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A construção do imaginário coletivo em torno do mito 'Rainha dos Baixinhos' com a estréia do programa 'Xou da Xuxa'

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Academic year: 2018

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EDGEL JOSEPH TELES CORREA

A construção do imaginário coletivo em torno do mito “Rainha dos Baixinhos” com a estréia do “Xou da Xuxa”

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EDGEL JOSEPH TELES CORREA

A construção do imaginário coletivo em torno do mito “Rainha dos Baixinhos” com a estréia do programa “Xou da Xuxa”

Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo sob a orientação da Profa. Dra. Inês Vitorino.

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EDGEL JOSEPH TELES CORREA

A construção do imaginário coletivo em torno do mito “Rainha dos Baixinhos” com a estréia do programa “Xou da Xuxa”

Esta monografia foi submetida ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel.

A citação de qualquer trecho desta monografia é permitida desde que feita de acordo com as normas da ética científica.

Monografia apresentada à Banca Examinadora:

_____________________________________________ Profa. Dra. Inês Sílvia Vitorino Sampaio (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará

______________________________________________ Prof. Sylvia Beatriz Bezerra Furtado (Membro)

Universidade Federal do Ceará

________________________________________________ Profa. Ms. Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante (Membro)

Universidade Federal do Ceará

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DEDICATÓRIA

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Agradecimentos

Concluir, aos 22 anos de idade, minha tão sonhada formação em Comunicação Social (Jornalismo) não teria sido possível sem a presença de pessoas fundamentais para o meu enriquecimento intelectual. Por isso, primeiramente, dedico as linhas aqui escritas a minha mãe, Maria Ivanira, que sempre acreditou em mim e me garantiu a oportunidade de levar adiante meu sonho de ser jornalista. Afinal, foi com muita luta que ela conseguiu se virar “na corda bamba” para incentivar minha formação estudantil em um dos melhores colégios da cidade. Também, acompanhou, desde criança, a paixão pela apresentadora Xuxa. Ao invés de criticar, soube entender o quanto ela foi importante, seja assistindo-a na TV ou mesmo ouvindo, incessantemente, suas músicas várias vezes por dia.

Se considero Xuxa minha terceira mãe, a segunda leva o nome de Maria Stela. Inegável a contribuição dessa “vizinha-amiga” no meu dia-a-dia. Ainda bebê, ninava-me ao som de “Boto Rosa”, famosa música da apresentadora na época do “Xou da Xuxa”. O tempo passou e continua presente em todos os meus momentos. Por que não estaria agora se também admira Xuxa assim como eu?

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No percurso, impossível não fazer amigos. Levarei boas lembranças de cada um, mas não posso esquecer de três nomes bastante especiais: Gabriela Meneses, Darlano Dídimo e Heveline Ribeiro. É complicado até definir o tamanho significado que a “Gabi” tem para mim. Por mais de dois anos, fomos o “grude” um do outro. De vez em quando, uma aresta a ser aparada, mas, ao fim, muitas alegrias. Impossível não sermos o “xodó” de muitos da faculdade com nossa língua incansável, que já passou por cada “novela”... Na minha correria, se não fosse ela, certamente, estaria reprovado há tempos. Dias de provas, entregas de trabalhos, matrículas, enfim, tudo repassado por essa amiga, dona de cachinhos inesquecíveis. Já o Darlano, vulgo “Dad’s”, foi nossa a surpresa desses quatro anos. Conseguimos, estrategicamente, torná-lo mais sociável e, hoje, não consegue viver sem a gente. Inteligente como ele só, contribuiu na maioria dos nossos trabalhos, que sempre tinham nota máxima e eram assinados por mim, ele e Gabi. E a Heveline? Minha “Vev’s”. De voz tranqüila e sorriso quase sempre aberto, jamais me negou nada. Acho, de verdade, que ela é minha fã número um, pois sempre me motivou rumo ao estrelato. Trocamos confidências e, quando surge um problema, é só ouvi-la para me fortalecer.

Externo ao universo acadêmico, agradeço à Germana Cabral, editora do caderno Eva do Diário do Nordeste, minha “chefa”, que soube compreender o quanto é complicado ter tempo no semestre da monografia. À amiga Ticiana de Castro, que, com alegria e graça, colocou-me mais próximo do jornalismo com sua experiência. E a minha revelação deste ano: Yuri Salgado, que inclusive é sobrinho do ex-coordenador do curso, Ronaldo Salgado. Tudo a ver! Como escrever cerca de 50 páginas sem alguém que te dá força e alegra aqueles dias mais estressantes? Nosso encontro aconteceu justamente quando estava no meio da monografia, completamente sem tempo. Driblar meus afazeres e ainda dedicar atenção a ele foi bem difícil. Mas consegui, entre uma briguinha e outra, é claro, que ele soube entender.

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sangue real/A fada dos sonhos de cristal/Quem fez o nosso dia-a-dia diferente?”. Antes mesmo de pronunciar a palavra “mãe”, ainda bebê, falei “Tuxa”, referindo-me à apresentadora. A partir daí, começou essa ligação com ela que já dura 22 anos. Enxergo, sim, todo o marketing que existe por trás do fenômeno Xuxa, mas não há nada que me faça desgostar dela. A voz dela remete-me à infância, sinto-me querido e considero-a incomparável no referente à apresentação televisiva infantil. E ai de quem ouse falar mal dela. Por isso, faço questão de levar todos vocês ao encantado mundo de Xuxa, o qual eu deixarei, por um momento, para analisá-la objetivamente. Mas logo eu volto.

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RESUMO

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SUMÁRIO

Introdução... 10

1. É hora do “Xou”... 13

1.1. A menina transforma-se em “Rainha” ... 13

1.2. O espetáculo projetado pela televisão no Brasil ... 18

1.3. Auditório como contemplador do circo ... 22

1.4. Xuxa como agente promotora do consumo... 26

2. Querer é poder ... 32

2.1. A figura olimpiana de Xuxa ... 32

2.2. O mito Xuxa na formação do imaginário coletivo... 35

2.3. Mito sob a ótica da semiologia... 39

2.4. Estrelas do século XXI ... 39

3. Sonho de Cristal ... 44

3.1. “Planeta Xuxa” ... 44

3.2. Formato do “Xou” ... 46

3.3. Imaginário de fã... 50

3.4. Discurso em forma de música ... 52

Conclusão ... 58

Anexos ... 60

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Introdução

Ao todo, já são mais de 20 anos de carreira na emissora de maior destaque do País, a Rede Globo. Nessa trajetória, a apresentadora Xuxa gravou cerca de 900 músicas, que, em forma de Lp’s, Cd’s e K7’s, venderam mais de 55 milhões de cópias e renderam 400 discos de ouro, apenas no Brasil. Foram mais de sete mil roupas diferentes, 961 perucas, mais de 600 sapatos, 114 sandálias e muitas botas. Gravou mais de 15 mil horas de programas exibidos na Rede Globo. Xuxa levou aproximadamente 30 milhões de pessoas para ver seus filmes no cinema, foi capa de aproximadamente 3.000 revistas, e, de 2006 para cá, o site oficial (www.portalx.com.br) teve mais de 5,5 milhões de visitas.

E mais: a vendagem do disco “Xou da Xuxa 3” colocou a artista no “Guiness Book”, o livro dos recordes. Ela ganhou mais de 31 mil presentes dos seus 200 fãs clubes nesses 20 anos de TV Globo. Foi apontada pela revista Veja, em 2002, como a artista mais rica do Brasil, com um patrimônio de 250 milhões de reais, ganhando, anualmente, mais de 40 milhões de reais por ano, com os produtos de sua marca, além do salário que é de 2,5 milhões de reais mensais. Ainda segundo a mesma revista, os ganhos de Xuxa colocam-na no patamar de artistas de Hollywood, como Julia Roberts e Keanu Reeves. Está em primeiro lugar na lista dos artistas que mais faturaram nos últimos dez anos (1999-2009), com patrimônio atual é de um bilhão de reais.

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Manchete, o que lhe dá visibilidade suficiente e atrai os olhares do alto escalão da Rede Globo.

Beleza, carisma e apoio de pessoas notáveis, como o namorado Pelé e a ex-diretora, Marlene Mattos, contribuíram para que Xuxa alçasse vôos maiores e conquistasse o título de “Rainha dos Baixinhos”, conferido pelo público adulto e infantil, com clara uma contribuição mercadológica da mídia.

