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GÊNESE DO SALTÉRIO – PARA QUE UM LIVRO DOS SALMOS?

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Academic year: 2021

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ERHARD S. GERSTEBBERGER

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Resumo: hoje em dia a interpreção integral da Bíblia tem muitos adeptos. Neste

contexto se defende também o conceito de um Saltério unido putativamente composto para a leitura contínua e a meditação popular. O escrutínio dos textos relevantes, no entanto, sugere uma hipótese bem diferente: os salmos sempre e até hoje normalmente foram usados individualmente em diferentes contextos cerimoniais. Rituais de cura, celebrações de vitória, das colheitas, de casamento, a etiqueta das cortes reais, a instrução nas comunidades ju-dáicas emergentes produziam regras e textos oportunos. Eram especialistas como curandeiros, cantores, liturgistas, sacerdotes, levitas que criaram e guardaram tais textos, também colecionando-os em forma escrita. Nomes come Asaf, Etã, Coré nas superscrições dos salmos ainda lembram este tipo de salmistas velhos. Quando Israel se tornou uma nova comunhão daqueles que confessaram a sua fé em Javé (época pós-exílica) surgiu a necessidade de colecionar e preservar em escrito não só a tradição orientadora da Torah, mas também os textos referentes aos rituais diários e solenes. Os líderes cui-davam do tesouro de preces, canções, meditações e recitavam-as em contextos oportunos. A leitura popular se desenvolvia muito mais tarde com a criação de escolas gerais e de uma cultura literária comum.

Palavras-chave: Salmos. Ritos. Tradição. Meditação. Gênero Literário.

GÊNESE DO SALTÉRIO – PARA QUE UM LIVRO DOS SALMOS?*

C

ada pesquisador tem que se dar conta dos recursos acessíveis em relação à temática escolhida, bem como à própria perspectiva que ele vai aplicar

A R T I G O S

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ao assunto, incluindo, naturalmente, os preconceitos modernos diante de textos e pensamentos da Antiguidade. Em nosso caso, queremos es-boçar a origem e o desenvolvimento daquele livro do Antigo Testamento (AT), importantíssimo para a igreja Cristã de todos os tempos, Saltério ou Salmos, seguindo a tradição estabelecida pela Septuaginta, a antiga versão Grega do AT. Os transmissores orginais hebraicos já usaram outro nome para a colecção dos poemas, a saber tehillim, “canções de louvor”, na fase posterior, tefillot, “preces”, anteriormente (Sl 72:20: numeração dos Salmos conforme a Bíblia de Jerusalém = texto Masorêtico), ambas as designações normalmente ligadas ao nome de Davi, o cantor por excelência das lendas (1 Sam 18:10; 2 Sam 22:1; Am 6:5).1 Assim, a

tradição hebraica revela duas concepções específicas do corpo de canções. Mas o que, em termos históricos, podemos vislumbrar de sua origem e desdobramento? Quais são as informações autênticas, os textos confiáveis? Fora do Saltério, isto é certo, encontramos pouquíssimos testemunhos contemporâneos quanto à sua gênese no 4º até o 2º século BCE, sendo este período o mais provável em questão. E dentro do Saltério se reflete raramente sobre o nascimento do livro. Resta a conclusão de que fal-tam, dentro e fora do livro dos Salmos, notícias “objetivas” e refletidas sobre a origem dos poemas colecionados bem como sobre a maneira e meta de compô-los para entrarem nos escritos sagrados da comunidade judaica emergente a partir do exílio babilônico.2 Não há testemunhos

extrabíblicos ou arqueológicos, a não ser processos análogos de poemas sagrados em culturas vizinhas à do antigo Israel. Então, temos que (re) construir a história do Saltério principalmente a partir dos indícios inerentes aos próprios Salmos e nas subcolecções ainda reconhecíveis deste livro bíblico.

Outra condição relevante é a nossa perspectiva de hoje, a nossa maneira de ver e interpretar o mundo e os textos antigos. Somos condicionados pelos modos de pensar da nossa cultura e aplicamos, sem excessão, os nossos parâmetros de perceber e avaliar também para os textos antigos. Não podendo escapar de tal destino, mas a pesquisa acadêmica pelo menos tem que se conscientizar dessa situação e tentar compreender o máximo possível das diferentes conceituações dos antepassados bíblicos. Eles experimentaram, na verdade, um mundo bastante diferente do nosso, embora sempre tivessem condições humanas iguais ou com-paráveis ao longo dos milênios. Para a nossa temática isto significam que muitas vezes até os exegetas mais eruditos contam somente, na

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análise dos escritos bíblicos, com uma produção literária antiga nos mesmos moldes como a da nossa época, pressupondo, entre outros aspectos (sim, estou carricaturando), autores egoístas trabalhando nos seus escritórios para aumentar a sua fama e leitores sofisticados lendo os poemas em círculos fechados para a edificacão individual. Não existia, no mundo antigo, essa produção concebida pela litera-tura de hoje. Em relação ao Saltério do AT podemos afirmar que este livro é uma literatura escrita e certamente usada em uma época por pessoas comuns, geralmente não alfabetizada e sem escolarização a grande maioria sendo “full time”, agricultores. Os modos e finalidades de certas canções, preces e meditações sem dúvida eram diferentes do nosso tempo. Qualquer manuscrito servia, acima de tudo, aos especialistas. Ajudava a memorização. Conservava fielmente palavras sagradas. Foi lido ou recitado em assembleia (Ex 24:7; Ne 8:3.8; Isa 29:11s). Tudo isso leva à conclusão que também os Salmos não foram reduzidos a elogiar os seus poetas e nem a uma leitura individual e edificante. Provavelmente, os textos solenes pertenciam a várias cerimônias coletivas e foram lidos ou recitados por funcionários em serviço da comunidade.

