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NARRATIVAS DE PROFESSORES DE ENSINO SUPERIOR SOBRE O USO DA LÍNGUA PORTUGUESA ESCRITA POR SURDOS

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ-REITORIA ACADÊMICA

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA LINGUAGEM

FLÁVIA ABDON TAVARES DA COSTA SILVEIRA

NARRATIVAS DE PROFESSORES DE ENSINO SUPERIOR SOBRE O USO DA LÍNGUA PORTUGUESA ESCRITA POR SURDOS

Recife

2007

(2)

FLÁVIA ABDON TAVARES DA COSTA SILVEIRA

NARRATIVAS DE PROFESSORES DE ENSINO SUPERIOR SOBRE O USO DA LÍNGUA PORTUGUESA ESCRITA POR SURDOS

Dissertação apresentada à Universidade Católica de Pernambuco como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Linguagem, na linha de pesquisa Linguagem- Educação e Organização sócio-cultural, sob orientação da Profª Drª Wanilda Maria Alves Cavalcanti.

Recife

2007

(3)

S 587 n Silveira, Flávia Abdon Tavares da Costa

Narrativas de professores de ensino superior sobre o uso da língua portuguesa escrita por surdos / Flávia Abdon Tavares da Costa Silveira : orientador Wanilda Maria Alves Cavalcanti, 2007.

127 f. : il.

Dissertação (Mestrado) -, Universidade Católica de Pernambuco. Pró-reitoria Acadêmica, 2007.

1. Surdos – Educação. 2. Comunicação escrita.

3. Professores de educação especial. 4. Língua portuguesa – Estudo e ensino. I. Cavalcanti, Wanilda Maria Alves.

II. Título.

CDU 376.33

(4)

NARRATIVAS DE PROFESSORES DE ENSINO SUPERIOR SOBRE O USO DA LÍNGUA PORTUGUESA ESCRITA POR SURDOS

FLÁVIA ABDON TAVARES DA COSTA SILVEIRA Profª: Dr

a

. WANILDA MARIA ALVES CAVALCANTI

Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Linguagem.

Data: ____/_____/2007 Banca examinadora:

______________________________________

Profª. Drª. Wanilda Maria Alves Cavalcanti Universidade Católica de Pernambuco

Orientadora

______________________________________

Profª Drª. Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante Universidade Federal da Paraíba Examinadora Externa ______________________________________

Profª Drª Maria de Fátima Vilar de Melo

Universidade Católica de Pernambuco

Examinadora Interna

(5)

"O único limite às nossas realizações de amanhã

serão as nossas dúvidas de hoje". ( Franklin Roosevelt )

(6)

DEDICATÓRIA Aos meus pais

Obrigada por vocês existirem e por serem quem são.

Obrigada pela dedicação, pela amizade, pelo companheirismo.

Obrigada pela vida e pelo orgulho que é ter nascido de vocês.

Obrigada pelos ensinamentos, e, principalmente, pelos exemplos.

Obrigada pelas preocupações.

Obrigada pela caminhada e pela luta. Aprendi com vocês a ter coragem, a não desanimar, a saborear a vitória.

Obrigada pelas mãos entrelaçadas na minha, doando-me confiança, na certeza de estar indo por caminhos seguros e na certeza de que terei sempre onde me amparar caso eu tropece.

Obrigada pelas renúncias..., Deus abençoe vocês e me abençoe também, dando-me a alegria de tê-los por muito tempo ainda.

Amo vocês!

Não poderia deixar de dedicar esta obra aos meus pais, responsáveis diretos

pela minha formação de caráter e profissão. Aos dois, pai e mãe, os meus eternos

agradecimentos.

(7)

AGRADECIMENTOS

Sem dúvida, esta foi a parte do trabalho mais delicada de ser concluída, em face da possibilidade de haver esquecimento de algumas pessoas que, de forma direta ou indireta, auxiliaram-me para a concretização de uma meta, UM SONHO!

As pessoas citadas a seguir terão o meu eterno agradecimento:

Antes de tudo, agradeço a Deus, ente superior, responsável por colocar em minha vida verdadeiros anjos da guarda.

À professora Wanilda, meu agradecimento especial, realmente um presente de Deus. Seu carinho, suas orientações e, sobretudo, sua paciência foram decisivos para a conclusão deste trabalho. Espelhar-me-ei nela como pessoa e profissional para lecionar com a mesma competência e desenvoltura.

Ao professor César, estatístico, pelo consistente acompanhamento e orientações.

Aos mestres do mestrado, por terem transmitido todo o conhecimento necessário.

Aos funcionários do mestrado, pela boa vontade em me ajudar.

Aos participantes do estudo, por disponibilizarem informações fundamentais para esta pesquisa.

Aos coordenadores das universidades dos cursos participantes, pela ajuda e compreensão.

Ao meu irmão, Aguinaldo Júnior, pelo constante apoio por meio de palavras incentivadoras e motivantes.

Ao meu esposo, Feliciano Filho, que, sem dúvida, sempre torceu pelo meu

sucesso.

(8)

Ao meu filho, Feliciano Neto, luz da minha vida, que, apesar de ainda ser um bebezinho, deu-me força nos momentos mais difíceis, impedindo, inclusive, que eu desistisse desta empreitada.

Ao meu sogro, Sr. Feliciano, pelo exemplo de profissional competente e pelo suporte dado em minha vida pessoal.

À minha sogra, D. Betânia, que, quando em vida, sempre me incentivou a crescer profissionalmente. Eternas saudades!

À minha cunhada Lorena, à minha prima Sabrina, ao meu primo Dedeu, ao meu tio Tadeu e à minha tia Regina, por terem sacrificado horas de lazer para me dar atenção e assistência.

À amiga Karla, pelo apoio indispensável.

À amiga Ana Karla, pela amizade e ajuda fundamentais na aquisição da coleta desta dissertação.

Aos amigos Luis e Patrícia, pelo apoio nos momentos finais.

À amiga Érika, pela amizade e disponibilidade depositada.

À amiga Annie, cujo apoio técnico foi crucial.

Ao profº Renan Freitas, pela revisão lingüística e pelas sugestões.

Aos meus familiares e amigos, que, embora não tenham contribuído

diretamente, estiveram sempre ao meu lado.

(9)

RESUMO

Um dos maiores problemas gerados pelas perdas auditivas observa-se nos efeitos sobre o desenvolvimento lingüístico tanto oral quanto escrito em língua portuguesa.

Sabe-se que em Pernambuco, durante a década de 80 e parte da década de 90, crianças surdas, filhas de pais ouvintes que cursaram a Educação Infantil e o Ensino Médio, tiveram como língua de instrução a portuguesa. Portanto, era de se esperar que a habilidade escrita nessa língua, quando os alunos chegassem ao ensino superior, pudesse apresentar condições de registro de idéias e pensamentos de forma que os leitores apreendessem corretamente o seu sentido. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho foi verificar como os professores de ensino superior analisam a competência lingüística geral de seus alunos surdos na Língua Portuguesa e, em especial, na modalidade escrita, considerando a forma culta dessa língua.

Dezessete professores participaram deste estudo, no qual utilizamos uma metodologia qualitativa e quantitativa. A coleta dos dados foi realizada por meio de um questionário e uma entrevista semi-estruturada aplicada aos sujeitos. Os dados foram categorizados trazendo as idéias apresentadas em narrativas dos professores e descritos de forma literal. Os resultados foram analisados e discutidos à luz do referencial teórico proposto por Minayo (1999) que serviu como referência de aspectos analíticos, além de Quadros (1997, 2006), Lacerda (2000), Karnopp (2002) e Rabelo (2001). A análise dos dados permitiu sugerir que os professores observaram na escrita do surdo universitário de Recife e Olinda dificuldades já identificadas por outros pesquisadores em outras cidades brasileiras, evidenciando que se estenderam durante toda sua vida acadêmica, o que demandou a observância de estratégias dirigidas para aquisição de 2ª língua.

