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DO PSICOPATA AO ANTISSOCIAL: a construção sócio-histórica do transtorno de personalidade antissocial (TPA) nos saberes psi

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*Universidade Federal de Santa Catarina – Mestre em Serviço Social – CAPES

**Universidade Federal de Santa Catarina – Psicólogo

DO PSICOPATA AO ANTISSOCIAL: a construção sócio-histórica do transtorno de personalidade antissocial (TPA) nos saberes psi

PRISCILLA GOMES MATHES*

FELIPE BASSO SILVA**

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo apresentar a construção sócio-histórica da noção de transtorno de personalidade antissocial até os dias recentes a partir dos saberes psi. Este se insere na tentativa de historicizar um transtorno de personalidade que vem ganhando destaque nos saberes psi, assim como na mídia, mas que essa visibilidade tem se dado por uma relação próxima com a criminalidade. (CARVALHO, 2008).

O transtorno de personalidade antissocial se mostra um objeto de análise pertinente pela participação de diversos saberes da área psi na construção desse conceito. Este trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa qualitativa, em que o foco esteve na análise de conteúdo de materiais escolhidos pela sua relação com esses saberes e que perpassaram a construção da noção do transtorno de personalidade antissocial. Dessa forma, em termos de material empírico, foram avaliadas produções bibliográficas e científico-técnicas dos saberes psi, em particular da psicologia e da psiquiatria.

Especificamente, para observar as modificações na noção do transtorno de personalidade antissocial, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM) se mostrou como uma referência histórica relevante para a observação dessas alterações, tanto pela sua inserção na sociedade médico-científica brasileira, como pelo alcance internacional que esse manual adquiriu.

Sendo assim, foi realizada uma análise dos “distúrbios de personalidade” nos manuais,

desde sua primeira edição (1952), os quais se constituíram como o material central para

análise deste trabalho. Assim, o que se apresenta aqui é o resultado de uma pesquisa de

natureza diacrônica, cuja preocupação esteve em observar as alterações nos processos que

marcaram as definições sócio-históricas desse termo.

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Etimologicamente, personalidade provêm da palavra grega persona, significando máscara, e no campo científico médico-psicológico os traços de personalidade podem ser entendidos como padrões persistentes na forma de perceber e se relacionar com o ambiente e consigo mesmo. (DSM IV-TR, 2002, p.642). De forma geral, transtornos de personalidade

“podem ser definidos como estilos da personalidade que exibem reações consistentemente inapropriadas, mal-adaptativas ou deficientes frente o sistema social no qual o indivíduo está inserido.” (CARVALHO, 2008, p. vii). Já o TPAS “é um padrão global de desrespeito e violação dos direitos alheios, que se manifesta na infância ou no começo da adolescência e continua na idade adulta.” (DSM IV-TR, 2002, p.656)

Devido a uma difusão imprecisa de critérios para a formulação diagnóstica de distúrbios mentais, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) envolveram-se no desenvolvimento de critérios mais consensuais para diagnosticar esses distúrbios, inclusive os Transtornos de Personalidade. Sendo assim, a APA desenvolveu o Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM) e a OMS criou o sistema de Classificação Internacional de Doenças (CID), catalogando, assim, diversas doenças mentais, as quais foram identificadas, sistematizadas e clinicamente descritas.

(ALVARENGA; FLORES-MENDOZA; GONTIJO, 2009)

Alvarenga, Flores-Mendoza e Gontijo (2009) afirmam que, apesar da grande utilidade dos manuais psiquiátricos para os profissionais do campo da saúde, por conterem descrições muito gerais, excluem diversas informações importantes como, por exemplo, a origem do transtorno e o seu desenvolvimento. No caso do TPAS, o DMS preocupar-se-á com as descrições sintomáticas – dimensões subjacentes – dessa personalidade anti-social.

