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Religião, música e mercado: sobre a relação entre música e religião e a indústria cultural. Manuela Lowenthal 1

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Academic year: 2021

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Religião, música e mercado: sobre a relação entre música e religião e a indústria cultural.

Manuela Lowenthal1

Introdução

A centralidade dos processos religiosos nas sociedades pós-industriais e hipertecnológicas vem se tornando um tema importante no discurso contemporâneo, trazendo, como consequência, novas questões que complexificam a teoria clássica da secularização.

Para desenvolver este estudo, propomos oferecer um ponto de vista de uma nova imaginação religiosa dissociada e distinta da tradicional, que vem apresentando formas e condições de sobrevivência espiritual e religiosa na sociedade contemporânea, de forma a reformular e reconceber a experiência religiosa na modernidade. A partir disto, será proposta de uma reflexão metodológica, além da interpretação do tema específico dessa nova cultura religiosa, a partir da concepção de indústria cultural. Como pano de fundo, temos o debate sempre presente acerca da impossibilidade de se tratar, hoje sobre o “fim da religião”.

A partir desse debate, a pesquisa se volta para a concepção de uma nova forma de experiência religiosa que se realiza através do mercado. Como uma maneira de reação à “secularização”. Há, dessa forma, o debate: a religião, ao entrar na esfera econômica de forma tão intensa e secular, estaria se apropriando do mercado, ou seria o mercado que estaria se apropriando da religião?

Para essa investigação, elegemos a relação entre essa nova cultura religiosa com a cultura do consumo e com a indústria cultural, para mostrar que se trata de uma relação produtora de trânsito religioso que se mostra cada vez mais notável neste período histórico.

1 Graduada em Ciências Sociais pela UNESP-Marília, Mestre em Ciências Sociais pela UNESP-Araraquara,

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1.1 A “secularização da religião”

A partir de 1891, com a publicação da primeira constituição que separa o Estado da igreja, o Brasil passa por uma mudança na qual a religião perde seu monopólio de instituição suprema, sendo transportada da esfera pública para a esfera privada (Berger, 1985), e isso afeta diretamente a vida e a consciência dos religiosos. Tal dissociação se fez no âmbito institucional, porém, a esfera religiosa embora aparente ser uma esfera isolada e independente do organismo social não o é por inteiro, pois a compreensão de suas práticas e discursos está diretamente relacionada à interesses particulares, na qual cria-se um espaço de disputas entre agências religiosas que ofertam bens de salvação. A realidade segunda, propriamente simbólica, na qual chamaremos

aqui de cultura2, não está de forma alguma separada da política.

Embora haja muitas controvérsias e questionamentos na Sociologia da

Religião sobre o processo de secularização3, não há como negar que houve

em algum nível um determinado distanciamento de alguns setores em relação à influência dos símbolos e estrutura dos significados religiosos, e consequentemente, de um enfraquecimento da dominação destas instituições na vida pública, pois, como aponta de forma sensata Antônio Flávio Pierucci

(1998) em seu artigo4, o weberiano conceito de secularização evoca

principalmente a questão da legitimidade da autoridade da igreja, ou seja, há uma grande diferença entre a secularização institucional e a secularização

2 O uso do conceito “cultura” que será utilizado aqui acompanha a concepção da antropologia

cultural americana: cultura como sendo a construção de um mundo humano dotado de sentido, esfera simbólica/ sistema de significados (ferramentas materiais e não materiais de interpretação do mundo), na qual é produzido pelo homem e ao mesmo tempo produz o homem em uma relação dialética. Embora em alguns pontos seja abordada a questão da cultura enquanto instrumento de poder e legitimação, no sentido de uma estrutura estruturante, assim como aponta Marx (1980) e Weber (2006).

3 Como por exemplo, quando Peter Berger em “Religião e Sociedade” (2000), se retrata do que

disse anteriormente em “O Dossel sagrado” (1984) sobre o processo de secularização, afirmando que o mundo após a secularização, houve um processo de dessecularização, pois a religião não só permanece atual, como está cada vez mais forte, pois não houve uma secularização individual e somente institucional. Ou quando Antônio Flávio Pierucci aborda que não houve secularização nos países do terceiro mundo.

4 “Secularização em Max Weber: Da contemporânea serventia de voltarmos a acessar aquele

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individual. E, o que ocorreu de forma inusitada para alguns autores ansiosos pelo fim da religião, foi uma “revanche do sagrado” (Kepel, 1991).

Pierucci, neste artigo, aponta que, é necessária uma Sociologia pós weberiana, pois, embora a “pós modernidade” (ou crise globalizada da modernidade) tenha “racionalizado e desencantado” (Weber, 2006) o mundo, a religião permanece extremamente presente na vida cotidiana dos indivíduos, porém, se mantém hoje em outro patamar de funcionalidade, agindo mais como uma terapia subjetiva e não mais como monopólio que justifica todas as coisas existentes no mundo. O que ocorreu, principalmente nos países do terceiro mundo (Negrão, 1994), foi uma mudança em relação à concepção do que é religioso e sagrado, e principalmente a forma como se experiência a religião e a religiosidade na sociedade contemporânea. A igreja católica, diante de um monopólio, era vista como sinônimo da ideia de religião no Ocidente, porém, essa noção mudou e hoje podemos acessar um amplo leque de possibilidades de religiões que diversificam sua manifestação do sagrado.

