• Nenhum resultado encontrado

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

Tribunal da Relação do Porto Processo nº 0344564

Relator: ISABEL PAIS MARTINS Sessão: 04 Fevereiro 2004

Número: RP200402040344564 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.

ARMA BRANCA

Sumário

As armas brancas só são proibidas se tiverem disfarce.

Texto Integral

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I

1. No processo sumário n.º .../03.1GAVCD do 1.º juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila do Conde, por sentença de 13 de Maio de 2003, foi o arguido Carlos... condenado, no que ora releva, pela prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 180.º e 184.º do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão, pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n. os 1 e 2, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 275.º, n. os 1 e 3, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de 15 meses de prisão.

2. Inconformado, o arguido veio interpor recurso da sentença, rematando a motivação apresentada com a formulação das seguintes conclusões:

«A) O recorrente encontra-se, actualmente preso no estabelecimento prisional do Porto (Custóias), cumprindo pena de prisão imposta pelo Tribunal Judicial da comarca de Vila do Conde ao abrigo do Proc. n.º .../00.4PAVCD;

«B) Através da sentença proferida nos presentes autos, foi o ora recorrente

(2)

condenado pela prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 180.º e 184.º do Código Penal; de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n. os 1 e 2, do Código Penal; e de um crime de detenção de arma

proibida, p. e p. pelo artigo 275.º, n. os 1 e 3, do Código Penal, na pena única de 15 meses de prisão;

«C) Os crimes de injúria e de ameaça são crimes de natureza semi-pública, cujo procedimento criminal depende de queixa, nos termos do disposto no artigo 49.º do Cód. Proc. Penal, e dos artigos 181.º, 184.º ex vi artigo 132.º, n.º 2, alínea j), e artigo 153.º, n.º 3, todos do Código Penal;

«D) Querendo isso dizer que o exercício da acção penal por parte do Ministério Público está dependente da prévia apresentação de queixa, em regra do ofendido, ou de outras pessoas a quem a lei confere legitimidade para o efeito, nos termos do artigo 113.º do Código Penal e do artigo 49.º do Cód. Proc. Penal;

«E) A lei é omissa quanto à forma da denúncia, devendo entender-se que pode ser feita por toda e qualquer forma que revele a intenção inequívoca do titular do direito de queixa de que tenha lugar o procedimento criminal por certo facto;

«F) Dos autos não consta, em momento algum, que os ofendidos tenham declarado desejar procedimento criminal pelos crimes de injúria e ameaça, pois no auto de notícia apenas é referido que “o participante, o seu imediato e restantes militares mencionados no auto, face às ameaças que o arguido

proferiu, têm receio que ele venha a concretizar os seus intentos”;

«G) E tratando-se os ofendidos de agentes de autoridade (certamente habituados a lavrar auto de notícia), tinham obrigação de saber que, se porventura desejassem procedimento criminal contra o arguido, deveriam declarar de forma inequívoca tal manifestação de vontade;

«H) Ao não o fazerem, considera-se que não foi deduzida qualquer queixa, pelo que se nos termos do artigo 52.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, o Ministério Público tinha legitimidade para desencadear o procedimento relativamente ao crime de detenção de arma proibida (crime público), já não a teria

relativamente aos crimes de injúria e ameaças (crimes semi-públicos), pois não foi deduzida qualquer queixa quanto a eles;

«I) No decurso da audiência de julgamento foi suscitada a questão da

ilegitimidade do Ministério Público para promover a acção penal, ilegitimidade essa que não foi apreciada pela Mmª Juiz a quo na sentença recorrida;

«J) Pelo que, não tendo a Mmª Juiz a quo se pronunciado sobre questões que devesse apreciar, padece a sentença recorrida de nulidade, que ora se argui nos termos do disposto no n.º 2 e alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Cód.

Proc. Penal;

(3)

«K) Decidindo como decidiu, a douta sentença, além do mais, violou o disposto no artigo 49.º do Cód. Proc. Penal, conjugado com os artigos 184.º ex vi 132.º, n.º 2, alínea j), 188.º, n.º 1, alínea b), e 153.º, n.º 3, todos do Código Penal;

«L) Através da decisão recorrida, e entendendo-se que resultava da matéria de facto dada como provada que se encontrava na presença do arguido um

punhal com cerca de 15 cm de comprimento, 8 cm de lâmina em inox de corte apurado, da marca Stain/Steel – 833, condenou-se o mesmo pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 275.º, n. os 1 e 3, do Código Penal revisto, conjugado com o artigo 3.º, alínea f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril.