Atualmente, contudo, são os critérios do DSM que costumam guiar as investigações do TPAS. Com as suas quatro edições publicadas desde 1952 (1ª edição), permite que se observe algumas alterações quanto ao diagnóstico dos distúrbios de personalidade desviantes, possibilitando compreender algumas alterações dos desvios antissociais até agora. Durante todo esse período, foram os grupos/eixos patológicos e critérios para diagnosticar os transtornos de personalidade que se modificaram ao longo da história do DSM.

(ALVARENGA; FLORES-MENDOZA; GONTIJO, 2009)

No DSM-IV-TR (revisão do DSM-IV), os transtornos de personalidade encontram-se

no eixo II, e estão divididos em três classes: A (estranho-excêntrico), B (dramático-emotivo) e

C (ansioso-medroso). Porém, é determinante que só deva ser realizado um diagnóstico de

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transtorno de personalidade a maiores de 18 anos e quando as características “são inflexíveis e mal adaptativas e causam prejuízo funcional ou sofrimento subjetivo significativo.” (DSM IV-TR, 2002, p.642).

TPA: a construção sócio-histórica de um conceito

O estudo do TPA remonta ao ínicio do século XIX, com os primeiros estudos do Pinel em referência ao que o autor considerou a “mania sem delírio” (Manie Sans Délire). Nesse sentido Pinel acreditava que houvesse uma desordem afetiva que afetava principalmente a agressividade do indivíduo. Seguindo os estudos de iniciais de Pinel, Esquirol caracterizou o mesmo distúrbio pelo que designou de “monomania”. Essa designação diferenciou-se dos conceitos de Pinel, que considerava o transtorno como um tipo de loucura racional, para um tipo de insanidade caracterizada por delírios fixos e específicos. Ambos os autores foram duramente criticados pelos círculos científicos da época por sustentarem a existência do delírio contando apenas com os apenas sintomas comportamentais. (NUNES, 2011;

CAMPOS; CAMPOS; SANCHES, 2010)

Nesse mesmo período Pichard elabora o Treatise on insanity and other disorders affecting the mind onde passou a considerar o funcionamento independente de certas atividades intelectuais e trazer a questão moral de volta ao plano principal. Ele elabora o termo Insanidade moral, a qual tem como característica principal a “perversão mórbida dos sentimentos naturais”, ou seja, hábitos, temperamentos, moralidade etc sem qualquer prejuízo à capacidade intelectual ou raciocínio lógico e sem a presença de nenhum tipo de alucinação.

(MACPHERSON, 1899; BERRIOS, 1999).

Já no final do século XIX, Lombroso, propôs a teoria do "delinquente nato", onde considerava existir uma correlação entre a personalidade do indivíduo e uma existência inata ao crime. Lombroso completa apontando algumas características físicas capazes de identificar um criminoso nato. sugerindo uma correlação entre personalidade e tendência inata ao crime.

O criminoso nato seria alguém marcado por certos estigmas na estrutura facial e na simetria

corporal. Esta tradição, inaugurada por Lombroso, que confunde equivocadamente psicopatia

e conduta criminosa, até hoje dificulta a pesquisa da psicopatia. O Termo psicopatia surge a

primeira vez através da Escola de Psiquiatria Alemã, já no início do século XX. Em que

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Schneider define a doença como um distúrbio de personalidade que embora não traga prejuízo no afeto e nem na cognição teria sérias consequência para o indivíduo no contexto social³.

(HENRIQUES, 2009)

Em meados dos anos 50, Cleckley apresenta dezesseis critérios para a identificação da Psicopatia. Esses critérios serviram de base para que Hare desenvolvesse as características identificadoras da Psicopatia em seu famoso teste. Hoje conhecido como PCL-R, ou escala Hare. São as características: loquacidade e encanto superficial; egocentrismo e auto-avaliação de grandiosidade; necessidade de estimulação e tendência para o aborrecimento; recurso patológico à mentira; domínio/manipulação do outro; ausência de remorsos e escassa profundidade de afetos; insensibilidade e incapacidade empática; adoção de um estilo de vida parasitário; ausência de controle comportamental; promiscuidade na conduta sexual;

precocidade de problemas do comportamento; ausência de metas realistas em longo prazo;

impulsividade e irresponsabilidade; incapacidade para assumir responsabilidades pelas próprias ações; relações maritais breves e variadas; presença de delinquência juvenil;

revogação de liberdade condicional e versatilidade criminal (Hare, 1985; Hare; Newmann, 2007 apud HENRIQUES, 2009).

