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A CRÍTICA SOCIAL EM CAPITÃES DA AREIA Um enfoque da Gramática Sistêmico-Funcional

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Academic year: 2019

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Ricardo Mendes Montefusco

A CRÍTICA SOCIAL EM CAPITÃES DA AREIA Um enfoque da Gramática Sistêmico-Funcional

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A CRÍTICA SOCIAL EM CAPITÃES DA AREIA Um enfoque da Gramática Sistêmico-Funcional

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem.

Orientadora: Dra. Sumiko Nishitani Ikeda.

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A CRÍTICA SOCIAL EM CAPITÃES DA AREIA Um enfoque da Gramática Sistêmico-Funcional

Banca Examinadora

_______________________________________________

Profª. Dra. Sumiko Nishitani Ikeda (Orientadora) – PUC-SP

______________________________________________________

Profª. Dra. Maria Aparecida Caltabiano M. Borges da Silva – PUC-SP

__________________________________________

Profª. Dra. Leiko Matsubara Morales - USP

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A Deus, pelas portas abertas e por colocar em meu caminho pessoas que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho.

Fica expressa aqui a minha gratidão, especialmente:

À Professora Sumiko, pela orientação, pela troca de experiências e apoio incondicional em todo processo de elaboração dessa pesquisa.

Aos colegas de classe, pela agradável convivência e apoio mútuo. A minha esposa e filhas por lutarem sempre pelos meus ideais.

Ao meu querido pai, levado por Deus ainda no início desse mestrado. Terei sempre na minha lembrança a grandeza de seus bons exemplos. A minha mãe, por sua fé inabalável e esperança em dias melhores.

Ao querido amigo Guilherme Politano, da Universidade York (Toronto), pela colaboração com algumas traduções.

Aos mestres do programa do LAEL, PUC – SP. Propagadores do conhecimento e incentivadores da pesquisa.

À Márcia e Maria Lúcia, pela paciência com todos, sempre solícitas e dispostas a ajudar.

Às professoras doutoras que tão gentilmente aceitaram integrar a banca de defesa dessa dissertação e contribuíram para o enriquecimento desse trabalho.

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Capitães da Areia, de Jorge Amado. Capitães da Areia é uma narrativa de cunho realista, que trata das aventuras de um grupo de meninos de rua que sobrevive de delitos praticados nas ruas de Salvador. Por viverem em um trapiche velho, os garotos do bando, liderados por Pedro Bala, são conhecidos pela alcunha de "capitães da areia". Jorge Amado é conhecido como um defensor das causas dos necessitados, dos excluídos pela sociedade. Essa obra constitui, ao mesmo tempo, um depoimento lírico e um romance de protesto, trazendo elementos sociais e psicológicos que refletem a instabilidade sociopolítica da década de 30. Ao criar suas histórias, o autor, um ativista político, defende os princípios ideológicos da esquerda, e o narrador funciona como uma espécie de delegado do autor. A despeito de toda violência e marginalidade presente no comportamento dos menores, uma leitura atenta revela que a origem desses problemas está na omissão do próprio Estado, na polícia repressora e violenta, no reformatório, verdadeiro inferno da tortura e da miséria. Assim, as reações desses adolescentes nada mais são do que formas de vingança nada brandas contra as violências que sofreram. A análise do romance apoia-se nas propostas teórico-metodológicas da Linguística

Crítica ― que atribui significação ideológica a qualquer aspecto da estrutura

linguística ― e da Gramática Sistêmico-Funcional, cuja característica de conceber a língua como construtora de três significados ― ou metafunções ― a saber, Ideacional (assunto), Interpessoal (interação) e Textual (construção do texto), permite a relação entre as escolhas lexicogramaticais, feitas na microestrutura do texto, com a macroestrutura da ideologia e das relações de poder. A pesquisa deverá responder às seguintes perguntas: (a) Que escolhas no sistema da Transitividade contribuem para possibilitar a crítica social em Capitães da Areia? (b) Que escolhas no sistema da Avaliatividade realizamtambém essa função?

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The purpose of this master thesis is the examination of social criticism in the novel Captains of the Sands by Jorge Amado. Captains of the Sands is a realist narrative that deals with the adventures of a group of street children who survives by committing crimes in the streets of Salvador. Since they live in an old warehouse, the boys of the band, led by Pedro Bala, are known by the nickname "captains of the sands". Jorge Amado is known as an advocate for the causes of the poor, excluded by society. This work is a lyrical testimony and romance of protest, bringing social and psychological elements that reflect the entire socio-political instability of the 30s. When creating his stories, the author, a political activist, defends the ideological principles of the left, and, in a way, the narrator works as the author's delegate. Despite all the violence and the rogue behavior of the minors, a close reading reveals that the source of these problems is the neglect of the state itself, the repressive and violent police, and the reformatory, a true hell of torture and misery. Thus, the reactions of these adolescents are nothing more than a vehicle of harsh revenge against the violence they have suffered. The novel analysis is based on theoretical and methodological proposals of Critical Linguistics ― which gives ideological significance to any aspect of linguistic structure ― and of the Systemic Functional

Grammar, whose approach to language as a construer of three distinct functions – or

metafunctions ― namely, Ideational (subject), Interpersonal (interactivity) and textual (internal organization and communicative nature of a text), allows the relationship between lexicogrammatical choices made in the microstructure of the text, with the macrostructure of ideology and power relations. The research should answer the following questions: (a) What choices in the Transitivity System contribute to enable the social criticism in Captains of the Sands? (b) What choices in the Appraisal framework perform this function?

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Quadro 1 – Tipos de Processos na GSF ... 27

Quadro 2 – Metafunção Interpessoal ... 27

Quadro 3 – Mood e Modalidade ... 28

Quadro 4 – Metafunção Interpessoal : análise ... 29

Quadro 5 – Os Subsistemas da Avaliatividade ... 31

Quadro 6 – Os modos como se apresenta a Avaliatividade ... 31

Quadro 7 – As Metarrelações ... 33

Quadro 8 – Teorias aplicadas na pesquisa ... 37

Quadro 9 – Ordem dos textos analisados ... 38

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1 INTRODUÇÃO ... 14

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 22

2.1 A Gramática Sistêmico-Funcional ... 22

2.1.1 A Metafunção Ideacional ... 24

2.1.2 A Metafunção Interpessoal ... 27

2.2 A Avaliatividade ... 29

2.2.1 A Avaliatividade e a Prosódia ... 31

2.2.1.1 Fazendo uma Leitura Relacional ... 32

2.2.2 A análise da microestrutura linguística pela GSF ... 34

2.2.3 A Linguística Crítica ... 35

3 METODOLOGIA ... 38

3.1 Dados ... 38

3.2 Procedimentos de análise ... 39

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ... 42

4.1 Análise de “Deus sorri como um negrinho” ... 42

4.1.1 Análise de Registro em “Deus sorri como um negrinho” ... 43

4.1.2 Análise da Transitividade – Modalidade – Avaliatividade ... 44

4.1.3 Discussão Geral de “Deus sorri como um negrinho” ... 56

4.2 Análise de “Carta do secretário do chefe de polícia à Redação do Jornal da Tarde” ... 58

4.2.1 Análise de Registro em “Carta do secretário do chefe de polícia à Redação do Jornal da Tarde” ... 58

4.2.2 Análise da Transitividade – Modalidade – Avaliatividade ... 59

4.2.3 Discussão Geral de “Carta do secretário do chefe de polícia à Redação do Jornal da Tarde” ... 62

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REFERÊNCIAS ... 69

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1 INTRODUÇÃO

Capitães da Areia, de Jorge Amado, é um depoimento lírico em forma de romance de protesto, no qual um grupo de adolescentes abandonados, diante do descaso das autoridades e da sociedade baiana, luta pela sobrevivência por meio de pequenos furtos na cidade alta de Salvador (AMZALAK, 2013).