«M) Tal decisão foi, todavia, tomada sem que tivessem sido tidos em

consideração todos os requisitos estipulados na alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei acima referido;

«N) A alínea f) do artigo supra mencionado considera como proibida a detenção, uso e porte de armas brancas ou de fogo com disfarce ou ainda outros instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse;

«O) Daqui resulta que a justificação da posse de arma branca só se torna necessária quando esta tenha disfarce;

«P) O disfarce consiste na alteração da sua normal aplicação;

«Q) Se a arma branca não tiver disfarce, desde logo, independentemente de se justificar ou não a sua posse, não há crime porque a arma não é proibida;

«R) A descrição feita nos autos, quanto às características do punhal encontrado na posse do ora recorrente, não faz menção à existência de qualquer disfarce;

«S) Não apresentando qualquer disfarce, não tinha o ora recorrente que justificar a sua posse;

«T) Ao invés, a Mmª Juiz a quo limitou-se a fundamentar a condenação apenas

“tomando em conta os factos praticados pelo arguido, ou seja, que tinha na sua posse um punhal, sem aplicação definida nos usos da vida doméstica, a qual podia ser usada como arma letal, não tendo o arguido justificado a sua posse;

«U) Deixando de investigar toda a matéria de facto relevante, omitindo na factualidade dada como assente se a arma em referência continha ou não disfarce, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal mais justa, qual seja - a não integração da prática do crime de detenção de arma proibida, com a consequente absolvição;

«V) Não tendo sido apurado que o punhal se tratava de arma branca com disfarce, não está preenchido um dos requisitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril;

(4)

«W) Além do mais, as armas brancas só entram na categoria de armas

proibidas quando, cumulativamente, as respectivas lâminas tenham mais de 15 cm e sejam usadas fora das condições previstas no Dec. Lei n.º 37313, de 21 de Fevereiro de 1946 (cfr. Ac. do STJ de 18/02/1999 – Proc. n.º 1393/98);

«X) Tendo o punhal encontrado na posse do ora recorrente um comprimento total de 15 cm, com apenas 8 cm de lâmina, também em virtude desse facto não pode integrar o crime de detenção de arma proibida;

«Y) Decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida, além do mais, violou o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Cód. Proc. Penal, bem como o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, e o disposto no artigo 275.º, n. os 1 e 3, do Código Penal;

«Z) Termos em que, deve ser revogada a douta sentença recorrida, com a consequente absolvição do ora recorrente.»

3. Admitido o recurso e efectuadas as legais notificações, o Ministério Público apresentou resposta pronunciando-se pela rejeição do recurso.

4. Nesta instância, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi de parecer que o recurso deve ser rejeitado.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [Em diante abreviadamente designado pelas iniciais CPP], não foi apresentada resposta.

6. Efectuado exame preliminar e não havendo questões a decidir em

conferência, colhidos os vistos, prosseguiram os autos para audiência, que se realizou com observância do formalismo legal, como a acta documenta,

mantendo-se as alegações orais no âmbito das questões postas no recurso.

II

Cumpre decidir.

1. No caso, não tendo sido requerida a documentação dos actos de audiência, este tribunal conhece apenas de direito (artigo 428.º, n. os 1 e 2, do CPP), sem prejuízo do conhecimento de certos vícios ou nulidades, ainda que não

invocados ou arguidas (artigo 410.º, n. os 2 e 3, do CPP).

São as conclusões extraídas pelos recorrentes da respectiva motivação que definem e delimitam o objecto do recurso (artigos 412.º, n.º 1, e 403.º do CPP).

Embora formulando extensas conclusões (em elenco que esgotou o alfabeto), o recorrente Carlos..., coloca duas questões:

- a primeira consiste em saber se, por falta de queixa do ofendido, o Ministério Público carecia de legitimidade para exercer a acção penal pelos crimes de injúria e de ameaça e se, neste ponto, a sentença incorre na nulidade de omissão de pronúncia,

(5)

- a segunda está em saber se a arma que detinha pode ser classificada como uma arma proibida, para efeitos de integração da sua conduta no tipo do artigo 275.º, n. os 2 e 3, do Código Penal.

2. Na sentença recorrida foram dados por provados os seguintes factos:

«1. No dia 26 de Abril de 2003, cerca das 23h15m, o ofendido Sérgio..., soldado da GNR, acompanhado do seu colega Jorge..., encontravam-se em serviço de patrulha na via pública.

«2. Quando circulavam no jeep da GNR na Rua António Alvares Santos Júnior, sita na freguesia de Azurara, concelho de Vila do Conde, os dois soldados da GNR abordaram o arguido Carlos... com vista ao cumprimento dos mandados de detenção emanados pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Vila do Conde, do processo n.º .../00.4PAVDC, para cumprimento da pena de 1 (um) ano de prisão no estabelecimento prisional competente.