Em 1987, Jessness cria um inventário multi-dimensional, o qual tem como intuito ser aplicado a pessoas envolvidas em situação de delinquência, através de “escalas de desadaptação social,orientação para os valores das classes sócio-econômicas inferiores, autismo, alienação, agressividade manifesta, retirada, ansiedade social, recalcamento e recusa.

Já Blackburn (2003) apresenta elementos capazes de auxiliar a compreensão da psicopatia em outra abordagem tipológica. Para este, a psicopatia se enquadraria como “uma perturbação muito grave com contínuas variações de personalidade refletidas em seus traços” e não somente uma desordem de personalidade; estaria associada com a noção de “amabilidade”, e por esse motivo a agressividade aparece como uma dimensão relevante para estudar a psicopatia. Contudo, a autora destaca críticas (Turner e Hersen, 1984) a esse entendimento, o qual, ainda que enfatize o comportamento e aumente a confiabilidade do diagnóstico, não considera a culpa ou o remorso como característica. (NUNES, 2011, p.3).

É no ano de 1923 que Kurt Schneider apresenta um entendimento quanto a

“personalidade psicopática”, a qual é localizada como um subconjunto do que pode ser

categorizado como “personalidade anormais”, garantindo destaque à psiquiatria clínica desde

então nos estudos da psicopatia. De fato, essa apresentação conceitual implica em definí-las

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“a partir de norma como termo médio, no sentido de diretriz, o que possibilita a delimitação no campo de atuação da psiquiatria por não considerar a norma de valor, no sentido moral.”

Ou seja, na lógica das variações estatísticas da média normal. (CAMPOS; CAMPOS;

SANCHES, 2010, p.177).

Schneider, seguindo a nosografia kraepeliniana das “personalidades psicopáticas”, desconsiderando, no entanto, as características socialmente negativas. Na prática, Schneider entende a psicopatia “como uma variação a partir da média, que tanto poderia ter um caráter negativo (antissocial) quanto um positivo (gênio).” (HENRIQUES, 2009, p.288).

Do CID-10 ao DSM: o transtorno da personalidade antissocial

Precisamente no século XX, a noção de transtorno mental amplia seu alcance com a publicação da Classificação Internacional de Doenças, CID-10. (OMS, 1993). Nesse contexto, define-se como transtorno “a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível associado, na maioria dos casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais.” Já os transtornos de personalidade são descritos “como padrões de comportamento arraigados e permanentes, que abrangem as esferas pessoal e social do indivíduo, determinados por condições de desenvolvimento que surgem na infância ou adolescência.” Neste sistema de classificação, há a diferenciação entre a alteração de personalidade adquirida em fase adulta, depois de grave estresse, pela extrema privação ambiental, doença cerebral ou ainda transtorno psiquiátrico. (CAMPOS; CAMPOS;

SANCHES, 2010, p.177).

A CID-10 apresenta oito categorias de transtornos de personalidade, sendo eles o paranóide; esquizóide; antissocial; emocionalmente instável; histriônico; anancástico; ansioso;

e dependente. Atualmente, contudo, são os critérios do DSM que costumam guiar as investigações na área da medicina psiquiátrica. Com as suas quatro edições publicadas desde 1952 (1ª edição), permite que se observe algumas alterações quanto ao diagnóstico dos distúrbios de personalidade desviantes. (ALVARENGA; FLORES-MENDOZA; GONTIJO, 2009)

Durante todo esse período, Alvarenga et all. (2009, p. 160) coloca que

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os transtornos de personalidade foram caracterizados por um padrão persistente e inflexível que causa sofrimento subjetivo, prejuízo funcional e social e que não pode ser explicado como consequência de outros transtornos mentais ou efeitos fisiológicos determinados por substâncias "estranhas". (...) Entretanto, os grupos ou eixos patológicos assim como os critérios para diagnosticá-los modificaram-se ao longo da história do manual.

