Número do processo: 1.0378.01.000949-6/001(1) Relator: SELMA MARQUES
Relator do Acordão: SELMA MARQUES Data do acordão: 07/03/2007
Data da publicação: 11/04/2007 Inteiro Teor:
EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA - CONTRATO DE FACTORING - EMISSÃO DE TÍTULOS DE CRÉDITO SEM LASTRO MERCANTIL - FRAUDE POR PARTE DA EMPRESA FATURIZADA - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - SENTENÇA
REFORMADA. Em sendo comprovada pelo faturizador o vício do crédito, responderá o faturizado pela solvência dos títulos que transferiu. Já os emitentes do cheques, respondem solidariamente, limitado ao seu valor, tendo em vista ciência da operação realizada. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0378.01.000949-6/001 - COMARCA DE LAMBARI - APELANTE(S): GONCALVES GOMIDE FACTORING LTDA - APELADO(A)(S): BECO DAS CORUJAS LTDA, GILBERTO A. JUNQUEIRA E OUTRO(A)(S), JOANA INÊS L. EVANGELISTA - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. SELMA MARQUES
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PARCIAL PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 07 de março de 2007. DESª. SELMA MARQUES - Relatora NOTAS TAQUIGRÁFICAS
A SRª. DESª. SELMA MARQUES: VOTO
Conheço do recurso, posto que presentes seus pressupostos de admissibilidade.
Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença de f. 179/199, que julgou improcedentes os pedidos constantes da "ação de locupletamento ilícito c/c cobrança de cheques e multa contratual c/c pedido de indenização solidária por ilícito civil" ajuizada Gonçalves por Gomide Factoring Ltda. contra Beco das Corujas Ltda.
Embargos de declaração, fls. 202/205, rejeitados às fls. 205v.
Inconformada, f. 210/225, busca a autora a reforma do decisum alegando, em síntese, que a inexistência do crédito cedido pelos apelados restou demonstrada pela confissão da apelada Beco das Corujas Ltda, aliada à revelia dos apelados Gilberto A. Junqueira e Joana Inês
Evangelista, que configuram-se como responsáveis solidários, nos termos do artigo 159 e 1.518 do CC de 1916. Alega que a notificação dos devedores da cessão de crédito restou demonstrada conforme borderô de f. 25, o que demonstra seu comparecimento no ato da operação de faturização, atendendo aos ditames do artigo 290 do CC.
Aduz ainda que, por sua parte, a transação de factoring foi legítima, idônea, não se podendo dizer o mesmo dos apelados, que usaram de cheque sem origem mercantil para alavancar dinheiro de forma que é devido o recebimento da dívida e consectários contratuais discutidos.
Sustenta que a fundamentação do magistrado de 1º grau, no sentido de só caber ação de regresso contra a faturizada, legitima a procedência da presente ação ordinária, visto que seu objetivo é justamente o recebimento do que os apelados dela receberam com a venda fraudulenta do cheque de f. 24, mais multa e juros previstos no contrato, sendo que possuem o mesmo rito, mesmas parte, objeto e causa de pedir.
Por fim, requer a aplicação da pena de litigância de má fé à ré Beco das Corujas Ltda. Inicialmente, cumpre definir que o contrato de faturização - ou factoring, "é aquele em que um comerciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração".
Assim, por meio do contrato de faturização, o beneficiário de determinado direito de crédito representado em cambial (faturizado), cede tal direito, a título oneroso, ao faturizador, assumindo este o risco de, eventualmente, não receber o crédito consubstanciado na cártula, por inadimplência do sacado ou emitente.
A operação de factoring surge quando "um comerciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração" (Fran Martins, Contratos e Obrigações Comerciais, 1990, p. 559), elucidando Caio Mário da Silva Pereira que, "Pelo 'factoring' ou faturização, uma pessoa (factor ou faturizador) recebe de outra (faturizado) a cessão de créditos oriundos de operações de compra e venda e outras de natureza comercial, assumindo o risco de sua liquidação. Incumbe-se de sua cobrança e recebimento..." (A Nova Tipologia Contratual no Direito Brasileiro, in RF 281/12). A jurisprudência já se manifestou a respeito:
"EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C PERDAS E DANOS - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO
CONTRATUAL E APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS - ART. 1092 DO CC - REALIZAÇÃO DE PERÍCIA - FACTORING - DUPLICATAS ORIGINÁRIAS TROCADAS POR CHEQUE - IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI - TÍTULO FORMALMENTE VÁLIDO,
ABSTRATO E AUTÔNOMO - MANUTENÇÃO DO PROTESTO DO CHEQUE, ATÉ PAGAMENTO.
O contrato de faturização ou factoring é aquele em que um comerciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração.
O cheque é verdadeiramente uma cambial, podendo ser reclamado seu pagamento pela via da execução forçada. Estando revestido de suas formalidades legais, não há que se cogitar da causa debendi" (Ex-TAMG, 3ª Câmara Cível, Ap. 0338327-3, rel. Des. Teresa Cristina da Cunha Peixoto, julgado em 19.9.2001).
No caso dos autos, a dívida objeto da presente ação é originada do contrato de factoring, em que foi emitido cheque de f. 24 dos autos. Sustenta a apelante que a emissão do título se deu sem a devida relação mercantil.
Com razão a apelante.
Inicialmente cumpre ressaltar que não há dúvidas de que a empresa Beco das Corujas Ltda. negociava normalmente cheques com a faturizadora Gonçalves e Gomide Factoring Ltda, vide fls. 104/109.
