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II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: 06 a 08 de outubro de 2010 A MULHER REPRESENTADA NA OBRA DE FONSECA

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A MULHER REPRESENTADA NA OBRA DE FONSECA

GRANJEIRO, Heloiza Brambatti (PG- UNESP/Assis) MORAES, Carlos Eduardo Mendes de (coautor- UNESP/Assis) RESUMO: Antônio da Fonseca Soares, poeta português que viveu no final do século XVII, apresenta a mulher como tema central dos seus 104 romances do manuscrito 2998 da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. A mulher se sobressai nas menções que Fonseca faz aos ofícios, à descrição erótica do corpo, à atitude má, à beleza, ao vitupério. O homem, secundário neste cenário, pode estar relacionado enquanto objeto das ações cantadas por elas, cabendo ao eu lírico a posição de sofredor diante das atitudes e do desprezo que se projetam a partir delas nesta relação.

PALAVRAS-CHAVE: Mulher; representação; século XVII; Fonseca.

1 - Introdução

O poeta português Antonio da Fonseca Soares (1631-1682) é também conhecido pelo nome de Frei Antônio das Chagas, uma vez que adotou este nome quando se converteu para a vida monástica, ingressando para a ordem franciscana, fase da sua vida na qual pregava em todos os lugares de Portugal e, com seu modo inovador de pregar atraiu uma legião de adeptos.

Muitos estudiosos se interessam pela fase religiosa do poeta, pois foi quando escreveu seus sermões, suas cartas aos seguidores e as Cartas Espirituais. Entretanto, nosso objeto de estudo se volta para a temática do documento manuscrito acima mencionado, referente a parte da obra secular do autor.

O corpus do estudo se constitui de 104 romances, no qual, predomina o tema da mulher representada em sua amplitude. Segundo Pontes (1953), Antônio da Fonseca Soares é um exemplo de poeta de seu tempo, pois tanto em sua vida como nas poesias estava em conflito consigo mesmo. Vejamos o trecho abaixo no qual a autora descreve a dualidade da vida de Antônio da Fonseca Soares:

Mas quem foi Antônio da Fonseca Soares? Antônio da Fonseca Soares vem à luz da ribalta, trazido por Frei Antônio das Chagas, que é o próprio Fonseca, ele mesmo, penitente, arrependido, ardente, apostólico, a arrastar as multidões, a quem pregava penitência e mudança de vida, a dirigir na austeridade, na finalidade a uma regra, freiras que por sua virtude eram, naqueles tempos, como oásis em deserto. E, se não fora o autor das Cartas Espirituais, talvez o moço irrequieto, espadachim, esbelto e facundo, versejador inesgotável,

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fazedor de romances e sonetos que o Fonseca era, não tivesse conseguido remover o esquecimento, que o havia de confundir no anonimato, igualando-o tantos contemporâneos seus que, por obras valerosas, se não assinalaram. (PONTES, 1953, p. 6)

Esta é uma visão relativamente parcial aplicada à obra fonsequiana, pois nela não diferem poeta e homem e, possivelmente, outra leitura permita lermos os seus poemas a partir de um ponto de vista mais programático e menos recorrente aos subsídios biográficos do autor, o que procuraremos fazer em alguns momentos ao longo desse trabalho. Primeiramente, cabe demonstrarmos que o contexto dos conflitos não está restrito à vida de Antonio da Fonseca e, consequentemente, não pode permear uma análise contrapondo as duas vertentes da sua obra, justificando tal postura pura e simplesmente por questões pessoais.

2 - Seiscentismo e a Expressão de Conflitos

Este trabalho tem o intuito de tratar sobre a mulher representada na obra de Antônio da Fonseca Soares, poeta português que viveu de 1631 a 1682. Iniciamos por apresentar três conceitos que são essenciais para o entendimento da inserção da obra do poeta em um ambiente do seu tempo. Tratamos aqui de Arte, Engenho e Emulação. Entendamos por Arte a “construção da poesia”, ou a parte que denota o trabalho do poeta na elaboração de sua obra; por Engenho, o gênio do poeta, traduzido pela sua perspicácia diante do catálogo de temas e modelos a sua disposição para a expressão da poesia seiscentista; finalmente Emulação, que consiste na ação de saber se apropriar e procurar melhorar o modelo a ser seguido. Com eles, discutiremos esta expressão de conflitos presente na obra de Antonio da Fonseca Soares.