O autor retrata a vida nas ruas de Salvador, capital da Bahia, naquela época afetada por uma epidemia de bexiga (varíola). A perseguição ostensiva da polícia aos menores infratores, além de estar longe de qualquer senso de justiça, recebia a aprovação das autoridades e da Igreja. Diante do ambiente hostil em que vivem, o grupo de meninos abandonados reage de forma também agressiva, mas de forma a encontrar nas ruas uma certa liberdade; tem por refúgio um velho trapiche (espécie

de armazém) abandonado, numa das praias da capital baiana ― de onde vem o

nome do grupo (VALOIS, 2003).

O contexto aparentemente vulgar, segundo Cerqueira (2012), em que ocorrem as aventuras e desventuras dos capitães, estimula o autor na produção de texto poético que envolve idealismo e luta social. Diante da finalidade de crítica social do romance em questão, entende-se que o mundo é apresentado por intermédio da perspectiva dos excluídos e marginalizados. E, no âmbito literário, observa-se a sensibilidade artística do escritor, ao instituir um mundo ideal por intermédio da linguagem. Segundo Rossi (2009), torna-se fundamental evidenciar como a militância partidária e as posições do autor no campo das lutas ideológicas interferiram de maneira decisiva na concepção e no formato da obra ficcional de Jorge Amado. Além disso, é possível identificar a visão poética do escritor a respeito dos costumes, tradições e religiosidade baiana.

Em novembro de 1937, por determinação do Interventor Interino da Bahia, centenas de livros foram incinerados em frente à Escola de Aprendizes de Marinheiro, sob a acusação de propagarem o credo vermelho. Dentre os diversos títulos, 808 exemplares eram de Capitães da Areia (CARNEIRO, 2002).

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país e denunciando a omissão do Estado em relação às causas dos menos favorecidos, sem abrir mão do lirismo, presente em muitas obras desse autor baiano.

Muito já foi escrito sobre o romance Capitães da Areia. Dentre as dissertações, teses e artigos consultados, as abordagens consistem na identificação dos discursos, das vozes que orientam o romance (dialogismo), bem como o exame de traços formais dentro da prática discursiva e literária (VALOIS, 2003); na questão dos estereótipos e estigmas sobre crianças e adolescentes em situação de abandono (FIRMO, 2014); na questão dos aspectos sociolegais do documento literário em relação à divisão de classes e o Estado-lei (FIGUEIREDO, 2013), entre outros. Entretanto, ainda não foram apresentados trabalhos que analisam o texto de Jorge Amado sob o ponto de vista da Gramática Sistêmico-Funcional. Dessa forma, pretendo, a partir de um recorte particular, analisar no romance a crítica social por meio das metafunções Ideacional e Interpessoal, relacionando a microestrutura do texto com a macroestrutura das relações de poder.

A minha análise de Capitães da Areia leva em conta o fato de que uma obra constitui, pela sua própria natureza, uma unidade da comunicação discursiva, segundo Bakhtin (1979 [1997]). Nela, o autor revela sua individualidade no estilo, na visão de mundo. Dessa forma, a obra, de maneira dialógica, está disposta para a resposta do outro, para a sua ativa compreensão responsiva, que pode assumir diferentes formas: influência educativa sobre leitores, sobre suas convicções, respostas críticas, influência sobre seguidores e continuadores; ela determina as posições responsivas dos outros nas complexas condições de comunicação discursiva de um dado campo da cultura.

O trabalho de Mikhail Bakhtin (BAKHTIN, 1953 [1986]) proporcionou aos teóricos literários e linguistas a consciência da característica profundamente

“endereçadora” dos chamados textos monológicos. Nessa perspectiva, os textos escritos estabelecem, através de significados textuais, um diálogo virtual com os leitores, diálogo este incorporado no texto e com o qual os leitores se relacionam conforme processam a leitura.

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juntamente com essas vozes são tanto ideacionais (representativamente semânticas) quanto axiológicas (orientadas a valores) (LEMKE, 1989, p. 39). Lemke ampliou o termo axiologia, de Bakhtin, para capturar a complexa orientação de valores de textos e práticas textuais.

Nesse contexto, Macken-Horarik (2003) apresenta um enquadre para investigar o modo como os recursos linguísticos de construção de emoção e de ética são dispostos de maneira específica para co-criar complexos de significados de ordem superior, ou metarrelações, que posicionam os leitores a adotar atitudes específicas em relação aos personagens no decorrer de um texto. Em termos linguísticos, seu estudo apoia-se na pesquisa da semântica avaliativa feita na Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), chamada Avaliatividade (tradução para Appraisal). Também se liga aos trabalhos dos sistemicistas Jay Lemke (1989, 1992, 1998) e Paul Thibault (1989, 1991 apud MACKEN-HORARIK, 2003), que enriquecem as perspectivas linguísticas do significado interpessoal.

A Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), uma proposta de Halliday (1994) e seus colaboradores, é uma teoria multifuncional que enfoca a língua como construtora de três significados simultâneos ou metafunções: Ideacional, Interpessoal e Textual. Essa simultaneidade de significados é possível, graças a um nível de codificação ― a léxicogramática ― em que são feitas escolhas que entram no texto por meio da oração.

Com base nessa questão, Li (2010) ― para quem as ideologias sociopolíticas ou socioculturais estão entrelaçadas com a língua e o discurso ― relaciona a microestrutura das escolhas léxico-gramaticais do texto ― no caso, escolhas feitas no sistema da Transitividade da metafunção Ideacional, e no sistema da Avaliatividade, da metafunção Interpessoal, com a macroestrutura das ideologias e relações de poder subjacentes ao discurso. É o que, em outras palavras, diziam Kitis e Milapides (1997), ou seja, apesar de não estar expresso na estrutura formal, uma análise linguística criteriosa revela as condições sociais de produção e interpretação do texto.

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A metafunção Ideacional refere-se à oração como modo de ordenação da variação infinita do fluxo de eventos, construindo o mundo da experiência como um conjunto manipulável de tipos de Processos, pelo sistema gramatical da Transitividade. A metafunção Interpessoal, em especial, tem recebido várias contribuições que aumentaram seu poder analítico. Uma delas refere-se à avaliação feita pelo autor tanto referente ao texto quanto ao interlocutor, denominada Avaliatividade (Appraisal), uma proposta de Martin (2000, 2003) e seus colaboradores.

Por outro lado, a minha análise tem o apoio da Linguística Crítica (LC) ― uma abordagem desenvolvida por um grupo da Universidade de East Anglia na década de 1970 (FOWLER et al., 1979; KRESS; HODGE, 1979). O grupo tentou casar um método de análise linguística textual com uma teoria social da linguagem em processos políticos e ideológicos, e para tanto recorre à proposta teórico-metodológica da GSF.

Dito isso, o objetivo desta dissertação de mestrado é o exame da crítica social em Capitães de Areia, de Jorge Amado. Para tanto, a pesquisa de caráter descritivo e interpretativo conta, basicamente, com o apoio metodológico das metafunções Ideacional e Interpessoal, da GSF, cuja aplicação deverá permitir a resposta às seguintes perguntas: (a) Que escolhas no sistema da Transitividade contribuem para possibilitar a crítica social em Capitães da Areia? (b) Que escolhas no sistema da Avaliatividade realizam também essa função?

Esta dissertação de mestrado está assim constituída: Capítulo 1 – Introdução

Capítulo 2 – Fundamentação Teórica, que enfoca a Gramática Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1985, 1994; HALLIDAY; MATHIESSEN, 2004), examinando a Transitividade e a Avaliatividade, bem como a Linguística Crítica. Além disso, teorias complementares contribuem para o exame da microestrutura textual e sua relação com a macroestrutura do discurso.

Capítulo 3 – Metodologia, em que se apresenta o corpus de estudo e os procedimentos utilizados para a análise.