Com figurino de chamar atenção, exagerado em cores e decotes, num período pós-ditadura, em que a censura imperou sobre os costumes, despertou a curiosidade de muitos com o jeito de menina-mulher e a voz infantil. Contudo, ao invés de ser vista como ameaça, conseguiu agradar. Afinal, nos anos 80, a mulher invadiu o mercado de trabalho e seria fundamental a presença de alguém que distraísse os filhos. Por que não uma “babá eletrônica” que canta, dança, parece lidar bem com todo tipo de criança e ainda incentiva, mesmo que de modo contraditório e interessado, valores de proteção da natureza, o respeito, amor e carinho?

A trajetória de Xuxa, como modelo, atriz de filme erótico e, de repente, apresentadora infantil, está marcada na história da televisão brasileira e, por isso, merece ser analisada à luz dos conceitos de autores renomados da Comunicação. Além do contexto social da época, o marketing global por trás da artista e uma boa dose de sorte foram os principais responsáveis por garantir crédito e estabilidade ao “novo mundo” criado pela Globo destinado às crianças, o “Xou da Xuxa”.

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Kincheloe, responsáveis por defender que a infância com a qual lidamos, desde o final do século XX, possui características peculiares na sociedade contemporânea, tais como maior contato com diferentes tecnologias e influência dos efeitos da mídia.

No segundo capítulo (Querer é poder), apoiamo-nos em Morin, que, a partir de seus estudos sobre os olimpianos, esclarece a relação da celebridade com o público, em atos de projeção/identificação. Nessa mesma linha, Campbell diz que, “quando se torna modelo para a vida dos outros, a pessoa se move para uma esfera tal a ponto de se tornar passível de ser mitologizada”. Além desses autores, procuramos considerar as contribuições de Barthes no referente à semiologia, responsáveis por sugerir a linguagem como uma das principais atuantes na formação de um mito.

O último capítulo (Sonho de Cristal) volta-se à construção do programa “Xou da Xuxa”, que estreou em meados dos anos 80, com características peculiares, desde o cenário às assistentes de palco, conhecidas como “Paquitas”. A partir das idéias de Laplantine e Trindade, discute-se o porquê da magia do universo infantil encantar tanto as crianças. Os autores estudam o imaginário coletivo, considerado indispensável ao sucesso de Xuxa, pois ela é símbolo de toda essa fantasia criada para “enfeitiçar os olhos” dos pequenos.

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1. É hora do “XOU”

1.1. A menina transforma-se em “Rainha”

Em 27 de março de 1963, na cidade de Santa Rosa (RS), nasce Maria da Graça Meneghel, que ganhou este nome por ter sofrido complicações ao nascer. Assim, a mãe, Alda Meneghel, e o pai, Luiz Floriano, consideraram uma graça alcançada o nascimento da caçula, que se chamaria Morgana Sayonara, caso o parto tivesse ocorrido normalmente. Quanto ao apelido “Xuxa”, segundo biografia oficial (NEIVA, 2001), foi dado pelo irmão Bladimir Luizaldo, e, mesmo sem ter um significado especial, até hoje, acompanha a fama da artista.

Filha de militar, foi impelida a mudar-se para o Rio de Janeiro na década de 70, quando, ainda menina, já demonstrava interesse por uma carreira sob os holofotes. Ainda de acordo com Neiva, aos 15 anos, enquanto viajava de trem, Xuxa foi vista por um funcionário da Bloch Editores, que a convidou para fazer um teste de moda. Assim, a primeira aparição na capa de uma revista aconteceu na revista “Carinho”, popular publicação para adolescentes. Com 17 anos, foi eleita “Garota Pantera”, e, aos 18 anos, já havia sido capa de mais de 80 revistas. Então, começa a ganhar credibilidade no mercado fotográfico, em que as morenas estavam entre as mais bem-sucedidas do jet-set da moda .

Ao total, no decorrer da carreira, são mais de 2.500 capas de revistas, sendo 50 delas só no primeiro ano como modelo. Posou nua para a “Playboy” (editora Abril), “Status” (editora Três), “Ele e Ela” (editora Bloch), e o sucesso nas revistas aconteceu, principalmente, por despertar o interesse do público masculino. Em 1982, ainda fez o polêmico “Amor Estranho Amor”, em que interpretou uma prostituta responsável por seduzir um menino de 12 anos. Anos depois, quando já era conhecida internacionalmente, conseguiu apreender todas as cópias do vídeo disponíveis no mercado. Atualmente, cenas podem ser encontradas no site Youtube

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1984, é contratada pela Ford Models, renomada agência de top models com sede em Nova York, nos Estados Unidos.

Assim, o início da carreira de Xuxa foi marcado pelo papel de modelo, com todo o duplo sentido implicado à beleza e juventude, que a tornou um produto de consumo perfeito para os padrões de consumo da sociedade contemporânea.

“Quando comecei a trabalhar, não estava vendendo meu corpo, mas a minha imagem como modelo. Depois, decidi aprender a ser apresentadora. As pessoas falavam que para trabalhar com criança ou tinha de vestir roupas fechadas ou fazer o tipo palhacinho. Quando apareci, disseram ‘epa’ é uma loura que já fez Playboy. Chocou um pouco no início”. 1

Contudo, antes do mega-contrato com a Ford Models, conheceu o astro de futebol Edson Arantes, o Pelé. Durante namoro com o jogador, os contratos publicitários da modelo aumentaram significativamente e, claro, os lucros, também. Xuxa torna-se o mais novo símbolo sexual do Brasil e aproxima-se, aos poucos, de diferentes oportunidades de trabalho, como participações em novelas, filmes e apresentação de programas infanto-juvenis.

Não é de se estranhar que, logo, Xuxa começa a atrair os olhares da mídia e de um público acostumado com o sucesso do Rei Pelé. Afinal, beleza e dinheiro juntos fazem parte do imaginário coletivo de várias civilizações. Através da beleza física, pode-se ter acesso a um mundo onde mitos justificam o fascínio de multidões, e a imagem exerce um apelo irresistível, a ponto de atrair, a reboque, fama e fortuna. Essa porta de entrada para as passarelas marcou o mito televisivo Xuxa, que estava a surgir. A modelo, loura de olhos azuis, une-se ao astro do futebol Pelé em um romance que mobilizou todo o País. Se levarmos em consideração o racismo brasileiro, a repressão da ditadura militar e a repressão sexual da qual a Igreja era partícipe, Xuxa tem um começo de carreira bem-sucedido.

Com o sucesso atrelado à beleza, a apresentadora conseguiu conquistar atenção de um público diverso. Pierre Bourdieu, no livro “La distinction” (1979), mostra como a supervalorização da aparência feminina teve impacto até no mercado de trabalho.

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“O fato de algumas mulheres tirarem proveito profissional de seu charme contribuiu, sem dúvida, para determinar outro número de mudanças nas normas de vestuários, cosméticos, etc, e todo um conjunto de transformações éticas, aliadas a uma redefinição da imagem legítima da feminilidade: as revistas femininas e todas as instâncias em matéria da imagem e do uso legítimos do corpo difundem a imagem de uma mulher encarnada por estas profissionais do charme burocrático, racionalmente selecionadas e formadas, segundo uma carreira rigorosamente programada, com o intuito de preencher as funções femininas mais tradicionais”. (BOURDIEU, 1979, p. 54).

A profissão de modelo, ainda hoje, facilita o contato dessas profissionais com a TV, meio auto-referente, que vincula as representações sociais conhecidas do grande público – como é o caso das modelos – à grande mídia. Assim, o sucesso garantido pelo universo glamouroso da moda só aumenta as possibilidades do mercado televisivo se destacar.

Maurício Sherman, diretor da TV Manchete nos anos 80, decide apostar na carreira de Xuxa. Em 1983, estréia o programa vespertino “Clube da Criança” na emissora, sob direção de Marlene Mattos. A ausência de intimidade com as câmeras, sem falar no pouco trato com o público infantil, era evidente. Em entrevista ao programa “Agenda”2, Xuxa reconhece a inexperiência com o novo trabalho: “Dizem que eu maltratava as crianças, mas não é verdade. Eu só não as tratava como os adultos. Caso pisassem no meu pé, eu pisava também. Um amigo das crianças faz assim; e eu era amiga delas”.