Palavras-chave: escrita em português, professor, surdez, universidade.

(10)

ABSTRACT

One of the greatest problems caused by the auditory losses are the effects in the oral and written linguistic development. In the 80‘s and part of the 90’s, deaf children, who were born of parents who could listen, attended elementary education and High School and they had Portuguese as their instruction language. Therefore, it was expected that their written skills in this language, when they got to university, presented satisfactory conditions of register of ideas and thoughts in a way that readers could understand their meaning. Bearing this in mind, the objective of this work was to verify how the university professors analyze the general linguistic competence of their deaf pupils in the Portuguese Language, and mainly their written abilities. More specifically for this research, we tried to verify how professors judge the performance of the deaf people: in their written skills, considering the classic form of Portuguese Language. Seventeen university professors who teach deaf people had taken part in this study. For this study, we use a qualitative and quantitative methodology. The data collection was carried out by a questionnaire and by a half-structured interview, among the university professors of deaf people. The data had been categorized structuring the presented ideas in narratives by the professors and were written in their literal form. The results had been analyzed and discussed according to the theories of Minayo (1999). The data analysis helped us to conclude that the professors had identified that the writing ability of the university deaf student in Recife and Olinda showed difficulties which had already been identified by other researchers in other Brazilian cities. This has made us realize that the deaf people bring a description of written language skills marked by gaps, that remain throughout their academic phase, and this demands, among some other possibilities, the use of new strategies to learn the Portuguese language.

Word-keys: writing in Portuguese, professor, deafness, university.

(11)

LISTA DE QUADROS

QUADRO 3.1.1: Perfil de professores de ensino superior, segundo a

experiência profissional com alunos surdos...57

QUADRO 3.1.2: Perfil dos alunos surdos universitários traçado pelos

professores entrevistados...59

(12)

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 3.2.1: Formas de comunicação entre professores e aluno surdo

universitário considerando o contato inicial e atual em Recife e Olinda, 2006,

segundo categorias ...65

GRÁFICO 3.2.2: Dificuldades permanentes na escrita em língua portuguesa

pelo aluno surdo universitário apontadas pelos professores em Recife e

Olinda, 2006, segundo categorias...67

GRÁFICO 3.2.3: Desempenho do aluno surdo universitário nos trabalhos

apresentados oralmente apontado pelos professores em Recife e Olinda, 2006,

segundo categorias...69

GRÁFICO 3.2.4: Desempenho dos alunos surdos universitários na escrita

espontânea apontado pelos professores em Recife e Olinda, 2006, segundo

categorias...70

GRÁFICO 3.2.5: Desempenho do aluno surdo universitário nas avaliações

direcionadas apontado pelos professores em Recife e Olinda, 2006, segundo

categorias...71

GRÁFICO 3.2.6 A: Presença de intérprete em sala de aula informada pelos

professores de alunos surdos universitários em Recife e Olinda, 2006,

segundo categorias...72

GRÁFICO 3.2.6 B: Contribuição do intérprete na comunicação escrita do aluno

surdo universitário apontada pelos professores em Recife e Olinda, 2006,

segundo categorias...72

(13)

LISTA DE TABELAS

TABELA 3.1.1: Dificuldades na língua oral dos alunos surdos universitários

apontadas pelos professores em Recife e Olinda, 2006, segundo

categorias...60

TABELA 3.1.2: Dificuldades na língua escrita dos alunos surdos universitários

apontadas pelos professores em Recife e Olinda, 2006, segundo

categorias...63

TABELA 3.3.1 - Comunicação inicial dos professores de ensino superior com

seus alunos surdos em Recife e Olinda – 2006, segundo

categorias...74

TABELA 3.3.2 - Comunicação atual dos professores de ensino superior com

seus alunos surdos em Recife e Olinda – 2006, segundo

categorias...77

TABELA 3.3.3 - Capacidade de interpretação de leitura dos alunos surdos

universitários apontada pelos professores em Recife e Olinda – 2006, segundo

categorias...80

TABELA 3.3.4 - Uso dos padrões da língua portuguesa escrita por alunos

surdos universitários apontados pelo professores em Recife e Olinda – 2006,

segundo categorias...82

TABELA 3.3.5 - Dificuldades mais comuns dos alunos surdos universitários em

língua portuguesa apontadas pelos professores em Recife e Olinda – 2006,

segundo categorias...84

TABELA 3.3.6 - Desempenho dos alunos surdos universitários nas avaliações

escritas apontado pelos professores em Recife e Olinda, 2006, segundo

categorias...87

TABELA 3.3.7 - Desempenho dos alunos surdos universitários nos trabalhos

apresentados oralmente apontado pelos professores em Recife e Olinda –

2006, segundo categorias...89

TABELA 3.3.8 - Desempenho dos alunos surdos universitários na escrita

espontânea apontado pelos professores em Recife e Olinda – 2006, segundo

categorias...91

TABELA 3.3.9 - Desempenho dos alunos surdos universitários na escrita

direcionada apontado pelos professores em Recife e Olinda – 2006, segundo

categorias...93

(14)

Tabela 3.3.10 - Contribuição do intérprete em sala de aula na comunicação

escrita do aluno surdo universitário apontada pelos professores em Recife e

Olinda- 2006, segundo categorias...94

(15)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo LIBRAS – Língua de Sinais Brasileira

LP – Língua Portuguesa

L1 – Língua de Sinais

L2 – Língua Portuguesa

(16)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...16

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 1.1 A SURDEZ NO CONTEXTO DA SOCIEDADE...19

1.1.1 Linguagem, surdez e o conceito inclusivista...20

1.1.2 A aquisição da linguagem e as implicações decorrentes da perda auditiva...26

1.1.2.1 Aquisição da LIBRAS...28

1.1.2.2 Aquisição da língua portuguesa...31

1.2. PROCURANDO COMPREENDER O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM EM CRIANÇAS SURDAS...34

1.2.1 Perspectivas atuais da educação do surdo...35

1.2.1.1 Para onde leva o bilingüismo...38

1.2.2 A utilização da língua portuguesa na sua variante oral no contexto da sociedade ouvinte...40

1.2.3 A escrita, a leitura e o surdo: construções a partir do seu lugar social...43

1.2.4 O surdo e a universidade brasileira...47

2. ASPECTOS METODOLÓGICOS...52

2.1 A constituição do corpus...52

2.2 Os sujeitos da pesquisa...53

2.3 Instrumentos...53

2.4 Materiais e processos para obtenção dos dados...54

2.5 Procedimento para a análise dos enunciados...55

2.6 Considerações éticas...56

2.7 Análise e discussão dos resultados...56

3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...57

CONSIDERAÇÕES FINAIS...98

(17)

REFERÊNCIAS...104

APÊNDICES Apêndice A – Termo de consentimento livre e esclarecido do participante...111

Apêndice B – Questionário para professores de ensino superior de alunos surdos...112

Apêndice 3 – Entrevista para professores de ensino superior de alunos surdos....114

Apêndice 4 – Entrevista completa (P6)...115

Apêndice 5 - Entrevista completa (P15)...118

Apêndice 6 – Entrevista completa (P5)...121

Apêndice 7 – Entrevista completa(P4) ...124

(18)

INTRODUÇÃO

A história da educação de surdos no nosso país traz as marcas de uma trajetória desenhada desde o século XVI. No entanto, somente a partir do século XX, é que as perspectivas educacionais consideraram as filosofias: oralismo, comunicação total e bilingüismo. Todas reconheceram a importância da escrita alfabética para a inserção do surdo na cultura geral do seu país e como principal ponte para a comunicação com o mundo dos ouvintes.