«3. Nesse momento foi-lhe dada voz de detenção, a qual o arguido se negou a acatar, pondo-se em fuga apeada, tendo sido de imediato perseguido pelos elementos da autoridade e interceptado ofereceu forte resistência a fim de evitar a detenção.

«4. O arguido obrigou a patrulha a usar a força para fazer cumprir o mandado, tendo o arguido tentado agredir os dois elementos com socos, enquanto os ameaçava de morte e insultava de “filhos da puta”, “chulos”, “vou-vos foder seus cabrões”, “seus bois hei-de matar-vos”.

«5. Dentro do jeep da GNR e pelo percurso efectuado até ao posto, o arguido continuou com ameaças e insultos verbais, dirigindo-se aos dois elementos de autoridade dizia “eu vou lá para dentro, mas fica a minha equipa cá fora para vos matar”, “eu não me esqueço da vossa cara, estais fodidos comigo”.

«6. Já no posto da GNR foi feita uma revista pessoal de segurança ao arguido, tendo-lhe sido encontrado um punhal com cerca de 15 cm de comprimento, 8 cm de lâmina, em inox de corte apurado, da marca Stain/Steel – 833.

«7. As expressões proferidas pelo arguido ofenderam o soldado da GNR

Sérgio..., na sua honra e consideração e provocou receio que o mesmo venha a concretizar as ameaças.

«8. O arguido agiu livre e conscientemente, com o intuito de ofender o agente da GNR Sérgio... na sua honra e consideração, que se encontrava no exercício das suas funções, com o propósito de intimidar e de provocar medo no

ofendido, bem como sabia que a detenção de um punhal não é permitida por lei.

«9. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

«10. O arguido encontra-se actualmente a cumprir uma pena de um ano de prisão.»

3. Como antes enunciámos, a primeira questão posta pelo recorrente prende-

(6)

se com a ausência de queixa pelos crimes de injúria e de ameaça por que foi condenado.

Vejamos se lhe assiste razão.

3.1. O crime de injúria, p. e p. pelos artigos 180.º e 184.º do Código Penal [Em diante abreviadamente referido pelas iniciais CP], e o crime de ameaça, p. e p.

pelo artigo 153.º, n. os 1 e 2, do CP, por que o recorrente foi condenado são, efectivamente, de natureza semi-pública (cfr. artigos 188.º, n.º 1, alínea a), e 153.º, n.º 3, do CP), pelo que o Ministério Público só pode promover o

processo, ou seja, dar início ao procedimento, depois de o ofendido apresentar queixa (cfr. artigo 49.º, n.º 1, do CPP).

O Ministério Público apresentou o recorrente para julgamento em processo sumário pela prática, no que agora interessa, de um crime de injúria e de um crime de ameaça, e da sentença decorre que apenas foi considerada a prática pelo recorrente de um crime de injúria e de um crime de ameaça em que foi ofendido Sérgio..., muito embora os factos dados como provados, integradores de crimes de injúria e de ameaça, se tivessem dirigido a duas pessoas (os dois soldados da GNR que compunham a patrulha - Sérgio... e Jorge...), o que consubstanciaria a prática de dois crimes de injúria e de dois crimes de ameaça, por, estando em causa bens jurídicos eminentemente pessoais, o número de crimes se determinar pelo número de bens jurídicos violados (honra e liberdade de duas pessoas).

Os factos dados como provados apenas foram valorados como integrando um crime de injúria e um crime de ameaça, pelos quais foi ofendido o soldado da GNR Sérgio..., justamente, por apenas ele ter apresentado queixa pelos factos (queixa que não foi apresentada pelo soldado da GNR Jorge...).

Com efeito, Sérgio... participou ao Ministério Público os factos praticados pelo recorrente, entre eles os consubstanciadores dos crimes de injúria e de

ameaça (cfr. fls. 3 a 5).

Dos termos em que se mostra redigido o auto de notícia tem de se concluir que não se trata apenas da comunicação da notícia do crime, a que se refere o artigo 248.º do CPP, no cumprimento da obrigação legal que recai sobre os órgãos de polícia criminal de transmitirem ao Ministério Público, no mais curto prazo, a notícia de crime de que tenham conhecimento ou lhes tenha sido denunciado.

O signatário do auto de notícia (o ofendido Sérgio...) assume, na redacção do auto, a qualidade de participante e participa (expressão por ele utilizada) os factos ao Ministério Público, manifestando, até, o seu desejo de ser ressarcido pelos prejuízos sofridos (danos no blusão).