Mesmo assim, o “negócio” com a artista parecia valer a pena. O carisma e o jeito infantil de Xuxa na TV eram considerados “impressionantes” por Sherman, que, em entrevista a Revista Manchete3, revelou: “A moda perdeu uma modelo fenomenal, contudo, o resto do mundo ganhou este fenômeno responsável por encantar crianças e freqüentar os sonhos de adolescentes e adultos”. Xuxa, com seu figurino, chamava atenção diante da realidade da época, na tentativa de assimilar algum elemento que a alçasse à condição de personagem. Prova disso são as botas de cano alto, as minissaias, as ombreiras, roupas decotadas e coloridas demais, além do jeito de falar sempre com o “x” em evidência e até na forma de pentear os cabelos com as populares “xuxinhas”. Mas, segundo a família, a apresentadora é excêntrica desde criança. “Xuxa sempre foi

2 Em julho de 2006, o Programa Agenda, na emissora Globo News, transmitiu um especial com Xuxa, em

que ela foi entrevistada.

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moleca. Gosta da natureza, dos bichos e adora brincar. A voz e a forma como se comunica lembram muito uma criança”, diz a mãe, Alda. (NEIVA, 2001, p. 28). Assim, é notório que o discurso da mãe da artista é uma justificativa para a personalidade infantil da apresentadora, que gera dúvidas quanto a sua autenticidade como “criança”.

Com tanto apelo popular – independente da faixa etária -, Xuxa recebeu um convite de trabalho da Rede Globo, após quase três anos na Manchete. A imprensa publicou a oferta global: “Por Cr$ 130 milhões, Xuxa vai para a Globo”4. O diretor da emissora José Bonifácio Boni de Oliveira não queria um programa infantil com o nome da modelo. Contudo, a apresentadora e sua diretora, Marlene Mattos, foram irredutíveis: ela somente se transferiria para a Globo com um programa que levasse seu nome. No ano seguinte, a exigência foi aceita e, então, deu-se início à produção do “Xuxalândia”, “Xuxa Xou” ou “Xou da Xuxa”. A última sugestão foi a escolhida, como informa ainda a revista Contigo já citada.

Os sonhos da menina de Santa Rosa (RS) viraram realidade e, com a inserção de sua imagem no matinal diário “Xou da Xuxa”, ela adquire o título de “Rainha dos Baixinhos”, passando à condição de “garota dos cem milhões de dólares” do Brasil, como publica a revista Veja5, a partir do faturamento da artista com o trabalho na emissora. Desde a estréia global em 30 de junho de 1986, a apresentadora, conquistou fama em outros países como apresentadora e também estabeleceu raízes na atual emissora, onde já comandou diversos programas para públicos distintos.

Até hoje, foram cerca de 13 programas nacionais, afora os três internacionais, na Argentina, Espanha e Estados Unidos. De acordo com o contrato, era obrigada a morar 15 dias no Brasil e 15 na Argentina e a gravar uma vez por mês na Espanha. Nos Estados Unidos, o programa “Xuxa” foi exibido em 121 canais independentes, contudo, a dificuldade com a língua inglesa não lhe permitiu ficar mais de um ano no ar. Já em solo brasileiro, comandava um formato inovador: cenários luxuosos, figurinos impecáveis, investimentos em discos, filmes, produtos da marca Xuxa. E a estrela do “show” não eram fantoches ou personagens de desenhos animados, mas a figura humana de uma ex-modelo, que, agora, estava no comando.

4 Cf.Xuxa deixa a Manchete pela Globo. Revista Contigo, 1986, p.11. 5

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Com o “Xou da Xuxa”, a apresentadora conseguiu duplicar a audiência no horário. Em números significa que, em sua estréia, segundo dados da Rede Globo publicados também na revista Veja6, o programa alcançou 16 pontos no Rio de Janeiro e 16 em São Paulo. Nove meses depois, a audiência aumentou: 21, 8 pontos no Rio de Janeiro (800 mil espectadores por dia) e 18 pontos em São Paulo (950 mil espectadores por dia). Tal sucesso comprova que a apresentadora foi alterando sua imagem de símbolo sexual, capa das revistas masculinas e atriz de filmes eróticos, passando a ser vista, na lógica do mercado, como uma eficiente animadora de crianças. O que facilitou essa transposição de símbolo sexual para personagem infantil foi a estratégia de ampliar o público adulto e infantil, ao invés de mera substituição de um segmento por outro.

Vale ressaltar que essa redefinição de uma imagem, já instalada num esquema midiático, não a fez destruir sua primeira imagem. Houve uma adaptação da primeira (modelo) sobre a segunda (apresentadora), criando uma terceira (modelo-apresentadora), respaldada por parte da sociedade, que não considerava o programa “Xou da Xuxa” uma ameaça educacional às crianças, mas uma forma de entretê-las. Evidentemente, que esta mudança ocorreu devido a estratégias da direção da Rede Globo, capitaneada por Boni e a equipe comandada por Marlene Mattos. Contudo, é categórica a existência de todo um segmento social que critica fortemente a influência de Xuxa no cotidiano das crianças.

Quanto ao passado da artista como atriz de filmes eróticos e modelo para fotos sensuais, a Rede Globo fez questão de escondê-lo. Neiva diz que o contrato com a emissora foi assinado em março de 1986, mas a estréia aconteceu apenas em junho, pois a direção geral preferiu “limpar a imagem” da artista. Não no sentido de ocultar, de vez, sua sensualidade, mas de evitar ligação da artista com trabalhos não relacionados ao universo infantil. Ou seja, Xuxa continuou utilizando a beleza como forma de manter o público adulto, mas estava rodeada de elementos (cenário, brinquedos, músicas) que a desvinculariam da imagem de mulher para a de menina, ainda que guardando sempre certa ambigüidade nesta representação.

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No que diz respeito ao trabalho executado pela equipe do programa, a grande estratégia foi jamais negar o passado de modelo, mas, sim, apresentá-lo o mais natural possível, quase com a inocência infantil de quem já havia crescido.

“Nunca fiz pornografia. Fiz, quando tinha 18 anos, nus artísticos. Foi na época do Pelé. Essas fotos apareceram em três revistas. Não me arrependo de nada; não vendi meu corpo e, sim, minha imagem. Não apareci completamente nua. Isso é comum nas praias do Brasil, sem falar que ficar nua é um hábito que herdei dos meus pais. Sempre que podia ficava bem à vontade”7.

1.2. “Xou da Xuxa”: O espetáculo projetado pela televisão no Brasil

“Afinal, desde que foi lançado, em 1986, o “Xou” transformou-se num dos maiores fenômenos da história da televisão, e Xuxa, ídolo maior e porta-voz dos pequenos. Para as mães que trabalhavam fora e saem cedinho de casa, ela é a babá ideal: distrai, diverte e mantém as crianças longe das travessuras. Para os próprios “baixinhos”, é a titia que fala a mesma linguagem deles, a irmã mais velha que brinca e não os esnoba, a garota bonita que libera neles a sexualidade, muitas vezes reprimida em suas casas (...) A fixação na gauchinha loura é tanta que, nos dois anos que o programa está no ar, verificou-se uma queda de trinta por cento nas matrículas de alunos de pré-escola e do primeiro grau, nas escolas das principais cidades brasileiras”. 8

A Escola de Frankfurt concebia a indústria cultural como determinante para o consumo. No livro “Dialética do Esclarecimento” (1940), Max Horkheimer e Theodor Adorno defendem que o desenvolvimento da comunicação de massa teve um impacto fundamental sobre a natureza da cultura e da ideologia nas sociedades modernas. Na concepção deles, a análise da ideologia não pode mais se limitar ao estudo das doutrinas políticas, mas deve ser ampliada para abranger as diferentes formas simbólicas que circulam no mundo social, ou seja, a estruturação das relações na sociedade, a forma como se produz e se intensifica a massificação do indivíduo. Não obstante, a cultura é o instrumento que desenvolve e assegura formas de controle das concepções sociais e das ideologias estruturadas na sociedade capitalista. A Indústria Cultural forma um sistema poderoso, que inclui os meios de comunicação, responsáveis por exercer, na visão dos autores, manipulação e controle social ao promover a mercantilização da cultura. Os produtos da Indústria Cultural, em geral, privilegiam a demanda do mercado, não havendo uma preocupação exata com o conteúdo.