CAMADAS LITERÁRIAS NO SALTÉRIO

Metodologicamente, seria uma boa opção de começar com uma análise profunda do produto final, a saber, do livro dos Salmos, sua es-trutura, suas dimensões e finalidades, sua teologia para depois, regressando passo por passo, direcionar a coleções menores e anteriores ao Saltério para, finalmente, chegar às unidades origi-nais, os Salmos individuais. Proponho um caminho mais rápido de investigação, distinguindo apenas dois níveis da formação pré-canônica, a saber, a primeira, camada de salmos individuais, a segunda, subcoleções eventualmente incorporadas à obra final. Essa proposta se dá pelo fato de que quase nenhum especialista no campo do AT quer negar a originalidade dos salmos individu-ais, visto que eles são o material básico para o livro. A gênese do Saltério se deu de forma lenta, a partir de uma coleção de textos, ou melhor, agrupamentos de textos religiosos, ou seja, litúrgicos. Portanto, datas exatas não podem ser verificadas referentes a textos ou composições, nem é possível fixar a cronologia da aglomeração

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de coleções menores. Tentativas nesta direção não ultrapassam o estado de vazias especulações.

Unidades Básicas

Os 150 salmos (com variações de número em várias tradições antigas, inclusive na LXX e nos fragmentos dos salmos de Qumran) uma vez eram textos isolados, usados por conta própria, como é facilmente reconhecível na sua forma textual: muitos poemas têm títulos de cunho liturgico-musical, atribuições nomeais, até algumas referências (retrospectivas) a eventos históricos. As unidades, via de regra, mostram uma certa estrutura poetica, agendária, que permite reconhecer a divisão do texto em introdução, desenvolvimento e conclusão. Até hoje em dia o uso geral dos salmos é de unidade por unidade, raramente se recitam séries de poemas como feito em 1Cr 16 ou nas horas Beneditinas. Da mesma forma usamos os nossos hinários em serviços dominicais ou reuniões casuais ou espirituais. Os Salmos separados constituiram peças autênticas e autônomas para vários ritos coletivos. Apenas ao longo da história da transmissão grupos de textos foram juntados por escrito, e mesmo assim continuava a aplicação individual dos poemas em determinados momentos de uma ou outra ceremônia.

Quais eram as “situações vivenciais” (Lebenssituationen) ou os “lugares na vida” (Sitze im Leben) dos poemas tão variados do Saltério? Hermann Gunkel e Sigmund Mowinckel, os pioneiros da “crítica das formas linguísticas”, consideravam essa radicação dos gêneros dos Salmos na vida sociocultual o ponto mais importante da apuração escolar.3

Justamente por não prestigiar um autor-poeta na literatura sálmica (as referências a Daví ou outras personalidades dificilmente são autênticas e só querem indicar, originalmente, o funcionário especial legitimado para recitar o texto como Asaf, Coré etc.), o pesquisador moderno, assim Gunkel, deveria observar minuciosamente todos o fenômenos linguísticos e estilísticos, temáticos e emocionais para reconhecer o lugar certo do uso de cada gênero dos Salmos. Vale a pena rapidamen-te mencionar as carapidamen-tegorias gerais que os “críticos da forma lirapidamen-terária” descobriram.4 São cinco tipos de poemas sagradas.

● Lamentações (queixas) e agradecimentos individuais, o maior grupo de salmos (ca. 40 de quarenta) provêm originalmente de ritos de cura

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e de ação de graça depois da salvação divina, como se fazem em muitas religiões. O especialista, administrando as queixas do patiente, era um tipo de xamã, pajé, curandeiro, incantador; o grande número de incantações em tábuas cuneiformes escavadas nos tells antigos da Ba-bilônia testemunham o ritual inteiro incluindo abluções, purificações, sacrifícios, etc. No meio de extensos textos rituais essas incantações babilônicas trazem súplicas do patiente às divindades responsáveis muito similares aos lamentações do Saltério. Explicitamente o curan-deiro “deixa o doente rezar”, quer dizer, é ele que é dono da oração assoprando ao cliente linha por linha do texto sagrado. Infelizmente, a parte das instruções ceremoniais falta quase completamente no Antigo Testamento restam apenas as preces pelo miserável em bus-ca de ajuda divina. Os salmos de lamentação individual em si, no entanto, deixam claramente transparecer os motivos existenciais do culto caseiro de cura: doença grave (cf. Sl 38; 41), polêmicas internas e externas (cf. Sl 35; 55; 69; 109; 120), falsas acusações (cf. Sl 7; 17; 26), própria culpa (cf. Sl 6; 51; 130), attaque de demónios (cf. Sl 91), angústias e sinais ominosos (cf. 13; 22; 59; 102). Em todos estes casos de perigo para a vida os meios caseiros estando esgotados as famílias antigas se dirigiram a um curandeiro reconhecido (no AT: “homem de deus”, como Elias e Eliseu) pedindo ajuda professional. A oração pelo sofredor, provavelmente com participação dos familiares, era o ponto alto do tratamento. Estas súplicas foram recolhidas através dos séculos no acervo de textos sagrados a servirem em cultos casuais da comunidade judaica emergente. – Agradecimentos para dar ofertas e festejar a salvação do miserável são uma consequência natural de uma súplica bem sucedida (cf. Sl 22:22-32; 30; 32; 62; 107; 116; 118). Os salmos coletivos de lamentação e agradecimento (cf. Sl 44; 74; 79; 80; 137 e Sl 66; 67; 124; 129; rituais de lamento coletivo: Jl 1-2; Os 6:1-3; Jr 14; Isa 63:7-64:11; Js 7:6-9; Jz 20:26-28) parecem réplicas dos textos e procedimentos individuais, falando no plural do povo e accentuando os interesses e ânsias da comunidade.

