I
RITA ATMEIDA
DE
CARVALHO
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I
Clrulo*kitons TEMAs € DEBATES7--A cópia ilegal viola os direitos dos autores.
Os prejudicados somos todos nós.
À Maria do Mar
tsBN 978-989-644-2 1 3-2
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Autora: Rita Almeida de Carvalho
Copyright @ Autora, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2013
Revisão: Levi Condinho Capa: Vera Braga Pré-impressão: ARD-Cor
Execução gráhca: Bloco Gráfico Lda., Unidade Industrial da Maia
1.'edição: fevereiro de 2013
ISBN (Temas e Debates): 978-989-644-213-2 N." de edição (Círculo de Leitores): 7825
Depósito legal número 352 539 l12
Tþmas e Debates - Círculo de Leitores Rua Prof. Jorge da Silva Hort4 1 1500-499 Lisboa
editora-temasedebates.blogspot.Pt www. circuloleitores.pt
Reservados todos os direitos. Nos termos do Código do Direito de Autor, é
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7-5umário
Agradecimentos.
Apresentação.
. . Notas 9A
Ditadura
Militar
e aIgreja Católica
O Decreto da Personalidade Jurídica
Os Bens da Igreja
As Missões e o Padroado Português do Oriente. . . .
A Nomeação do Núncio Beda Cardinale
Os Católicos no Governo da República
Os Acordos de Latrão
O Novo Cardeal-Patriarca de Lisboa
Um Incidente a propósito de um Pedido de Amnistia. .
AAproximação entre o Estado e a lgreja
Notas 11, 20 23 32 51 54 58 61 65 68 75 76 79
O
EstadoNovo
e aIgreja Católica
nas Vésperasdas Negociações
da Concordata.
.O Estado e a Igreja no Discurso de Salazar . . . .
O Estatuto da Igreja Católica na Constituição de 1933.
Um Entendimento Cordial. Notas 89 9L 94 L04 115
Dos Projetos
àConcordata
Dos Primeiros Ensaios ao Anteprojeto da Santa Sé
O Grupo de Trabalho para a Reformulação
12L 123 1,52 L63 1,67 254 271, 272 275 295 300 342 368 404 438 473 490 492 494 513 518 529 585 592 595 607 61L 627 629 631 do Anteprojeto AReformulação
doAnteprojeto
. . . . .Das Negociações Oficiais à Ratificação Notas
Agradec¡mentos
A
Discussão do
Articulado
da Concordata.
OPreâmbulo....
A Santa Sé Sujeito de Direito Internacional
A Personalidade Jurídica das Organizações Católicas.
AAquisição
e o Regime de Bens da Igreja Católica . . .As Garantias do Clero
Aliberdade
de Culto e aAssistência Religiosa . . . .O Ensino
OCasamento...
Este
livro
tem por base a minha dissertação de doutoramento,defendida na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Uni-versidade Nova de Lisboa em junho de 2010.
Para a sua elaboração, contei, como semPre/ como o apoio da
minha famflia e dos meus amigos. Agradeço sobretudo à minha
mãe e à minha filha. De entre os amigos, destaco a Ana Fernandes
Pinto, a Inês Versos e o António Araújo.
Sublinho ainda a orientação e a amizade do Professor Doutor
Fernando Rosas, o incentivo do Doutor Luís Salgado de Matos, as
observações críticas e sugestões feitas na arguição da tese pelos
Professores Doutores António Matos Ferreira e Fernando Catroga'
Ao
Doutor Manuel de Lucena agradeço aleitura
crítica do texto.O Divórcio
AAnulação
do Matrimónio CatólicoASeparação de Pessoas . . . .
O Regime das Missões no
Ultramar.
O Padroado e o Semi-Padroado. . .
.,
A Interpretação e a Vigência da Concordata
Notas .
As
Concordatas
e os RegimesPolíticos
Notas
As
Concordatas em Perspetiva
Comparada
Notas
A
Concordata
deSalazar.
Notas
Fontes.
Apresentação
Durante o Antigo Regime todas as sociedades europeias eram confessionais.
A
religião e o poder político estavam associados, aprimeira legitimando o
segundo e regulando toda avida
sociale
privada:
o
calendário era religioso,a
assistência hospitalar ea educação eram religiosas como eram religiosas as prescrições morais e cultuaisl.