7 Cf.Xuxa revela intimidade.Revista Amiga, 1991, p. 8-11. 8

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“A indústria cultural pode se ufanar de ter levado a cabo com energia e de ter erigido em princípio a transferência, muitas vezes desajeitada, da arte para a esfera do consumo, de ter despido a diversão de suas ingenuidades inoportunas e ter aperfeiçoado o feitio das mercadorias”. (ADORNO; HORKHEIMER, 1997, p. 126).

Muito mais do que outros bens da indústria tradicional, o produto cultural deve ser atraente, criar empatia com o público, ou não vende. A exemplo um astro de televisão: quando ele é aceito pelo público como personagem/herói de uma novela, é porque demonstrou profissionalismo, além de carisma, aos telespectadores. Assim, torna-se um produto que aumenta a audiência e gera lucros, estando apoiado em uma estrutura de marketing que dá suporte à construção da sua imagem junto ao público. Por isso, é conveniente, ceder-lhe espaço em programas de auditório, dando entrevistas a jornais e revistas, por exemplo.

Horkheimer e Adorno afirmam que o indivíduo deixa de decidir por si e passa a seguir valores impostos pela mídia em padrões repetidos, vez ou outra. “O homem se encontra em uma sociedade que o manipula a seu bel-prazer: o consumidor não é soberano, como a indústria cultural queria fazer crer, não é seu sujeito, mas seu objeto”. (idem, p.74). O público, aqui, seria, portanto, visto como um ser passivo, capaz de absorver as indicações midiáticas sem maior criticidade, idéia contradita por Arlindo Machado (2005).

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Vale destacar que Xuxa, nos anos 80, mais que cumprir o papel de uma estrela de tevê ganhou a função de “babá eletrônica” da geração que estava chegando. O contexto da época é de pós-ditadura, quando estouraram símbolos da música pop, como Madonna e Michael Jackson, e os brasileiros Blitz, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Ira!, Kid Abelha, Titãs, RPM, etc. O sentimento de liberdade permitia ousadia no pensar, agir e vestir.

Como Arlindo Machado sugere, evidente que há interesses mercadológicos na construção de um conteúdo da mídia, como no caso do “Xou da Xuxa”. Conquistar o público e, ao mesmo tempo, estender a programação a diferentes idades é uma estratégia que depende, principalmente, da receptividade do público. Então, a influência das mensagens transmitidas pela apresentadora existe, como ressaltam Adorno e Horkheimer, através da padronização da linguagem, do conteúdo e do apelo às necessidades desse público. Porém, o sucesso definitivo provém da escolha por determinada programação, o que resulta de uma hegemonia estabelecida a partir de determinados padrões estéticos.

Além disso, o sucesso nacional e internacional de Xuxa está atrelado à posição de liderança da Rede Globo na audiência televisiva do País. Segundo o site “Tudo sobre TV – História da Televisão no Brasil”9, de 1985/1986, há 26 milhões e 500 mil aparelhos, em P&B e em cores. A Rede Globo era a quarta maior rede de televisão comercial do mundo, superada apenas pelas norte-americanas BBS, ABC e NBC, cobrindo 98% do território nacional, com 70% de audiência.

Ainda, em meados dos anos 80, a cobertura das outras emissoras (SBT, Bandeirantes e Record) era reduzida a poucos estados, ou seja, como Xuxa pertencia à Globo, que, dentre as estações de tevê, tinha maior alcance, é notória a facilidade em ser acolhida nacionalmente. “Poucas redes de televisão comercial, como a TV Globo e a Bandeirantes, tinham cobertura nacional e expressividade aonde chegavam”. (SANTOS & SILVEIRA, 2001, p. 76).

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Com poucos programas voltados a uma faixa etária infantil, que crescia progressivamente em relação aos anos anteriores, 60 e 70, uma fórmula que atraísse o público era essencial. E encontrar alguém para desempenhar esse papel foi o início de todo o processo, pois, com o cotidiano cada vez mais acelerado dos pais, uma companhia “virtual” para as crianças funcionaria como “substituição familiar”. Nos anos 80, a inserção da mulher no mercado de trabalho é apontada como uma das principais transformações econômicas da época, reduzindo o tempo da mãe com os filhos, como Maria Isabel Baltar da Rocha (2000) explica no livro “Trabalho e Gênero: Mudanças, Permanências e Desafio”.

“A partir da década de 1970, intensificou-se a participação das mulheres na atividade econômica em um contexto de expansão da economia com acelerado processo de industrialização e urbanização. Prosseguiu na década de 1980, apesar da estagnação da atividade econômica e da deterioração das oportunidades de ocupação”. (ROCHA, 2000, p.24).

Ao fim da década de 80, a programação da tevê brasileira contava com atrações sem as características do “Xou da Xuxa”, que podem ser resumidas no alto investimento da emissora no programa. Exemplo: Turma do Balão Mágico (1983-1986; TV Globo; antecedeu o “Xou”), Oradukapeta (1987-1990; SBT), Clube da Criança (1986-1998; Manchete); Bambalalão (1977-1990; TV Cultura), Bozo (1979-1991; Record e SBT), e conteúdos da Rede Bandeirantes (Turma da Fofura, TV Tutti Fruti, Topo Gigio; Turma do Lambe-Lambe), entre outros.

Dentre as principais diferenças entre o “Xou” e o “Clube da Criança”, estão o horário (manhã) e o advento de Xuxa como figura principal da atração. O horário na TV Globo deveu-se a uma substituição de atrações. Antes da estréia de Xuxa, Simony, Jairzinho e Michael comandavam o Balão Mágico. Os três contracenavam com o boneco Fofão, parecido com um cachorro de bochechas salientes. Entretanto, como Neiva revela, a Globo pretendia incrementar a audiência nas manhãs, geralmente destinadas às donas de casa, como é o caso da “TV Mulher” (1980-1986).

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e envolto pela fantasia não tinha como deixar de atrair públicos de todas as idades. Dessa forma, o conteúdo do programa, além da audiência, buscava colocar quem o assistia em um plano diferente: o “planeta Xuxa”, onde praticamente tudo seria possível, e a fantasia faz parte do dia-a-dia.

1.3. Auditório como contemplador do circo

Depois que aterrissa, a porta da nave rosa repentinamente abre. De lá, sai uma apresentadora loura, de pele branca, olhos azuis e um sorriso sempre aberto. É assim a mulher de 23 anos escolhida para figurar a grade da Rede Globo por quatro horas matinais de segunda-feira a sábado de 1986 a 1992. Com nome fácil de ser pronunciado até mesmo pelos bebês, Xuxa entregou-se ao formato do programa e seguia à risca as orientações da diretora, Marlene Mattos.

Dirige-se ao público com uma voz infantilizada. Aprendeu a se portar frente às câmeras, a conduzir a seqüência da atração, a maneira cúmplice de se dirigir aos olhos atentos a cada palavra que profere, mantendo o domínio da situação. Foi preparada meses antes de ir ao ar no dia 30 de junho de 1986, quando se iniciam as férias colegiais, como afirma Neiva. Xuxa estava a par de todos os detalhes do seu “Xou” e, juntamente com uma equipe profissional e numerosa, alavancou o próprio sucesso e o da emissora. De fato, uma brincadeira séria que movimentou bilhões de dólares.

Na estréia do “Xou da Xuxa”, a apresentadora disse: “para aqueles que não acreditavam que um dia estaria aqui, bom dia!”. Talvez, um certo ressentimento quanto às críticas recebidas enquanto esteve na Manchete, e uma valorização de sua imagem, que obteve um salto incrível na troca de emissoras.

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Machado aponta o diálogo como fundamental para o sucesso de um programa na televisão. Segundo ele, a interatividade gera uma possibilidade maior de discursos que podem ser trabalhados, contribuindo para um melhor desempenho da programação e da relação produção-público.

“Essa disponibilidade para o discurso oral, de um lado, desviou a televisão para a facilidade, a comodidade e a banalidade dos ‘talk shows’, em geral voltados para a celebração das próprias estrelas (...). Mas, de outro lado, favoreceu o ressurgimento na televisão de formas discursivas muito antigas e vitais, formas que estão na raiz mais profunda de toda a nossa cultura: aquelas que se fundam no diálogo”. (MACHADO, 2005, p.73).

