodava: ele havia encomendado uma estátua – que representaria o Homem Brasileiro – para ornar o recém-criado Ministério da Educação e Saúde. Capanema estava preocupado com a aparência do brasileiro, daí as seguintes perguntas formuladas: Qual a sua raça? Qual sua altura? A sua cor? Como será sua cabeça? A forma do seu rosto? Segundo Dávila, os cientistas estavam de acordo que a cor do brasileiro deveria ser branca de expressão mediterrânea (DÁVILA, 2006, p. 49). O autor sustenta que intelectuais como Afrânio Peixoto (1876-1947), Anísio Teixeira (1900-1971), Carneiro Leão (1887-1966), Edgard Roquette Pinto (1884-1954) e Fernando de Azevedo (1894-1974) foram responsáveis por retirar a eugenia dos laboratórios e levá-la para as políticas públicas, a fim de salvar a população de seus males raciais.

No segundo capítulo Educando o Brasil, Dávila amplia as relações existentes entre raça, o emergente nacionalismo, Estado e ciência. O autor discute esta relação no contexto das novas agências de obtenção e intepretação de estatísticas – como o IBGE, por exemplo – que foram criadas com o objetivo de verificar se a visão de mundo racializada dos cientistas sociais e nacionalistas se refletia na realidade. Para o autor:

Esse raio X estatístico de Freitas3 deu sustentação ao trabalho de políticos, burocratas, educadores e nacionalistas, e ressaltou a importância das reformas educacionais em curso no Brasil. Como podia um país em crescimento, urbanização e industrialização avançar se possuía um líder instruído para cada duzentas pessoas? Como podia o país progredir se metade de sua geração mais bem-educada era “gado humano”? Mais importante, como esse problema nacional podia ser resolvido? [...] Sua visão ecoava a de Monteiro Lobato, Roquette Pinto, Capanema e outros líderes intelectuais ao tratar das questões de raça e educação. A contribuição única – e importante – a esse discurso era a habilidade de medir e quantificar o grau do

3

Mário Augusto Teixeira de Freitas (1890-1956), diretor do IBGE à época do relatório sobre o nível de educação da geração, em 1922.

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problema enfrentado pelos aperfeiçoadores da raça. (DÁVILA, 2006, p. 97, nota inserida pelo autor desta resenha)

No terceiro capítulo O que aconteceu com os professores de cor do Rio?, a partir do arquivo de fotografia de Augusto Malta (1864-1957) e dos anuários disponíveis no Instituto de Educação do Rio de Janeiro, Dávila sustenta que houve um processo de branqueamento nos docentes da antiga capital brasileira. O capítulo é dedicado a investigar como este processo se realizou visto que as fotos tiradas no início da república apontavam uma presença significativa de afro-brasileiros no quadro docente. Já as fotos tiradas no final da Era Vargas revelavam uma diminuição drástica ou desaparecimento destes professores. Dávila mostra que os valores de raça, classe e gênero orientaram as políticas de treinamento e seleção dos professores, excluindo os afro-brasileiros para dar um perfil branco, feminino e de classe média aos futuros educadores.

No quarto capítulo Educação elementar, o autor examina a principal reforma escolar do Rio de Janeiro, executada por Anísio Teixeira de 1931 a 1935. Essa reforma, de acordo com o autor, combinou as principais tendências científicas que governavam a política social do período: nacionalismo eugênico, racionalismo científico e profissionalização (DÁVILA, 2006, p. 199).

No quinto capítulo A Escola Nova e o Estado Novo, Dávila nos ensina que, apesar da disputa existente entre católicos conservadores e progressistas no que dizia respeito a como conduzir as reformas educacionais, havia um consenso destes atores sobre os conceitos de raça, ciência e nação. Não havia divergência quanto ao projeto de embranquecimento da nação brasileira. Em suas palavras:

Assim, o sistema de ensino público no Rio tornou-se mais paternalista, o papel da raça tornou-se mais fixo e as ligações entre educação, raça nacionalismo, mais evidentes. A importância desse período está em como a Igreja e os militares ratificaram os aspectos técnicos da educação pública e deram sequência a eles ao mesmo tempo que forjavam um antagonismo duradouro em relação às políticas dos educadores progressistas. A Igreja e os militares substituíram Teixeira e outros, mas continuaram a nutrir-se tanto do espírito quanto da direção da educação pública estabelecida por esses educadores e ao fazê-lo, essas instituições transformaram as políticas

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educacionais da Escola Nova no novo status quo educacional. (DÁVILA, 2006, p. 245-246)

No sexto e último capítulo Comportamento branco: as escolas secundárias do

Rio, o professor Dávila defende a tese de que as reformas que Anísio Teixeira e os

outros reformadores procuraram implantar no sistema público de educação fracassaram. Examina o que chama de as duas facetas da educação pública secundária no Rio de

Janeiro (DÁVILA, 2006, p. 43). Para o autor, apesar dos esforços dos reformadores, a

educação pública não conseguiu ultrapassar os limites da escola elementar, ou seja, os alunos não chegavam ao ensino secundário. Analisando o Colégio Pedro II – que era administrado pelo governo federal e apresentado como parâmetro nesta modalidade de educação – percebe que o colégio era frequentado por uma reduzida elite e os alunos eram moldados pelos valores da brancura.

Por fim, em suas considerações finais intitulada O persistente fascínio

brasileiro pela raça, Dávila analisando uma matéria de 2000, publicada na revista Veja

sobre relações raciais no Brasil, sustenta que a metáfora da raça ainda é muito influente entre nós brasileiros, apesar do consenso expresso pela sociedade de que raças não existem. Dávila afirma que “a eugenia perdeu a legitimidade científica após o final da Segunda Guerra Mundial, mas as instituições, práticas e pressupostos a que ela deu origem – na verdade, seu espírito – sobrevivem” (2006, p. 355).

Para finalizar esta resenha, pode-se dizer que o livro de Dávila abre novas possibilidades de pesquisas para compreendermos adequadamente a história das relações étnico-raciais nas escolas brasileiras. Seu trabalho, apesar de não ser este seu objetivo, também pode ser um valioso instrumento para refletirmos sobre como viabilizar o cumprimento da lei 10.639/03, em instituições que foram planejadas para repudiar a história e a cultura dos afro-brasileiros.

Referência

DÁVILA, Jerry. Diploma de brancura: política social e racial no Brasil (1917-1945). São Paulo: Unesp, 2006.

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Recebido em: 11/04/2016. Aceito em: 30/04/2016.

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