A
Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a ConstituiçãoCivil
do Clero (1790), disseminou rapidamente a sua ideologia: a religiãodeixou de ser "o principal fundamento de
unidade,
ou "o critériode identidade nacionalo2. Mas uma certa tendência païa a
separa-ção entre os Estados e a Igreja Católica erc já visível na Reforma protestante, no âmbito da qual, por exemplo, o casamento
passa-va a ser considerado um contrato civil.
No
resto da Europatridentina,
a reflexão sobre a separação entre os Estados e a Igreja Católica inicia-se com o Iluminismo3, cujos princípios, tais como o facto de a liberdadeindividual
cons-tituir
o fundamento da ordem sociala,foram
aprofundados pela Revolução Francesat.Se os problemas das relações entre os Estados e a Igreja
r
A CONCORDATA DE SALAZAR 13
12 RITA ALMTIDA DE CARVATHO
degradou-se rapidamente: a unificação italiana pôs termo às con-cordatas com os antigos Estados
e
aLei
das Garantiasde
1871sancionou a separação Estado-Igreja
-
embora certos paísespu-dessem estar representados
junto
do
Vaticano e vice-versa, não existiam relações diplomáticas entre a Itália e o Vaticanou;na,4.us-tria, o imperador reagiu à declaração da
infalibilidade
papal coma denúncia da Concordata de LB55; as concordatas dos Estados de Vurtemberga e Bade não foram aplicadas; em França, foi
publica-da a Lei da Separação de 9 de dezembro de 1905, que acabou com
o regime concordatário da era napoleónica7.
Em Portugal, país que acatou as disposições
do
Concflio deTrento e que também sofreu uma forte influência do
anticlericalis-mo da França revolucionária, o liberalismo oitocentista e, depois, a República
infligiram
duros golpes à Igreja Católica. Refira-se aLei de 30 de
maio
de-1.834, de JoaquimAntónio
deAguial,
a qualextinguia
<todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, equaisquer outras casas das ordens religiosas regulareso,
incorpo-rando os seus bens na Fazenda Nacional.
A
Igrejavai
assimper-dendo, paulatinamente,
o
controlo sobre as instituições quega-rantiam a reprodução social da sua ideologias, poder que decorria,
em grande medida, da
"debilidade
dos recursos humanos e téc-nicos da burocracia estatal>e. Até então etam as autoridades ecle-siásticas que dominavam a educação, a saúde pública e as obras assistenciais/ a concessão de registos de nascimento, casamento eóbito.
Outros perigos
viriam
a ameaçar a força social, económica epolítica
dalgreja, tais como a expansão soviética e o comunismo.Este temor é bem expresso no relato que o tenente Assis Gonçal-ves, então secretário deSalazar, seu antigo professol, fezem1933
de uma conversa havida entre o padre José de Castro, consultor
eclesiástico da Embaixada de Portugal no Vaticanoto, e
um
chefedo comunismo separatista catalão, que encontrara numa viagem
de comboio de regresso a Portugal. Na opinião do último:
"Aquilo
1á por Portugal também vai muito bem..
.
AGaliza otimamente...Em breve ela e Portugal constituirão o
jardim
dapróxima
Con-federação Comunistalbérica..."
A
possibilidadeda
instauraçãodo comunismo na Península Ibérica era, de acordo com o padre Castro, partilhada
por
Pio XI: <sempre que se lhe fala emPortu-gat (ele que
dirige
o combate anticomunistapor todo
o Mundo,e que
por
isso tem acerca da sua organização as mais completas informações)diz
com certa preocupação:"Il
faut
prier
toujoursau Bon Dieu
pour
salazar... pour le ministreoliveira
salazardtt
Portugal"r11.Num
continente com numerosos Estados protestantes e anti-clericais, a santa sé procurava fortalecer a sua posição internacio-nal, erguer uma frente em defesa da civilização cristã, ameaçada, comodizia
Salazar, "pelas desordens e perigos mentais, morais esociais trazidos pelo falso liberalismo,
pelo
socialismo,pelo
co-munismo, pelo ateísmo, pelo materialismo e pelas revoluçõesot2,
tentando recuperar a sua influência, a sua autoridade e o seu
Pa-trimónio.
Este esforço é consubstanciado no movimentoconcor-datário do século xx.