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Capítulo 5 – Considerações Finais em que se apresentam as contribuições gerais da pesquisa no âmbito educacional e acadêmico.

Antes de iniciar o capítulo da Fundamentação Teórica, trago aqui algumas informações do autor e seu romance.

Sobre Jorge Amado

Jorge Amado nasceu em 10 de agosto de 1912, em Itabuna, em uma fazenda de cacau nas proximidades de Ferradas, no Sul do estado da Bahia, filho de João Amado de Faria e Eulália Leal. O pai havia migrado de Sergipe para se tornar fazendeiro de cacau na Bahia. Antes que completasse dois anos, a família mudou-se para Ilhéus, fugindo de uma epidemia de varíola (BASTIDE, 1972). Aos onze anos foi mandado a Salvador para estudar no Colégio Antônio Vieira, mas em 1924, o menino fugiu do internato e passou dois meses percorrendo o sertão baiano. Aos 14 anos, entra no jornalismo, justamente no momento em que o movimento modernista, iniciado em São Paulo e no Rio de Janeiro, se espalha por todo o Brasil e atinge os jovens da Bahia. Em 1931, aos 18 anos, lançou seu primeiro livro, O país do Carnaval, publicado pelo editor Augusto Frederico Schimidt. No mesmo ano, Jorge Amado ingressou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, cidade onde passou a residir. Embora tenha se formado advogado, nunca exerceu a profissão (GOLDSTEIN, 2008).

Em meio à efervescência cultural do Rio de Janeiro, então Capital do país, Jorge Amado travou amizade com personalidades da política e das letras, como Raul Bopp, José Américo de Almeida, Gilberto Freyre, Carlos Lacerda, José Lins do Rego e Vinícius de Morais. Sensibilizado com as desigualdades sociais do país, em 1932, Jorge Amado filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Quatro anos depois foi preso pela primeira vez no Rio de Janeiro, acusado de participar da Intentona Comunista.

Em ordem cronológica, as principais obras publicadas foram: O país do Carnaval (1931), Cacau (1933), Suor, (1934), Jubiabá (1935), Mar Morto (1936), Capitães da Areia (1937), Terras do Sem Fim (1942), São Jorge dos Ilhéus (1944), Seara Vermelha (1946), Os subterrâneos da Liberdade (1952), Gabriela, cravo e canela (1958), Os Velhos marinheiros (1961), Os pastores da noite (1961), Dona Flor e seus dois maridos (1967) e muitos outros romances até 1988.

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de suas propostas, como a que instituiu a liberdade de culto religioso, foram aprovadas e viraram leis. Alguns anos depois, porém, o partido foi colocado na clandestinidade e Jorge Amado teve o mandato cassado. Ao fixar-se em Paris, durante o exílio em 1948, conheceu Jean-Paul Sartre e Picasso, entre outros escritores e artistas. Em 1950, o governo francês o expulsou do país por motivos políticos.

O escritor morreu em 2001, poucos dias antes de completar 89 anos, com um quadro clínico agravado pela cegueira parcial, que o deprimiu por impedi-lo de ler e escrever. Apesar de sua consagração como escritor, sempre recusou a glória. Diz ele em Navegação de Cabotagem: “Aprendi com o povo e com a vida, sou um

escritor e não um literato...”. E mais adiante anota: “Não nasci para famoso nem

para ilustre, não me meço com tais medidas, nunca me senti escritor importante,

grande homem: apenas escritor e homem” (GOLDSTEIN, 2008).

Traços estilísticos de Jorge Amado

Segundo Candido e Castello (2012), um dos traços característicos da maturidade de Jorge Amado foi a mistura de realismo e romantismo, de poesia e documento, voltando-se para os pobres, para a humanidade da gente de cor da sua terra que apresenta uma simpatia calorosa, um vivo senso do pitoresco, e, sempre, um imperativo de justiça social pairando a narrativa. É nesse sentido que Andrade (2004) também considera a obra do escritor baiano não apenas uma descrição da vida do povo humilde da Bahia, mas, acima de tudo, uma revelação de classes sociais marginalizadas e com falares estigmatizados.

Para Bastide (1972), a literatura da Bahia, particularmente a vertente a que pertence Jorge Amado, é uma literatura engajada, polêmica e participante. Abandonando a literatura modernista tradicionalista, essa corrente política não mais se contenta em pintar o real, mas está decidida a mudá-lo e fazer isso em nome de uma ideologia socialista, que transforma o romance numa mensagem de ação revolucionária. Para Cândido (2004), as personagens de Jorge Amado não são reduzidas em associações de ideias ou imagens. Em suas obras, o narrador não analisa o ser vivo, apenas conta a ação de seres concretos, mergulhados no real. E isso não quer dizer que suas personagens careçam de profundidade psicológica. Segundo Cândido, é preciso apanhar essa profundidade no nível dos comportamentos vividos, que é o nível em que se coloca o narrador.

Em relação à crueza da linguagem e descuido gramatical muito criticados na obra de Jorge amado, Roger Bastide (1972) atribui a esse estilo a fidelidade à norma da literatura popular. Trata-se de uma linguagem do povo que fala através do autor. “Se

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da literatura oral popular”. Segundo Goldstein (2008), muitas expressões utilizadas

em Capitães da areia ilustram o uso de variações linguísticas como forma de caracterizar personagens e reproduzir o modo de falar do grupo social em que elas vivem.

Graças à convivência com homens do povo e o reduzido tempo em que esteve em internato, continua Bastide,Jorge Amado não sofreu de maneira forte a influência da educação escolar religiosa, humanista e burguesa. Assim, por sua resistência aos ensinamentos que recebia e por sua entrada bem jovem na vida do trabalho, pôde conservar em si, intacta, a espontaneidade de seu gênio. E conservar, principalmente, o dom de contar uma história, impondo-lhe um quadro rítmico, o da música popular (BASTIDE, 1972).

Capitães da Areia

Um trapiche é a única referência de "lar" que os garotos do bando possuem; é onde se abrigam, se escondem, e vivem como família. Sua descrição ocupa lugar de destaque no início da obra. Ali constroem suas próprias regras, são os senhores e o lugar é objeto de investigação pelas autoridades, que desconhecem onde os meninos se ocultam. Localizada na Cidade Baixa, parte da capital baiana onde está a zona portuária, é, contudo, na residencial e mais rica Cidade Alta, que os menores realizam suas ações infratoras.

Em Capitães da Areia, os personagens, quase todos masculinos, são designados por adjetivações e metonímias presentes em apelidos calcados na aparência física ou nos dotes psicológicos (GOMES, 1996): Pedro Bala, o ágil e valente chefe; Sem Pernas, que tinha o defeito em uma das pernas e se aproveitava da situação; Professor, o mentor; João Grande, a força; Volta Seca, a vingança; Boa Vida, o descanso, o compositor; Gato, a esperteza malandra. Dora é o referencial feminino de mãe, irmã, namorada e mulher, o ouro raro e passageiro, mas de brilho eterno (GEBARA; NOGUEIRA, 2014).

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Capitães da Areia e o contexto histórico

Publicado em 1937, Capitães da Areia é o sexto romance de Jorge Amado. Segundo Moraes (2013), a obra faz parte da primeira fase do escritor baiano, que, naquela época, comunista partidário, procurava imprimir as suas obras uma visão crítica das

contradições sociais do capitalismo. Daí a designação de “romances proletários”

para as obras dessa fase.

O ano de publicação de Capitães da Areia é um marco na história política do Brasil. Trata-se do início do período denominado Estado Novo ― o regime autoritário

implantado com o golpe de novembro de 1937. Nele, Getúlio Vargas consolidou propostas em pauta desde outubro de 1930, quando, pelas armas assumiu a presidência da República. Segundo Pandolfi (1999), Vargas apresentou à Nação nova carta constitucional, baseada na centralização política, no intervencionismo estatal e num modelo antiliberal de organização da sociedade. Seguiu-se um período em que liberdades civis foram suspensas, o Parlamento dissolvido, os partidos políticos extintos. O comunismo transformou-se no grande inimigo do regime, e a repressão policial instalou-se por toda a parte.