A trajetória de Xuxa é um perfeito exemplo de como a televisão tem o poder de transformar a realidade de quem passa por ela. Fama, publicidade, mercado, comportamento, imagem, sexualização precoce, infantilização e exposição de privacidade são elementos que costuram a anatomia de um dos fenômenos comunicacionais mais significativos das últimas décadas. E graças à imponência cedida pelos filtros da tevê a quem nela aparece, Xuxa conseguiu conquistar o título de “Rainha dos Baixinhos”, com o cuidado de, ao mesmo tempo, ser considerada mito por quem a assistia. De acordo com Guy Debord (1967), as transmissões feitas pela TV são vistas pelo telespectador como um espetáculo à parte, “uma dimensão reconhecidamente irreal e ilusória de que a vida é menos o que se leva nas esferas cotidianas”. Ele denomina a atual sociedade como “sociedade do espetáculo”, suscetível aos resultados da mídia.

“No espetáculo, uma parte do mundo se representa diante do mundo e lhe é superior. O espetáculo nada mais é que a linguagem comum dessa separação. O que liga os espectadores é uma ligação irreversível com o próprio centro que os mantém isolados. O espetáculo reúne o separado, mas o reúne como separado”. (DEBORD, 1967, p.23).

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apresentadora. Se Xuxa era a “Rainha” e tinha um comportamento de “baixinha” – apesar de não ser – e, como tal, ainda pegava emprestada a sensualidade do mundo dos adultos, não há motivos para as outras crianças ficarem de fora da “brincadeira”, afinal os tempos mudam. Novamente, é importante lembrar que a imagem mercadológica de Xuxa, vendida como sensual na mídia, foi bastante criticada no meio acadêmico. Dessa forma, era clara a divisão dos segmentos prós e contras à presença da apresentadora numa programação destinada às crianças.

Dentre os papéis representados pela televisão, está o de (in)formar quem a assume como parte do cotidiano. É inegável que, mesmo com valores sociais a serem respeitados, a tevê garante acesso livre onde há resquícios de repressão velada. Ao se utilizar do entretenimento, a televisão torna o ar “mais respirável” e gera esquemas mais sutis de padrões de comportamento social. É como se a fantasia realmente pudesse vir a se tornar realidade.

Segundo Baudrillard (1981), o hiper-real explicitado pela TV é um simulacro, em que as representações assumem formas nítidas de referência, mas, ao mesmo tempo, pobres em anteparos conscientes. Os simulacros e suas simulações de uma realidade construída, alternativa - e, portanto apreendida segundo certos padrões adotados pela sociedade – e os meios de comunicação de massa agem como holofotes hiper-reais, criadores de um universo paralelo. Baudrillard afirma que vivemos em constante estado de aceitação às regras sociais impostas por uma minoria detentora dos meios de produção, difusão midiática, economia, legislação, formas de ensino, etc e, por isso, a televisão tem o potencial de deturpar o cotidiano, transformando o real em simples imagens, motivações eficientes de um “comportamento hipnótico”.

Através do carisma e capacidade de expressão na tevê, Xuxa gera esse comportamento hipnótico no show business. Para tanto, uma sandália, o clip de uma música até uma declaração em uma entrevista, despertam o interesse de quem se permite a essa experiência de “parecer-se com” ela.

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conseqüentemente, torna-se referência maior em relação ao que deve ser vivido. O autor prossegue com a idéia de que a tevê, ao fundir imaginário e realidade, cria um espaço “próprio, simulado e surreal”. É como se o indivíduo tivesse a sensação de estar se aproximando dos mitos que povoam o dia-a-dia e, simultaneamente, indo ao encontro de si, no que deseja para sua realidade. “Sem a necessidade de uma realidade externa para validar a si mesmo enquanto imagem, o simulacro é, ao mesmo tempo, imaginário e real, ou melhor, é o apagamento da diferença entre real e imaginário – entre o verdadeiro e o falso”. (1984, p.29).

Xuxa é apenas mais um personagem no qual são depositados os anseios e as esperanças de quem a “seguiu” nos anos 80. O jeito de falar, agir e vestir gerou identificação com o público infantil. “Altinhos” e “baixinhos” confiavam à Xuxa o resgate da felicidade, demonstrada no delicado jeito de acreditar na concretização dos sonhos. No “Planeta Xuxa”, tudo é possível, principalmente quando se tem como “fada madrinha” uma loura de olhos azuis que “espalha bondade” por onde passa. As frases ligadas à artista, como “Tudo pode ser, só basta acreditar” e “Querer, poder e conseguir”, reforçam essa imagem positiva de Xuxa. Assim, fica difícil não se deixar encantar. A televisão funciona como uma saída à carência, afinal atua como companheira nos momentos de solidão.

“O espelho estendido pela teleorganização – e no qual o indivíduo é instalado a se reconhecer – difrata continuamente simulacros, prontos a exibir tecnoestrutura como único modelo com o qual cada um pode identificar-se para bem existir socialmente, mas prontos também a esvaziar o indivíduo de seus próprios modelos e imagens autônomas. Para tal sistema, é preciso ficcionalizar o real” (idem, p.67).

1.4. Xuxa como agente promotora do consumo

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ou mesmo ler a revistinha em quadrinhos lançada por ela. Para tudo começar novamente no dia seguinte e, ao fim de semana, irem a um show num grande estádio ou casa de espetáculo.

Com tamanho sucesso, não tinha como Xuxa, aos 23 anos, reclamar da carreira. Tudo o que levava seu nome passou a ser consumido freneticamente pelos fãs: sandálias, bonecas, camisetas, bicicletas, iogurtes, chicletes... Segundo Neiva, um ano depois da estréia global, Xuxa e sua diretora, Marlene Mattos, criaram a empresa “Beijinho, Beijinho” para cuidar do licenciamento da marca da apresentadora. A empresa gaúcha “Grendene” teve cerca de 50 produtos licenciados, e a marca Xuxa vendeu mais de 15 milhões de pares. Também, já foram vendidas mais de um milhão de bonecas na América do Sul e 35 milhões de revistinhas. Tudo isto em seis anos de “Xou da Xuxa”. A Xuxa Produções, criada em 1982 num esquema bem familiar, foi a empresa responsável por tudo o que se relacionava ao nome dela. Dentre as empresas que formavam o conglomerado Xuxa, a grife de roupas “Bicho Comeu”, a de adolescentes “PQT”, a Fazenda MG Meneghel de agropecuária, uma escola de modelos, uma vídeo-locadora, uma produtora e uma agência de turismo, a Xuxatur.

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Mesmo sem formação de atriz, protagonizou, na época do “Xou”, quatro filmes voltados para o público infanto-juvenil. “Super Xuxa contra o Baixo Astral” (BRA, 1988, aventura, dirigido por Anna Penido e David Sonneschein), “A Princesa Xuxa e os Trapalhões” (BRA, 1989, aventura, dirigido Por José Alvarenga Jr.), “Lua de Cristal” (BRA, 1990, comédia, dirigido por Tizuka Yamaki – 5,5 milhões de espectadores) e o “Mistério de Hobin Hood” (BRA, 1990, aventura, dirigido por José Alvarenga Jr.). Essa presença contínua na mídia mostra como a produção de Xuxa assume a característica sistêmica da Indústria Cultural.

O sucesso categórico nas vendagens desses produtos foi estrategicamente calculado. Gradativamente, Xuxa passou a interferir no cotidiano das crianças, que, quando saíam de frente da TV, após o término do programa, recorriam à imagem da artista em outras formas de representação. E não precisava ser o melhor filme ou o álbum de músicas mais vendido. A figura de Xuxa no mercado publicitário era tão forte que conseguiu superar conceitos como os de “bom e ruim”. Quem a “comprava” queria tê-la ao lado como companhia.

Baudrillard, em sua obra “A sociedade de consumo” (1995), afirma que o consumo constitui um universo de significação capaz de modelar as práticas cotidianas.

“O consumo é um sistema que assegura a ordenação dos signos e a interação do grupo. Ele é, ao mesmo tempo, uma moral (um sistema de valores ideológicos) e um sistema de comunicação, uma estrutura de troca. Segundo esta hipótese, o consumo se define como exclusivo do gozo. Como lógica social, o sistema de consumo se institui sobre a negação do gozo. Ora, o consumo nunca é isto. Nós gozamos para nós, mas quando consumimos nunca o fazemos sozinhos, entramos num sistema generalizado de trocas e de produção de valores codificados, onde, a despeito deles mesmos, todos os consumidores estão implicados reciprocamente. Neste sentido, o consumo é uma ordem de significados”. (BAUDRILLARD, 1995, p.109 e 110).