As
concordatas são acordos genéricos celebrados entre osEstados e a Santa Sé (a
primeira
Concordata que regulagene-ricamente as relações entre
o
Estado e aIgreja
é anapoleóni-ca), que têm
juridicamente
ovalor
de um tratado internacional,porque a Santa Sé é geralmente reconhecida como pessoa
jurí-dica de
Direito Internacional
Público. É aprópria
existência daSanta Sé (e não a
do
Estadodo
Vaticano) queleva
a que/ <emlugar
de ser decretadounilateralmente
pelo Estado, o estatutoda Igreja Católica
sejaobjeto de
negociaçõesde natureza
di-plomática entre os Estados e a Santa Sé e as disposições
adota-das sejam consagraadota-das nos textos com todas as características
de
um tratado
entre potências, nas quais, em caso dedesacor-do,
os diferendostêm uma
dimensãointernacional"t''
Depoisda
anexaçãopelo
Estadoitaliano
dos
Estadospontifícios
em1,870 e até à assinatura dos
Acordos
deLatrão em
1929,o
14 RITA ALMEIDA DE CARVATHO A CONCORDATA DE SALAZAR 15
fundamento
deuma
soberaniaterritorial,
mas antes da lgrejaCatólica. Como
afirmava
o embaixadordo
Brasil em Portugalnas palavras que
dirigiu
a Pio XI, na sua qualidade derepresen-tante do corpo
diplomático:
Os Papas, depois da queda do poder remporal conrinua-ram a ser soberanos como dantes, porque potências soberanas näo teriam delegado nos seus embaixadores e ministros a mjssäo de defender os seus interesses pe-rante uma pessoa desriruída de qualidade para os rece-ber, isto é, uma pessoa que näo gozasse dos atriburos da soberan iato.
A diferença essencial entre um Estado e a Santa Sé é que o
pri-meiro exerce uma soberania circunscrita a determinado território,
e a segunda se constitui como poder transnacional: ,,duas
socieda-des, soberanas e independentes, mas de naturezadiversa
-
religiosa ou espiritual uma, e temporal e profanaoutra>>15. Daqui decorre queos dois poderes exercem a sua autoridade sobre os mesmos sujeitos
na sua dupla qualidade de cidadãos e fiéis16.
Através das concordatas, a Santa Sé obtém da parte dos Esta-dos garantias jurídicas de controlo da organização eclesiástica e
dos fiéis, proteção e, nalguns casos, o sustento financeiro do cul-to. Deste modo, as concordatas
impunham
,,às igrejas nacionais reticentes a centralização canónica coma
altda
do braço secular dos Estados interessados em concluir acordos com a Santa Sér17.As matérias que a Igreja procura regular são: o casamento, con-cebido enquanto união perpétua e sacramental,
que
reproduz aunião entre Cristo e a
Igreja
pelo que só o magistério do sagradotem competência para o ordenar; o ensino, cabendo à Igreja o
di-reito e o dever de garantir que a juventude seja convenientemente
instruída na .,verdadeira fé e na boa moralrr, tentando
limitar
opapel
do
Estado à atribuição dos meios para que os paiscum-pram as suas obrigações em todos os domínios, entre eles o
reli-gioso; a nomeação dos bispos, que segundo o
Direito
Canónico éda exclusiva competência da Santa Sé, pondo termo ao direito de nomeação dos bispos pelos diversos Estados. Por estas Íazões, as
concordatas deste período apresentam diversas semelhanças. A celebração de concordatas deve ser enquadrada também na tentativa de estender à cristandade o Código de Direito Canónico de1917 num processo de centralização e afirmação inequívoca da
autoridade papaI, que terá estado na origem, segundo John
Cor-nwell,
autor do polémicoliwo
The Hitler's Pope, do"silêncio"
dePio
XII
relativamente ao nazismo (em 1,933, como se sabe, Pio XIcelebrou uma Concordata com
Hitleç
sendo então Pacelli,futuro
Pio XII, núncio em Berlim).
Por
seuturno,
os novos Estadosou
os regimesditatoriais
instituídos
no
período de entre
guerras
procuraram
nestes acordos umafonte
delegitimidade,
estabilização edurabilida-de, cientes de que
apaz
religiosa constituía umfator
deprimei-ra ordem paprimei-ra
atingir
a paz social. O catolicismo conferiauni-dade
moral
às nações eum
bom
relacionamento com a SantaSé representava também uma
fonte
deprestígio
internacional.Como afirma jean
fulg,
relativamente aos novos Estados saídosda Grande Guerra: O interesse pela religião não era sem
dúvida
o seu principal objetivo, porque um reconhecimento pela Santa Sé
conferia-lhes uma caução moral que não poderia senão aumentar o seu prestígio e fortalecer o seu regimets.