João Luiz Lafetá (2000) afirma que “A consciência da luta de classes, embora de

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Com o objetivo de fundamentar a análise proposta, apresento aqui as teorias que embasam este estudo. Inicialmente apresento uma visão geral da Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), teoria sugerida pelos teóricos da análise crítica como a mais indicada para relacionar a macroestrutura dos fatos sociais com a microestrutura das escolhas léxico-gramaticais, graças a sua característica tridimensional (FAIRCLOUGH, 1992). A GSF acolhe em seu bojo a Linguística Crítica (FOWLER, 1991), bem como a Avaliatividade (MARTIN, 2000, 2003), uma ampliação da metafunção Interpessoal, que trata da avaliação afetiva, ética e estética no texto, e que pode ser efetivada de maneira explícita ou implícita. Neste último caso, a Avaliatividade envolve vários recursos retóricos de persuasão.

2.1 A Gramática Sistêmico-Funcional

A Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) é uma proposta teórico-metodológica de Halliday (1985, 1994) e seus colaboradores. Segundo essa teoria, a língua está estruturada para construir três tipos de significados simultâneos: Ideacional, Interpessoal e Textual. Estes significados entram no texto por meio das orações mediante escolhas léxico-gramaticais feitas no sistema linguístico (HALLIDAY, 1985, 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004).

A língua pode manipular esses três tipos de significados simultaneamente porque possui um nível intermediário de codificação: a léxico-gramática, um sistema semiótico e convencional que se organiza como um conjunto de escolhas. O que caracteriza um sistema semiótico é a possibilidade de escolha (EGGINS, 1997). Assim, quando se faz uma escolha no sistema linguístico, o que se escreve ou o que se diz adquire significado contra um fundo em que se encontram as escolhas que poderiam ter sido feitas, mas que não o foram, fato importante na análise do discurso.

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papel fundamental, uma vez que traduz a realidade e constrói o mundo da experiência por meio de processos (HALLIDAY, 1994). Aqui a oração tem um papel central, porque ela incorpora um princípio geral de modelagem da experiência ― ou seja, o princípio de que a realidade é feita de Processos aos quais se ligam os

Participantes e as Circunstâncias.

A metafunção Interpessoal possibilita a interação com as outras pessoas no meio social. A oração está organizada como um evento interativo, envolvendo produtor e receptor da mensagem, e focaliza a interação como uma troca de bens e serviços ou de informação (HALLIDAY, 1994). A metafunção Interpessoal tem recebido muitas contribuições desde a sua concepção, que aumentaram seu poder de análise. É o caso da já citada Avaliatividade, proposta de Martin (2000, 2003), em que se apoia a análise do romance de Jorge Amado.

A metafunção Textual refere-se à possibilidade de construção do texto, organizando os significados ideacionais e interpessoais de uma oração. Essa metafunção está apoiada nos conceitos de Tema e Rema. Tema (sujeito psicológico) é o ponto de partida da mensagem e indica uma posição importante na frase, ajudando a estruturar o discurso e dar proeminência aos elementos que o compõem. O Rema é o que segue o Tema, é o restante da mensagem, é para onde a oração se direciona após o ponto de partida (MARTIN, MATHIESSEN & PAINTER, 1997). Esta metafunção não será tratada nesta pesquisa.

A GSF explica o modo como os significados são construídos nas interações linguísticas do dia-a-dia. Por isso, a análise linguística das interações sociais (textos orais ou escritos), leva em conta o contexto cultural e social em que ocorrem a fim de entender a qualidade dos textos: por que um texto significa o que significa, e por que ele é avaliado como o é (EGGINS, 1997).

Para Halliday (1985), o uso é a marca fundamental de caracterização de uma língua. Os usos da língua são determinados pelas necessidades do ser humano em razão da sua vivência em comunidade. Dessa forma, a gramática é modelada pelo modo como vivemos nossas vidas e interagimos com os outros, como refletimos e recriamos o sentido da nossa existência. A propósito, o uso da língua remete à consideração do contexto em que é usada.

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essa questão, os sistemicistas apontam dois conceitos: Registro e Gênero, além do contexto ideológico. O Registro descreve a influência das dimensões do contexto situacional imediato sobre a língua. Tais dimensões são três: Campo (assunto), Relações (status dos interactantes) e Modo (organização do texto), orientados respectivamente pelas três metafunções: Ideacional, Interpessoal e Textual (HALLIDAY, 1994). O Gênero descreve a influência das dimensões do contexto cultural sobre a língua.

A ideologia ocupa um nível superior de contexto, questão também abordada pelos sistemicistas. O contexto ideológico refere-se a relações de poder, vieses políticos e perspectivas que os interlocutores trazem para seus textos, concepção defendida pela linguística crítica (FOWLER, 1991). Fairclough1, entretanto, acredita que esse conceito deve ser repensado, uma vez que os ‘consumidores’ de textos

(leitores e telespectadores), de acordo com a sociologia da mídia, parecem às vezes

bastante imunes aos efeitos das ideologias que estão supostamente ‘nos’ textos.

Por outro lado, A GSF propõe o termo "logogênese" que serve para identificar essa construção dinâmica do significado conforme o texto se desenvolve (HALLIDAY,1992, 1993; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 1999). Thompson (1996) denomina de "ressonância" a essa harmonia de significados que é o produto de uma combinação de escolhas não identificáveis com qualquer outra escolha, se consideradas isoladamente.

2.1.1 A metafunção Ideacional

Quando expressamos nossa experiência do mundo material ou interior, estamos utilizando a metafunção Ideacional. A experiência exterior corresponde a ações ou eventos, mas nosso mundo interior constitui-se de lembranças, reflexões e estados de espírito que se verificam no nível da consciência (HALLIDAY, 1994).

A metafunção Ideacional está ancorada no sistema da Transitividade. Trata-se de um modelo de descrição de toda a oração, que Trata-se compõe de Processo (grupo verbal); os Participantes (grupo nominal) e as Circunstâncias (grupos adverbiais ou frases preposicionais). A configuração processo + participante

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constitui o “centro experiencial da oração” (HALLIDAY & MATHIESSEN, 2004, p.

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Há seis categorias de processos, cada uma delas associando-se a participantes específicos. Em princípio, Halliday agrupa os processos que representam a experiência externa ― Materiais―, a experiência interna ― Mentais ― e aqueles que se referem à identificação e caracterização ― Relacionais. Em seguida, aponta mais três processos que, segundo ele, encontram-se na fronteira desses três primeiros. São eles os Comportamentais (manifestação de atividades psicológicas), os Verbais (atividades linguísticas dos participantes) e os

Existenciais, aqueles que representam a existência dos seres. Exemplificamos, a seguir, os processos com seus participantes.

Processos Materiais – são processos de fazer, ou seja, envolvem ações físicas e expressam a noção de que alguma entidade (Ator) fez algo que pode atingir outra entidade (Meta).

Pedro leu seu texto para a professora na aula passada. Ator Material Meta Beneficiário circunstância

Processos Mentais – são os processos de sentir (HALLIDAY, 1994) e dizem respeito ao que ocorre (Fenômeno) no mundo interior, na mente (do experienciador). Os verbos que compõem essa categoria são ver, ouvir, amar, gostar, saber e muitos outros que se referem à afeição e cognição.

A professora gostou da redação. Experienciador Mental Fenômeno

Processos Relacionais– são processos de ser, estar e ter. Eles estabelecem uma relação entre duas entidades diferentes, e a função deles é somente sinalizar a

existência da relação, ocorrendo sempre um só Participante no ‘mundo real’, pois o outro participante é meramente um Atributo que lhe pertence.