No Seiscentismo, as manifestações das Belas Letras ocorridas no espaço ibérico, tanto na expressão escrita como em outras artes, representa o reflexo de um período de dubiedade de visões do mundo. Neste momento de crise espiritual na cultura ocidental, o homem se divide entre duas formas de ver o mundo: de um lado o paganismo e o sensualismo do Renascimento e do outro a exaltação religiosa teocêntrica medieval. Sendo o Barroco a arte do conflito, mostram-se evidentes os contrastes entre a fé e a razão, teocentrismo e antropocentrismo, ceticismo e mundanismo, misticismo e sensualismo, céu e terra, alma e corpo, espírito e carne.

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É nesse ambiente que Fonseca compôs os seus romances, tendo como tema central a figura feminina, evidenciando a dualidade entre o sacerdócio e o amor/sensual. Ou seja, Fonseca trata do compromisso com a Igreja, mas também dos sentimentos para com a mulher, representada pela beleza e pelo poder de sedução. Assim, ela é ao mesmo tempo enaltecida e denegrida, já que a alma do eu lírico se encontra em estado de conflito.

Esse conflito está expresso na obra de Fonseca como assunto comum às práticas letradas do século XVII. Em nome do engenho (a criação inspirada) e da arte (o domínio da técnica), os temas da expressão luso-brasileira são tratados em linguagem popular (como é o caso de Fonseca) ou culta (no caso dos letrados que privilegiam a arte), trazidos para a representação sob a marca dos jogos de imagem, dos jogos engenhosos de ideias e de outras construções que privilegiam as oposições como elemento marcante na poética e na prosa, notadamente na oratória.

Dentro desse jogo, as escolhas podem recair sobre os efeitos contrastantes das combinações neve / luz / dentes para expressar o branco, coral / pérola para designar boca, além de outros efeitos de similitude dados pela aproximação perceptível ou nem tanto, chegando, por vezes às oposições, marcadas por conceitos mais amplos, como religião / sensualidade, louvor / vitupério, vícios / bons costumes, etc. nesta última vertente encontramos o caminho temático de Fonseca.

Evidenciam-se assim os conflitos relacionados à relação entre a moral cristã versus o desenvolvimento das ciências, que favorecia ao materialismo; a acepção da religião pagã expressa nos conceitos clássicos expressos pelo ornato da poesia, que se rendia à prescrição de teor clássico, além da atitude amoral, por ambígua, do homem seiscentista. Fonseca, em alguns momentos, recorre também a personagens da mitologia rebaixando-os, entretanto, à condição de figura humana, pecadora e alegórica, fazendo consolidar sua condição católica, mesmo na poesia secular.

2.1 - A Temática Seiscentista e a Temática Fonsequiana

A análise da temática seiscentista na Ibéria é fenômeno europeu expresso em variantes nacionais. O tema da poesia pode ser tratado como uma herança do maneirismo, que apresentava como temática o desengano do mundo, sentimentos de

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fugacidade da vida, beleza da mulher, navio, morte, carpe diem, sensualidade, solidão, sentimento amoroso, padecimento, ausência e etc.

A poesia apresenta uma tendência de captar a realidade e explorá-la, ou seja, os fatos cotidianos são retratados em suas minúcias e expostos pelos artistas. Desta forma eles transferem os elementos do cotidiano para a poesia, modo de demonstrar seu estado de espírito. Como Silva (1971) nos expõe:

[...] com esta tendência, apresenta também a poesia barroca um vigoroso pendor para a captação do real, sobretudo do real quotidiano, analisado e figurado, muitas vezes, com a minudência de uma visão míope. O poeta barroco sente prazer em mergulhar na diversidade do real, nas circunstâncias da vida e do mundo, em recolher traços mais característicos e mais pitorescos, mais sórdidos e mais repulsivos, fazendo deles matéria de criação poética, sem se preocupar com as convenções e os preceitos que dificultassem ou proibissem esse considerável alargamento das fronteiras temáticas da poesia [...] (SILVA, 1971, p.433).