A esta situação não é alheio o facto de a comunidade católica
constituil, muitas vezes, a maioria da população destes Estados,
como acontece nos casos de ltâlia, Portugal e Espanha. Outro
as-peto aliciante do regime concordatârio para os Estados consistia
na posição da lgreja relativamente à defesa da ordem
estabeleci-da e à afirmação de valores conservadores: submissão à
autori-dade, culto da tradição, respeito pela hierarquia. Como afirmou
o
deputado católicoAntónio Lino
Neto, <a Igreja éum fator
dedisciplina"tn. Também Rerié Rémond defende que
o
catolicismo romano (bem como o anglicanismo e o luteranismo), conservando7
1G RITA ALMEIDA DE CARVALHO A CONCORDAIA DE 5ALAZAR 17
a hierarquia episcopal, se predispõe a <aceitar toda a autoridade
superior, política e eclesial, e a testemunhar-lhe reverência e
sub-missãorr20.
Na verdade, o papel estabilizador da Igreja Católica é incon-troverso, como se pode ver na introdução de um projeto de Con-cordata, elaborado pelo diplomata Henrique Trindade Coelho" em
1932, no qual declara que o respeito e o reconhecimento da
situa-ção jurídica da lgreja Católic4 não só vão ao encontro dos fins do
próprio
Estado, como estão na origem de ..uma certa paz social>,uma
<autêntica prosperidade". Trindade Coelho sustenta que aConcordata é, assim,
"um
tratado de pazrr". Por um lado, a Igreja exige que os católicos observem o Código de Direito Canónico; emcontrapartida, espera-se que os católicos respeitem a Repúblic4
,,observem fielmente as leis que tendem ao bem comum,
traba-lhando lealmente para que se conserve a ordem e se não perturbe
a paz absolutamente indispensável a um Estado que queira
tran-quilamente, e sem obstáculos, atingir os seus finso".
Através do modelo concordatário, a Igreja Católica assume um
estatuto de primazia relativamente às restantes confissões
religio-sas, tanto mais que se trata de um compromisso garantido, não por
via do direito interno, mas pelo Direito Internacional, isto é, exime--se às <sempre precárias mudanças de legislações particularesrr'n.
Uns entendem que se trata de um privilégio; outros de uma questão
de justiça em face das espoliações pretéritas, <uma compensação
legítima" e um,,reconhecimento devidor,tt.
Paradoxalmente, a autoridade eclesiástica vê-se também
limi-tada e enquadrada. Em Portugal só na recente Concordata de 2004se afastou o Estado do processo de nomeação dos bispos (embora tivesse apenas um direito de objeção). Tal significa que nem
sem-pre são os países concordatários os que conferem maior liberdade
à Igreja porque, ao regularem a sua ação, também a disciplinam,
ou pelo menos condicionam''.Daí que dentro da Igreja, depois do
Concflio Vaticano
II,
seja comum estetipo
de afirmações: <nema Igreja nem o Estado podem abdicar da sua respetiva soberania
otr independência";
"A
Igreja não pode nem quer gozat depri-vilégios [...], pois tais
privilégios,
que geralmente são onerosos,impedi-la-iam [...] de realizar integralmente a sua missão e de se
apresentar em toda a sua genuína
ptteza
perante os homens deholerr" ; nesta <sociedade dessacralizada, secula úzada e pluralista,
que é cada vez mais a atual, não pode admitir-se que a Igreja esteja
ligada por vínculos contratuais ao poder civilo28.
A Concordata de 1940 inscreve-se, por conseguinte, num
con-junto
de acordos firmados pelo Vaticano naprimeira
metade doséculo xx, inserindo-se na já designada,.era das concordatastt'e,
pe-ríodo que coincide com o pontificado de Pio XI, com a instituição
dos regimes totalitários e autoritários e com o início da segunda Guerra
Mundial.