É cediço que não há responsabilidade do faturizado se o emitente do título, devedor, não dispõe de meios para satisfazer a dívida ou é insolvente.
Não obstante, constitui um dos requisitos básicos do contrato em tela que o crédito cedido seja:
"Certo quanto à sua existência, lícito quanto à sua origem e regular quanto às suas formalidades" (Maria Helena Diniz, op. cit., p. 657).
Afirma a mesma autora:
"O factoring produzirá os seguintes efeitos jurídicos:
1º) (...) d) direito de ação do faturizador contra o faturizado se o débito cedido contiver vício que o invalide, como, p. ex., no caso de a fatura não se referir a uma venda efetiva" (op. cit., p. 659).
Com efeito, não se pode admitir que o faturizado, visando o recebimento imediato em espécie do importe expresso no título objeto da faturização, ceda ao faturizador crédito que sabe ser insuscetível de cobrança, por ter sido emitido em relação de compra e venda viciada, uma vez que, em caso tal, imputar-se o prejuízo ao cessionário equivaleria a conivir com a má-fé do cedente, que mesmo sabendo do vício que atinge o crédito, recebeu a respectiva contraprestação.
"AÇÃO ANULATÓRIA - PROTESTO DE TÍTULOS - DUPLICATA - FACTORING - PAGAMENTO - RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO.
- NAS OPERAÇÕES DE FACTORING, O CEDENTE TRANSFERE O CRÉDITO ESTAMPADO NO TÍTULO PARA O FACTOR, QUE, AO ADQUIRI-LO, ASSUME TODOS OS RISCOS DE SEU RECEBIMENTO, LIMITANDO-SE A
RESPONSABILIDADE DO CEDENTE A LEGITIMIDADE, LEGALIDADE E VERACIDADE DO TÍTULO NEGOCIADO E NÃO A EVENTUAIS PREJUIZOS DECORRENTES DO ATRASO NO PAGAMENTO DESSE TÍTULO" (Ex-TAMG, 5ª Câmara Cível, Ap 259.858-1, rel. Des. Eduardo Andrade, julgado em 27.8.98).
Restou demonstrado nos autos que o negócio mercantil não existiu, fato este admitido pelo próprio magistrado a quo "A prova dos autos é no sentido de que o negócio a que estava ligado ao cheque não aconteceu. Logo inexigível o crédito cedido".
Pela simples leitura da contestação da ré Beco das Corujas Ltda., ora faturizada, acostada às f. 36/41 dos autos, constata-se que o título emitido não correspondeu a nenhuma operação comercial, sendo que os devedores do título, também ora apelados, não apresentaram as notas fiscais que originaram o crédito, e nem contestaram a lide.
Assim em sendo constatada a emissão de título sem lastro mercantil, e tendo em vista a responsabilidade contratual da apelada Beco das Curujas Ltda, pela aplicação da cláusula Quinta do contrato de fls. 19/22, impõe-se à faturizada a obrigação da recompra do título, com a incidência dos encargos tais quais como contratados.
Urge esclarecer que a alegação de não-notificação dos devedores da cessão de crédito não merece prosperar, visto que o documento de fls. 26/27 demonstram o contrário. Além disso, observa-se no documento de fls. 25 a assinatura do emitente do cheque, Gilberto A.
Junqueira, que comprova a ciência da operação de facturização.
A responsabilidade solidária dos devedores do cheque, Gilberto A. Junqueira e Joana Inês L. Evangelista, está constatada, emitiram título sem lastro mercantil, requisito indispensável ao caso em questão. Entretanto, urge ressaltar que referida responsabilidade encontra-se limitada ao valor do cheque de fl. 24, não incidindo os encargos contratuais, uma vez que não fizeram parte do contrato de fls. 19/22.
Por fim, em relação ao pedido de condenação da ré Beco das Corujas Ltda na litigância de má fé, entendo sem razão a recorrente, pois não restaram configuradas quaisquer das hipóteses do art. 17 do CPC, necessárias à aplicação da pena prevista no art. 18 do referido diploma.
Com tais considerações, dou parcial provimento ao recurso, para reformar a sentença, e julgar procedente o pleito inicial em relação à ré Beco das Corujas Ltda, reconhecendo a validade da cobrança do título de fl. 24, acrescido das penalidades contratuais "multa indenizatória igual ao valor da face do título e de juros moratórios"), sendo os juros moratórios de 1% ao mês a partir da citação, nos termos do artigo 405 do CC, ante a
não-especificação no contrato, corrigido a partir do ajuizamento da demanda.
Condeno os réus Gilberto A. Junqueira e Joana Inês L. Evangelista solidariamente, limitada a responsabilidade ao valor do cheque de fl. 24, com incidência de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, conforme preceito contido no art. 405 do diploma civil, e correção monetária, a partir do ajuizamento da ação.
Invertam-se os ônus sucumbenciais. Custas processuais e honorários advocatícios já
fixados em 1º grau pelos apelados, suspenso o pagamento em relação à ré Beco das Corujas Ltda, uma vez que amparada pelos benefícios da gratuidade da justiça.
Custas recursais, pelos apelados, suspenso o pagamento em relação à ré Beco das Corujas Ltda, pelos motivos acima aduzidos.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): FERNANDO CALDEIRA BRANT e AFRÂNIO VILELA.
SÚMULA : DERAM PARCIAL PROVIMENTO.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0378.01.000949-6/001