Mas é desde a fundação em 1840 da AMSAI, Associação Médica de Superintendentes de Instituições Americanas para Insanos – depois passando a se chamar Associação Médica e Psicológica (MPA) e Associação Americana de Psiquiatria (APA) –, que encontros anuais eram realizados visando discutir e sistematizar sintomas e quadros nosológicos de distúrbios mentais que irão se concretizar na elaboração dos manuais diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, os DSMs. (ALVARENGA; FLORES-MENDOZA; GONTIJO, 2009).

Estes manuais tem a seguinte distribuição de material:

In: FERREIRA, 2011.

Já a primeira edição do DSM passa a agrupar as doenças mentais em diferentes eixos, ordenando os distúrbios de personalidade em 1. Padrão de Perturbação da Personalidade; 2.

Perturbação dos Traços de Personalidade; 3. Perturbação Sociopática da Personalidade; 4.

Sintomas de Reação e Perturbações Transitórias de Personalidade. É como subdivisão do distúrbio de personalidade “Perturbação Sociopática da Personalidade” que aparece a “reação antissocial”. Efetivamente, a “Perturbação Sociopática da Personalidade” desse manual tinha sua definição muito próxima do desenvolvido por Kraepelin e Schneider como “Personalidade Psicopática”. (ALVARENGA; FLORES-MENDOZA; GONTIJO, 2009).

O DSM-II, publicado em 1968, buscou um ajuste com os critérios diagnósticos da

OMS. Neste manual, uma das preocupações era a de descrever as desordens da personalidade

não por uma abordagem condutual, existente no primeiro DSM, mas sim em termos de traços

psicológicos. As edições seguintes, porém, foram mais bem sucedidas ao buscar estabelecer

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critérios mais pertinentes para a classificação dos transtornos de personalidade.

(ALVARENGA; FLORES-MENDOZA; GONTIJO, 2009)

Imagem 1. Diferenças entre “Perturbação Sociopática da Personalidade” no DSM-I e no DSM-II

Fonte: APA (1968, p.79)

Alvarenda, Flores-Mendoza e Gontijo (2009, p.260) destaca que

as duas primeiras versões do DSM apresentarem uma inegável influência Psicanalítica – um exemplo disso é o uso do termo "traço" para se referir aos padrões de personalidade – a APA preocupou-se primordialmente em compreender como os fatores culturais afetariam e/ou formariam uma pessoa sociopata. Tratava- se da influência do espírito conductualista de Skinner que exercera forte impacto sobre os conhecimentos pedagógico, psicológico e psiquiátrico na década dos anos 1950 e 1960.

É o DSM-III, de 1980, que marca determinantemente uma inovação frente aos outros dois manuais, pois (i) é sistematizado por diferentes condições clínicas, definindo grupos clínicos organizados em eixos, com descrição de diagnósticos mais completos. No eixo II estão localizados os transtornos de personalidade, juntamente com os transtornos de desenvolvimento; (ii) passa por uma alteração significativa na linguagem utilizada nesses manuais da APA, abandonando os conceitos originários na Psicanálise, buscando adotar um sistema diagnóstico ateórico, reportando-se a dados epidemiológicos e estatísticos, alterando, consequentemente a própria nomenclatura dos transtornos. De fato, o TPA “permaneceu no DSM-III e era definido pelos seguintes sintomas: 1) violação das normas sociais; 2) mentira;

3) roubo; 4) preguiça; 5) não se fixar em um emprego e 6) narcotráfico” (ALVARENGA;

FLORES-MENDOZA; GONTIJO, 2009, p. 262).