A abordagem bilíngüe, tendência atual da política educacional brasileira e mundial, é definida por Goldfeld (1997) e Triadó (1999) como uso alternativo de duas línguas por parte de um indivíduo ou de um grupo social e, no caso dos surdos brasileiros, representa o domínio da Língua Brasileira de Sinais e da Língua Portuguesa. Essa abordagem ressalta a importância do uso de duas línguas (1ª e 2ª) para o aprimoramento da produção escrita, sendo fundamental que os aprendizes surdos tornem-se conscientes de sua condição bilíngüe (QUADROS, 1997; RAMPELOTTO, 1995; ALMEIDA, 2000).

Para a grande maioria dos surdos nascidos de famílias ouvintes e, por conseqüência, expostos inicialmente à língua portuguesa oral, observa-se que eles incorporam fragmentos dessa língua e constituem, juntamente com gestos, expressões faciais e movimentos corporais, uma linguagem partilhada com os familiares.

Embora cheguem à escola com algum tipo de linguagem, raramente essas crianças, não usuárias de uma língua de sinais, dispõem de uma língua constituída que lhes possibilite se relacionar com outros interlocutores, bem como constituir o conhecimento do mundo.

Fernandes (1990, 2003) analisou as reproduções escritas de histórias por

surdos, com idade superior a 18 anos e diferentes graus de escolaridade (desde a 4ª

série do Ensino Fundamental até o terceiro grau completo), observando os seguintes

fatos: uso inadequado dos verbos em suas flexões de tempo e modo, impropriedade

no emprego das preposições, omissão de conectivos, omissão de verbos, falta de

domínio e uso restrito de certas estruturas de coordenação e de subordinação. Para

a autora, tais dificuldades não devem ser encaradas como próprias do surdo, mas de

um falante que, privado do contato lingüístico, reflete as mesmas dificuldades

apresentadas no trato com outra língua. Para ela, não são os efeitos da surdez que

(19)

provocam o que alguns consideram impropriedade da língua e sim a falta de contato constante com ela.

No momento em que abordamos esse tema junto aos professores universitários, percebemos posição marcada por uma expectativa muito pequena e conformista em relação à produção escrita.

Procuramos compreender como os professores concebem as aprendizagens e comunicações de seus alunos. Para isso, buscamos penetrar nas paisagens das práticas docentes, tornando possível identificar algumas falhas no processo de aquisição da Língua Portuguesa pelos alunos surdos que freqüentaram escolas entre a década de 1980 e início de 1990. Essa impressão foi marcada por elementos de tensão nos seus relatos escritos. Utilizar as narrativas dos professores universitários como dados para reflexões sobre a dimensão da escrita em Língua Portuguesa desses surdos universitários, que tiveram essa língua como primeiro contato lingüístico, representou nosso objetivo primordial.

Considerando o conceito bilíngüe já descrito anteriormente, observamos que o caminho trilhado pela população que estudamos foi inverso.

Neste cenário, a narrativa dos professores, a construção de sua experiência com alunos surdos serviram de base para nossas reflexões.

A narrativa é, num certo sentido, uma forma de comunicação, na qual a matéria-prima trabalhada são as experiências do narrador e do ouvinte. O narrador mergulha na coisa narrada em sua própria vida para, em seguida, transmiti-la; e o ouvinte assimila a coisa narrada à sua experiência (ABDALA JÚNIOR, 1995).

Ao narrarem, as pessoas estão buscando dar significado para o que lhes aconteceu, estão procurando construir sua identidade e, dessa forma, não há certezas. As pessoas estão sempre fazendo construções e desconstruções, porém parecem estar sempre orientadas para um foco principal, considerado como fio condutor da narrativa e que irá compor o enredo. O processo de interpretação de uma narrativa exige um mergulho profundo naquilo que está sendo dito. Para isso, é necessário captar não só o que é dito, mas também a referência que a pessoa usa.

Buscamos, nessas narrativas, elementos de um tema pouco explorado na

literatura acadêmica em nosso Estado, tomando como apoio algumas discussões

nacionais, as quais nos levaram a fortalecer o desejo de compreender melhor

questões concernentes ao domínio dos surdos da língua escrita culta. Não tivemos a

pretensão de oferecer soluções, mas contribuir para reflexões sobre a realidade dos

(20)

surdos universitários no Recife e Olinda, a partir das quais, pudemos identificar melhores alternativas para o seu desempenho e conseqüentemente sua inserção social.

A educação de surdos tem se apresentado como um desafio devido às dificuldades que se impõem no próprio processo educativo/reabilitativo. Por esse motivo, nota-se que é um problema não restrito ao fato de a criança ser surda, mas algo mais amplo e que pode gerar conseqüências imprevisíveis ao seu desenvolvimento, caso não lhe ofereçam condições de acesso a uma língua, preferencialmente, de forma natural. Para isso, é preciso refletir sobre os comentários feitos pelos professores e demais profissionais que atuam. Após análise desse material narrado, poderemos seguir e/ou retraçar rotas para que o jovem surdo possa atuar como cidadão bilíngüe.

A pesquisa está constituída de três capítulos. No primeiro, abordamos a surdez no contexto da sociedade, bem como a aquisição da língua brasileira de sinais e a da Língua Portuguesa. Discutimos, ainda, a compreensão do desenvolvimento da linguagem em crianças surdas, a questão do bilingüismo e a interação entre surdos e ouvintes, que é posta como ponto de partida para as observações que fundamentam o trabalho. Um outro item contido neste capítulo é representado por reflexões que destacam a escrita como fator de recepção e expressão do pensamento e a situação dos surdos na universidade brasileira. No segundo capítulo, tratamos dos aspectos metodológicos, descrevendo: a constituição do corpus, os sujeitos da pesquisa, instrumentos, materiais e procedimentos para a obtenção, considerações éticas e análise dos dados. No terceiro capítulo, apresentamos as análises e as discussões dos resultados obtidos na pesquisa.

As considerações finais constituíram o último tópico de discussão. Seguiram-

se, a esse item, as referências e os apêndices.

(21)

1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 - A SURDEZ NO CONTEXTO DA SOCIEDADE

A sociedade brasileira, assim como tantas outras, adotou a inclusão como modelo social. Esse modelo trouxe consigo exigências para as quais os profissionais dizem não ter se preparado. Ainda hoje, as graduações não tratam desse tema ou, quando o fazem, parecem demonstrar uma visão dicotomizada, na qual o sujeito surdo, que se constitui o ponto central desse trabalho, não é “ouvido”.

Bueno (1998) contribui efetivamente para reflexões sobre a polarização ocorrida no último século na educação de surdos. Em seu trabalho, analisou criticamente a relação entre surdez, linguagem e o contexto em que o surdo está inserido. É um contexto no qual se observa nitidamente a preponderância de uma língua sobre outra, as quais deveriam se articular promovendo o desenvolvimento de ambas. Percebe-se, com isso, uma supremacia da LIBRAS sobre a Língua Portuguesa.

A partir desse ponto, desdobra-se uma expectativa de superar a visão dicotomizada e a-histórica que apresenta essa sociedade dividida em “comunidade ouvinte” e “comunidade surda”.

Continuando suas reflexões, esse autor afirma que, nos últimos anos, tem ressurgido essa polêmica entre os defensores do oralismo e os da língua de sinais.

Para ele, ao contrário do passado, defender a posição oralista “pura” representa tomar partido pela opção que mais prejudicou a educação dos surdos, como as pesquisas têm revelado. Se, no passado, os gestos foram considerados os grandes responsáveis pelas dificuldades de integração do surdo à sociedade, agora essa perspectiva de acesso único à oralidade é considerada um ato de dominação da maioria “ouvinte” sobre a minoria “surda”.