● Um segundo tipo básico de salmos, embora pouco representado no Saltério, é a “canção de vitória” de grupos tribais (cf. Sl 68; Jz 5; Ex 15; Isa 59:16-19; 63:1-6). Parece que este gênero hínico em Israel originalmente era caraterístico para clãs e tribos: Elas assumiram tradi-cionalmente as defesas em épocas de ameaças por fora e celebraram as derrotas dos inimigos com festas alegres, incluindo a distribuição dos

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espólios. Certamente, outros organismos sociais mais bureaucratizados como cidades e estados desenvolveram também costumes semelhantes. ● Seguem logo outras formas hînicos mais comuns dentro do livro dos

salmos, como terceiro gênero fundamental na nossa contagem. Em pri-meiro lugar podemos considerar as canções de louvor oferecidas a deus em bons anos para olheitas suficientes ou até abundantes (cf. Sl 65; 67; 104). Não é errado assumir que em todas as religiões há elogias e festas para celebrar as bondades dos deuses. No Israel antigo eram provavel-mente as aldeias e cidades agrárias que mais eram envolvidas neste ciclo de festas saisonais do ano (cf. Ex 23:14-17; 34:18-24; Dt 16:1-17). Nas canções intonadas nessas occasiões também se lembravam, ao longo do tempo, outras intervenções de deus, salvações em épocas de secas e fome, inundações e epidemias, derrotas diante de povos vizinhos, de tempos de violência, subjeção e pagamento de tributos. Pouco a pouco, como se formava o povo de Israel, a memória de Javé entrou nas liturgias festivas (cf. Sl 100; 105; 111-114; 132; 136), era ele também o deus guerreiro do sistema tribal. Os hinos revolvendo ao redor da dinastia real, do Sião e da cidade de Jerusalém so podem ter originados com os reinados em Israel e a construção de um templo estatal mesmo (cf. Sl 20; 21; 45; 89/ Sl 46; 48; 84; 122; 132/ Sl 87; 147). Assim, os conteudos dos hinos festivos, no interior do pais e na capital, foram se enriquecer de temas e experiências da vida comum e da política sofrida. Bem provavelmente, os salmos usados em vários lugares do território israelita por occasião de festas annuais ou espontáneas estavam sob cuidado de especialistas liturgicas liderando as ceremonias públicas. No caso, imagino que eram sacerdotes, levitas ou outros funcionários, ligados aos santuários locais (cf. Eli em Silo, 1Sm 1-4; Ahimeleque em Nob, 1Sm 21:2-10; Samuel em Rama, 1Sm 9, os Asafitas, 1 Cr 16).

● O quarto gênero fundamental já parcialmento tocado em cima deve-riam ser aquelas poesias que se geravam por necessidade na corte real nos estados de Judah e Israel, em Jerusalém e Samária. O isolamento claro desses modelos hínicos é difícil por que na época pós-monárquica os textos continuavam ser usados nos cultos da comunidade, porém com certa glorificação nostálgica e com expectativos messianicos. Muitos fãs de Daví esperavam a volta do velho rei ideal (cf. Isa 9; 11; Jr 33:14-18; Ez 34:23-24; Am 9:11-12). Por isso, temos que contar com fortes pinceladas posteriores, retrospectivas sobre textos mais velhos da verdadeira época dos reis de Judah e Israel. Os oráculos de

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deus que fazem do rei humano quase um filho de deus (cf. Sl 2; 45; 89; 110; 2Sm 7) podem, portanto, corresponder à etiqueta real dos monarcas passadas ou então aos sonhos messiánicos da comunidade judáica tardia. Os hinos da ascenção ao trono universal de Javé (Sl 47; 93-99, com excessão de 94) embora não mencionam o rei terrestre, visam uma ceremônia conhecida do Oriente Médio Antigo a saber o tomar posse de uma divindade, junto com um matrimônio sancto (p.ex. nos mitos de Ugarit bem como em algumas poemas reais em Sumer e Akkad) em determinada festa do Novo Ano. Dai esses hinos de Javé, tipicamento contendo a frase: “Javé se tornou rei” são inti-mamente ligados com o governo de Judah. Reza, p.ex. o Sl 47:4: “Ele [Javé] põe as nações sob o nosso poder ...”. Daí se dá uma connexão inquestionável entre as aspiraçoes humanas e divinas dos teólogos de Israel. O material monárquico, dinástico no Saltério por isso deve ser refletido por sua arrogância humana. È certo que altos funcionários dos templos estatais estão atrás desses hinos de realeza terrestre e celestial. ● Finalmente, o quinto modelo de salmos se refere à comunidade de fé

oriundo depois do exílio nos séculos 6 até 4, principalmente sob o governo imperial dos Persas. Essa comunidade de fé em Javé, o único e universal Deus, realmente era uma novidade no Oriente Medio Antigo a não ser que ao mesmo tempo havia um desenvolvimento da religião de Zoroaster na mesma direção. Com a autonomia nacional perdida, reinado e templo estatal destruido, o povo disperso mundo afora (aldeamentos judáicos provados na Babilônia e no Egito) a comunidade se re-criou de modo espectular, como organisação religiosa não somente étnica ou política. Criou-se um sistema simbólica da fé, abandonou-se a identificação apenas genealógica, urbana, regional, dinastica. Vivia-se uma vida centrada nos costumes e comportamentos religiosos, a saber aguardar as orientações da Torah (cf. Sl 119), em particular cuidar do Sábado e da circoncisão, das preces e do culto ao Senhor, seguir as regras da santidade do povo em termos éticos e cultuais (cf. p.ex. Lv 19; Isa 58; Mq 6 etc.), confissar-se adepto de Javé (cf. Jn 1:9: Rt 1:16; Js 24:15; Dt 6:4-5; 26:3-10). Estruturar assim a vida toda em relação constante a uma divindade, ser servo dela em qualquer momento e situação vivencial, é carateristica marcante do Judaismo emergente da época. Essa attitude geral tambem determina os salmos que ori-ginaram na nova comunidade de fé e em suas diversas cerimônias. Têm poemas no Saltério elogiando a dádiva da Torah (Sl 1; 19; 119);

