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2. Querer é poder

2.1. A figura olimpiana de Xuxa

Segundo a Enciclopédia Ilustrada do Conhecimento Essencial Reader’s Digest (1998), o Monte Olimpo é uma montanha com 2.917 metros de altura, localizada ao norte da Grécia, entre as regiões da Tessália e da Macedônia. De acordo com a mitologia grega, o Olimpo era a residência oficial dos deuses, conhecidos como olímpicos. A entrada do monte era feita por um portão de nuvens, protegidos por deusas. Lá dentro, dezenas de deuses deliciavam-se com néctar e ambrosia, enquanto as musas tocavam, dançavam e recitavam para eles.

Inspirado nos deuses olímpicos da Grécia Antiga, Edgar Morin propôs o conceito “olimpiano” para definir as celebridades do século XX, ídolos içados à condição de “deuses” por servirem de modelo às pessoas comuns. Mais uma vez, observa-se o conceito de mito como referência a ser seguida:

“Os olimpianos, por meio de sua dupla natureza, divina e humana, efetuam a circulação permanente entre o mundo da projeção e o mundo da identificação (...). Eles realizam os fantasmas que os mortais não podem realizar, mas chamam os mortais para realizar o imaginário (...) Conjugando a vida quotidiana e a vida olimpiana, os olimpianos se tornam (...) modelos de vida. São heróis modelos. Encarnam mitos de auto-realização da vida privada (...) são os grandes modelos que trazem a cultura de massa”. (MORIN, 1997, p. 107).

Apesar de a maioria dos exemplos de olimpianos, na obra de Morin, estarem ligados às estrelas do cinema, o próprio autor ressalta que o conceito também vale para campeões, príncipes, reis, artistas célebres, etc. Vale ressaltar que o estudo analisa o panorama da cultura de massa no início da década de 60, época na qual o livro foi escrito. É fácil observar que, hoje, neste início de século XXI, esse processo está bem mais intenso.

Segundo Morin, a imprensa, o rádio e a televisão informam “sem cessar” sobre a vida dos olimpianos, seja essa vida “privada, verídica ou fictícia”:

“Eles vivem de amores, de festivais, de viagens. Sua existência está livre da necessidade. Ela se efetiva no prazer e no jogo (...). Até mesmo seu trabalho é uma espécie de divertimento, voltado à glorificação da sua própria imagem (...) Esses olimpianos propõem o modelo ideal da vida de lazer (...) Vivem segundo a ética da felicidade e do prazer, do jogo e do espetáculo. Essa exaltação simultânea da vida privada, do espetáculo, do jogo é aquela mesma do lazer, e aquela mesma da cultura de massa”. (idem, p.75).

Morin esclarece que, a partir do surgimento da cultura de massas, as estrelas de cinema já haviam sido promovidas a divindades, mas, com o passar do tempo, ficaram mais próximas do público. De acordo com o autor, os olimpianos, vez ou outra, assumem uma postura mais humana, o que os impede de se tornarem verdadeiros deuses. Contudo, ficam fortalecidos como modelos de identificação.

“Não há verdadeiros deuses: heróis e semi-deuses participam da existência empírica, enferma e mortal (...) não há grande arrebatamento mitológico, como nas religiões ou nas epopéias, mas um desdobramento ao nível da terra. O Olimpo moderno se situa, além da estética, mas não ainda na religião (...) A eficácia dos modelos propostos vem precisamente do fato de eles não corresponderem às aspirações e necessidades que se desenvolveram realmente”. (idem, p. 109).