Neste momento o homem passava por conflitos interiores, sendo ora escravo dos gozos terrenos e corporais e ora liberto das servidões e das penitências. E, por isso, não detinham o mesmo olhar do século anterior em relação à vida e buscaram nos engenhos meios de explorar a visão de mundo e de vida através da figuras como a antítese, metáfora, comparação, de modo mais exagerado que os maneiristas, diferenciando assim, sua escrita que apresentava um tom mais realista diante dos fatos triviais e cotidianos como demonstra o fragmento abaixo:

[...] ocorre com freqüência um circunstancialismo temático que, em nosso entender, promana não só da tendência realística daquela poesia, mas também da convicção de que a natureza do tema escolhido é relativamente irrelevante, pois o que fundamentalmente importa é o surpreendente e embriagador jogo conceituoso, metafórico e paradoxal que o engenho poderá tecer, tomando como pretexto aquele tema. Realismo e irrealismo conjugam-se e fundem-se continuamente na arte barroca (...) aparecem numerosos poemas inspirados por factos triviais e por episódios da vida quotidiana [...] (SILVA, 1971, p. 438).

Entre os diversos temas relacionados para a poesia, os que nos chamam a atenção são o amor e a mulher, temas universais tratados modo específico, criando outra faceta destes temas até então pouco discutidos.

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ISSN 2178-8200 2.2 - A Temática Mulher

A temática da mulher na poesia maneirista aparece geralmente com a figura da Santa Maria Madalena de modo a inspirar motivos de conversão e fidelidade em Jesus por parte dos homens. A figura desta mulher representa um caminho para a salvação e penitências, ao contrário da poesia e pintura seiscentistas que denota a beleza e sensualidade da santa, transcrevendo a vida mundana de Maria Madalena antes de encontrar Jesus Cristo.

A mulher seiscentista é descrita em sua realidade física e social dotada de uma beleza bastante próxima do cotidiano. Caracterizada sem qualquer tipo de privilégios, as imagens costumam ser da costureira, da prostituta, da coxa, da muda, da pedinte, das fiandeiras, das pastoras, das lavadeiras, das fiandeiras, das vendedoras de frutas, etc. Esta característica realista dos poetas de representar as mulheres de uma condição menos favorecida no seu cotidiano e em seus afazeres, faz com que ocorra um movimento contrário às mulheres cantadas por Petrarca, pois as figuras femininas já não são mais idealizadas. Figuram como símbolo de uma realidade em que há uma mistura de raças e povos de diversos países.

Essa faceta realista do seiscentismo apresenta uma aproximação com o burlesco, com o satírico e com o cômico, pois as figuras representadas ganham um novo formato, indo contra os preceitos petrarquista e contra outras expressões realistas, uma vez que os poetas seiscentistas utilizam de uma temática universal para expressar a sua maneira chã de ver o mundo e as coisas no mundo. Silva expõe:

O que verdadeiramente novo, porém, nestes retratos, é o aparecimento de elementos realistas que vêm alterar o carácter ideal, aristocraticamente depurado e artificioso, do retrato petrarquista. O poeta barroco vê pormenorizadamente a mulher, na sua fisionomia e no seu corpo, e, numa atitude em que se conjugam realismo e erotismo, exalta partes corporais até então esquecidas, desprezadas ou pudicamente não mencionadas: o nariz, o queixo, os seios, a cintura, os pés, as pernas […] (SILVA, 1971, p.435).

O erotismo é outra faceta que está intimamente ligada à figura feminina na poesia seiscentista por meio das metáforas e comparações que descrevem o corpo da mulher como fonte de prazer e desejo:

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A mulher que deixa de ser conceituada como um ser idealizado e aristocraticamente distante, passando a ser vista como um ser de carne e osso, sedutora e apetecível na sua carnalidade; o amor considerado prevalentemente como gozo dos sentidos […] (IBIDEM, 1971, p.463).

Embora não seja o centro de nossas discussões, a mulher em diversas oportunidades, nos romances do ms. 2998, apresentam-se como o centro dessa situação, colocando o eu lírico na condição de admirador e de sofredor, pois associado a esse erotismo figuram qualificações que provocarão o desenvolvimento dos jogos de palavras antitéticas, paradoxais ou de imagens contraditórias em seus poemas.

2.3 - O Predomínio da Mulher na Obra de Fonseca

Tendo em vista a obra de Fonseca, notamos que a mulher e o amor são dominantes, embora se sobressaia a figura feminina, se retoma em um grande número de romances e, geralmente aqueles que tratam do amor fazem referências à mulher, como pivô da desilusão amorosa, do sofrimento amoroso, do amor não correspondido, da ausência da amada ou do amor impossível. Os ofícios das mulheres, a descrição erótica do corpo, a atitude má, a beleza, o vitupério estão no cerne desses poemas atribuídos a diversos nomes do mundo cotidiano, do universo pastorial ou do universo mitológico.