(26)

Os garotos estavam no trapiche. / Dora tinha um irmão menor. Portador Relacional Atributo Portador Relacional Atributo

Processos Verbais – são os processos do ‘dizer’. São representados pelos diversos verbos expressos nos variados tipos de discurso, dada sua característica predominante de fala. Auxiliam no texto narrativo, tornando possível a existência de passagens dialógicas.

Pedro Bala perguntou a Boa-Vida se não gostaria de ser marinheiro. Dizente Verbal Receptor Verbiagem

Processos Existenciais – são aqueles que expressam a existência de uma entidade, o Existente, sem relacioná-la com qualquer outra coisa. São representados pelos verbos ‘haver’, ‘existir’, ‘ter’, mas podem ocorrer com outros

verbos, dependendo do contexto.

Há muitas crianças abandonadas. Existencial Existente

Processos Comportamentais – são aqueles que se referem às ações físicas, porém como resposta a um estado mental: rir, chorar, dormir, soluçar, gargalhar, tossir, sonhar etc. , que provocam a atividade física.

Os meninos choraram com a morte de Dora. Comportante Comportamental

As circunstâncias ampliam o sentido da oração, definindo o contexto no qual uma proposição ocorre (Halliday, 1994). Em termos de significado, elas se associam aos processos, referindo-se a localização de eventos no tempo (quando?) ou espaço (onde?), modo (como?) ou causa (por que?) (FUZER; CABRAL, 2014)

(27)

Quadro 1 - Tipos de processos na GSF

Processos Participantes ligados ao processo

Material João quebrou a mesa com um soco

Ator Material Meta Circunstância

Comportamental João [perdeu a cabeça e] socou a mesa

Comportante Comportamental Alcance

Mental Marta entendeu o meu sofrimento

Experienciador Mental Fenômeno

Verbal O rapaz contou - me sobre a difícil situação

Dizente Verbal Receptor Verbiagem

Relacional João continua abatido

Portador Relacional Atributo

Existencial Houve motivos com certeza.

Existencial Existente Circunstancial

(Fonte: HALLIDAY, 1994)

2.1.2 A metafunção Interpessoal

Para Halliday (1994), os papéis de fala fundamentais são apenas dois: dar e

pedir ― informação ou bens & serviços. Nesse sentido, na interatividade, o falante/escritor não está apenas realizando algo para si, mas também solicitando algo de seu ouvinte/leitor. Trata-se de “uma troca em que dar implica receber e pedir

implica dar em resposta” (HALLIDAY, 1994, p. 68). Na troca de informação, a oração assume a função semântica de Proposição, ao passo que na troca de bens e serviços a função assumida pela oração é de Proposta.

Para a realização dessa troca ― seja de informação, seja de bens & serviços

― a metafunção Interpessoal vê a oração dividida em duas partes essenciais: Mood (incluindo, Sujeito + Finito) + Resíduo. Veja Quadro 2.

Quadro 2 - Metafunção Interpessoal

Mood Resíduo

Sujeito Finito

(28)

Vemos que nessa análise, o Mood inclui a Modalidade, definidos respectivamente, como:

Mood é o recurso gramatical para se realizarem movimentos interativos no diálogo (MARTIN, MATTHIESSEN; PAINTER, 1997, p. 58). Portanto, nesse processo se estabelecem relações entre papéis de falante e ouvinte, por meio de verbos modais ou adjuntos modais. Esse sistema não só apresenta alternativas para a realizaçao da interação (modos declarativo, imperativo e interrogativo), como também realiza, no nível léxico-gramatical, as proposições e propostas.

Modalidade expressa significados relacionados ao julgamento do falante em diferentes graus sobre o conteúdo da mensagem, abrangendo:

(a) Modalização (probabilidade + frequência) – quando se refere à Proposição (troca de Informação);

(b) Modulação (obrigação + desejabilidade) – quando se refere à Proposta (troca de bens & serviços). Veja resumo no Quadro 3.

Quadro 3 Mood e Modalidade

DAR PEDIR Produto MODALIDADE

Informação Proposição →

(Informação)

Modalização

probabilidade (epistêmica): talvez

É uma hora. Quem vem lá? frequência: sempre

Bens e Serviços Proposta →

(Bens & Serviços)

Modulação

obrigação (deôntica):

deve, precisa

Deu-lhe flores. Me dá isso? desejabilidade: quero

Fonte: Halliday (1994)

(29)

Quadro 4 - Metafunção Interpessoal: análise

Contudo, em minha opinião, o duque deve dar o bilhete na festa (a) Oração como permuta [Mood e Resíduo]

Contudo por mim Ele Deve dar o bilhete na festa rapidamente2

Adj. Conjunt.3 Adj. Modal Sujeito Finito4 Predicador5 Complemento Adj. Circunst. Adj. Modal

Ø MOOD RESÍDUO MOOD

Fonte: HALLIDAY (1994)

Com referência ao fato de o Mood incluir a Modalidade, Thompson & Thetela (1995) propõem distinguir essas duas funções já que Mood refere-se à interação (por meio de orações imperativas, declarativas, interrogativas) e Modalidade refere-se ao posicionamento pessoal do autor (por meio de avaliações feitas no texto). Dizem eles que é necessário separar essas funções no interior da metafunção Interpessoal, para distinguir: (i) PESSOAL ― que se refere à visão do escritor (Modalidade) e INTERACIONAL ― que se refere à interação (Mood). Eles também propõem a noção de INTERATIVIDADE, referindo-se a pistas que orientam os leitores através do texto (p.ex.: em resumo, assim sendo, como dissemos acima).

A metafunção Interpessoal também contou com uma ampliação de sua capacidade analítica, com a introdução da noção de Avaliatividade (MARTIN, 2000, 2003), que apresento a seguir.

2.2 A Avaliatividade

A Avaliatividade (Appraisal) é um enquadre localizado na Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), que sinaliza os recursos que usamos para avaliar a experiência social (MARTIN, 2000; MARTIN; WHITE 2005; WHITE, 2003). Tais recursos podem se realizar por meio de várias estruturas gramaticais e léxico.

2 Afterthought

3 Os Adjuntos Conjuntivos, rigorosamente falando, não pertencem à metafunção interpessoal, segundo Halliday. [pois são textuais]. Eles estabelecem uma relação semântica com o que precede. Não confundir com Conjunção (que estabelece uma relação não somente semântica, mas também gramatical, unindo duas orações).

4 Finito indica tempo primário e modalidade

(30)

Para Martin (2000), no que diz respeito à função Interpessoal, a interação envolve mais que uma simples troca de bens e serviços ou de informação. Segundo essa orientação, nessa metafunção, é possível detectar outros elementos que evidenciam afeto, julgamento ou apreciação, isto é, a maneira como as pessoas estão se sentindo, como elas julgam outras pessoas ou como apreciam determinado objeto.

A análise da Avaliatividade é um modo de capturar de maneira compreensiva e sistemática os padrões avaliativos globais que ocorrem num texto, conjunto de textos ou discursos institucionais. São os seguintes, os recursos da Avaliatividade: ATITUDE (em termos afetivos, éticos e estéticos); COMPROMISSO (o modo como é feita a avaliação, se de maneira radical ou com negociação) e GRADUAÇÃO (a intensificação ou a diminuição do tom avaliativo). Veja Quadro 5.

ATITUDE:

● Afeto: envolve um conjunto de recursos linguísticos para avaliar a experiência em termos afetivos, para indicar efeito emocional positivo ou negativo de um evento.

● Julgamento: envolve significados que servem para avaliar eticamente o comportamento humano com referência a normas que regem como as pessoas devem ou não agir.

● Apreciação: constrói a qualidade estética das coisas, dos processos semióticos do texto.

● Avaliação Social: refere-se à avaliação positiva ou negativa de produtos, atividades, processos ou fenômenos sociais.