Com o Bilingüismo, tendência principal adotada pelo Brasil, as questões

lingüísticas passaram a ser contempladas de forma menos distorcida. Mesmo assim,

parecia (ou parece) haver um desnivelamento com as questões epistemológicas

mais amplas sobre o desenvolvimento humano e a realidade que deve permear as

ações dos professores em sala de aula (DORZIAT, 1999). Essa realidade destaca a

presença desse profissional que, juntamente com representantes de outras áreas do

saber e a família, deveriam acordar entre si um eixo em torno do qual seriam

(22)

organizadas as ações a serem propostas para educação da criança surda. No momento, ainda nos deparamos com uma prática distinta da que é sugerida nos documentos oficiais. Tal prática vai atender, em determinados momentos, a interesses que nem sempre se colocam ao lado dos sujeitos a quem a(s) ação(ões) são destinadas e, desse modo, repercutem no seu processo de aquisição da linguagem.

1.1.1 Linguagem, surdez e o conceito inclusivista

Para melhor entender a movimentação deste ou daquele viés de comunicação, teremos, forçosamente, de incluir a trajetória dos modelos sociais que foram determinantes para sua adoção.

Nesse sentido, é necessário salientar que vivemos, na atualidade brasileira, o movimento inclusivista, portanto, para falar do surdo, faz-se necessário uma breve abordagem sobre o tema.

As transformações sociais que ocorreram em torno dos direitos humanos ganharam corpo, principalmente, a partir da segunda metade do século XX e dentre elas, podemos destacar a inclusão que trouxe nova perspectiva para a vida de todos.

A inclusão prevê a modificação da sociedade para que todos, sem distinção de grupo, etnia, cor, credo, nacionalidade, condição social ou econômica possam desfrutar de uma vida de excelência, sem exclusões, isto é, uma vida cidadã (STAINBACK; STAINBACK, 1999). Em sociedades inclusivas, as diferenças devem ser respeitadas e, por isso, precisam estruturar-se para oferecer todas as condições de bem-viver aos cidadãos. Esse conceito, como afirmam esses autores, traz a chance de relacionarmos-nos através de uma nova ética, a ética da diversidade que começa em qualquer espaço. A sala de aula representa um dos locais de maior importância, perspectiva unânime entre os especialistas que divulgam a inclusão em todo o mundo. Afinal, é na formação das crianças que se funda a postura da sociedade do futuro. E, dentro dessa perspectiva, observamos que cada aluno desenvolve suas potencialidades, segundo suas possibilidades percebidas, incentivadas e compreendidas pela escola.

Quando as escolas incluem todos os alunos, a igualdade é respeitada e

promovida como um valor, com os resultados visíveis de paz social e de

(23)

cooperação. Apesar dos obstáculos, a expansão do movimento da inclusão, em direção a uma reforma mais ampla da sociedade, é um sinal visível de que as escolas e a sociedade vão continuar caminhando rumo a práticas cada vez mais inclusivas.

Os benefícios gerados a partir daí atingem todos, constituindo-se um novo paradigma de pensamento e de ação, no sentido de que todos os indivíduos, em uma sociedade na qual a diversidade está se tornando mais norma do que exceção, possam usufruir dos benefícios que ela pode oferecer (STAINBACK; STAINBACK, 1999).

Nesse sentido, a trajetória da educação de surdos mostrou que as abordagens sobre a surdez passaram por várias transformações na tentativa de incluí-los na sociedade. Dentre as diversas filosofias adotadas, podemos citar o Oralismo, a Comunicação Total e o Bilingüismo (GOLDFELD, 2002; LENZI, 1995).

A filosofia oralista permaneceu forte por cerca de um século, de 1890 a 1990.

Através dos seus métodos, propõe, geralmente, tratamento precoce da criança, através da audição, das vibrações corporais e da leitura orofacial. Esta abordagem vê a surdez como uma deficiência, exclui qualquer sinal natural ou gesto, busca a integração do surdo na comunidade de ouvintes tentando transformá-lo em um deles. Os pais são estimulados a dialogar em português com seus filhos e a estimulação auditiva/reabilitação auditiva da criança surda é feita em direção à “não- surdez” (LENZI, 1995).

As diferentes formas de trabalho oralistas descritas por Goldfeld (2002) como metodologias podem ser divididas em unissensoriais e multissensoriais. Nas primeiras, a audição é tida como o órgão sensorial, a ser estimulado na percepção e discriminação dos sons, inclusive dos sons da fala. Nas multissensoriais, são usados vários órgãos sensoriais para a melhor captação do som, principalmente da fala, fazendo uso, assim, não só da audição, como também da visão (leitura orofacial) e das sensações tátil-cinestésicas.

Dentre as metodologias unissensoriais, podem ser destacadas:

• Oralismo puro ou estimulação auditiva: consiste no uso de aparelho de

amplificação sonora individual (AASI), treinamento auditivo e desenvolvimento

da linguagem, treinamento dos órgãos fonoarticulatórios, expondo a criança

surda à linguagem falada e aos sons.

(24)

• Abordagem acupédica: consiste na ênfase do treinamento auditivo sem nenhum ensino formal de leitura orofacial. Tudo vai depender do diagnóstico, da orientação familiar, da indicação e da adaptação de AASI o mais cedo possível e exposição total à estimulação de linguagem.

• Abordagem audiofonatória ou de Perdoncini: consiste no trabalho com o desenvolvimento dos limiares diferenciais da audição, para permitir a percepção da mensagem falada. A função auditiva desenvolvida será a base de toda a aquisição da linguagem: compreensão e emissão.

Dentre as metodologias multissensoriais, podem-se citar:

• Unidade silábica: consiste na estimulação da fala, da leitura e da escrita. Além da pista auditiva, faz uso também do tato e da visão.

• Verbotonal: é a reabilitação da audiocomunicação por meio de movimentos corporais e consiste na utilização de cinco técnicas: audiovisual, conjunto, ritmo corporal, ritmo musical e ritmo individual. O audiovisual tem como objetivo a estruturação da língua em nível morfossintático, a ampliação da capacidade de concentração, a compreensão e a abstração, a estimulação do diálogo e a ampliação dos conceitos aprendidos para utilização do cotidiano.

O conjunto é específico para a aquisição e a ampliação do léxico, de conceitos, da compreensão e da abstração, da estimulação da fala espontânea e do desenvolvimento da leitura orofacial. O ritmo corporal trabalha o nível fonológico. O ritmo musical objetiva o desenvolvimento de valores supra-segmentais da fala e, por fim, o ritmo individual. Este tem a função de estimular a fala, a audição e a leitura orofacial, além de trabalhar aspectos considerados difíceis nas outras técnicas com a criança.

Apesar de tudo, o descontentamento com o oralismo e as pesquisas sobre língua de sinais deram origem a novas propostas pedagógico-educacionais. Essa tendência ganhou impulso nos anos 70 e foi chamada de Comunicação Total.

Nessa filosofia, o surdo é tido “como uma pessoa e a surdez como uma marca que repercute nas relações sociais e no desenvolvimento afetivo e cognitivo”

(CICCONE, 1990). Além disso, permite-se o uso de qualquer recurso lingüístico. Os recursos espaço-visuais são utilizados como facilitadores da comunicação, dentre eles, a LIBRAS; a datilologia (uma representação manual das letras do alfabeto); o

“cued-speech”, (sinais manuais representativos de sons da língua portuguesa); o

português sinalizado, que utiliza o léxico da LIBRAS com a estrutura sintática do

(25)

português acrescida de sinais inventados e o pidgin, uma simplificação da gramática de duas línguas em contato.

Além disso, ocorre a valorização dos aspectos sociais, emocionais e cognitivos, com os quais se pretende garantir uma relação dialógica entre a criança surda e sua família ouvinte. A comunicação e a interação entre surdos e ouvintes são valorizadas, além do uso simultâneo de canais comunicativos. Também é chamada bimodalismo ou português sinalizado, isto é, o uso simultâneo da fala e de sinais, cujo objetivo final é a comunicação.

Paralelamente ao desenvolvimento das propostas de Comunicação Total, os estudos sobre línguas de sinais foram se tornando cada vez mais estruturados e, com eles, surgiram também alternativas educacionais orientadas para uma educação bilíngüe.