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de um discurso carregado de valores incrustados, como acreditar no sonho, proteger a natureza, fazer o que se gosta, entre outros.

Na mesma linha de Baudrillard, o sociólogo Gilberto Felisberto Vasconcellos ressalta que Xuxa não deve ser encarada isoladamente. Segundo ele, a artista é um produto organicamente conectado com o desenvolvimento da televisão, uma espécie de termômetro da cultura midiática das últimas décadas do século XX. Ele compara os programas de auditório da apresentadora a um “cabaré”, entendido não apenas como “metáfora da ausência de pudor Xuxa”, mas como um espaço de diversão que supera a casa, a família e o sistema educacional. E, neste espaço, Xuxa teria um papel no processo de dissolução da infância. “É curioso observar como essa infantilização do adulto se faz acompanhar de uma adultização compulsiva da garotada, sobretudo por eliminar qualquer vaga de ‘latência’ do desenvolvimento infantil”. (VASCONCELLOS, 1998, p.145-146).

Xuxa era a pessoa certa na hora certa: o sucesso da apresentadora em seu programa de televisão ocorreu num momento em que as empresas brasileiras iniciavam a copiar o modelo americano de fabricação de produtos para crianças com o uso de personagens da ficção e estrelas do mundo artístico-esportivo.

Para McNeal, no livro “Kids as customers” (1992), o “mercado primário” é formado pelas crianças que já possuem seu dinheiro e, mais importante, seus próprios desejos e necessidades, recebendo dos pais a permissão de gastar. Com base em pesquisas gerais, este mercado comporta produtos voltados especificamente para o universo dos pequenos consumidores, como brinquedos e utensílios infantis. Já o “mercado influenciador” é maior que o primário, pois diz respeito aos pedidos e sugestões das crianças nos hábitos de consumo de terceiros – especificamente pais e responsáveis – na escolha de viagens de férias, restaurantes, hotéis e sabores de alimentos. O último mercado é o “futuro”, o de maior potencial dos três, uma vez que abarca o consumo em potencial de todos os produtos do mercado a longo prazo.

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transmitidos. Numa segunda fase, a partir dos dois anos de idade, a criança passa a fazer conexões entre o que viu em anúncios e o que está disponível nas lojas e nos supermercados, quando surgem os primeiros pedidos por parte dos pequenos. O terceiro estágio acontece a partir dos três ou quatro anos, quando a criança não se manifesta apenas através de pedidos, como na fase anterior, mas apontando ativamente o que deseja nas prateleiras das lojas e dos supermercados. Na etapa seguinte, a criança enfrenta uma atividade mais difícil que consiste em conciliar seu entendimento do valor da moeda com a necessidade de adquirir um produto independentemente, através de um pedido dos responsáveis que a acompanham. Por fim, entre os cinco e sete anos, a criança está em sua última fase, referente a compras individuais para satisfazer o desejo próprio ou dos pais.

Por isto, fala-se em mercado primário, no caso dos bebês como consumidores. Claro que é preciso argumentar que são os pais os responsáveis pelas compras, pois os bebês ainda não pedem por elas. Mas pesquisas indicam, como garante Linn (2006), que, ao aprenderem a falar, os bebês já sabem pedir marcas que querem. Isso sugere, por exemplo, que a criança, ainda bem pequena, desenvolva pensamentos positivos sobre logotipos e personagens licenciados mesmo antes de aprender corretamente as palavras necessárias para pedir os produtos associados a eles.

“Como qualquer pai pode atestar, mesmo antes de uma criança possuir uma linguagem, um pequeno dedo apontando para determinado lugar, acompanhado por ruídos excitados é suficiente para indicar: ‘eu quero isso’. Através da venda de lençóis de berço, móbiles e brinquedos, os marketeiros estão fazendo o que podem para que os bebês reconheçam e requisitem produtos” (LINN, 2006, p. 42-43).

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“Xuxa anda mesmo sem sorte no Brasil. Agora, anda pisando em ovos por causa do anúncio do tênis que leva o seu nome. Os órgãos de proteção do consumidor estão dando ‘um chega pra lá’ na Rainha dos Baixinhos por causa de um anúncio em que as crianças estragavam de propósito os seus calçados para os pais comprarem um novo ‘Tênis da Xuxa”10.

Steinberg e Kincheloe (2004) afirmam que a infância com a qual lidamos desde o final do século XX possui características peculiares na sociedade contemporânea. Aqui, escola e família unem-se a diferentes mídias na socialização das crianças. Com o advento dos meios de comunicação em massa, os pequenos garantiram acesso ao mundo secreto dos adultos, onde os segredos vão sendo revelados com o tempo. O mundo assiste à valorização da individualidade e à saciedade momentânea a partir da absorção de imagens e conceitos em um ambiento particular e restrito. As tecnologias ajudaram nessa ênfase ao mundo individual e, conseqüentemente, na despolitização da sociedade. Portanto, o mundo globalizado afasta a idéia de heterogeneidade social, aproximando as distâncias e uniformizando as identidades dos grupos sociais.

“A cultura popular provê as crianças com intensas experiências emocionais muitas vezes inigualáveis em qualquer outra fase de suas vidas. Não é de surpreender que semelhante energia e intensidade exerçam poderosa influência na autodefinição, nas formas que as crianças escolhem para organizar suas vidas”. (STEINBERG; KINCHELOE, 2004, p. 20 e 21).

Com a existência do “Xou”, necessidades inéditas foram criadas, possibilitando o surgimento de uma estrela que influenciaria a cultura e a economia do País. No exterior, Madonna, Michael Jackson, o cinema americano, cristalizaram da cultura estrangeira, molde a ser reproduzido em todo o planeta. Assim, a indústria do entretenimento transformou necessidades práticas e cotidianas das pessoas em pequenas fatias do irreal e do imaginário.

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2. Querer é poder

2.1. A figura olimpiana de Xuxa

Segundo a Enciclopédia Ilustrada do Conhecimento Essencial Reader’s Digest (1998), o Monte Olimpo é uma montanha com 2.917 metros de altura, localizada ao norte da Grécia, entre as regiões da Tessália e da Macedônia. De acordo com a mitologia grega, o Olimpo era a residência oficial dos deuses, conhecidos como olímpicos. A entrada do monte era feita por um portão de nuvens, protegidos por deusas. Lá dentro, dezenas de deuses deliciavam-se com néctar e ambrosia, enquanto as musas tocavam, dançavam e recitavam para eles.

Inspirado nos deuses olímpicos da Grécia Antiga, Edgar Morin propôs o conceito “olimpiano” para definir as celebridades do século XX, ídolos içados à condição de “deuses” por servirem de modelo às pessoas comuns. Mais uma vez, observa-se o conceito de mito como referência a ser seguida:

“Os olimpianos, por meio de sua dupla natureza, divina e humana, efetuam a circulação permanente entre o mundo da projeção e o mundo da identificação (...). Eles realizam os fantasmas que os mortais não podem realizar, mas chamam os mortais para realizar o imaginário (...) Conjugando a vida quotidiana e a vida olimpiana, os olimpianos se tornam (...) modelos de vida. São heróis modelos. Encarnam mitos de auto-realização da vida privada (...) são os grandes modelos que trazem a cultura de massa”. (MORIN, 1997, p. 107).

Apesar de a maioria dos exemplos de olimpianos, na obra de Morin, estarem ligados às estrelas do cinema, o próprio autor ressalta que o conceito também vale para campeões, príncipes, reis, artistas célebres, etc. Vale ressaltar que o estudo analisa o panorama da cultura de massa no início da década de 60, época na qual o livro foi escrito. É fácil observar que, hoje, neste início de século XXI, esse processo está bem mais intenso.

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“Eles vivem de amores, de festivais, de viagens. Sua existência está livre da necessidade. Ela se efetiva no prazer e no jogo (...). Até mesmo seu trabalho é uma espécie de divertimento, voltado à glorificação da sua própria imagem (...) Esses olimpianos propõem o modelo ideal da vida de lazer (...) Vivem segundo a ética da felicidade e do prazer, do jogo e do espetáculo. Essa exaltação simultânea da vida privada, do espetáculo, do jogo é aquela mesma do lazer, e aquela mesma da cultura de massa”. (idem, p.75).