De toda forma, há sempre a necessidade de se debruçar em um caso específico para obter uma compreensão com certo rigor científico mais adequado ou próximo disto. O Brasil exige uma análise extremamente particular e minuciosa de suas manifestações religiosas, pois sua constituição ocorreu diferentemente de qualquer outro país, embora se assemelhe em alguns pontos à realidade da América do Sul de uma forma geral. Para analisar o fenômeno religioso brasileiro, é necessário principalmente considerar o contexto da formação de seu campo. Isso implica em considerar o processo que entre os períodos colonial e imperial resultou na formação de um sistema de crenças, práticas e símbolos que constitui um repertório básico do campo. Em relação à vida pública em contraposição a uma religiosidade da vida privada, formou-se um sistema cultural de crenças extremamente individualizadas. Como nos demonstra Arnaldo Huff Júnior em seu artigo sobre trânsito religioso:

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Igreja e Estado, na entrada do período republicano, a religião não foi simplesmente relegada à esfera privada como aconteceu em processos de modernização na Europa. Como bem sublinhou Paula Montero (2006) a partir de Habermas, feita não é entre esfera estatal e Igreja, mas sim entre uma esfera pública do Estado, uma esfera privada da sociedade e uma esfera burguesa ou sociedade civil.” (HUFF, Arnaldo. 2009).

Isto, associado ao fato de que a identidade brasileira se desenvolveu em meio a negligencia de órgãos públicos, crises constantes de representatividade políticas e governamentais e o enfraquecimento de ações coletivas, fez a religião crescer e ganhar um determinado caráter de acolhimento social, aparecendo como o único lugar da sociedade na qual há alguma forma de amparo e conforto, sendo assim um espaço que proporciona ao indivíduo deslocado de seu coletivo um sentimento de pertencimento, cujos laços são estabelecidos em meio à turbulenta dinâmica social individualista, fragmentada e fragmentária.

Problemática

É inegável o surgimento de um novo segmento da indústria cultural no Brasil, voltado ao chamado “mercado da fé”, através da comercialização de produtos associados à devoção, concebidos e endereçados aos fiéis e praticantes das religiões hegemônicas no país. A experiência religiosa sempre envolveu a música como um dos seus principais meios simbólicos utilizados para a realização do culto, sendo esta uma manifestação do sagrado.

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A questão da presença da música nos ritos muitas vezes substitui a oração, a reza ou a prece, sendo esta uma forma de diálogo e intercomunicação com o plano sagrado, com uma dimensão superior na qual podemos considerar como sendo a relação com Deus. Em algumas religiões o canto quando realizado em grande número de pessoas, torna-se um mantra na qual traz a consciência para outro nível, promovendo o estado de transe e proporcionando diversos sentimentos que se aproximam da sensação de êxtase.

A musicóloga e psicóloga suíça Maria Spychiger, que atua em Frankfurt afirma:

Música e religião têm a mesma origem. Ambas desencadeiam sentimentos difíceis de definir com palavras que abrangem diversas sensações inexprimíveis, além de ter a capacidade de provocar experiências que ultrapassam o dia a dia. (SPYCHIGER, Maria. 1998)

O poder espiritual da música percorre toda história humana e permanece presente até os dias atuais. Nas religiões xamânicas empregam em seus rituais o toque de tambores ou sons de flauta, assim como nas religiões de matriz africana que muitos instrumentos são considerados sagrados e até mesmo como sendo a própria objetificação de deuses. Entre os povos nativos, a música não serve apenas para diversão, mas também ajuda a entrar em contato com os deuses. A música e a religião estabelecem, portanto, relações íntimas, manifestando uma determinada linguagem própria para expressar o sentimento de religiosidade.

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Para muitos a música tem um valor elevado, nela eles encontram significado e sentido existencial. E alguns até mesmo satisfazem suas necessidades religiosas através do meio da música. (GEMBRIS, Heiner. 1998)

1.2 Música e mercado

Diante de diversos debates que foram centrais nos estudos acerca da relação entre religião, modernidade e sociedade, a questão do fim da religião sempre foi central. Diversos são os autores que se posicionavam a favor do argumento de que, diante do desenvolvimento das sociedades, os indivíduos passariam por um processo de racionalização que extinguiria a religião da vida cotidiana das cidades, tanto o campo da subjetividade, como na dimensão objetiva dos sujeitos.

Esse debate propiciou, no entanto, diversas reflexões extremamente importantes para pensarmos a religião na atualidade. O autor Marcel Gauchet (1985), por exemplo, elaborou uma análise que considera que tal processo preparou o terreno social, as condições sociais, culturais e políticas do próprio fim da religião no mundo moderno. Porém, o que ocorreu não foi o fim da religião, mas a formação de uma sociedade composta por crentes que não são necessariamente organizados pela religião. Gauchet considera como sendo uma “sociedade pós-religião”, na qual a religiosidade é mais importante do que a religião.