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têm salmos refletindo sobre a vida humana e a justiça de Deus (cf. Sl 39; 49; 73; 90; 139). Outros textos didáticos se preocupam com a historia do povo com o seu Deus, as aberrações dos antepassados e as consequências para as gerações atuais (cf. Dt 32; Sl 78; 106; Ne 9; Esd 9; Dn 9), todos em função do desejo forte de viver como fiel seguidor dos caminhos prescritos por Javé mesmo. Podemos imaginar, que os lideres dessa comunidade eram em primeiro lugar eruditos da Torah, escribas, pregadores e intercessores como Moisés, Samuel, Esdras, Jeremias (cf. Sl 95:6; Jr 10-11; 15:1; Esd 1:1; 10). Eram eles, de certo, também os “autores” daqueles salmos que acabamos a iden-tificar. A finalidade e o contexto dos poemas refletivos e didáticos com alta probabilidade eram serviços comunitários de orientação para os adeptos de Javé.

Coleções Profissionais

Agora temos uma visão grossa do material cru do qual se construiram, du-rante de séculos pequenas coleções e composições de textos sagrados para o uso coletivo da comunidade judáica. Mas tarde, elas foram juntadas para constituir o Saltério grande. É preciso perguntar mais uma vez pelos motivos de tais aglomerações. No meu ver, ajuntaram-se textos desajuntaram-se tipo (canções sagradas; preces e súplicas; meditações e exortações) em primeiro lugar para o uso comunitário em diversos contextos litúrgicos ou ceremoniais. Uma leitura individual e edifi-cante até para uma minúscula elite intelectual dificilmente pode se presupor antes da época helenista (a partir de ca. 330 BCE) quando o grau de alfabetização começava a crescer.8 Temos alguns traços de

coleções com diferentes perfils.

● Alguns salmos mostram nomes pessoais de Levitas nos seus supers-cripções: Coré (Sl 42-49; 84; 85; 87; 88); Asaf (50; 73-83); Emã (Sl 88); Etã (Sl 89), Iditun (em concorrência com outra ascrição: Sl 39; 62; 77) nomes assim, que também ocorrem nos livros das Crônicas indicando professionais do templo. (A indicação de Moises [Sl 90] e Salomão [Sl 72; 127] provavelmente já tem outra função.) Os cinco homens parecem donos dos textos, ou funcionários do templo admi-nistrando as canções sagradas. Si os nomes contêm uma referência à profissão (Asaf – āšipu [accádico] e Iditun – jdh [hebraico] = “singer”, “encantador”) bem poderiam significar tipos de xamãs ou pajés, no AT

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classificados como “homens de Deus” (cf. Elias, Eliseu). A colocaço e distribuiçã desses nomes nas superscrições dos salmos dá a impressão de ser mais ou menos acidental e arbitrária. Os exegetas modernos concordam que tal personalização pode ser um fenomenon literarário, isto é secondário. Por isso não temos certeza se as superscrições por si conseguem marcar sub-coleções definidas do Saltério. Mas elas pelo menos nos dão a idéia de que existiam, na época tardia de Israel e na memória desse povo, certos administradores e talvez autores de sal-mos. Talvez é lícito dizer, com grande cautela, que os salmos de Coré estão voltados à teologia do Sião, aqueles de Asaf mais para a história de deus com o seu povo. Mas outros motivos e gêneros de poemas sagradas (queixa; súplica; sabedoria; hino etc.) entram no quadro nestas coleções. Não vemos sub-coleções homogêneas. Mesmo assim, o fato é claro de elas terem existidas na fase inicial do juntamento de textos cultuais. Os levitas nomeados cuidaram de um acervo de canções litúrgicas. Asaf e os seus irmãos, conforme o cronista (1Cr 16:7), são encarregados com outras canções (partes dos Sl 105; 96; 106; 107 citados em 1Cr 16:8-16) do que aquelas etiquetadas com os seus nomes. Mesmo assim, dá para postular certas sub-coleções professionais mais antigas dentro do Saltério.

● O alvo era diferente em aqueles grupos de salmos que diretamente serviam finalidades festivas ou rituais com participação do povo. Por um lado reconhecemos, no Saltério, textos especificamente declarados para romarias (hamma‘alot [“ascenção”, à Jerusalém]: Sl 120-134). Mais uma vez: A variedade genêrica é grande neste grupo de canções. Não sabemos, se ou não o juntamento dos textos é uma coisa puramente literária, ficticiosa. Ainda bem, a realidade de romarias fez parte da vida israelita de tempos imemoriais (cf. 1Sm 1-2; 20:28-29; Ex 23:17; Isa 2:2-4; Zc 14:16). Ao mais tardar eram os redactores ou compositores das coleções pequenas que imaginaram pessoas andando e cantando rumo um santuário célebre. Quem as liderava e quem providenciava textos oportunos para a romaria ninguém nos conta. Provavelmente levitas cantores assumiram essa responsabilidade. – Na mesma linha de argumentar podemos identificar uma coleção litúrgica dos Salmos 113-118, na época mais tardia rezada principalmente nos ritos da Páscua. Este grupinho se destaca pela exclamação litúrgica alleluia, “louvai ao Senhor”, um hino comunitário em si. Os seis salmos pertencentes são entendidos como unidade ceremonial. De certo modo, os Salmos