Morin esclarece que, a partir do surgimento da cultura de massas, as estrelas de cinema já haviam sido promovidas a divindades, mas, com o passar do tempo, ficaram mais próximas do público. De acordo com o autor, os olimpianos, vez ou outra, assumem uma postura mais humana, o que os impede de se tornarem verdadeiros deuses. Contudo, ficam fortalecidos como modelos de identificação.

“Não há verdadeiros deuses: heróis e semi-deuses participam da existência empírica, enferma e mortal (...) não há grande arrebatamento mitológico, como nas religiões ou nas epopéias, mas um desdobramento ao nível da terra. O Olimpo moderno se situa, além da estética, mas não ainda na religião (...) A eficácia dos modelos propostos vem precisamente do fato de eles não corresponderem às aspirações e necessidades que se desenvolveram realmente”. (idem, p. 109).

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Para complementar a análise referente ao poder exercido pelo olimpiano na sociedade, Morin ainda aborda o conceito de vedete. Segundo ele, as estrelas são, sem dúvida, fadadas ao “vedetismo”. Contudo, as vedetes só se tornarão estrelas excepcionalmente. O que lhes falta é uma dose extra de poder que transforma “o caráter delas em sobrecaráter”. Já as estrelas conseguem combinar sucesso profissional e midiático.

Nesse caso, podemos considerar a importância da presença de Xuxa nos diferentes meios em que surge. Se a artista aparece em um programa, como entrevistada, a possibilidade de os índices de audiência subirem é alta. O mesmo ocorre em uma revista ou site de entretenimento. O nome de Xuxa desperta atenção e curiosidade. O motivo para tamanho sucesso, segundo Morin, está no apelo popular conquistado pela estrela no decorrer de sua carreira. “Dentre as estratégias de preparação de um produto na mídia, está o interesse que existe, nos bastidores, em promovê-lo. Conseqüência disso será o excesso da imagem da celebridade em jornais e revistas”. (idem, p. 81).

Como se fosse “uma tábua de mandamentos”, o comportamento, modo de vestir, de andar e falar costumam ser imitados pela legião de admiradores de um artista. Completando a analogia com a passagem bíblica, Moisés teria sido o canal usado por Deus para transmitir aos fiéis sua lei, o que pode ser comparado à televisão, por exemplo. A terra prometida seria, neste caso, o jogo e espetáculo promovido pelas celebridades da TV e do cinema, que faz com que as estrelas alcem vôos mais altos.

No encontro do ímpeto imaginário para o real e do real para o imaginário, situam-se as vedetes da grande imprensa, os olimpianos modernos” (MORIN, 1997, p. 105). Dessa forma, Xuxa é considerada uma olimpiana, pois a mídia a transformou em celebridade, e os acontecimentos que a envolvem ganham uma “dimensão estratosférica”, atingindo, através dos diversos produtos da mídia, fãs espalhados pelo mundo. Morin ainda diz que a mídia eleva a dignidade de acontecimentos banais destituídos de qualquer importância para o crescimento intelectual.

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com o nome da artista entre o público, a mídia constrói, aos poucos, essa relação entre os que se encontram no Olimpo e os mortais, como qualifica Morin. Assim, ao exibir a vida íntima de Xuxa, a mídia torna-a também mais acessível.

Uma vez que é inegável a identificação/projeção dos fãs, o que pode ser observado no mercado bem-sucedido de LP’s, sandálias, botas, “xuxinhas”, minissaias, além da audiência do “Xou da Xuxa”, a apresentadora cumpre o papel de “babá eletrônica”. Entretanto, além de promover vendas, Xuxa, através de músicas sobre o ABC, a natureza, a alimentação, a amizade, entre outras, transmitia mensagens de conteúdo questionável aos pequenos. Afinal, como será mostrado no terceiro capítulo deste trabalho, ora a apresentadora difunde uma lição positiva ora contradiz o próprio discurso.No momento em que as mães e os estavam pais envolvidos com suas ocupação diárias, a audiência do programa nas manhãs da Globo era garantida, afinal eram na companhia de Xuxa que as crianças se divertiam e aprendiam a se tornar vorazes consumidores.

2.2. O mito Xuxa na formação do imaginário coletivo

A identificação de artistas como mitos pela mídia não é fato novo na história dos meios de comunicação de massa e, nos dias atuais, ocorre em larga escala, sejam as estrelas merecedoras ou não da honraria que lhes é concedida. Cabe iniciar este tópico por uma definição dada pelo mitólogo norte-americano Joseph Campbell em “O poder do mito” (1997):

“O que é mito? Definição do dicionário: História sobre deuses (...) Um deus é a personificação de um poder motivador ou de um sistema de valores que funciona para a vida humana e para o universo – os poderes do seu próprio corpo e do universo. Os mitos são metáforas de potencialidade espiritual do ser humano”. (CAMPBELL, 1997, p. 23).

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explicar a ida de Jesus para o “espaço interior”, “o lugar de onde provêm todas as coisas”. Após essa explicação, é possível voltar ao primeiro conceito de mito exposto e aferir que, interpretados de maneira simbólica, os mitos mostram o poder interior do homem, até onde ele pode ir se apoiando na força interna de que dispõe.

Para a inglesa Karen Armstrong, autora do livro “Breve história do mito” (2005), nas primeiras civilizações, a vivência dos mitos desempenhava uma melhora da relação do homem consigo mesmo.

“A mitologia foi criada para nos auxiliar a lidar com as dificuldades humanas mais problemáticas. Ela ajudou as pessoas a encontrarem seu lugar no mundo e sua verdadeira orientação. Todos queremos saber de onde viemos, mas, como os primórdios se perderam nas brumas da pré-história, criamos mitos sobre nossos antepassados, que não são históricos, porém ajudam a explicar atitudes atuais em relação a nosso ambiente, nossos semelhantes e nossos costumes. Também queremos saber para onde vamos, por isso elaboramos histórias que falam de uma existência póstuma (...) E queremos explicar os momentos sublimes, quando parece que somos transportados para além de nossas preocupações ordinárias. Os deuses nos ajudavam a explicar a experiência da transcendência”. (ARMSTRONG, 2005, p. 11 e 12).

Na última fala, Armstrong explora a experiência transcendente do mito, em que se esquece do mundo dito real e se adentra um novo espaço, com tempo próprio, que leva a emoções, angústias, satisfações e decepções. O “Xou da Xuxa” explica bem essa sensação de “novo mundo” sugerida pela autora. Lá, as crianças integram-se à fantasia cor de rosa disseminada na figura de Xuxa – a “Rainha” que, ao chegar de um outro planeta através de sua nave – espalha alegria e esperança aos “terráqueos”. Com músicas, desenhos animados e brincadeiras, transfere os espectadores para uma outra realidade, onde o “abracadabra” é possível. A autora complementa que, dentre as funções da mitologia, está a “realidade invisível” em que os indivíduos são destinados a acreditar no “universo paralelo”. Campbell, em sua obra, usa esse mesmo termo: “O tema de toda mitologia: o de que existe um plano invisível sustentando o visível” (1997, p. 76).

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numa época específica. Integra o indivíduo na sociedade e a sociedade no campo da natureza. Une o campo da natureza à minha natureza” (idem, p. 58).

Uma outra importante característica do mito, exposta por Armstrong, está intimamente ligada à dinâmica das estrelas de TV. São os altos e baixos que elas enfrentam durante a carreira, a necessidade de saber perder para depois conseguir a vitória. Na biografia oficial de Xuxa (NEIVA, 2001), é possível identificar que, durante a trajetória da apresentadora, obstáculos surgiram. Apesar de os programas da apresentadora, em países de língua latina terem conquistado êxito, como já foi mencionado, nos Estados Unidos a dificuldade com a língua inglesa tirou Xuxa desse mercado.

Outro exemplo foram os problemas enfrentados por Xuxa para retirar o filme “Amor estranho amor”, em que interpreta uma prostituta, das locadoras de todo o País. Em entrevista ao apresentador Amaury Júnior, no programa “Flash”11, em 1990, a “loura” confessa os transtornos referentes ao marketing pessoal pelos quais passou com a existência do filme: “Não nego que tenha feito esse trabalho. Mas não era a atriz principal, então não poderiam ter me colocado na capa do vídeo. Por isso, tive de recorrer. Minha imagem de apresentadora infantil não poderia estar mais atrelada ao ‘Amor estranho amor’”.