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Com a revisão do DSM-III, poucas alterações foram registradas, das quais cabe destacar o aparecimento da “comorbidade” e a modificação da “Personalidade Sádica” e a

“Personalidade Depressiva” dos Transtornos de Personalidade para o Eixo I.

Em 1994, a quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais é lançado - o DSM-IV.

Em vez de meramente descrever e agrupar os sintomas, a APA acrescentou alguns itens antes de deduzir os respectivos critérios semiológicos, entre eles características e transtornos associados, características específicas à cultura, à idade e ao gênero, prevalência, padrão familiar e diagnóstico diferencial.

(ALVARENGA; FLORES-MENDOZA; GONTIJO, 2009, p. 262)

Já no DSM-IV-TR (revisão do DSM-IV), os transtornos de personalidade continuam no eixo II, e estão divididos em três classes: A (estranho-excêntrico), B (dramático-emotivo) e C (ansioso-medroso) sendo definidos como “um padrão persistente de vivência íntima ou comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, é generalizado e inflexível, tem início na adolescência ou no começo da idade adulta, é estável ao longo do tempo e provoca sofrimento ou prejuízo.” (DSM-IV-TR, p. 641).

Especificamente, o TPA “é um padrão global de desrespeito e violação dos direitos alheios, que se manifesta na infância ou no começo da adolescência e continua na fase adulta.

Este padrão também é conhecido como psicopatia, sociopatia ou transtorno da personalidade dissocial.” (DSM-IV-TR, p. 656).

Pela apresentação dos critérios que indicariam esse transtorno, fica evidenciada a sua proximidade com a situação de conflito com a lei. Destaca-se inclusive o critério A1, o qual se refere exatamente a não conformidade com as normas que implicam um comportamento que segue parâmetros legais. Como critério A2, apresenta-se a realização de atos que justificariam detenção, independente de efetivamente o ser, repetidamente.

Eles podem mostrar-se indiferentes ou oferecer uma racionalização superficial para terem ferido, maltratado ou roubado alguém (p.ex., “a vida é injusta”, “perdedores merecem perder” ou “isto iria acontecer de qualquer modo”). Esses indivíduos podem culpar suas vítimas por terem sido tolas, impotentes ou por terem o destino que merecem; podem minimizar as consequências danosas de suas ações, ou simplesmente demonstrar completa indiferença. (DSM-IV-TR, p.657).

Porém, é determinante que só deva ser realizado um diagnóstico de transtorno de

personalidade quando as características “forem inflexíveis, mal adaptativos, persistentes e

causarem prejuízo funcional e sofrimento subjetivo.” (CAMPOS; CAMPOS; SANCHES,

2010, p. 178) Percebe-se aqui, então, a preocupação que coloca Canguilhem de que a

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anomalia em si não é doença, é uma “conseqüência de variação individual que impede dois seres de poderem se substituir um ao outro de modo completo.” Ou seja, “diversidade não é doença. O anormal não é patológico. Patológico implica pathos, sentimento direto e concreto de sofrimento e de impotência, sentimento de vida contrariada. Mas o patológico é realmente o anormal.” (CANGUILHEM, 2011, p.89)

Considerações Finais

Na área médico psiquiátrica, produz-se um considerável número de novas categorias para definir como transtornos mentais um conjunto de síndromes, signos, sintomas e doenças que passam a ser recodificados em função de esse novo termo. Transtornos como os

“transtornos de personalidade” na atualidade geram bastante controvérsia.

Não são poucos os psiquiatras que consideram que os transtornos de personalidade, não deveriam ser objeto de atendimento especializado, na medida em que se trata de patologias permanentes e refratárias a tratamento. (MORANA, STONE, ABDALLA-FILHO, 2010). Assim, podemos recuperar Canguilhem, pois essas “patologias permanentes” aparecem como uma nova norma, em que não se tem clareza na área medica se poderiam caracterizá-las efetivamente como doença. Contudo com o conceito de transtorno mental, essa questão deixa de ser central. Mas, de fato,

o estado patológico ou anormal não é conseqüência da ausência de qualquer norma. A doença é ainda uma norma da vida, mas uma norma inferior, no sentido que não tolera nenhum desvio das condições em que é válida, por ser incapaz de se transformar em outra norma. O ser vivo doente está normalizado em condições bem definidas, e perdeu a capacidade normativa, a capacidade de instituir normas diferentes em condições diferentes. (CANGUILHEM, 2011, p.127)