Estudiosos de linguagem e surdez dos Estados Unidos, da Europa e do Brasil (LILLO-MARTIN, 1986; FAMULARO, 1999; LACERDA, 2000; QUADROS, 1997;

FERREIRA-BRITO; SANTOS, 1996; GÓES, 1999) identificam as diferenças e, com essa posição, reconhecem as limitações e potencialidades dos surdos, trazendo novos paradigmas que se manifestam na criação, no uso e no desenvolvimento de línguas viso-gestuais. Nesse sentido, a principal idiossincrasia do indivíduo surdo precisa ser considerada e respeitada: a língua de sinais (DORZIAT, 1999).

De acordo com Quadros (1997), o bilingüismo é uma proposta de ensino usada por escolas que propõem tornar acessível à criança duas línguas. Os estudos têm apontado para essa proposta como sendo mais adequada para o ensino de crianças surdas, pois considera a língua de sinais como língua natural, com base nisso, parte desse pressuposto para o ensino da língua portuguesa escrita, como segunda língua.

Goldfeld (1997, p. 38) assim caracteriza o Bilingüismo:

O Bilingüismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser Bilíngüe, ou seja, deve adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país [...] os autores ligados ao bilingüismo percebem o surdo de forma bastante diferente dos autores oralistas e da Comunicação Total.

Para os bilingüistas, o surdo não precisa almejar uma vida semelhante ao ouvinte, podendo assumir sua surdez.

No contexto da educação de surdos, como comenta Quadros (1997),

podemos citar duas formas básicas de ensino no bilingüismo:

(26)

1) Ensino da 2ª língua de forma concomitante à aquisição da 1ª.

2) Ensino da 2ª língua somente após a aquisição da 1ª.

Estudos de Pereira (2000) têm apontado a proposta bilíngüe como sendo a mais adequada para trabalhar com crianças surdas, já que a de sinais preenche as mesmas funções que a língua falada possui para os ouvintes. Como ocorre com as crianças ouvintes, espera-se que a língua de sinais seja adquirida na interação com usuários fluentes dessa língua, os quais, envolvendo as crianças surdas em práticas discursivas e interpretando os enunciados produzidos por elas, facilitam sua inserção no funcionamento da língua de sinais. Adquirida esta língua, ela terá papel fundamental na aquisição da leitura e da escrita em LP.

Embora existindo diversos teóricos que concordem com a afirmação acima (QUADROS, 1997; RABELO, 2001; DORZIAT, 1999; LODI, 2000; LACERDA, 2000), entre tantos outros, identificamos aqueles que, baseados na aprendizagem pelo sistema fonológico, discordem da referida afirmação, dentre eles (CAPOVILLA;

CAPOVILLA, 1999). Estes últimos apontam o papel do desenvolvimento da consciência fonológica para a aquisição da leitura e da escrita como pressuposto e enfatizam que instruções específicas com este tipo de habilidade seriam benéficas para crianças em alfabetização.

Para esses mesmos autores, a consciência fonológica, ou o conhecimento acerca da estrutura sonora da linguagem, desenvolve-se nas crianças ouvintes através do contato com a linguagem oral de sua comunidade. À medida que a criança vai tomando consciência de palavras, sílabas e fonemas como unidades identificáveis, isso vai facilitando sua busca da relação entre as unidades sonoras da fala e os grafemas da escrita (BLISCHAK, 1994), possibilitando, assim, a generalização dos sistemas de escrita alfabética (GUTIÉRREZ, 1999).

Além da consciência dos sons da fala e de suas relações com as letras (consciência fonológica), uma outra habilidade contribui igualmente para aquisição da leitura: trata-se da consciência sintática e refere-se ao domínio da estrutura de frases, de sua segmentação e da manipulação (REGO; BUARQUE, 1995, 1997).

Apesar disso, não é só a oralidade que temos de considerar, é,

principalmente, o domínio da habilidade com a escrita, que vai envolver uma reflexão

sobre a linguagem. Estas são chamadas habilidades metalingüísticas, e estudos têm

sido desenvolvidos demonstrando a estreita relação entre o desenvolvimento dessas

aptidões e o domínio da leitura e da escrita em crianças ouvintes.

(27)

As primeiras e mais tradicionais classificações das habilidades metalingüísticas incluem, segundo Bialystok (1993) - a consciência fonológica (reflexão sobre a estrutura fonológica da língua), a consciência da palavra (compreensão da natureza da palavra como unidade), a consciência sintática (reflexão sobre a estrutura sintática da língua) e a consciência pragmática (entendimento dos usos sociais da linguagem).

Alterações introduzidas recentemente nessas reflexões têm ocorrido, com mais freqüência, na designação de outras habilidades metalingüísticas, como a consciência morfológica (CARLISLE, 2000; LEVIN, RAVID & RAPAPORT, 1999;

MAHONY & MANN, 2000) e a consciência textual (GOMBERT, 1992), mais do que com a proposição de modificação da natureza do conceito. A consciência morfológica da língua, enquanto consciência textual, refere-se ao conhecimento e controle intencional da compreensão e da produção de texto. Gombert (1992) relaciona ainda o termo consciência semântica para designar os aspectos semânticos da linguagem, incluindo também o que anteriormente se designava consciência da palavra.

Nas crianças surdas, entretanto, observa-se uma lacuna nos conhecimentos a respeito de como ela adquire linguagem escrita e quais habilidades são importantes e apresentam relação com a aquisição e desenvolvimento da linguagem escrita em crianças com algum grau de comprometimento da audição (BRAZOROTTO;

COSTA, 2003).

Dessa forma, por não possuir o canal auditivo íntegro como fonte através da qual a aprendizagem ocorre, a privação auditiva fará com que a LP oral não seja adquirida de forma natural. Assim, Brady e Liderman, citadas por Hanson (1991), comentam que as dificuldades de leitura e escrita em crianças surdas podem ser reflexo de um problema no domínio da linguagem. Eles têm dado suporte à idéia de que a disfunção global na percepção rápida da informação através da fala e na subseqüente produção de respostas é relevante para a escrita, pois provoca dificuldades na integração e segmentação do seqüenciamento rápido de caracteres acústicos, ou seja, dificultam a identificação e o encadeamento dos fonemas e, conseqüentemente, a consciência fonológica e a relação grafemas e fonemas.

O consensual, no entanto, é o comentário de que muitas dificuldades

atribuídas aos surdos referem-se à falta de desenvolvimento de uma primeira língua

(28)

sobre a qual eles podem refletir e construir os significados da língua escrita (GOLDFELD, 2002).

Podemos mesmo chegar a afirmar que os surdos de quem estamos falando não possuíram uma língua materna (GOLDFELD, 2007)

1

, ou seja, não se inscreveram em uma comunidade. E é nesse contexto que o surdo construiu sua história lingüística, trazendo esse rol de dificuldades que esperamos serem, em breve, superadas. Nessa perspectiva, o Bilingüismo surgiu como resposta a essas reflexões, já que a surdez deve ser reconhecida como mais um aspecto das infinitas possibilidades da diversidade humana. Considerando que os surdos não são

“ouvintes com defeito”, mas sim pessoas diferentes, eles estarão aptos a entender que a diferença física (surdos – ouvintes) gera uma visão não-limitada, não determinística de uma pessoa ou de outra, mas uma visão diferente de mundo, um

“jeito Ouvinte de ser” e um “jeito Surdo de ser”, que nos permite falar em uma cultura da visão e outra da audição (STAINBACK; STAINBACK, 1999).

Diante do que foi abordado, pudemos dizer que a filosofia bilíngüe justifica-se como aquela que, na atualidade, consegue explicar, mais claramente, o caminho para o desenvolvimento lingüístico do surdo, e faz pensar na utilização de outra rota de aprendizagem para eles, a fim de que o surdo não continue como analfabeto funcional impedido de exercer sua plena cidadania.