Entre 1922e
1939, PioXI
celebrou concordatas com diversos Estados: três da República de Weimar (Baviera emLg2430 e Bade em 1932, Estados alemães de maioria populacional católica, e Prússia errl1929, o mais importante Estado do Império
alemão, sendo que
um
terço da sua população era católica31); aLetónia em 1922, Pequeno Estado democrático desmembrado da
Rússia dos czares, com dois milhões de habitantes, na sua
maio-ria
protestantes, dos quais meiomilhão
era católicou'; a Polónia ern1925, país independente desde 191'8, à data uma democraciaparlamentart', com 34 milhões de habitantes e 26 milhões de
ca-tólicos; a
Lituânia
em 1927, Estado que resultou também dofim
do
império
russo, governadopof
umaditadura
militar
de cariznacionalista e com uma maioria de população católica'n; a
Romé-nia em 1929, repiblica liberal, com uma população de 19 milhões,
dos quais três milhões e meio eram católicos (ainda que uma parte
importante seguisse o
rito
greco-romano)"; aItália
de Mussoliniem1929 (os Acordos de Latrão são compostos por um tratado po-lítico, uma convenção financeira e uma Concordata); a Alemanha
de
Hitler
em 1933, com cerca de 66 milhões de habitantes, sendoum terço católico; a
Áustria
de Dollfuss em \934u6, com uma po-pulação maioritariamente católica; a Jugoslávia em 19343?' Pio XIT_
18 RITA ALMEIDA DE CARVAII]O A CONCORDATA DÊ SALAZAR 19
com Portugal e Espanha, as quais foram concluídas já sob o
ponti-ficado de Pio XII, respetivamente em 1940 e em 19b3. Esta
última
marca o
fim
da ,,era das concordatas>, pois ainda émuito
similaràs dos anos 3038.
Existe uma coincidência temporal entre esta ,.era das concor-dataso e
o
recuodo
constitucionalismoliberal
eda
democraciarepresentativa". É certo que certas concordatas foram celebradas
em países que apresentam algumas características comuns
-
po-pulações maioritariamente católicas, relações entre o Estado e aIgreja Católica moldadas pela reforma
tridentina
(aténo
subse-quente laicismo) e regimes políticos que incorporam elementos
do
fascismo (antiliberalismo, anticomunismo, nacionalismo,au-toritarismo, repressão política, censuta, corporativismo,
partido
único, etc.). É
o
casodo
fascismoitaliano, do
salazarismo e dofranquismo
t
para os quais também a religião católica constituiuum
<cimento ideológico e mental determinante>4o,por
oposiçãoao anticlericalismo precedente. Mas não
partilham
entre sialgu-mas das características que muitos autores consideram correntes
no fascismo:
o
movimento de massas;o
anticonservadorismo; achefia carismáticant. Ota, quer as diferenças, quer as similitudes
entre as realidades históricas, sociais e políticas destes países
tor-nam aliciante perceber por que razões quiseram estes Estados
ce-lebrar concordatas com a Santa Sé e vice-versa.
Pretende-se aqui entender o processo negocial e das matérias reguladas na Concordata celebrada
a7
de maiode
1940 entre oEstado português e a Santa Sé, examinando também a ação dos
diversos protagonistas envolvidos. Apesar
de
váriascontribui-ções, a Concordata portuguesa, no âmbito da história política, não
mereceu ainda
um
estudo sistemático e exaustivo que sedebru-çasse sobre os pontos de
vista do
Estado português e da SantaSé, recorrendo à documentação da Santa Sé, designadamente à da
Nunciatura Apostólica de Lisboa e à da Secretaria de Estado do
Vaticano. Procura-se ainda
uma
aproximação transversal às ex-periênciasitaliana
(1929) e espanhola (1953), como
objetivo deidentificar as especificidades da resposta portuguesa, situar com
rnaior clareza a política da Santa Sé relativamente a regimes com
algumas analogias e assim
contribuir
Pata a caracterização destasditaduras quanto às relações entre o Estado e a lgreja.
Mas as concordatas não são os únicos instrumentos jurídicos
definidores do modelo de relações entre o Estado e a lgreja. Sabe--se que as constituições brasileiras de 1934 e 1937n'consagraram
um tipo
de relação entreo
Estado e a Igreja Católica em algunsaspetos semelhante ao das concordatas: reconhecimento de efei-tos civis ao matrimónio católico; proibição do divórcio; ensino
re-ligioso nas escolas públicas; financiamento das escolas privadas
católicas. Sendo possível regular estas matérias
por
outras vias,por que razão optaram Itália, Portugal e Espanha pela celebração de concordatas?
