Diferenciação floral em
Prunus avium
L. cv. ‘Stella’.
Estudo em microscopia de varrimento
por
CRISTINA MARIA MONIZ SIMÕES DE OLIVEIRA Professora Auxibar do Instituto Superior de Agronomia
RESUMO
No presente trabalho descrevem-se as fases da diferenciação floral da cere jeira, Prunus avium L., recorrendo a observações em microscopia de varrimento
(SEM). A iniciação floral ocorreu a 11 de Julho, 15 semanas após a plena floração. Em meados de Julho os primórdios florais diferenciaram-se nas axi las das brácteas, no início de Agosto os primórdios das sépalas e das pétalas eram visíveis e no início de Dezembro as anteras, o ovário, estilete e estigma encontravam-se diferenciados e distintos. Embora a sequência das fases do de senvolvimento floral seja semelhante à da ginjeira (determinada pelo SEM), as datas do início e a duração de cada fase são diferentes.
SYNOPSIS
The present work describes the different stages of floral diferentiation in
Prunus avium L. based on observations using the scanning electron microscope
(SEM). Floral differentiation started on the 11 July, 15 weeks after full bloom. In mid July floral primordia started to differentiate in bract axils, in mid Au- gust sepals and petals primordia were visible and in the beginning of December anthers, ovary, style and stigma were differentiated and clearly distinct. Al- though the sequence of flower development is similar to sour cherry (determined by SEM) the timing is different.
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1. INTRODUÇÃO
Os estudos sobre diferenciação floral de espécies frutícolas foram efectuados por observação de gomos dissecados sob lupa binocular ou por observação de secções microtómicas (Goff, 1899; Drinkard,
1909; Verluys, 1921; Tuffs and Morrow, 1925; Ball, 1928). Em Portugal, descrições similares foram feitas em ameixeira europeia
(Navarro, 1926), em amendoeira, damasqueiro e ginjeira (Rasteiro,
1928), em várias cultivares de macieira (Natividade, 1932; Martins,
1962) e na oliveira (Almeida, 1940). O início do processo de dife renciação floral nas fruteiras caducifólias ocorre em Junho-Julho, sendo o primeiro indício de transformação de um gomo foliar em flo ral a elevação do ápice (ou cúpula em terminologia anglo-saxónica) que se mantém plano num gomo foliar. Em paralelismo, Rasteiro (1928) e Natividade (1932) consideraram como critério que carac- teriza o gomo floral nos seus primórdios iniciais “a elevação da coroa como um mamilo, a princípio de contorno aproximadamente parabólico e depois de contorno irregular”. Mais recentemente este tipo de estudos tem sido realizado através de microscopia electrónica de varrimento (SEM), e.g. em videira (Scholefield and
Ward, 1975), em macieira (Luckwill and Silva, 1979) e em ginjeira
(Diaz et al., 1981). Este artigo descreve as transformações mor fológicas no processo de diferenciação de um gomo floral de cere jeira com base em observações em microscopia electrónica de varri mento, método que permite visualização directa e dá uma melhor percepção do arranjo espacial dos componentes florais.
2. MATERIAL E MÉTODOS
As observações incidiram sobre gomos axilares de esporões com dois anos da cultivar ‘Stella’ enxertada em Colt (P. avium x P.
pseudocerasus). As árvores, com 8 anos, situam-se em East Mailing,
Inglaterra. Entre 17 de Maio e início de Julho as colheitas foram semanais, de 8 de Julho até 6 de Agosto de 3 em 3 dias, até fi nais de Setembro com intervalos de duas semanas e em Outubro, Novembro e Dezembro mensais. Em cada data de colheita para a amostragem dissecaram-se gomos de 5 esporões sob uma lupa
bino-cular imediatamente antes de inspecção. Gomos representativos (2 a 5) foram congelados por imersão em azoto líquido, montados em suportes de alumínio, recobertos com ouro usando o método “sput- ter coating” e observados utilizando um microscópio electrónico de varrimento (Cambridge Instruments Stereoscan 100) a 15 kV de aceleração (ver Sargent, 1983). Após a observação dos gomos, os estados fenológicos representativos do seu desenvolvimento foram fotografados usando um filme TMAX 100, TMX 120 (Kodak Ltd), estando a escala indicada nas fotografias.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
As fases de desenvolvimento dos gomos florais observadas (adaptado de Diaz et al., 1981) e a identificação das fotografias cor respondentes apresentam-se no QUADRO 1.