Esse processo histórico da religião vem caminhando cada vez mais da esfera pública para a vida privada tem resultado no surgimento de experiências individuais no interior do campo plural do mundo contemporâneo. Nesse sentido, a religião tem se apresentado em outras esferas e se manifestado em uma ampla variedade de atividades humanas, como o mercado de entretenimento e a indústria da cultura.

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dessa cultura religiosa descentralizada com a cultura do consumo e com a cultura popular mostra que se trata de uma relação produtora de um uma nova concepção de religião, na qual está estritamente vinculada ao mercado.

A religião passa a ser alcançada através de experiências emocionais; função que se instala, por sua vez, nas dimensões individuais, mas não necessariamente privadas. Outros domínios da cultura, como, por exemplo, o do entretenimento e o da cultura popular, no universo da cultura de consumo e de massa, têm oferecido muito mais do que as religiões tradicionais ofereciam. Passa a se tornar um produto de distribuição em massa da indústria de cultura. Assim, a religião se torna acessível e atrativa ao grande público. Os lugares religiosos se tornam flexíveis e abertos a muitos tipos e níveis de interpretação e reinterpretações.

Objetivos:

Nesse sentido, a questão que nos norteia nesta pesquisa é a seguinte: diante do intenso e competitivo mercado de bens simbólicos de salvação, na qual a indústria passa a se apropriar, há uma ruptura na relação entre a música e a religião, ou seria a indústria da música gospel mais uma forma de manifestação do sagrado na modernidade?

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Na indústria cultural, tudo possui um valor, até mesmo a imaterialidade da música e do discurso religioso. Mais que fiéis, as igrejas agora investem para ter espectadores e consumidores. É possível observar uma constante submissão das músicas religiosas à indústria cultural, principalmente no que diz respeito às igrejas pentecostais e neopentecostais.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD), em 2012, dos vintes CDs físicos, nacionais e internacionais, mais vendidos, cinco eram de músicas religiosas. Num artigo que analisa a Expocristã, evento destinado à venda de produtos ao público evangélico, Eduardo Paegle considera que “as mercadorias criam vínculos e sinais de pertencimento (...) buscam consumir bens simbólicos que exemplificam a sua pertença à comunidade da fé”. (PAEGLE, 2011, p. 2).

A partir do momento que a música é produzida para a venda e não diretamente para louvar a Deus, temos uma mudança de finalidades, na qual seria alavancada pela indústria cultural, que por sua vez se apropriou dos hábitos incutidos nas práticas religiosas, motivando o consumo de bens culturais associados à devoção.

Assim, é possível perceber através da música, o modo como a indústria cultural interfere sobre o fenômeno religioso e como este se utiliza do mercado para atrair fieis cada vez mais diversos. Não se sabe qual esfera se apropriou primeiramente, mas o que se torna nítido em alguns casos é o quanto as diversas esferas do complexo social estão cada vez mais imersas umas nas outras: o campo religioso se funde com o econômico, que por sua vez se funde com a cultura. A religião, nesse sentido, se fortalece e se apresenta cada vez mais presente no plano do cotidiano.

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O artigo baseia-se em pesquisa bibliográfica e se assenta sobre o pressuposto da atualidade do conceito de indústria cultural. Um segundo momento se constitui pela observação empírica do objeto de estudo na forma de pesquisa de campo, na qual foram feitas diversas visitas à denominações como a Assembléia de Deus, Renascer e Bola de Neve, cujo mercado de bens materiais é extremamente dinâmico e se amplia a cada ano.

A análise se fez por observação participante e etnografia. Considera-se aqui necessária a constante aproximação do universo a que se deseja compreender, sempre com grande atenção às questões subjetivas referentes ao “outro”, ou seja, adentrar no sentido atribuído por aqueles indivíduos que participam de determinada realidade, considerando sempre a identidade, a subjetividade e a história do outro, sem tratar os indivíduos como objetos estáveis e passíveis de análise. A relativização é uma ferramenta importante neste processo, porém, não cabe aqui a ausência de objetivos, uma vez que a pesquisa se pauta em uma hipótese.

Considerações finais

Compreende-se aqui a nova imaginação religiosa como um retorno do sagrado em um contexto onde há um impulso irracional que aconteceria em períodos de crise ou fracassos provisórios da modernidade na realização de seu projeto. São indícios de uma nova imaginação religiosa que busca refazer os “mitos”.

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música, comida, sport e filmes em lugares para a produção de significados, inclusive religiosos. A religião se torna um elemento individual.

Referências Bibliográfica

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PIERUCCI, Antônio Flávio, PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1996.

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SPYCHIGER, Maria. Can music in school give stimulus to other school subjects? In: MUSIC PEDAGOGICAL SYMPOSIUM OF THE MUSIC FAIR,

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Referências

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