Notas
1
René Rémond, Religion et Societê en Europe. La sécularisation aux xße et xxe siècles.1780-2000. Paris: Éditions du Seuil, 2007,p.19.
2
ldem, pp. 54-55.3
.O Iluminismo foi antes de tudo uma emancipação de posições anteriores defilo-sofia, autoridade e tradição. A própria palavra "Iluminismo" implicava que
basta-va que colocar luz suficiente sobre uma dada questão Para ver as coisas como elas
realmente eram e assim ficaríamos libertos das trevas e do erro' A tazáo humana
tornou-se o principal foco e foi vista como o instrumento essencial para a libertação espiritual da ignorância, superstição e passividade. O Iluminismo incentivou
tam-bém a procura de uma moralidade universal (incluindo a justiça social para todos)
e uma ênfase no respeito pelos indivíduos." In Timothy G. McCarthy, The Catholic Tradition. Tlrc Church in the Tzuentieth Century,2.' ed. Chicago: Loyola Press, 1998,
pp.30-31.
4
René Rémond, op.cit., p. 205.5
António Leite, <Natureza e oportunidade das concordatas". In AAVV AConcordatade 1940. Portugal-Santa Sé. Lisboa: Edições Didaskalia, 7993, p.6.
6
Francesco Margiotta-Broglio, "Les politiques concordatairesrr.ln Nations etsaint--Siège au XX' siècle, dir. Hélène Carrère d'Encausse e Philippe Levillain. Paris: Fayard, 2000, p.96.
20 RITA ALMEIDA DÊ CARVÀLHO A CONCORDATA DE 5ALAZAR 21
7ldem,p.97.
8
Manuel Braga da Cruz, As origens dn Democraciø Cristã e o Søløzørismo. Lisboa:Pre-sença/GIS, 1980, pp. 44 e 39.
9
Ricardo Mariano,"Secularização do Estado, liberdades e pluralismo religioso" [em
linhal. [Consult. em22 de maio de2007]. Disponível em URL: http:/ /www.naya.
org.ar / congreso2002 / ponencias / ricardo_mariano.htm.
10 José de Castro (1886-1966) - sacerdote e escritor. Conspirador monárquico em 1911,
esteve preso por causa disso. Viveu depois alguns anos em Espanha e no Brasil. Em
1930 foi nomeado consultor eclesiástico da Legação de Portugal no Vaticano.
11 Relatório que Assis Gonçalves envia António de Oliveira Salazar, em 31 de julho de 1933. In H. Assis Gonçalves, Relatórios para Oliaeira Saløzar. 1931-1939. Lisboa:
Presidência do Conselho de Ministros/Comissão do Livro Negro sobre o Regime
Fascista, 1981,, p. 93.
12 TT,AOS/CO/NE-IA(pt. 16,fls. 180-183).TextodeSalazarentregueaosdiretores
dos jornais, em 7 de maio de 1940.
13 René Rémond, op.cít., p.42.
14 Citado em Rosa Dionízio Nunes, Das Relações da lgrejø com o Estødo. Coimbra,
A1-medina,2005, p.335.
15 António Lerte, op.cit., pp.3-4.
76 lbidem.
17 Francesco Margiotta-Broglio, idem, pp. 97 -98.
18 Jean JuIg, L'Église et les États. Histoire des concordats. Paris: Nouvelle Cité, 1990,
p.169.
19 Didrio dn Câmarø dos Deputados,ll de dezembro de 1922.
20 René Rémond, op.cit., p.36.
21 Henrique Trindade Coelho (1885-1934) - Formou-se em Direito pela Universidade
de Coimbra, foi publicista e apoiante do 28 de maio de 7926.8m 1927 ingressou na
carreira diplomática (ministro junto do Quirinal). Depois de ter sido ministro dos
Negócios Estrangeiros de 27 de julho a 16 de agosto de 1929, regressou à carreira diplomática, sendo ministro plenipotenciário junto da Santa Sé desde setembro de 7929.
22 TT, AOS ICO/NE-294 (pt.2, ÍLs.47-60).
23 TT, AOS/CO/NE-294 (pt. 2, fls. 47 -60).
24 M. Isidro Soares .A Concordata de 1940". In AAVV, Concordata de 1940. Portugal--Santa Sé. Lisboa: Edições Didaskalia, 1993, p.I. Ver também António Leite,
<Na-tureza e oportunidade das concordatas>, pp. 9-10.