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146-150 formam, de modo análogo, um “hallel final” ao livro dos Salmos, sem indícios, porém, de um uso seperado em serviço cultual. Outros salmos, a partir do Sl 105, intonam um alleluia no início e/ou no fim da canção individualmente. Em resumo, a tematização do louvor a Deus em contextos da adoração comunitária da confissão a Javé levou para ao ajuntamento, por escrito, de textos escolhidos, provalmento para as mãos de um cantor. – Mais algumas outras aglomerações temáticas possivelmente também são apontando a processos de recolhimento de peças relacionadas por fins práticos-litúrgicos (cf. Sl 3-7; 95-99; 105-106 etc.). Alguns exegetas consideram o famoso “saltério eloista” (Sl 42-83) uma coleção originalmente independente,9 outros optam

para ele ser uma revisão posterior.

● O nome mais prominente no Saltério, no entanto, é aquele do rei Daví. Não menos do que 73 vezes (LXX 83 vezes) o cantor real apa-rece só nos superscrições dos salmos e mais algumas vezes no corpo de um poema mesmo (cf. Sl 18:51; 78:70; 89:4.21.36.50; 122:5; 132:10.11.17; 144:10). Também encontramos ele em uma anotação scribal (Sl 72:20) sumando aparentemente todos os salmos anteriores sob título de “preces da autoria de Daví”. È evidente assim a suma importância de Daví na tradição cultual do AT. Essa tradição, na verdade, é pluriforme e bem complexa. Cabe lembrar as lendas nar-radas nos livros de Samuel, particularimente os contos belos sobre o jovem Daví capaz de tocar a lira tão bem que os espiritos maus fogem de um doente (1Sm 16:23). Uma outra tradição faz ele um poeta mesmo atribuindo-lo muitas composições (cf. 2Sm 1:17; 22:1; 23:1: “últimas palavras”; “cantor dos salmos de Israel”). Um rolo de Salmos da caverna 11 de Qumran atribui à Daví a composição 3600 hinos plus 450 canções.10 Além disso, tem uma forte corrente

de estórias que mostra Daví como sofredor exemplar: de persegui-ções, sede, do castigo de Deus, traição pelo filho. Daí vêm as treze anotações (LXX tem 16) redactionais aos superscrições de salmos de lamento, confissão de culpa, súplica e agradecimento a Javé (cf. Sl 3; 7; 18; 34; 51; 52; 54; 56; 57; 59; 60; 63; 142). Por último, Daví se tornou a figuara messiánica por excellence em algumas camadas literárias do AT (cf. Isa 9:5-6; 11:1-9; Jer 33:14-22; Ez 34:23-24). Por consequência, salmos foram interpretados ou compostos como canções de intensa espera para uma futura volta de Daví e da irupção do reino de Deus (cf. Sl 2; 20; 21; 45; 110; 132; 144).

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Concluimos que por motivos bem diferentes a figura do rei famoso se tornou um ponto de cristalização para os transmissores dos salmos. Eles obviamente, nos seus escritos, colocaram juntos respectivamente classificaram poemas tradicionais salmos “do exorcismo”, “de autoria”, “de sofrimento”, “da realeza”, “da biografia” do proprio rei Daví e apenas parcialmente revelaram os diferentes usos litúrgicos com tais etiquetas. Temos, no Saltério canonizado, uns quatro agroupamentos de “salmos davídicos por superscripção”, a saber: Sl 3-41; 51-72; 108-110; 138-145. Alguns exegetas adicionam a designação “to/ for/from Daví” em Sl 102 e assim criam um quinto groupo de Sl 101-103. Não sabemos de certo, no entanto, se estes agrupamentos constituiram uma vez coleções independentes. As três maiores talvez se qualificam como tais. O que pode ter sido a razão da sua existência? Temos que olhar mais para os usos pragmáticos dos textos do que ao seus conteudos doutrinais.

Os primeiros dois agrupamentos sob título de Davi (Sl 3-41; 51-72) contém uma clara maioria de queixas e agradecimentos para o indivíduo sofredor e salvo: São 23 do total de 39 no primeiro caso e 17 do total de 22 textos no outro. Aí, se podemos falar de uma coleção original, mostra se a dimensão particular e familial que produzia ritos de reabilitação e agradecimento pela ajuda divina.11 Como se pode deduzir facilmente

das incantações babilônicas que contém súplicas muito semelhantes aos do AT um funcionário profissional administrava as preces, era ele também que escolheu os ritos certos para o patiente. Enquanto as coleções cuneiformes da Mesopotamia12 annotam todas os rituais

per-tencentes, o Saltério apenas traz as queixas e súplicas. Porque isso? Na comunidade judáica emergente eram proibidas quaisquer ceremônias implicando diagnósticas, exorcismos, abluções, sacrifícios etc. em nome das divindades de cura (cf. Dt 18:9-13; 2Rs 1:1-8). O ritual legítimo usado na comunidade de fé em Javé aparentemente só consistiu de um serviço de oração (mas cf. Nm 5:11-31; Lv 12-15!). Mais ainda, eu suponho, precisava-se um especialista da diagnose e da “reza com doentes” para efetuar libertação do mal aflitindo um sofredor. Então, se houve coleções autônomas de preces deste tipo e Sl 3-41 e 51-72 representam eles, então levitas ou curandeiros não nomeados eram os seus donos. Eles utilizaram o nome de Daví nas superscrições para aumentar o prestígio e poder da oração. – O terceiro bloco de salmos davídicos (Sl 138-145) é muito menor com apenas 8 unidades bem

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diversas. Uns cinco delas (Sl 138; 140-143) mesmo assim representam preces individuais. Mas o número total de textos neste grupo não é significante, é melhor considerar a classificação via o rei Daví como accidental, da mesma maneira como aconteceu nas superscricções de Sl 122; 124; 131; 133.