Com a participação efectuada, Sérgio... comunicou os factos que o ofenderam ao Ministério Público e, desse modo, manifestou a vontade de que fosse

(7)

instaurado procedimento por eles, ficando, por via dela, assegurada a

legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal no que se refere aos factos que ofenderam o participante (mas já não em relação aos mesmos factos enquanto ofenderam Jorge..., por este não os ter comunicado ao

Ministério Público, aparecendo a assinar a participação na qualidade de mera testemunha deles).

Recordemos que a denúncia (queixa ou participação, como indistintamente a lei denomina) por crimes semi-públicos não está sujeita a formalidades

especiais (artigo 246.º do CPP) e, muito menos, a fórmulas sacramentais. O que releva é que conforme uma manifestação inequívoca de vontade de que seja exercida a acção penal.

A participação que o ofendido Sérgio... fez dos factos ao Ministério Público conforma uma manifestação expressa e inequívoca de vontade de

procedimento criminal pelos factos que o ofenderam. Mostra-se, por isso, assegurada a legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal em relação aos factos integradores dos crimes de injúria e de difamação em que foi ofendido o participante.

Satisfeita a condição de procedibilidade, o Exm.º Juiz não podia deixar de reconhecer a legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal e conhecer do mérito da causa em relação aos crimes de natureza semi-pública em que o participante se apresenta como ofendido.

3.2. Ainda no âmbito desta questão, o recorrente vem arguir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (nulidade a que se refere a alínea c), primeira parte, do n.º 1 do artigo 379.º do CPP), por a sentença não ter expressamente apreciado a questão da falta de legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal pelos crimes semi-públicos, a qual teria sido suscitada na audiência de julgamento.

A sentença afirma a legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal em relação a todos os crimes que foram conhecidos na sentença quando se pronuncia negativamente sobre a existência de nulidades, excepções,

questões prévias ou incidentais que pudessem obstar ao conhecimento do mérito.

E mais não é requerido, quando, como é o caso, não resulta dos autos, ao contrário do que o recorrente afirma, que a questão da falta de legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal pelos crimes semi-públicos tivesse sido expressamente suscitada.

Na verdade, a acta de audiência não revela que tal questão tivesse sido expressamente suscitada pelo recorrente.

Nos termos do artigo 362.º do CPP, a audiência fica documentada em auto (que se denomina acta - artigo 99.º, n.º 2, do CPP); e em acta têm de ficar

(8)

documentados os requerimentos formulados no seu decurso (alínea f) do n.º 1 do artigo 362.º).

O auto é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar e faz prova plena dos factos materiais dele constantes enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa (artigos 99.º e 169.º do CPP).

Não constando da acta de audiência que o recorrente tivesse requerido que o Exm.º Juiz se pronunciasse sobre a questão da falta de legitimidade do

Ministério Publico para exercer a acção penal pelos crimes semi-públicos, é manifesto que não se verifica a arguida nulidade de omissão de pronúncia por a sentença não conter o tratamento explícito da matéria.

4. A outra questão posta no recurso consiste em saber se a arma descrita na sentença é uma arma proibida para efeitos de integração da conduta no tipo do artigo 275.º, nºs 1 e 3, do Código Penal.

O artigo 275.º do Código Penal [Na redacção primitiva e na actual redacção introduzida pela Lei n.º 98/01, de 25 de Agosto, pela qual se alargou o âmbito do tipo legal e se agravaram algumas penas] remete implicitamente para legislação avulsa.

Nesta, dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, como sendo proibida a detenção, uso e porte das seguintes armas ou engenhos:

«Armas brancas ou de fogo com disfarce ou ainda outros instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse.» [Texto que não difere essencialmente da alínea c) do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 37313, de 21 de Fevereiro de 1949, que, em boa parte, continua a regular o regime de controlo do fabrico,

importação, exportação, comércio, detenção, manifesto, uso e porte de armas e suas munições.]

A jurisprudência que parece dominante vai no sentido de entender que a arma branca só pode ser considerada proibida se tiver disfarce [Passamos a seguir de muito perto o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Novembro de 2001, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2001, Tomo III, p. 205 e ss., com ampla indicação

jurisprudencial, sobre o tema, para a qual se remete.].

O instrumento em causa, descrito na sentença, é um punhal com cerca de 15 cm de comprimento total e com 8 cm de lâmina [Recorde-se que o artigo 9.º do mencionado Decreto-Lei n.º 37313 excluía das armas proibidas “os

canivetes com mola fixadora, quando a lâmina não excede 15 cm medidos do rebordo ao cabo».].