Contudo, Minkowski define que “a alienação mental é uma categoria mais

imediatamente vital do que a doença”. Isso porque a doença somática estaria suscetível a uma

maior precisão empírica e de padronização. Para este autor, como apresenta Canguilhem, “a

doença somática não rompe o acordo entre semelhantes”, pois o doente é o mesmo para si

próprio e para os outros, enquanto que o anormal psíquico na verdade não teria consciência de

seu estado. Porém, Canguilhem apresenta que é preciso considerar a patologia por uma norma

individual, e não, como Minkowski, “considerar a vida uma potência dinâmica de superação”,

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pois fazê-lo “é obrigar-se a tratar de modo idêntico a anomalia somática e a anomalia psíquica.” (CANGUILHEM, 2011, p.74)

Foi possível concluir que, ainda que a construção desse conceito não tenha ocorrido de forma linear e possam ser observadas diversas alterações nesse processo nos últimos séculos, ele esteve sempre marcado por uma estrita relação com a criminalidade, efetivamente com os desvios de conduta e situação de desrespeito à norma.

É possível destacar ainda a necessidade dos saberes científico-técnicos aprofundarem suas pesquisas sobre o tema, frente a uma crescente demanda da sociedade em busca de respostas para tais “indivíduos desviantes”. (DEL-BEN, 2005).

Referências

ALVARENGA, Marco Antônio Silva; FLORES-MENDOZA, Carmen E.; GONTIJO, Daniel Foschetti. Evolução do DSM quanto ao critério categorial de diagnóstico para o distúrbio da personalidade antissocial. J. bras. psiquiatr., Rio de Janeiro, v. 58, n. 4, 2009.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA. DSM-II. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. Washington, 1968.

BERRIOS, G E. J C. Prichard and the Concept of 'Moral Insanity'. Classic Text Nº 37.

History of Psychiatry 10: 111–126, 1999.

CAMPOS, Rodolfo Nunes; CAMPOS, João Alberto de Oliveira; SANCHES, Marsal. A evolução histórica dos conceitos de transtorno de humor e transtorno de personalidade:

problemas no diagnóstico diferencial. Rev. psiquiatr. clín., São Paulo, v. 37, n. 4, 2010.

CANGUILHEM, G. O Normal e o Patológico. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.

DSM-III. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 3.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1980.

DSM-IV. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4.ed. Porto Alegre: Artes

Médicas, 1995.

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DSM-IV-TR. Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais. 4.ed.rev. Porto Alegre: ARTMED, 2002.

FERREIRA, S.A.T. A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DEPRESSÃO NO SÉCULO XX: um análise da classificação da depressão nas diferentes edições do Manual Diagnóstico e Estatístico da Associação Americana de Psiquiatria (DSMS) e possíveis repercussões destas mudanças na visão de mundo moderna. Vol.10, N. 2. Abr/Jun, 2011. Acessível em:

http://revista.hupe.uerj.br/detalhe_artigo.asp?id=117

HENRIQUES, Rogério Paes. De H. Cleckley ao DSM-IV-TR: a evolução do conceito de psicopatia rumo à medicalização da delinquência. Rev. latinoam. psicopatol. fundam., São Paulo, v. 12, n. 2, jun. 2009.

MACPHERSON, J. Mental affections; an introduction to the study of insanity. Macmillan, 1999. p. 300.

NUNES, Laura Marinha. Sobre a psicopatia e sua avaliação. Arquivos Brasileiros de Psicologia. v. 63, n. 2, 2011. ISSN 1809-5267. Acessível em:

http://seer.psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/view/705/537

OMS - ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre:

Artmed, 1993.

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