Neiva ainda destaca dificuldades de relacionamento da artista com a diretora-geral do “Xou”, Marlene Mattos, e algumas quedas de audiência, durante os seis anos de programa, devido à rotina diária de quatro horas, o que também foi considerado uma ameaça à continuidade do sucesso da “Rainha dos Baixinhos”. Mas, logo em seguida, buscavam-se as soluções, e Xuxa recuperava a “boa imagem”.

De acordo com Campbell, o mito precisa passar por uma série de provações para chegar a uma vida nova: “As provações são concedidas para ver se o pretendente a herói pode realmente ser um herói”. (1997, p. 133 e 134). Armstrong concorda: “Alguém não pode ser heróis e não estiver preparado para desistir de tudo; não há ascensão às alturas

11 Programa Flash apresentado por Amaury Júnior, nos anos 90, cobria eventos sociais. O acesso da

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sem uma descida prévia às profundezas, não há vida nova sem alguma forma de morte”. (2005, p. 36 e 37).

Para Campbell, “quando se torna modelo para a vida dos outros, a pessoa se move para uma esfera tal que se torna passível de ser mitologizada” (1997, p. 16). Ao complementar a idéia de mito como “ato heróico”, destaca dois tipos de proezas realizadas pelos heróis para defender sua idéia. A primeira é a proeza física: “O herói pratica um ato de coragem, durante a batalha, ou salva uma vida” (idem, p. 131). A segunda proeza é espiritual: “O herói aprende a lidar com o nível superior da vida humana e retorna com uma mensagem” (idem).

A coragem de Xuxa, ao enfrentar um rigoroso cronograma com carga horária de mais de 10 horas (gravações de programa, LP’s, especiais de fim de ano, filmes, propagandas; participações eventos beneficentes e projetos sociais, etc), torna-se uma espécie de “batalha”. Já o nível superior da vida humana pode ser comparado à criação da Fundação Xuxa Meneghel, em Pedra de Guaratiba, no Rio de Janeiro, uma propriedade de 10 mil metros quadrados. A instituição atende a 250 crianças e adolescentes, entre 3 e 12 anos, e dá assistência em áreas distintas: alimentação, atendimento médico odontológico, acompanhamento do desenvolvimento físico e mental e participação em cursos de Informática, Inglês, Artes Plásticas, Natação, Educação Física, Escolinha de Futebol, Biblioteca, Reforço Escolar, dentre outros. É mantida pela apresentadora sem a ajuda de terceiros e cuida de aproximadamente 350 crianças. A mensagem, aqui, amplamente difundida pelo marketing da apresentadora, é de que ela está realmente comprometida com as crianças do País, fazendo sua parte como cidadã.

2.3. Mito sob a ótica da semiologia

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permite solidificá-lo”. (1997, p. 26). Ou seja, a linguagem é quem torna um fato épico e, portanto, mítico.

Antes, porém, de consideradas as idéias de Barthes a respeito do mito, é importante explicar o mecanismo usado pelo autor para defender os seus estudos: a Semiologia. “Enquanto estudo de uma fala, a mitologia não é, com efeito, mais do que um fragmento dessa vasta ciência dos signos [a semiologia]” (idem, p. 183). Conforme o autor, a semiologia é uma ciência das formas, pois estuda as significações, independentemente do conteúdo delas.

É preciso também ressaltar que a operacionalização de um sistema semiológico é constituída de três termos: significante, significado e signo, descrito este como “o total associativo dos dois primeiros termos” (idem, p.184). O autor destaca que, para Saussure, responsável por aplicar o método semiológico a um sistema particular, no caso, a língua, o significado é o conceito, o significante é a imagem acústica e a relação entre conceito e imagem é o signo ou entidade concreta. Barthes explica que o mito seria “um sistema semiológico segundo” (idem, p. 186). De acordo com o autor, o mito, poderia, dessa forma, ser chamado de metalinguagem: por ser uma segunda língua que fala a primeira (linguagem-objeto).

Um dos exemplos dessa metalinguagem dado pelo autor é sobre uma edição de capa da revista francesa Paris-Match, “na qual um jovem negro vestido com uniforme francês faz saudação militar, com olhos erguidos, fixados certamente numa prega da bandeira tricolor” (idem, p. 187). O que, em um primeiro sistema semiológico, poderia significar apenas obediência e amor à Pátria, para Barthes, quer dizer, entre outras possibilidades, “que a França é um vasto Império, onde todos os seus filhos, sem distinção de raça e cor, servem fielmente a sua bandeira...” (idem).

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“O mito é uma fala (...), um sistema de comunicação, uma mensagem (...). É um modo de significação, uma forma (...) Desde que o mito é uma fala, tudo o que é possível de um discurso pode ser um mito. Este não se define pelo objeto de sua mensagem, mas pela maneira como enuncia (...) Qualquer objeto do mundo pode passar de uma existência fechada, muda, a um estado oral, aberto à apropriação da sociedade. (idem, p. 181).

Outra característica do mito é a de que ele tem muitos significantes para um conceito. Um exemplo dado pelo autor é de que várias imagens podem significar o imperialismo francês, além daquela retratada na capa da revista Paris-Match. “Essa repetição do conceito através das diferentes formas permite decifrar o mito: é a inexistência de uma conduta que revela a sua intenção” (idem, p. 190). Quanto significantes relacionados ao nome da apresentadora Xuxa não circularam durante o “Xou da Xuxa”? As fotografias da artista em jornais e revistas, sempre a referenciam como “Rainha dos Baixinhos” e modelo de fama, fortuna, beleza e saúde, atrelando a imagem de Xuxa a uma carreira bem-sucedida, em que ela representa bem a imagem de “Rainha”, não somente por ser “rica” e “bela”, mas por comandar o dia-a-dia das crianças com suas atrações.

2.4. Estrelas do século XXI

No tópico anterior, introduziu-se o estudo relativo à produção dos mitos, que se dá no âmbito dos meios de comunicação de massa. Visto que Xuxa pertence ao século XXI, é preciso debater o conceito de cultura de massas, no qual estão inseridos os mitos contemporâneos. Para isso, novamente, serão utilizadas as idéias do sociólogo francês Edgar Morin.

“Uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagem que penetram o indivíduo em sua identidade, estruturam os instintos, orientam as emoções. A penetração se efetua segundo trocas mentais de projeção e identificação polarizadas nos símbolos, mitos e imagens da cultura como nas personalidades míticas ou reais que encarnam os valores (os heróis, os deuses). Uma cultura fornece pontos de apoio imaginários à vida prática e à vida imaginária”. (MORIN, 1997, p. 15).

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imprensa, do cinema, do rádio, da televisão, que surge (...) ao lado das culturas clássicas – religiosas ou humanistas – e nacionais” (idem, p.14). Segundo ele, a cultura de massas é “produzida segundo as normas maciças da fabricação industrial; propagada pelas técnicas de difusão maciça (...); destinando-se a uma massa social; isto é, um aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos aquém e além das estruturas internas da sociedade (classe, família, etc)” (idem). Ou seja, um público que tem acesso aos meios de comunicação de massa.

A identificação da cultura de massas com a população decorre do fato daquela recuperar vários elementos da cultura arcaica, podendo ser considerada uma espécie de “neo-arcaísmo”, conforme explica:

“A cultura de massas reencontra um caráter da cultura pré-impressa, folclórica ou ainda arcaica (...) Os contos, danças, jogos, ritmos do rádio, da televisão, do cinema ressuscitam o universo das festas, danças, jogos, ritmos dos velhos folclores. Os doubles da tela e do vídeo, as vozes radiofônicas são um pouco como esses espíritos, fantasmas, gênios que perseguiam o homem arcaico e se reencontravam em suas festas”. (idem, p. 62).

Há, claro, diferenças entre a cultura contemporânea e a arcaica. De acordo com Edgar Morin, o presente passa a ser privilegiado em detrimento do tempo mítico do início dos tempos, foco dos rituais pré-históricos.

“Ele [tempo mítico] vai fornecer à vida privada as imagens e os modelos que dão forma a suas aspirações (...) As imagens se aproximam do real, ideais tornam-se modelos (...) Um gigantesco impulso do imaginário em direção ao real tende a propor mitos de auto-realização, heróis modelos, uma ideologia e receitas práticas para a vida privada”. (idem, p. 90).

Referências

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