(9)

É uma arma, na medida em que se considera «arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim» [Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, diploma que reviu o Código Penal.].

É, sem dúvida uma arma branca, expressão que abrange todo um conjunto de instrumentos cortantes ou perfurantes, normalmente de aço, a maioria deles utilizados habitualmente nos usos ordinários da vida, mas também podendo sê-lo para ferir ou matar.

Porém, não apresenta disfarce, no sentido de estar apetrechada com qualquer artifício ou mecanismo que a dissimule sob a forma de objecto distinto ou com diferente utilização ou que oculte as suas características ou dimensões.

Ora, a alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75 exige que quer as armas brancas quer as armas de fogo sejam acompanhadas de disfarce.

Entendemos, por isso, que tal arma não reúne as características de arma proibida, desde logo por não se apresentar com disfarce, como resulta da sentença a qual, na caracterização da arma, não sofre do vício, apontado pelo recorrente, da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP), já que descreve, de forma suficiente, as suas características.

O bem jurídico protegido pelo artigo 275.º do Código Penal é o da segurança comunitária face aos riscos da circulação livre de armas e outros engenhos, pela sua especial capacidade ou potencialidade ofensiva, avaliadas em termos objectivos. Não cabe, portanto, na previsão legal qualquer arma ou

instrumento, sob pena de entrarem no conceito de «arma proibida» os

instrumentos mais diversos desde que susceptíveis de utilização para cometer crimes. O que não significa que o direito penal se demita de considerar o seu emprego ou a sua utilização como circunstância qualificativa de certos crimes.

Em conclusão: a detenção da arma branca com as características indicadas, como ficou provado na sentença, não integra o crime de detenção de arma proibida, por a arma não reunir as características de arma proibida, desde logo pela ausência de disfarce [No sentido de que uma arma branca sem disfarce não reúne as características de arma proibida, já decidimos v.g. no acórdão de 9/7/03, recurso n.º 2617/03.].

5. A revogação da sentença na parte em que condenou o recorrente pela prática do crime de detenção de arma proibida determina que se proceda à reformulação do cúmulo jurídico das penas, por dever ser excluída a pena em que foi condenado por esse crime e, consequentemente, terem de ser, apenas, englobadas as penas em que foi condenado pelos crimes de injúria e de

ameaça.

(10)

Considerando-se, em conjunto, os factos e a personalidade do recorrente, conforme dispõe o artigo 77.º do CP, temos por ajustada a pena única de 1 ano e 15 dias de prisão.

III

Nos termos expostos, no provimento parcial do recurso, revogamos a sentença recorrida na parte em que condenou o recorrente pela prática do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 275.º, n. os 1 e 3, do CP e, reformulando o cúmulo jurídico das penas, condenamos o recorrente na pena única de 1 (um) ano e 15 (quinze) dias de prisão.

Por ter decaído, vai o recorrente (sem prejuízo do apoio judiciário concedido - fls. 55 - condenado nas custas, com taxa de justiça de 3 UC e honorários ao Exm.º defensor pelo recurso, nos termos do ponto 3.4.1. da tabela anexa à Portaria n.º 150/2002, de 19 de Fevereiro (artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, do CPP, 87.º, n.º 1, alínea b), 89.º e 95.º, n.º 3, do CCJ).

***

A 1.ª instância remeterá, oportunamente, boletins ao registo criminal, em conformidade.

***

Porto, 4 de Fevereiro de 2004 Isabel Celeste Alves Pais Martins David Pinto Monteiro

Agostinho Tavares de Freitas

José Casimiro O da Fonseca Guimarães

Referências

Documentos relacionados

Neste estágio, assisti a diversas consultas de cariz mais subespecializado, como as que elenquei anteriormente, bem como Imunoalergologia e Pneumologia; frequentei o berçário

As análises serão aplicadas em chapas de aços de alta resistência (22MnB5) de 1 mm de espessura e não esperados são a realização de um mapeamento do processo

Quanto às suas desvantagens, com este modelo, não é possível o aluno rever perguntas ou imagens sendo o tempo de visualização e de resposta fixo e limitado;

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Durante este estágio, tive também a oportunidade de frequentar o serviço de urgência,. onde me foi possível observar a abordagem do doente pediátrico, as patologias

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

Brasília, Professor Adjunto do Departamento de Direito Público e do Programa de Pós- Graduação em Sociologia e Direito da Faculdade de Direito da Universidade

Chamamos a atenção aqui para dois aspectos: a mulher enquanto foco da narrativa, e, as mulheres enquanto realizadoras, que, em um contexto mais amplo, buscam