A mídia, particularmente a televisão, opera sobre os olimpianos com um movimento pendular. Ora os mitifica, ora os humaniza. Os semi-deuses ficam alternando o Olimpo com sua vida privada. Esse movimento pendular incide sobre a relação das estrelas com os mortais, que oscila entre a projeção e a identificação. Essa identificação/projeção de que fala o autor, entre olimpiano e público, é muito comum de acontecer. É só observar: quantas crianças não sonham em ser uma apresentadora de TV, uma atriz ou mesmo modelo? O caráter mítico de grande parte dos artistas de televisão é inquestionável. Em alguns momentos, admiradores de uma celebridade sonham, por exemplo, com sua vida de luxo, e, em outros, sentem-se próximos, a ponto de ser a própria estrela. Mas os olimpianos sempre mantêm uma distância considerável entre eles e o público, mesmo quando parecem “humanizados”. Exemplo: quando Xuxa vai buscar a filha, Sasha, no colégio, tarefa comum, em geral, das mães, sempre está acompanhada de um segurança, no mínimo. Se a apresentadora leva a filha ao trabalho, não é para um escritório qualquer, mas ao “mundo encantado” de um estúdio de televisão. Enfim, mesmo em momentos simples da vida privada, os olimpianos não conseguem se livrar, inteiramente, desse referencial mítico.

Para complementar a análise referente ao poder exercido pelo olimpiano na sociedade, Morin ainda aborda o conceito de vedete. Segundo ele, as estrelas são, sem dúvida, fadadas ao “vedetismo”. Contudo, as vedetes só se tornarão estrelas excepcionalmente. O que lhes falta é uma dose extra de poder que transforma “o caráter delas em sobrecaráter”. Já as estrelas conseguem combinar sucesso profissional e midiático.

Nesse caso, podemos considerar a importância da presença de Xuxa nos diferentes meios em que surge. Se a artista aparece em um programa, como entrevistada, a possibilidade de os índices de audiência subirem é alta. O mesmo ocorre em uma revista ou site de entretenimento. O nome de Xuxa desperta atenção e curiosidade. O motivo para tamanho sucesso, segundo Morin, está no apelo popular conquistado pela estrela no decorrer de sua carreira. “Dentre as estratégias de preparação de um produto na mídia, está o interesse que existe, nos bastidores, em promovê-lo. Conseqüência disso será o excesso da imagem da celebridade em jornais e revistas”. (idem, p. 81).

Como se fosse “uma tábua de mandamentos”, o comportamento, modo de vestir, de andar e falar costumam ser imitados pela legião de admiradores de um artista. Completando a analogia com a passagem bíblica, Moisés teria sido o canal usado por Deus para transmitir aos fiéis sua lei, o que pode ser comparado à televisão, por exemplo. A terra prometida seria, neste caso, o jogo e espetáculo promovido pelas celebridades da TV e do cinema, que faz com que as estrelas alcem vôos mais altos.

No encontro do ímpeto imaginário para o real e do real para o imaginário, situam-se as vedetes da grande imprensa, os olimpianos modernos” (MORIN, 1997, p. 105). Dessa forma, Xuxa é considerada uma olimpiana, pois a mídia a transformou em celebridade, e os acontecimentos que a envolvem ganham uma “dimensão estratosférica”, atingindo, através dos diversos produtos da mídia, fãs espalhados pelo mundo. Morin ainda diz que a mídia eleva a dignidade de acontecimentos banais destituídos de qualquer importância para o crescimento intelectual.

A idolatria dos admiradores de Xuxa é, nessa perspectiva, resultado do processo de identificação/projeção já citado. Interessada no sucesso das informações divulgadas

com o nome da artista entre o público, a mídia constrói, aos poucos, essa relação entre os que se encontram no Olimpo e os mortais, como qualifica Morin. Assim, ao exibir a vida íntima de Xuxa, a mídia torna-a também mais acessível.

Uma vez que é inegável a identificação/projeção dos fãs, o que pode ser observado no mercado bem-sucedido de LP’s, sandálias, botas, “xuxinhas”, minissaias, além da audiência do “Xou da Xuxa”, a apresentadora cumpre o papel de “babá eletrônica”. Entretanto, além de promover vendas, Xuxa, através de músicas sobre o ABC, a natureza, a alimentação, a amizade, entre outras, transmitia mensagens de conteúdo questionável aos pequenos. Afinal, como será mostrado no terceiro capítulo deste trabalho, ora a apresentadora difunde uma lição positiva ora contradiz o próprio discurso.No momento em que as mães e os estavam pais envolvidos com suas ocupação diárias, a audiência do programa nas manhãs da Globo era garantida, afinal eram na companhia de Xuxa que as crianças se divertiam e aprendiam a se tornar vorazes consumidores.

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