1.1.2 A aquisição da linguagem: implicações decorrentes da perda auditiva

A surdez é caracterizada por uma privação sensorial, portanto, além das dificuldades auditivas, resultam, como conseqüências dessa privação, questões lingüísticas, emocionais, educacionais, sociais e culturais.

De acordo com o BRASIL/MEC/SEESP (1996), é considerado surdo o indivíduo que possui audição não funcional na vida comum, e, parcialmente surdo, aquele que, mesmo com perda auditiva, possui audição funcional com ou sem prótese auditiva.

1Conferência realizada em 2007 no 22º Encontro Internacional de Audiologia.

(29)

A surdez pode ser congênita ou adquirida. É congênita quando ocorre antes do nascimento ou, em alguns casos, durante o parto; e adquirida quando ocorre após o nascimento.

A compreensão verbal de surdos no nível de audição acima de 70dB vai depender da utilização da percepção visual e da observação do contexto das situações e é desse grupo que estamos tratando. Os conhecimentos lingüísticos desses indivíduos podem apresentar sérias deficiências no que se refere ao domínio de suas estruturas, sobretudo na produção escrita, caso não sejam mediados adequadamente.

Falar em aquisição de linguagem significa reconhecer mudanças atestadas na fala da criança, que apontam para uma trajetória que vai do infante (que não fala) ao falante de uma língua. A criança precisa do outro para se escutar. Ou seja, ela não possui a priori nenhuma condição de regular o que diz. O que De Lemos (1998) observa é que o que a criança diz, ainda de forma fragmentada, encontra no diálogo uma “matriz de significação”, possibilitando, a posteriori, no espelhamento, tornar-se

“fala”, o que se contrapõe à idéia de que a fala se origina na criança, a partir de uma intenção comunicativa primeira.

A autora ainda afirma, ao tecer algumas considerações sobre a escrita, que, assim como na aquisição da linguagem oral, cabe ao outro (falante da língua) o papel de intérprete na aquisição da escrita, pela criança. Lendo para essa criança, interrogando-a sobre o sentido do que “escreveu”, escrevendo para ela ler, o alfabetizado insere-se no movimento lingüístico-discursivo da escrita.

Crianças ouvintes, assim como crianças surdas, começam a adquirir a língua oral e escrita precocemente, desde que expostas a ela. Segundo Lacerda (2000), as crianças surdas freqüentemente apresentam competência lingüística menos expandida devido a alguns fatores como: diagnóstico tardio e falta de estímulo adequado durante o período crítico para aquisição da língua oral e/ou de sinais.

Dessa forma, mostram defasagem em relação à aquisição da linguagem, e essa deficiência poderá acentuar-se durante o curso dos níveis mais adiantados de escolaridade, decorrentes da situação dos pais, como, também, da proposta escolar.

Apesar dessas conclusões, ainda podemos evidenciar que esse tema representa, na

atualidade, a possibilidade de criar uma rede de interlocuções dada à complexidade

(30)

de problemas que ainda são identificados no decorrer da história lingüística do surdo (KARNOPP; PEREIRA, 2004).

É notória a desvantagem inicial do surdo no processo de aprendizagem da leitura e da escrita, devido ao déficit na recepção auditiva das informações; em função disso, são conseqüentes os problemas na aquisição de desenvolvimento da linguagem oral. A capacidade de simbolizar, uma das características do ser humano, inclui a linguagem oral, escrita ou sinalizada, que se estabelece nas relações inter e intrapessoais. A escrita permite que a comunicação se faça a distância e permaneça no tempo como um registro mais duradouro que a oralidade e a sinalização (TRENCHE, 1998; GÓES, 1999).

A principal questão que se coloca como desdobrada da perda auditiva inscreve-se no cenário representado pelo pouco acesso à leitura e à escrita, gerando um insatisfatório desempenho em Língua Portuguesa. Daí surgem lacunas no domínio dos conteúdos acadêmicos, na expressão do seu pensamento e/ou manutenção do diálogo com ouvintes, como afirmaram Fernandes (2003) e Trenche (1998).

A polêmica voltada para o trato sobre a comunicação de surdos desafia-nos a

refletir sobre subsídios que, teoricamente, poderão ajudar os surdos a superar a série de limitações com que eles se deparam durante o seu curso, como também ao

final da escolarização básica, estendendo-se para a educação superior.

Diante desta problemática, uma possibilidade de superar estas limitações pode ser através da educação fundamentada na proposta bilíngüe.

1.1.2.1 Aquisição da LIBRAS

A filosofia bilíngüe tem como proposta o aprendizado da língua de sinais como primeira língua, já que é tida como a natural do surdo, embora uma segunda

também deva ser aprendida: aquela oficial do seu país.

A partir daí, o papel desempenhado pela língua de sinais é extremamente importante. Por esse motivo e, marcando a trilha pela qual a educação bilíngüe para surdos nos faz caminhar, inúmeras pesquisas já realizadas mostram a eficácia da

aquisição da língua de sinais como primeira, e a LP como segunda. Dessa forma,

será permitida à criança surda a descoberta de uma comunicação lingüística

(31)

podendo compreender melhor o que ocorre nas trocas estabelecidas pelo modo verbal.

O reconhecimento dos surdos como tal e o da sua comunidade lingüística assegura a identificação das línguas de sinais dentro de um conceito mais geral de bilingüismo (SKLIAR et al, 2000).

Nesse contexto, a proposta dessa abordagem propõe a exposição da criança surda o mais precocemente possível à língua de sinais, identificada como uma língua adquirida por ela sem que sejam necessárias condições especiais de

“aprendizagem”. Surge, portanto, como uma proposta de trabalho de aquisição de uma língua que permita o desenvolvimento rico e pleno de linguagem e que possibilite ao surdo um desenvolvimento integral.

Diversos autores, tais como Fernandes (2003) e Góes (1999), ratificam essa proposta quando revelam ser a aprendizagem da língua de sinais a base fundamental de apropriação pela criança surda da língua oral, para a qual o acesso não é natural, mas pode ser compreendida e utilizada. Ainda de acordo com essas autoras, a língua de sinais é a única que possibilita à criança surda aprender sem

atraso de desenvolvimento, sendo fundamental para o processo de aprendizagem da sintaxe, que parece ser ponto crucial da construção da linguagem.

Assim como ocorre com as crianças ouvintes na aquisição de línguas orais, espera-se que a língua de sinais seja adquirida na interação com usuários fluentes nessa língua, os quais, envolvendo-as em práticas discursivas e interpretando os enunciados produzidos por elas, insiram-se no funcionamento dessa língua (PEREIRA, 2000).

Toda criança surda tem necessidade, como qualquer outra, de ser conduzida em atividades de elaboração lingüística que ela realiza por intermédio da língua de sinais. Esta permite o restabelecimento da comunicação efetiva, que é a base para todo o desenvolvimento da linguagem escrita. Dorziat (1999, p.29) afirma que “a língua de sinais é que dará condições de os surdos se tornarem seres humanos na sua plenitude, através da apropriação dos conceitos científicos, disponíveis na educação formal”, e é o que se espera.

Na educação formal, como demonstra Quadros (1997), a língua de sinais

usada pelas comunidades de surdos no Brasil, assim como as outras línguas de

sinais, é produzida com as mãos, embora movimentos do corpo e da face também

desempenhem diferentes funções. Por ser uma comunicação de modalidade gestual

(32)

e visual, a língua de sinais faz uso de gestos e expressões faciais que são percebidos pela visão.

Segundo Fernandes (2003) e Quadros (1997), essa língua apresenta, como qualquer outra, uma estrutura própria em quatros planos: fonológico, morfológico, sintático e semântico-pragmático. A construção das formas lingüísticas ocorre devido à organização dos sons, e, nas línguas orais, é dada pelo plano fonológico. No que tange à de sinais, a fonologia é representada pela querologia, e os sinais caracterizam-se em nível querológico, a partir da configuração das mãos, localização

do sinal, movimento da(s) mão(s), orientação da(s) palma(s) da(s) mão(s) e expressão facial e corporal. Assim como as línguas orais, no plano morfológico, as

línguas de sinais apresentam um sistema de estrutura e formação das palavras, bem como a divisão das palavras em classes. O que as diferencia de algumas línguas orais é sua sinteticidade, portanto seu plano morfológico faz uso do léxico, sistema flexional nominal e sistema flexional verbal.