(31)

GRADUAÇÃO: envolve um conjunto de recursos para aumentar ou diminuir a intensidade da avaliação.

Quadro 5 - Os subsistemas da Avaliatividade

ATITUDE

(a) Afeto

(in)Felicidade (in)Segurança (in)Satisfação

(b) Julgamento Estima Social

Normalidade [frequente/raro] Capacidade

Tenacidade

Sanção Social Veracidade

Propriedade [ética]

(c) Apreciação

Reação (impacto): [Isso me cativa?]

Reação (qualidade): [Eu gosto disso?]

Composição (equilíbrio): [Eles combinam?]

Composição (complexidade): [Fácil de compreender?]

Valoração [Vale a pena?]

COMPROMISSO (a) monoglóssico (sem negociação)

(b) heteroglóssico (com negociação)

GRADUAÇÃO

(a) Força AumentaDiminui [ [completamente devastado]

um pouco chateado]

(b) Foco AguçaSuaviza [um policial de verdade [ ]

cerca de quatro pessoas]

Fonte: Martin (2000)

A Avaliatividade pode apresentar-se de forma inscrita (explícita), evocada (implícita) ou provocada (entre a explícita e implícita):

Quadro 6 - Os modos como se apresenta a Avaliatividade

Inscrita (explícito) As crianças estavam falando alto.

Evocada (implícito)

(tokens‘fatuais’)

As crianças conversavam enquanto ele dava aula.

Implícitaprovocada

(alguma linguagem avaliativa) A professora já estava na sala, mascontinuavam falando. as crianças Fonte: MARTIN (2000)

2.2.1 A Avaliatividade e a Prosódia

(32)

modalidades e atitudes, tendem a ser mais “prosódicas” que as realizações mais

segmentáveis e localizadas dos significados ideacionais. Para Lemke (1998), componentes redundantes, qualificadores e amplificadores ou restritivos, daquilo que é funcionalmente uma única avaliação, espalham-se através da oração ou da oração complexa ou, mesmo, de longos trechos de um texto. Ficará claro, assim, que as avaliações de proposições e propostas não são independentes, em longos textos, da avaliação de Participantes, Processos e Circunstâncias incluídos em Proposições e Propostas.

Lemke (1998) chama de realização prosódica a esse significado atitudinal que se estende pelo texto e que inclui: a coesão avaliativa, a propagação sintática, a avaliação projetiva, a avaliação prospectiva e retrospectiva, e sugere que esses significados avaliativos tenham um papel importante na análise do discurso da heteroglossia social e da identidade individual e coletiva. O autor examina um corpus constituído de editoriais.

Por outro lado, devido à existência de vários tipos de nominalização em certos registros, uma proposição (p.ex., a confirmação chocou a população) num ponto do texto pode tornar-se “condensado” (p.ex., confirmação) como um participante em outro trecho, e, vice-versa; nesse caso, a nominalização (especialmente nomes abstratos) pode ser “expandida” pelo leitor em proposições implícitas ― que denuncia, por exemplo, o Ator implícito por meio da referência a algum intertexto, ou ao co-texto imediato (p.ex.: João confirmou a denúncia) (LEMKE, 1989).

2.2.1.1 Fazendo uma leitura relacional

Por meio da noção de prosódia ― a avaliação que se estende pelo texto ―, chegamos à noção de leitura relacional (MACKEN-HORARIK, 2003), Nessa

(33)

(leitura do todo, resumido), de retrovisão, os leitores reconhecerão que algumas fases confirmam, outras se opõem e ainda outras transformam o significado avaliativo de fases anteriores.

A Avaliatividade trata das expressões de Atitude evocadas (implícitas) e inscritas (explícitas), que entram numa espécie de dança através do texto criando um espaço semântico mais amplo que, por si, se torna avaliativo. Sobre a questão, Macken-Horarik (2003) fala de metarrelação, que, segundo ela, possibilita interpretar a co-padronização de escolhas de Avaliatividade em certas fases e construir as relações semânticas entre uma fase e outra. Assim, podemos tratar não somente de formas explícitas de avaliação como a Avaliatividade inscrita, mas também de escolhas de Avaliatividade implícita através de longos trechos do texto. Podemos ver os modos pelos quais as combinações de escolhas conspiram, para criar atitudes específicas no leitor ideal conforme ele processa o texto. E podemos ver como certas configurações de metarrelações co-ocorrem em diferentes aspectos no posicionamento do leitor. Enquanto a empatia favorece a seleção de confirmações, as oposições e avaliações internas, percepção ética, favorece as avaliações externas, internas e transformações.

Quadro 7- As Metarrelações

Metarrelação Significado semântico

Confirmação Fase que cria equivalência em relação a fase(s) anterior(es) por meio de escolhas similares de Avaliatividade.

Oposição Fase que cria contraste em relação a fase(s) anterior(es) por meio de escolhas opostas de Avaliatividade.

Transformação Fase que cria mudança em significado em relação a fase(s) anterior(es) por meio de mudança nas escolhas de Avaliatividade.

Avaliação interna Fase que projeta a visão interior da personagem.

Avaliação externa Fase que verbaliza a visão e os sentimentos da personagem. Fonte: Macken-Horarik (2003)

Ambas tendem a articular o mundo externo do “deviam”, projetando-o para o

mundo interno focalizador dos “queros”. Naturalmente, nem todas as avaliações

(34)

relações semânticas através do texto. Para tornar-se “meta-“ do significado, precisam relacionar-se e harmonizar-se com as metarrelações em algum lugar no texto.

Na pesquisa de Macken-Horarik, há dois aspectos da axiologia textual relevantes a uma explicação do destinatário da narrativa. Primeiro, o leitor é convidado a uma posição de empatia ― solidariedade emocional com, ou, ao menos, compreensão das motivações de um dado personagem. Segundo, espera-se que o leitor assuma uma postura de julgamento dos valores éticos adotados por um personagem. A autora sugere que a narrativa ensina por meio de dois tipos de subjetividade ―intersubjetividade (a capacidade de “sentir com” um personagem) e a supersubjetividade (a capacidade de “supervisionar” um personagem e avaliar

eticamente suas ações).

Mas a leitura relacional exige um exame passo a passo das escolhas léxico-gramaticais feitas pelo autor do texto. Nesse sentido, apresento a proposta de Li (2010), que propõe a relação entre a microestrutura do texto com a macroestrutura do discurso.

2.2.2 A análise da microestrutura linguística pela GSF

Kitis e Milapides (1997) afirmam que uma análise linguística criteriosa revela as condições sociais de produção e interpretação do texto. Dessa forma, embora as suposições de natureza ideológica que emergem do texto não constituam parte da estrutura formal, esses aspectos são insinuados no subtexto por meio de uma análise linguística. Vale lembrar que os discursos são socialmente constitutivos e contribuem para a construção de sistemas de conhecimento e crença (FAIRCLOUGH, 1992).

Segundo Li (2010), uma premissa básica de todas as formas de análise crítica é que o uso da língua no discurso implica significados ideológicos e que há restrições discursivas no que diz respeito ao uso da língua e aos significados implicados (VAN DIJK, 1993; FOWLER, 1996; FAIRCLOUGH, 1995).

(35)

como escolhas lexicais, variações sintáticas e relações semânticas, mesmo num nível superficial, implicam significados na estrutura profunda, de onde emergem posições ideológicas expressas por certas construções passivas, ao omitir ou ao camuflar agentes da posição de sujeito ou atribuir maior poder a certos indivíduos ou grupos sociais por meio de escolhas retóricas específicas.

Portanto, a relação existente entre a noção macro da ideologia e as noções

micro dos discursos e das práticas sociais instaura um liame entre o social e o individual, o macro e o micro, o social e o cognitivo. Além disso, essa abordagem revela como os membros de diferentes grupos sociais podem articular e defender discursivamente suas ideologias para servir aos interesses do seu meio. Por meio dessa concepção, compreendemos como diferentes grupos sociais são construídos e diferenciados no texto com base na língua e na ideologia, e como eles adquirem e reproduzem ideologias pelo discurso.