A COMPOSIÇÃO DO SALTÉRIO

Se estamos capazes de identificar, de modo grosso, as unidades originais do livro dos salmos e depois vislumbrar contornos vagos de cole-ções profissionais de certos gêneros, ainda é quase impossível de re-construir exatamente a gênese final do Saltério. São reconhecíveis no máximo algumas linhas bastante gerais do trabalho perdurado de escribas e redatores veterotestamentários. Apesar deste fato lamentável surgiram, nas últimas décadas, várias teorias precisas do crescimento final do livro. São ligadas, geralmente, com dois estudos seminais, a saber dos exegetas Gerald H. Wilson e Matthias Millard.13 Ambos

acreditam seriamente na possibilidade de que gerações de autores bíblicos perseguiram uma linha reta e constante de planejar um sistema teológico através da edição e organição de textos litúrgicos herdados e concebidos por eles mesmos. O primeiro destaca, a partir da hipótese da homogeneidade da Escritura, a divisão do Saltério na forma integral em cinco livros (Sl 1-41; 42-72; 73-89; 90-105; 106-150). Os salmos iniciais e finais de cada entidade no seu ver provam o plano perfeito de criar um livro paralelo à Torah, para meditar a história salvífica de Deus com Daví e o povo de Israel bem como, começando com Sl 90, com a humanidade toda. O segundo analis-ta teológico confia mais nas regras da crítica das formas literárias. Para ele, a aglomeração dos salmos no Saltério se deu conforme a dialética de queixa e louvor (Claus Westermann está por trás dessa idéia)14, no nível literário de livros. O livro dos salmos, por tanto,

reflete uma teologia de romper a queixa e elevar-se à eulogia pura de Deus.15 Referente à qualidade literária do livro dos salmos Erich

Zenger junto com seus colaboradores e alunos são os mais insistentes defensores da concepção de um “Volksbuch für Laien” (livro popular para leigos). O saltério, conforme eles, leu-se particularmente na privança da própria casa para alcançar “piedade pessoal” e sustentar “a esperança messiánica”.16

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Fases e Motivos de Juntar os Salmos

Dado o pano de fundo cultural dos séculos 5 até 3 BCE quando se realizavam as sub-coleções dos salmos bem como o ajuntamento final do Saltério em Judah e na diáspora babilônica (também egita?) o impulso principal para tal empreendimento dificilmente pode ter sido o desejo do povo pela leitura particular de canções sagradas. Lembramos: Os judeios, nesta época eram uma sociedade iliterata. Aqueles que formavam a nova comunidade de fé, no entanto, experimentavam grande necessidade de juntar e standardizar as suas tradições velhas, a saber as orientações da Torah (cf. Ne 8) e lado ao lado disso os recursos litúrgicos para todas as ceremônias vitais servindo a identificação como judeios, entre elas certamente as preces e agradecimentos de pacientes sob cuidados médicos. Havia, provavelmente, também, ritos de diagnose de doenças junto com vários “ritos de passagens”.17 No mais: havia,

conforme testemunho dos escritos hebráicos ceremônias de colheita, dedicação, benção, purificação, sacrifício (muitos tipos, cf. Lv 1-7) etc. em grande número e vários niveis da sociedade. Uma comunidade de fé organizada exclusivamente ao longo de valores e rituais religiosos precisava de bastante ceremônias e a vida as criou. Os ritos necessitavam de regras e textos, e estes, por sua vez, passam mal sem cuidado por funcionários treinados. Assim se explica plausivelmente a origem e a “canonização” do Saltério sob supervisão dos líderes da comunidade. Sobre os detalhes da composição do livro dos salmos somente dá para especular.

As descrições deste processo não passam de ser muito hipotético mesmo.18

Naturalmente, algumas affirmações podem ser feitas, a saber: Os textos individuais da coleção podem anteceder qualquer agrupamento. Mas, sim, eles também podem ser compostos justamente para finalizar a obra centenário. Principalmente Sl 1 e 150 caem sob este suspeito, alguns pesquisadores incluem os Sl 2 e 146-149 como entrada e desfecho do livro. - As coleções menores (se existiam uma vez por si mesmos) têm que ter antecedido da composição final. Mas como elas se assimilaram ao conjunto, em qui sequência e sob quais condições – isto escapa o nosso conhecer. – O Saltério como um todo bem pode ter crescido passo por passo, só não dá a reconstruir o processo. A única referência confiável nesse sentido fica Sl 72:20: “Fim das orações de Daví, filho de Jessé”. Tinha uma vez uma coleção davídica, caraterizada por tefillot, “súplicas” concluindo com o Sl 72. Mas não podemos dizer com certeza

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onde ela começou, será com o Salmo 3? Exegetas gostam da idéia de que teve duas etapas principais de crescimento do livro. Por razões já bem teológicas alguns consideram o primeiro Saltério meio completo o corpo textual dos Salmos 3-89, por que o grupo que segue (Sl 90-149) tem certas distintas caraterísticas (mais hinos; superscriçoes diferentes; frequente falta de superscrição). O bloco de Sl 3-89, por outro lado, assuntivelmente reflete a história do reinado davídico terminado com a catástrofe de Sl 89, da qual brotam, conforme de outros eruditos, novas esperanças articuladas nos Sl 90-119, culminando na dádiva da Torah! (Sl 119)