No plano sintático, podemos observar, em relação às línguas orais de contato, as seguintes características: pouco uso de preposições e conjunções, omissão freqüente dos verbos ser e estar, posposição obrigatória da negação verbal, colocação de funções periféricas após as funções nucleares.

No plano semântico-pragmático, como em qualquer língua, os traços são determinados pelo seu uso e contexto. Os traços prosódicos das línguas de sinais são realizados através das expressões faciais, manuais ou corporais. Podemos dizer que é como uma língua “econômica” se compararmos ao português, não evidenciando muitos elementos como os que têm funções coesivas e os que marcam flexões nominais e verbais. Tais elementos, quando oralmente emitidos, são dificilmente internalizados pelo surdo, assim, essa escrita, proveniente de uma educação oralista, omite esses elementos.

De fato, essa língua, como qualquer outra, possui sua própria estrutura, e nesse sentido, Quadros (1997, p.27) enfatiza que:

Se a língua de sinais é uma língua natural adquirida de forma espontânea pela pessoa surda em contato com pessoas que a utilizam, e, se, a língua oral é adquirida de forma sistematizada, então as pessoas surdas têm o direito de serem ensinadas nas duas línguas.

A adoção da língua de sinais na educação de surdos deve levar a uma

mudança na concepção de sujeito e de língua, e isso não tem ocorrido na prática. O

(33)

surdo deve ser representado como alguém que tem as mesmas possibilidades de aquisição como têm os ouvintes. Diante da perda auditiva que ele apresenta, é a língua de sinais que vai possibilitar sua inserção no funcionamento lingüísticodiscursivo da língua, desse modo, pode constituir-se como autores de seu dizer e não como meros repetidores de padrões lingüísticos aprendidos.

1.1.2.2 Aquisição da língua portuguesa

A língua é um dos bens sociais mais preciosos e mais valorizados por todos os seres humanos em qualquer época, povo e cultura. Mais do que um simples

instrumento, é uma prática social que produz e organiza as formas de vida, de ação e de conhecimento. Ela nos torna singulares no reino animal, na medida em que nos

permite cooperar intencionalmente, não apenas por instinto. Mais do que um comportamento individual, ela é atividade conjunta e trabalho coletivo, contribuindo de maneira decisiva para a formação de identidades sociais e individuais (MARCUSCHI, 2001).

Com um olhar lançado para o futuro e, conseqüentemente, com a intenção de contribuir para projetar a LP no mundo, o Departamento de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula (LIV) da Universidade de Brasília tomou, a partir do ano de 2000, medidas na área educacional, de acordo com os fins acadêmicos de sua responsabilidade, que é o ensino da LP. O LIV tem, como objetivo principal, a pesquisa conjunta, que conduza os especialistas a desenvolverem métodos e técnicas adequados ao ensino da Língua a comunidades que não têm o português como língua materna. Essa responsabilidade situa-se no âmbito da Licenciatura em Português do Brasil como segunda língua, curso com objetivos definidos. Um dos principais é a formação de professores de Língua Portuguesa para ensinar o português do Brasil – língua, literatura e cultura – a falantes e usuários de outras línguas (SALLES et al, 2004). Esse fato representa uma grande possibilidade de alcance das metodologias para que novas metas sejam atingidas por surdos. A Universidade Federal de Santa Catarina e o Instituto Nacional de Surdos promovem na atualidade cursos de graduação em Letras/ LIBRAS e Pedagogia para surdos e ouvintes com língua de instrução em LIBRAS.

Ainda de acordo com os autores acima, em benefício do andamento dos

projetos, foram organizados Grupos de Trabalho (GTs), entendidos como

(34)

representações institucionais, formadas por profissionais de diversas áreas de competência que estejam, proximamente, envolvidos com educação e, prioritariamente, com o ensino do português como segunda língua.

Segundo as reflexões de um segmento desse grupo, o Grupo de trabalho LIV – comunidades de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), conclui o desenvolvimento da competência comunicativa dos brasileiros surdos por meio do ensino sistemático da LP ao lado da LIBRAS. Nesse contexto, Quadros (1997) revela que a proposta bilíngüe para surdos concebe o desenvolvimento da língua portuguesa baseado em técnicas de aprendizado de 2ª língua. Dessa forma, assume a tarefa de instaurar o bilingüismo nas comunidades de usuários de LIBRAS, entendendo que o bilingüismo é um processo de médio e longo prazo. Não passa despercebido ao GT que é preciso dotar os falantes do português do conhecimento de LIBRAS. Esse conhecimento servirá para sensibilizar os que venham a ensinar Português como 2ª língua a falante de LIBRAS, de que a aquisição de uma língua natural se processa de acordo com métodos próprios, em função da natureza das línguas envolvidas.

Para adquirir a língua portuguesa, o surdo precisa ter o domínio de uma língua materna, uma vez que esse domínio representa a base que vai alicerçar as outras aquisições.

Como comenta Lacerda (2000), não é diferente o processo de aquisição de uma língua pelo do surdo, em que o uso funcional e significativo da linguagem quer oral, quer escrita, ou sinalizada, construída assistematicamente nas interações sociais que se estabelecem nas primeiras experiências vivenciais da criança, antecede o seu uso estrutural consciente. A criança pequena se comunica, mesmo falando “errado” em relação ao padrão normatizado, sem ter o conhecimento específico dos fonemas. Além do significado dicionarizável, são muitas as significações que uma mesma palavra adquire, no seu deslizamento em vários contextos. Palavras que são traduzidas literalmente perdem o seu valor comunicativo, pois a sua existência significativa depende dos contextos situacional e lingüístico em que são expressas, e não da forma ortográfica como são construídas.

No contexto de aquisição da língua portuguesa, Santos e Navas (2002)

afirmam que, dentro da filosofia bilíngüe, a tendência principal brasileira é utilizá-la

na forma escrita. A escrita não é simplesmente o registro da fala, mas a transmissão

de mensagens por meio de um sistema convencional que representa conteúdos

lingüísticos, pressupondo uma análise da linguagem. É, portanto, uma forma de

(35)

mediação lingüística, criada de acordo com as necessidades de uma sociedade com demandas culturais determinadas, já que cada modalidade possui especificidades.

Escrita não é simplesmente a transposição da fala, e o fato de as crianças (ouvintes) terem dificuldades na produção de textos escritos não significa que apresentem dificuldades na língua oral. A escrita possui suas próprias regras e os recursos da linguagem precisam ser revistos para garantir o seu desenvolvimento.

Em um dos seus textos, Rabelo (2001) diz que a construção da escrita se dá por meio dos processos psíquicos superiores de compreensão, aceitação e apropriação da LP com sua gramática de ressignificação e objetivação em novos textos, na explicação significativa dos textos escritos. Esses processos são complementados pela reflexão que a criança deve exercer sobre a produção escrita em comparação com modelos padronizados, e não pelo simples treino de suas habilidades perceptuais, além de ser necessário a maturação interna (biológica) da criança. Contudo, as experiências variadas e as relações sociais e educativas interferem diretamente nesse desenvolvimento.

Assim também concebe Kato (2002), ao afirmar que a LP escrita ganha sentido para a criança nas práticas interacionais de contextos de oralidade e letramento, estabelecidos nos jogos de contar. Isso ocorre quando o adulto brinca com a criança, lendo para ela, nos “jogos de faz-de-conta”, na maneira de ler e escrever da própria criança. Tais práticas levam-na a construir uma relação com a escrita como prática discursiva e como objeto de conhecimento. Nesse sentido, De Lemos (1998) afirma “Ele vai reconhecer o ato de ler como um outro modo de falar e que o objeto portador de texto se torna mediador de um outro tipo de relação com o mundo e com o Outro”. Essa afirmação pode ser também aplicada para surdos.