A iniciação floral, indicada pelo alargamento e engrossamento da cúpula apical, ocorreu a 11 de Julho, 15 semanas após a plena floração (l de Abril) (Fotografia A). A data do início da diferenciação floral está de acordo com trabalhos anteriores na cerejeira cv. Hedel- finger em Wageningen (Verluys, 1921) na qual a diferenciação floral ocorreu em meados de Julho e com a cultivar Napoleon (Royal Ann) na Califórnia (Tufts and Morrow, 1925) a 3 de Julho. Na ginjeira, cv. Montmorency, a iniciação floral ocorreu a 10 de Junho, 4 sema nas após a ântese (Diaz et al., 1982). Considerando que a floração do ano deste estudo ocorreu 4 semanas mais cedo do que o usual, parece que a diferenciação floral na cerejeira começa mais tarde do que na ginjeira, e embora a sequência dos acontecimentos do desenvolvimento floral seja semelhante, as datas do início de cada fase são diferentes. A diferenciação floral após o primeiro indício da diferenciação parece ser mais rápida na cerejeira do que na ginjeira, o início da diferenciação das sépalas e das pétalas (Fotografia F) ocorreu após 26 e 50 dias e o primeiro indício da formação do carpelo (Fotografia G) após 57 e 90 dias na cerejeira e ginjeira respectiva- mente. Fuss and Sedgley (1990), num estudo sobre diferenciação floral (utilizando o SEM) em duas espécies de Banksia nas mesmas condições ambientais, verificaram que a diferenciação floral diferia nas duas espécies apenas nas diferentes datas das fases do processo
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de diferenciação floral. Adicionalmente como refere Martins (1962),
dentro de cada espécie a sequência de formação dos verticilos flo rais é centrípeta e constante mas a época de formação dos referidos verticilos varia com a casta e condições de localização e pode ser influenciada por factores climáticos e pelos processos culturais.
QUADRO 1
Descrição das fases de desenvolvimento floral em Prunus avium L. e código das fotografias respectivas.
DATA DA AMOSTRA
DIAS APÓS
ÂNTESE DESCRIÇÃO FOTO
11 Julho 102 Início da dilatação da cúpula apical A 18 Julho 109 Início da diferenciação dos primór
dios das brácteas
B 20 Julho 111 Diferenciação dos primórdios das
brácteas
C
23 Julho 114 Diferenciação dos primórdios florais nas axilas das brácteas
D 30 Julho 121 Dilatação dos primórdios florais - a
maior parte do espaço encontra-se ocupado pelos primórdios florais
E
6 Agosto 128 Diferenciação dos primórdios de sé- palas e pétalas
F 6 Setembro 159 Pistilo rudimentar; diferenciação dos
estames; inflorescências macrosco picamente visíveis
G
20 Setembro 202 Início da diferenciação do estigma H 14 Dezembro 227 Anteras diferenciadas; ovário, esti-
lete e estigma perfeitamente visíveis I
FOTOGRAFIA B - Menstema apical cm 3 primórdios de bricieas (B) a iniciarem a diferenciação. FOTOGRAFIA C - Diferenciação de primórdios de brácteas.
FOTOGRAFIA D - Inicio da diferenciação dos primórdios florais (F) nas axilas das brácteas;
alargamento dos primórdios florais.
FOTOGRAFIA E - Quatro primórdios florais ocupam a maior parte do espaço em tomo do ápice. FOTOGRAFIA F - Diferenciação de cinco sépalas (Se) e pétalas (P) num pnmórdto floral.
FOTOGRAFIA H - Todos os órgãos estão presentes, início da diferenciação do estigma (Sti). FOTOGRAFIA I - Anteras (A) diferenciadas; ovário (0), estilete (Sty) e estigma claramente
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AGRADECIMENTOS
Ao Dr. Ken Mackenzie do Horticulture Research International (HRI), East Mailing, pelo apoio dado na utilização do SEM e ao Professor João Matos Silva do I.S.A. pela revisão final do texto.
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