A Influência da Torah

Em vez de especular sobre o calendário da história composicional do Saltério queremos dar uma olhada no produto final: o livro de 150 Salmos. As tradições representadas por uns rolos de Qumran e pela versão Grega mostram certas deviações da ordem, dos textos e do número de unida-des. No entanto, a forma final do livro hebráico masorético se tornou standard no contexto judáico e cristão. Este, o nosso Saltério, revela vestígios das últimas revisões por parte dos responsáveis, sejam eles levitas, cantores ou curandeiros. Cabe primeiro perguntar, quais eram os poemas que contribuiram os novos conceitos teológicos naquela época formativa da comunidade judáica? Considerando as emergentes perspectivas religiosas em Judah e na diáspora Babilônica os salmos próprios da comunidade se destacam pelo foco na orientação divina (Torah), pelas preocupações em torno do destino humano, a aliança com Deus, os problemas sociais, a justiça divina. Eu conto com um número considerável de salmos compostos pela própria comunidade de fé.19 Esta

camada literária deveria ser reconhecida como contribuição genuina da comunidade judáica nascente. – Em segundo lugar, as marcas induvi-táveis de redatores são noinduvi-táveis. A constatação exemplar de Sl 72:20 já se mencionou. De uma forma mais sutil os compositores do livro de Salmos botaram quatro afirmações de louvor por dentro do texto final: Sl 41:14; 72:18-19; 89:53; 106:48. Todos iniciam com “Bendito seja Javé” e concluem com um responsório da congregação “Amen”. Desta maneira, o livro dos salmos fica dividido em cinco partes (em analogia ao Pentateuco) de 41 – 31 – 17 – 17 – 44 unidades ao bloco. Será, que os redatores quiseram presentar um sistema teológico com tal

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repartição do livro e não somente a participação átiva da assembleia do povo nos cultos comuns?

Restam muitos campos a serem pesquisados um dos mais importantes sendo a pergunta: Até que ponto os redatores finais realmente impuseram a sua própria teologia ao material antigo, herdado dos antepassados? Há sinais de re-interpretações: Assim, as súplicas individuais às vezes são aumentadas por referencias ao Sião ou à comunidade judáica como um todo (cf. Sl 12; 102:13-15; 130:6-8). De modo geral, os nomes das antigas divindades pessoais (caseiras) foram substituidos por o de Javé, com a nótavel excessão do “saltério eloista” (Sl 42-83). A juxtaposicão do “homem justo” (saddiq) e do “ímpio, rebelde, ateu” (raša‘) bem como a preocupação com a soberania e exclusividade de Javé, a santidade da Torah, permeiam principalmente os “novos” poemas. (Faltam porém, por grande parte, os temas especificamente sacerdoteis do Pentateuco, a pureza cultual, os sacrifícios: cf. críticas a estes Sl 40:7; 50:8-15; 51:18-19). O problema da realeza Davídica é um assunto bem especial no livro dos Salmos. A dinastia real estava desarreigada no século 6 BCE. Mas sobrevivia a esperança messiánica de sua volta (cf. em cima no. 2.1.d). Ao todo, no entanto, a edição final do Saltério deixou intacto grande parte da tradição antiga. A constante verificação, quanto possível, da ordem social atrás dos textos e ritos seria uma tarefa imprescindível.

O Papel do Saltério

Conforme tudo dito em cima o Saltério servia antigamente e através dos tempos como coleção de sagradas preces e canções para o uso comu-nitário. Os seus unidades foram e são recitadas e rezadas em diversos contextos litúrgicos. Mas, isto é certo, o Saltério faz parte de um livro maior, a Bíblia, embora sendo publicado muitas vezes também separadamente. Livros são capazes, sem dúvida, de serem lidos por indivíduos. Mas a leitura popular depende do grau da alfabetização e do estado cultural de uma sociedade. Norbert Flüglister insistiu, que a época romana já atingiu um nível de escolaridade que uma leitura popular dos salmos se fez possível.20 É bastante precária essa hipotese,

por que os primeiros leitores comprovados do inteiro Saltério eram os Beneditinos (século 6 CE). Eles cantavam o Saltério do primeiro até o último salmo durante as horas de serviço, mas em coro, e eles

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pertenciam à elite intelectual, não constituiram o povo. Isso também pode valer parcialmente para a pessoa murmurando a Torah (Sl 1:2). Dificilmente havia pessoas particulares possuindo um rolo da Torah (ou dos Salmos!) no século 2 BCE.21 Se bem, que escritos sagrados

de qualquer tipo eram feitos para serem lidos. A questão decisiva é, quem os liu e em que situação ceremonial. Os redatores do livro de Salmos definitivamente compilaram os poemas para leitores oficiais que recitavam as sagradas canções (oralmente ou com olhos fixos no manuscrito) para os participantes do respectivo rito. A Torah se leu na assembléia (Ne 8:1-3), o povo ouça atentativamente e assim tem oportunidade de meditar as suas palavras (cf. Sl 1:2).

GENESE PSALTERY - WHAT A BOOK OF PSALMS?