A escola introduz, na maioria das vezes, um modelo único de texto com estruturação direcionada para regras gramaticais de uma única variante do português, tornando a escrita reduzida e descaracterizada de sentido par a o surdo.

Em vez disso, ela deveria ter um papel importante na vida desse sujeito, por ser um veículo que permitiria uma melhor integração junto à comunidade ouvinte majoritária;

ao passo que, ao ocupar outro lugar, passa a ser percebida como um fator de

discriminação e rejeição pelos próprios surdos. Eles se julgam despreparados e

incompetentes para utilizar a língua portuguesa oral ou escrita por não conseguirem

alcançar o modelo supostamente ideal fornecido pelas escolas e pela sociedade em

geral (KARNOPP; PEREIRA, 2004).

(36)

1.2 – PROCURANDO COMPREENDER O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM EM CRIANÇAS SURDAS

A tendência principal da educação brasileira em relação aos surdos dentro da proposta bilíngüe concebe o desenvolvimento lingüístico baseando-se em técnicas de ensino de primeira e segunda línguas. Nesse sentido, devem ser levadas em consideração as habilidades interativas e cognitivas que deveriam ter sido adquiridas

pelas crianças surdas diante das suas experiências naturais com a LIBRAS, para que ocorra esse desenvolvimento.

Na década de 80, todos os surdos recebiam na escola a educação lingüística baseada no aprendizado da LP oral, sem opção da LIBRAS. Essa visão oralista, de acordo com Salles et al (2004), priorizava o ensino da fala como centralidade do ensino pedagógico. A metodologia era pautada no ensino de palavras e tais atitudes respaldavam-se na alegação de que o surdo tinha dificuldades de abstração.

Aprender a falar tinha um peso bem maior do que aprender a ler e escrever. As conseqüências dessa filosofia educacional, o oralismo, podem ser observadas por meio dos resultados de pesquisas que mostram o fracasso acadêmico em que o surdo se inscreveu.

No nosso país, é constatado, ainda segundo os autores acima mencionados, que a grande maioria dos surdos submetidos ao processo de oralização não fala bem, utiliza pouco a leitura orofacial, e não participa com naturalidade da interação verbal, demonstrando haver uma discrepância entre os objetivos do método oral e os ganhos reais que ele determina. Apenas uma pequena parcela deles apresenta habilidade de expressão e recepção verbal razoável/boa. Essa realidade é resultado de uma gama complexa de representações sociais, sejam históricas, culturais, lingüísticas, políticas, respaldadas em concepções equivocadas que reforçam práticas,

nas quais o surdo é condicionado a superar a deficiência, buscando tornarem-se iguais aos demais.

Embora as pesquisas demonstrem que a Língua de Sinais Brasileira tenha estatuto lingüístico e seja adquirida sem dificuldade por crianças surdas, filhas de pais surdos ou ouvintes, só mais recentemente vem sendo usada de forma ampla, na

educação do surdo.

(37)

Decorre desse conjunto de questões já descritas o fato de os surdos não terem experiências lingüísticas ricas em língua portuguesa e nem na de sinais e

acabam por adquirir a LP escrita de maneira insatisfatória, trazendo para esta última aspectos característicos da língua de sinais, além das inadequações lingüísticas vivenciadas na língua oral, mas que recentemente foram explicados por Quadros e Schmiedt (2006) como estágios de interlíngua

2

. Desse modo, podemos acrescentar que as dificuldades dos surdos em lidar com a escrita advêm não só da perda

auditiva, mas também da interferência não potencializadora do contexto educacional.

Assim, na atualidade, é muito comum nos depararmos com a afirmação de diversos autores, tais como, Dorziat (1999), Lacerda (2000) e Pereira (2000), indicando que a educação de surdos é um problema inquietante pelas dificuldades que impõe, e pela ação pouco eficiente das políticas públicas.

1.2.1. As perspectivas atuais na educação do surdo

O projeto educacional para surdos ignorou por anos a viabilidade de qualquer interlocução entre atores pedagógicos. A imposição de uma normativa oral, como a única possível, conforme mostra a história da escolarização do surdo, desconsiderou a língua dessa comunidade em prol de uma artificialidade, ou seja, da tão desejada normalização. A aprendizagem da língua escrita é claro, sofreu e ainda sofre até hoje os reflexos dessa imposição (GIORDANI, 2004).

De acordo com Dorziat, (1999, p.31), este:

Ensino tradicional procurava enfocar esses saberes de forma neutra e

imparcial e via a escola como lugar de transmissão de conhecimento estático, isento de qualquer julgamento de valores (como se isso fosse

possível!), contribuiu para um certo distanciamento e preconceito, frente a quem reivindicasse uma maior atenção a eles. Não eram considerados alguns pontos básicos, especialmente, sobre a importância da superação de conhecimentos espontâneos, para a aquisição de conhecimentos científicos que influenciam sobremaneira a forma de pensar, e contribuem para o que Vygotsky (1982) chama de formação de estruturas superiores do pensamento.

2 Sistema de transição criado pelo aprendiz, ao longo de seu processo de assimilação de uma língua estrangeira. É a linguagem produzida por um falante não nativo a partir do início do aprendizado, caracterizada pela interferência da língua materna, até o aprendiz ter alcançado seu teto na língua estrangeira, ou seja, seu potencial máximo de aprendizado.

(38)

Isso vem corroborar inúmeras investigações que têm se preocupado em apontar a língua de sinais como o instrumento de mediação mais forte para facilitar o acesso à língua escrita (HOCEVAR, CASTILHA, DUHART, 1999).

Por outro lado, vários estudos citados por Botelho (1998) sobre a escrita do surdo mostram que as crianças em contato com a língua de sinais desde a infância tendem a obter um desempenho melhor em todas as áreas acadêmicas do que aquelas que não a tiveram em seus primeiros cinco anos de vida.

A inserção do surdo na modalidade escrita é dever da escola, e o fonoaudiólogo torna-se um coadjuvante nesse processo de construção do conhecimento, contudo, na prática clínica, isso não ocorre por duas fortes razões.

Em primeiro lugar, é grande a quantidade de surdos que procuram atendimento, tornando-se difícil a aquisição e o desenvolvimento da linguagem escrita; em segundo lugar, esse grupo de profissionais opta pelo trabalho com a oralidade, o qual, como vimos, mostrou-se incipiente diante do desenvolvimento que conseguiu com surdos.

Sabemos que existe uma lacuna entre a cultura escolar e os processos históricos e sociais vividos pelos sujeitos surdos. Segundo Giordani (2004), o acesso à língua de sinais desde o nascimento, a história de vida, as experiências das escolas oralistas, as experiências escolares e as descobertas da identidade são elementos, na grande maioria das vezes, desconsiderados. Dorziat (1999) ratifica nesse sentido ao revelar que essa privação lingüística imposta aos surdos leva-os a ingressar na escola com um pobre cabedal de conhecimento de mundo, se comparados à criança ouvinte. Muitas experiências vividas pela maioria das crianças não são acessíveis à criança surda, assim como algumas particularidades também interferem na análise sobre a questão da função social do ensino.

Na educação de surdos, como já comentamos em uma determinada época, soma-se a imposição de formas de aprender baseadas na cultura oral, na perspectiva do professor ouvinte, tendo como inibidor o fato de professor e aluno não compartilharem a mesma língua.

Nos últimos anos, a partir de tensionamentos da comunidade surda, de

apontamentos das pesquisas em educação e de atitudes de alguns gestores

públicos, escolas de educação de surdos começaram a exigir de seus quadros de

professores conhecimentos em língua de sinais. Apesar de se reconhecer a

importância e a legitimidade desta língua para desenvolvimento do surdo, na

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