A abordagem de Van Dijk recorre a uma metodologia que se apoia na gramática da oração para explicar o modo como os traços da estrutura superficial do texto comunicam ideologias específicas e identidades de grupo no nível profundo.

Por meio da análise das microestruturas no nível da oração, o enquadre da GSF propicia uma análise sistemática com ênfase nos traços linguísticos dos textos do discurso, fornecendo intravisões críticas na organização dos significados do texto.

Dessa forma, embasada no enquadre da GSF e fundamentada na abordagem de Van Dijk, Li (2010) observa, nos níveis da oração, as propriedades textuais que motivaram os significados sociais e ideológicos envolvidos em determinadas escolhas linguísticas e retóricas. Por meio desse procedimento, ela focaliza duas dimensões da gramática da oração: Transitividade e seleção lexical, que correspondem aproximadamente às funções da língua Ideacional (Transitividade) e Textual (coesão lexical), no enquadre de Halliday.

2.2.3 A Linguística Crítica

(36)

1992b) chega a um conceito tridimensional de discurso. Nesse sentido, qualquer evento discursivo é considerado um texto, um exemplo de prática discursiva e um exemplo de prática social.

Para Fairclough, a eficácia de um método de análise do discurso reside em algumas propriedades fundamentais: a) é necessário que seja uma análise multidimensional, ou seja, a dimensão do texto cuida da análise linguística de textos, a dimensão da prática discursiva especifica a natureza dos processos de produção e interpretação Textual e a dimensão de prática social cuida das questões de interesse na análise social, bem como as circunstâncias que moldam a natureza da prática discursiva; b) é necessário um método de análise multifuncional, que é o caso da teoria sistêmica da linguagem (HALLIDAY, 1978); c) é necessário um método de análise histórica, em que se focalizem os processos articulatórios na construção de textos; d) e, finalmente, há a necessidade de um método crítico, não só mostrando conexões e causas que estão ocultas, mas também implicando em intervenção e mudança.

Devido ao seu caráter multifuncional, a gramática sistêmico-funcional é um suporte para os analistas críticos, uma vez que, para Halliday e seus colaboradores, os textos simultaneamente representam realidade, ordenam as relações sociais e estabelecem identidades.

Por seu lado, Fowler afirma que, embora todos reconheçam a importância da língua no processo de construção do discurso, o que se observa é que, na prática, a língua tem recebido um tratamento relativamente pequeno. Por isso, Fowler procura dar à língua a devida importância, não somente como um instrumento de análise, mas também como um modo de expressar uma teoria geral da representação. O ponto teórico principal na análise de Fowler é de que qualquer aspecto da estrutura linguística carrega significação ideológica ― seleção lexical, opção sintática, etc. ― todos têm sua razão de ser. Há sempre modos diferentes de dizer a mesma coisa, e esses modos não são alternativas acidentais. Diferenças em expressão trazem distinções ideológicas (e assim diferenças de representação). Portanto, para Fowler, na medida em que há, sempre, valores implicados no uso da língua, deve ser justificável praticar um tipo de linguística direcionada para a compreensão de tais valores. Esse é o ramo que se tornou conhecido como

(37)

A análise crítica está interessada no questionamento das relações entre signo, significado e o contexto sócio-histórico, que governam a estrutura semiótica do discurso, usando um tipo de análise linguística. Ela procura, estudando detalhes da estrutura linguística à luz da situação social e histórica de um texto, trazer para o nível da consciência os padrões de crenças e valores que estão codificados na língua ― e que estão subjacentes à notícia, para quem aceita o discurso como 'natural'.

Apresento, a seguir, o quadro 8, que resume as teorias até aqui apresentadas.

Quadro 8 Teorias aplicadas na pesquisa

Análise de cunho crítico com apoio da Gramática Sistêmico-Funcional

METAFUNÇÃO IDEACIONAL METAFUNÇÃO INTERPESSOAL

Transitividade Modalidade Avaliatividade

Logogênese Prosódia

(38)

3 METODOLOGIA

Este estudo caracteriza-se como uma análise qualitativa com tratamento interpretativo. Para Moita Lopes (2001), a análise interpretativa é um procedimento que tem encontrado grande respaldo e preferência por parte dos pesquisadores em Linguística Aplicada, por entenderem o modelo como revelador de um conhecimento que não está ao alcance da tradição positivista de pesquisa, por basear-se em perspectivas fenomenológicas, hermenêuticas e interacionistas.

3.1 Dados

A análise examina a crítica social no romance Capitães da Areia, de Jorge Amado, na versão publicada em 2009, pela Editora Companhia de Bolso, São Paulo. O livro de 246 páginas trata do confronto entre classes sociais: meninos infratores de um lado e poderosos de outro, representados aqui pela polícia, instituições como o Reformatório de menores e a Igreja católica.

O romance traz elementos sociais e psicológicos cuja densidade não deixa nada a desejar a alguns romances da década de 30. Isso não elide a presença de clichês que marcaram a obra do autor baiano, como a violência e sexo, linguagem coloquial e chula. Assim, também, para Antônio Cândido (2004), a obra de Jorge Amado desdobra-se segundo uma dialética da poesia e do documento. E é nesse sentido também que Eduardo Portela (1972) diz que Capitães da Areia é como um documento inquietante e melancólico daquele frágil tecido que veste a vergonha e a miséria das crianças pobres e abandonadas da Bahia, em que persiste o sentido e desempenho da denúncia. Veja resumo do livro no Anexo A.

Selecionei os seguintes excertos do romance, conforme o Quadro 9.

Quadro 9 – Ordem dos textos analisados

CAPITÃES DA AREIA

Primeira parte: Capítulo 7 –“Deus sorri como um negrinho”

Prólogo –“Carta Do Secretário Do Chefe De Polícia À Redação Do Jornal Da Tarde”

(39)

Por uma questão de espaço, selecionei apenas alguns trechos do capítulo 7, primeira parte do romance ― “Deus sorri como um negrinho” ― para a análise da

Transitividade e da Avaliatividade. Os trechos não selecionados, porém, continuam fazendo parte do texto, em tamanho menor, tipo ARIAL 8, para servir de co-texto para a análise. A seleção foi feita no que julgo ser exemplos do modo como Jorge Amado faz a crítica social em Capitães da Areia.

3.2 Procedimentos de Análise

Primeiramente apresentarei cada texto na íntegra descrevendo o contexto situacional, ou Registro, por meio da análise de Campo, Relações e Modo, na tentativa de tornar menos subjetivas as avaliações, principalmente no caso das implícitas (GOATLY, 1997).

A seguir, os trechos selecionados para a análise serão examinados sob a ótica das metafunções da GSF, que nos dá:

(a) a informação sobre o assunto (metafunção Ideacional), por meio da análise do sistema da Transitividade, examinando, em cada oração, o tipo de Processo (verbo) e o esquema de casos (Participantes) a ele ligado, além das Circunstâncias que envolvem o evento narrado;

(b) o modo retórico com que o autor aborda a informação (metafunção Interpessoal), por meio da análise do sistema da Avaliatividade e da Modalidade.

Para essas análises, procedo da seguinte forma:

(i) cada linha do texto é colocada em um quadro, dividido em várias linhas. Na primeira linha seguinte ao texto, será feita a análise da Transitividade;

(ii) na segunda linha, serão feitas a análise da Modalidade e da Avaliatividade.

(40)

• Caixa alta – indicação do Processo

• Sublinhado – Participantes e Circunstâncias

• O participante indicado pelo morfema de pessoa é recuperado entre parênteses, como por exemplo: (Pirulito) agradeceu num sorriso...