25 M. Isidro Soares, op. cit., p.l.
26 lvan Vallier, por exemplo, defende que a França e os Estados Unidos, levando o
princípio da separação e o pluralismo religioso mais longe, são também os
paí-ses onde a Igreja pode mais livremente atuar. Ivan Vallieç <The Roman catholic Church: A Transnational Actorr. ln Transnational Relations ønd World Politics: An Introductiott, ed. Joseph S. Nye e Robert O. Keohane,5.'ed. Cambridge, Mass':
Harvard University Press, 1981, pp.129-752.
27 AntónioLeiÍe, oP, cit , P.8.
28 lbidem.
29 Francesco Margiotta-Broglio, op. cit , p.95.
30 Esta Concordata estabelece que a religião católica é a religião de Estado, apesar cle, segundo a Constituição de weima(, nenhum Estado o Poder fazeî, seja qual for a confissão religiosa. Jean Julg, op. cit,, p 195.
31 Esta Concordata, a que o Estado alemão chamou apenas <Convenção solene" foi difícil de apfovar devido às dificuldades levantadas pelos não católicos,
comunis-tas e nazis. Também por este motivo, a regulação do ensino foi excluída do texto'
Ver Jean Julg, op. cit,, pp. 196-197.
32 Foi o primeiro dos novos Estados da Europa de Leste a concluir uma Concordata com a Santa Sé. .Durante a dominação russa os católicos da Lituânis foram
en-quadrados na hierarquia eclesiástica estabelecida nos acordos concluídos entre a santa sé e a Rússia.) Era assim necessário restabelecer o clelo e uma hierarquia católica nacional. Amadeo Giannini, I Concordati postbellici, vol. 1. Milão: società Editrice "Vita e Pensiero",1929, p.43.
33 É stanislaw Wojciechowski, defensor da democracia parlamentar, quem celebra a Concordata de fevereiro de1925. Só depois, errt\926, na sequência de um golpe
de Estado, Józef Klemens Pilsudski instaurou um regime autoritário'
34 A Constituição da Lituânía conferia ampla liberdade de culto a todas as confissões
religiosas, pelo que foi fácil à santa sé negociar com este Estado uma Concordata. Amadeo Giannini, oP. cit., P.1,4.
35 Embora a sua ratificação, devidO a certas reações do clero ortodoxo e a
algu-mas dificulclades políticas, só se tenha verificado emlg2g.YetleanJttlg, op. cit., p. I73.
36 Esta Concordata começou a ser negociada antes de DOlfuss ter sido chanceler em-bora tenha sido assinada já por este.
37 A Concordata foi concluída em 1934 mas, depois do assassinato do rei Alexandre
em Marselha em outubro desse ano, o regente fez votat uma iei que o autorizava
a ratificá-la. Perante os protestos dos cristãos ortodoxos sérvios e a hostilidade do
Senado, o projeto acabaria por ser retirado. Jean Julg, op, cit', p' 176'
38 Francesco Margiotta-Bro gho, op'cit., p. 95.
39 Ver, por exemplo, Eric Hobsbaw m, The Age of Empire, 1875-L914. Londres:
cardi-nat,7989, pp. 99-100.
40
António Matos Ferreira, .Le Christianisme dans l'Europe. La Péninsule lbéri-que'. In Histoire riu Cfuístianisme, vol.72, Guerres mondiøles et totalitarismes-_
22 RI'IA ALMI]DA DE CARVALHO
41 Yer, por exemplo, stanley G. Payne, <La política>. rn Franquismo. El juicio de ln
historiø, coord. José Luis García Delgado. Macirid: Ediciones Ternas cle Hoy, 2000,
pp.262 e ss.
42 segundo Boris Fausto, a constituição de 1,934 foi inspiracia pela da República cle weimar. Já a de 1937 era chamada a .polaca, pelas sernelhanças com a
Constitui-ção do marechal Pilsudski, jogando ainda corn o facto de as mulheres cla Europa oriental se irem prostituir para o Brasil. cf. Boris Fausto, cetúlíovargas.sãopaulo: Cornpanhia das Letras, 2006, pp. 68 e 79.