Abstract: the “holistic” interpretation of the psalms is in vogue. Allegedly, the

Psalter was composed to be a private book of meditation. A sober investi-gation of the relevant texts rather suggests another theory of its origin and growth: The individual psalms in the beginning were composed and used by different expert poets to be recited in communal ceremonies of different purpose and setting. Healing rituals, victory celebrations, annual agrarian festivals, royal etiquette, communal instruction were among the generative occasions giving birth to a good number of psalm-genres. The poems the-mselves always were produced and guarded by trained conjurers, cantors, liturgists, priests or the like. They were collected in small groups and put down in writing for the expert. Names like Asaph, Korach, Heman in psalm headings may still remind us of these early psalmists. When Israel became a new faith community after the exile it proved necessary not only to put together all traditions of divine orientation, but also to collect and unite relevant texts for a large amount of sacred rites (cf. 1 Chr 16). That is when the Psalter came into being. For a long time it did serve the community leaders to conduct all kinds of worship ceremonies. A popular reading of books only could develop much later after the creation of public schools and a general literate culture.

Keywords: Psalms. Rites. Tradition. Meditation. Literary Genre.

Notas

1 Mais informações técnicas em quaisquer “Introdução aos salmos”, cf. e.g. Sch-midt, Introdução 32004; Zenger, Einleitung 52004, 349-367.

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2 Os pormenores do desenvolvimento histórico e teológico do antigo Israel que está atrás do surgimento do cânon veterotestamentário tentei esboçar nos meus últimos dois livros: Gerstenberger (2007); idem, Perserzeit (2005).

3 As obras seminais destes exegetas creativas são: Gunkel, Psalmen 1926; idem e Begrich, Einleitung 1933; Mowinckel, Psalmenstudien 1921ss; idem, Psalms 1962.

4 O meu “form-critical” comentário (em Inglês) sobre os salmos (Gerstenberger, Salmos 1988 e 2001) primeiro oferece uma análise das formas, depois trata de cada texto individual do Saltério.

5 Cf. Gerstenberger, Mensch 1980/2009.

6 Especialistas do antigo oriente médio hà tempo têm descrito aqueles ritos de cura, cf. e.g. Cunningham, Evil 1997; Maul, Zukunftsbewältigung 1994; Heessel, Diagnostik 2000.

7 Poucos indícios de ações rituais em conexão com a miséria pessoal sobreviveram no AT, cf. Lev 5:1-6; Nm 5:12-31; 12:9-15; Dt 21:1-9; 2Rs 4:32-37; 5:11-14; Isa 38:21; Jó 33:19-30. Uma única superscrição menciona a finalidade da prece: Para que “um infeliz que, desfalecido, derrama sua lamentação diante de Javé” (Sl 102:1).

8 A alfabetização fica um problema complicado a ser apurado nas culturas do Antigo Oriente Médio: cf. Vanstiphout, Herman L. J., Memory and Literacy in Ancient Western Asia, in: Sasson (ed.), Civilizations vol. IV, 2181-2196; Macdonald, M.C.A. Literacy in an Oral Environment, in: Bienkowski et al (eds.), Writing 2005, 49-118;

9 Cf. Süssenbach, Psalter 2005.

10 Cf. Dahmen, Psalter-Rezeption 2003, 251-259. 11 Cf. Gerstenberger, Mensch 1980 (re-impressão 2009).

12 Cf. apenas Cunningham, Evil 1997; Maul, Zukunftsbewältigung 1994. 13 Cf. Wilson, Editing 1985; Millard, Komposition 1994.

14 Cf. Westermann, Praise 1981.

15 Uma crítica succinta da interpretação teológica dessa estrutura literária lançou Whybray, Psalms 1995. Cf. Erhard S. Gerstenberger, Der Psalter als Buch und als Sammlung, in: Seybold et al (eds), Wege 1994, 3-13.

16 Zenger, Einleitung 2004, 367. Fundamenta ele essa visão citando Hermann Gunkel, Einleitung 1933, 452 (op. cit. 358).

17 É muito útil de pensar nos rituais comuns: Os „ritos de passagem“, conhecidos em muitas culturas, accompanham a vida da gente, os pontos altos e baixos marcando uma transição de um estado para um outro.

18 Cf. por exemplo a tabela exata onda pinta-se, com indicações dos séculos certos (entre 6º e 2º século B.C.E.) para o surgimento de cada entidade literária, a “história composicional e redactional do Saltério” em Zenger, Einleitung 2004, 364-365.

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19 São numerósos os salmos da época exílica-pós-exilica. Geralmente, estes poemas são denominados de “poemas sapienciais”, “salmos de instrução/orientação”, “meditações existenciais”, conto com de 20 até 30 textos, p. ex. Sl 9/10; 19; 25; 33; 34; 37; 39; 49; 73; 78; 111; 112; 119; 139. Mais detalhes em Gerstenberger, Psalms vol. 1, 1988, 19-21 e nas interpretações dos respectivos salmos.

20 Norbert Flüglister, Die Verwendung und das Verständnis der Psalmen und des Psalters um die Zeitenwende, in: Schreiner (ed.), Beiträge 1988, 319-384. 21 Tipicamente, o etiope de At 8:28 lendo o profeta Isaias para si mesmo, era um

“alto funcionário de Candace, rainha de Etiópia, e seu tesoureiro-mor” (v. 27), teve grana para pagar educação e literatura.

Referências

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(19)

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* Recebido: 18.09.2010

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** Erhard S. Gerstenberger, nascido em 1932, se criou nas margens da maior área in-dustrial da Alemanha (“Ruhrgebiet”), o pai sendo um mineiro de carvalho. Estudou teologia protestante em Marburg, Tübingen, Bonn e Wuppertal, foi para os EU (Yale Divinity School, 1959-1964) e serviu como pastor em Essen, Alemanha (1965-1975). Doutorado em Bonn (1961), habilitado em Heidelberg (1970). Depois seguiou para o Brazil, com familia, lecionando na disciplina do Antigo Testamento em São Leopoldo, RS (na EST; 1975-1981). Se tornou professor do AT consecutivamente nas Universidades de Giessen, e de Marburg em 1981 e até 1997 (aposentamento).

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