Negrito– análise da Avaliatividade e da Modalidade

• (+) ou (-) se a Avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente.

• (↑) ou (↓) se a Avaliatividade for intensificada ou diminuída

Veja um exemplo de trecho assim analisado:

Quadro 10 - Exemplo de análise da Transitividade

Pirulito MIROU o céu azul onde Deus devia ESTAR Ator Material Meta Existente Existencial Apreciação (+) Probabilidade

e (Pirulito) AGRADECEU num sorriso e Comportante Comportamental

Afeto(+)

(Pirulito) PENSOU que Deus ERA realmente bom. Mental Portador Relacional Atributo Fenômeno

Julgamento(+)(↑) Fonte: Montefusco (2015)

Análise da Transitividade

Os participantes “Pirulito” (ator), “céu azul” (Meta) e “Deus” (Existente) estão sublinhados e consistem em elementos Ideacionais.

(41)

Análise dupla da Transitividade

Por outro lado, em casos de Processos que incluem outros Processos ― casos de

projeção6― a análise foi feita da seguinte forma:

Análise da Avaliatividade

Os termos ou segmentos objeto de Avaliatividade aparecem negritados.

Ex: “... e agradeceu num sorriso” [Afeto (+)]; “céu azul” [ Apreciação (+)]

“Deus era realmente bom” [Julgamento (+)(↑)]

6A projeção acontece com os Processos Mental e Verbal e envolve a expressão de uma mensagem

numa oração separada, mas que faz parte do Processo Mental ou Verbal. [Eu disse que [(eu) vou a Paris]]. Porém, mesmo havendo relação de dependência entre as orações em alguns casos, a oração projetada deve ser analisada separadamente (Thompson, 1994, p.98).

(42)

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Inicio este capítulo da análise de “Deus sorri como um negrinho”,

apresentando: (i) o trecho a ser examinado na íntegra; (ii) análise de Registro; e finalmente, (iii) as análises da Transitividade seguidas das análises da Modalidade e da Avaliatividade.

4.1 Análise de “Deus sorri como um negrinho”

Apresento, a seguir, trechos do capítulo 7, intitulado “Deus sorri como um negrinho” selecionados para a análise. O texto na íntegra encontra-se no Anexo A.

[...] Pirulito mirou o céu azul onde Deus devia estar e agradeceu num sorriso e pensou que Deus era realmente bom. E pensando em Deus pensou também nos Capitães da Areia. Eles furtavam, brigavam nas ruas, xingavam nomes, derrubavam negrinhas no areal, por vezes feriam com navalhas ou punhal homens e polícias. Mas, no entanto, eram bons, uns eram amigos dos outros. Se faziam tudo aquilo é que não tinham casa, nem pai, nem mãe, a vida deles era uma vida sem ter comida certa e dormindo num casarão quase sem teto. Se não fizessem tudo aquilo morreriam de fome, porque eram raras as casas que davam de comer a um, de vestir a outro.

[...]

O padre José Pedro dizia que a culpa era da vida e tudo fazia para remediar a vida deles, pois sabia que era a única maneira de fazer com que eles tivessem uma existência limpa. Porém uma tarde em que estava o padre e estava o João de Adão, o doqueiro disse que a culpa era da sociedade mal organizada, era dos ricos... Que enquanto tudo não mudasse, os meninos não poderiam ser homens de bem. E disse que o padre José Pedro nunca poderia fazer nada por eles porque os ricos não deixariam. O padre José Pedro naquele dia tinha ficado muito triste, e quando Pirulito o foi consolar, explicando que ele não ligasse ao que João de Adão dizia, o padre respondeu balançando a cabeça magra.

– Tem vezes que eu chego a pensar que ele tem razão, que isso tudo está errado. Mas

Deus é bom e saberá dar o remédio...

Padre José Pedro achava que Deus perdoaria e queria ajudá-los. E como não encontrava meios, e sim uma barreira na sua frente (todos queriam tratar os Capitães da Areia ou como a criminosos ou como a crianças iguais àquelas que foram criadas com um lar e uma família), ficava como que desesperado, por vezes ficava atarantado.

[...]

(43)

O padre queria dar casa, escola, carinho e conforto aos meninos sem a revolução, sem acabar com os ricos. Mas de todos os lados era uma barreira. Ficava como perdido e pedia a Deus que o inspirasse. E com certo pavor via que, quando pensava no problema, dava, sem sequer o sentir, razão ao doqueiro João de Adão. Então era possuído de temor, porque não fora assim que lhe haviam ensinado, e rezava horas seguidas para que Deus o iluminasse.

4.1.1 Análise de Registro em “Deus sorri como um negrinho”

Examino, a seguir, o Registro ― contexto de situação em que ocorre o trecho selecionado do romance ― explicando o Campo: a informação sobre as circunstâncias em que ocorre a situação narrada no excerto; Relações: a descrição dos participantes nesse trecho da narrativa; e Modo: a linguagem em que é feita a narrativa.

Campo: Neste capítulo, o narrador nos conta que, diante da vitrine de uma loja, Pirulito encantou-se com a imagem do Menino Jesus. Além disso, fazia um dia bonito e o garoto recebera, na porta de uma família rica, sobras de um almoço que fora como um banquete. Dessa forma, vinha feliz, recordando que o padre José Pedro prometera lhe conseguir um lugar no seminário.

Relações: Pirulito é um garoto magro e alto. No canto em que se instalara no trapiche havia dois quadros de santos: um Santo Antônio carregando um Menino Deus e uma Nossa Senhora das Sete Dores. Apesar das dificuldades que enfrentava ao ajudar os Capitães da Areia, o padre José Pedro logo percebeu a vocação do garoto à vida religiosa. Assim, investia toda sua confiança e até valia a pena correr riscos para salvar o menino daquela vida marginalizada.

(44)

4.1.2 Análise da Transitividade Modalidade Avaliatividade

Repito a codificação seguida na análise para facilitar o acompanhamento:

• Caixa alta – indicação do Processo

• Sublinhado – Participantes e Circunstâncias

Negrito– análise da Avaliatividade e da Modalidade

• (+) ou (-) se a Avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente.

• (↑) ou (↓) se a Avaliatividade for intensificada ou diminuída

Capítulo 7: “Deus sorri como um negrinho”

O menino era uma tentação por demais grande. Nem parecia um meio-dia de inverno. O sol deixava cair sobre as ruas uma claridade macia, que não queimava, mas cujo calor acariciava como a mão de uma mulher. No jardim próximo as flores desabrochavam em cores. Margaridas e onze-horas, rosas e cravos, dálias e violetas. Parecia haver na rua um perfume bom, muito sutil, mas que Pirulito sentia entrar nas suas narinas e como que embriagá-lo. Tinha comido na porta de uma casa de portugueses ricos as sobras de almoço que fora quase um banquete. A criada, que lhe trouxera o prato cheio, dissera, mirando as ruas, o sol de inverno, os homens que passavam sem capa:

– Tá fazendo um dia lindo.

Essas palavras foram com Pirulito pela rua. Um dia lindo, e o menino ia despreocupado, assoviando um samba que lhe ensinara o Querido-de-Deus, recordando que o padre José Pedro prometera tudo fazer para lhe conseguir um lugar no seminário. Padre José Pedro lhe dissera que toda aquela beleza que caía envolvendo a terra e os homens era um presente de Deus e que era preciso agradecer a Deus.

Pirulito MIROU o céu azul onde Deus devia ESTAR Ator Material Meta Existente Existencial Apreciação (+) Probabilidade

e (ele) AGRADECEU num sorriso e PENSOU que Deus ERA realmente bom. Comportante Comportamental Mental Portador Relacional Atributo Fenômeno

Afeto(+) Julgamento(+)(↑)

E PENSANDO em Deus PENSOU também nos Capitães da Areia. Mental Fenômeno Mental Circunstância Fenômeno

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