Os nomes de mulheres comuns e das mulheres mitológicas, assim os vocativos são várias vezes empregados nos diversos romances composto por Fonseca. Entre eles figuram Anna, Filis, Antoninha, Madalena, Izabel, Tisbe, Mariana, Clarinha, Nize, Maria, Francelisa, Amarílis, Josephina, Teresa, Belize, Leanor, Maricota, Francisca, Lize, ao lado dos nomes mitológicos, como Vênus, Ninfa, Clori, Atenas, Délia, Cíntia, Diana, Dafne, Parcas.

A presença de vocativos também se faz para enfatizar a predominância feminina na obra: ai prima, ai amores dos meus olhos, marquesa de sete rios, minha flor, belo e adorado feitiço, meus amores, santinha, querida prenda, menina da minha vida, minha amante.

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Com relação aos ofícios praticados pelas mulheres, encontramos a costureira, padeira, lavadeira, vendedora de frutas e fiandeiras, também várias vezes repetidos nos diversos poemas.

Embora Fonseca tenha escrito sobre diversos temas como aniversário, doença, carta de amor, erotismo, ciúmes, vitupério etc., todos os temas colocam a figura da mulher em primeiro plano e, às vezes, o homem pode estar relacionado a eles, mas sempre mantendo-se o foco na figura feminina. Dentre esses homens, o mais passivo é o eu lírico, o qual está sempre em posição de sofrimento nas composições.

Sobre esta constituição do universo das mulheres de Fonseca, trataremos rapidamente a seguir.

3 - As Mulheres da Obra Fonsequiana

Aqui apresentaremos alguns trechos da obra que tratam da figura feminina sob vários aspectos. A mulher é tratada por Fonseca predominantemente em tom descritivo e narrativo.

Comecemos pela beleza. Em termos estruturais, predominam neste subtema as comparações, assim como as alusões à mitologia, que auxiliam no ornato e na alegorização dos atributos de beleza da mulher. No trecho do romance 63, demonstramos a beleza fugaz, ofuscada pelo mau gênio. A imagem se consolida pela alusão à efemeridade da nuvem, submissa e associada à imagem agressiva do raio:

Enfim Clori nesses raios Não negueis mais a evidência Não é bem que uma nuvem Mais que uma vida mereça

(SOARES, Ms.2998, romance 63, v. 29-32, grifo nosso)

O erotismo é um subtema rico na poesia de Fonseca, realiza-se de diversas maneiras. Predominantemente, faz-se pela narração, outras vezes pela descrição e algumas vezes pelo diálogo, que o eu lírico estabelece com a mulher.

Nesse conjunto de possibilidades, predomina o universo das mulheres de origem popular, como marca da relação entre materialidade (em oposição à idealização da mulher) e cotidiano:

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ISSN 2178-8200 Mas de querer-me matar-me Quem não fará conjecturas Se dardes esta bainha Foi por ter a espada nua

(SOARES, Ms.2998, romance 46, v. 21-24, grifo nosso)

O jogo da sensualidade se marca pelo confronto das ações de dar a bainha (do lat. „vagina‟), diante da espada nua (alusão não relacionada à etimologia, mas diretamente associável ao falo, principalmente pelo adjetivo relacionado à nudez).

Ou ainda em:

Destoucai essa toalha Os alfinetes desprego

Postos em nuvem me abracem Os raios desse cabelo

(IBIDEM, romance 18, v. 45-48, grifo nosso)

Neste segundo exemplo, a exploração dos semas relacionados à sensualidade está posta em dois eixos distintos. O primeiro, pela imagem suscitada pelo imperativo destoucai essa toalha, ao lado do qual o presente do indicativo retorna a ação para o eu lírico, tornando-a paciente e sujeita a duas incursões sugestivamente fálicas alfinete e prego.

Outro uso recorrente é o vocativo, presente como exemplo nos romances 22 e 28, nos quais notamos a mulher sendo descrita:

Clarinha da minha vida que junto da ponte lava Levando todas as vidas dos que mata as maos Lauadas

(IBIDEM, romance 22, v.1-4, grifo nosso) Es Izabel muito Linda

mas porem muyto avarenta pois estimas tanto o ouro que trazes nessa cabessa

(SOARES, Ms.2998, romance 28, v. 5-8, grifo nosso)

O ofício das mulheres também se faz largamente presente na obra de Fonseca, e as descrições geralmente são feitas aos tipos populares consagrados em seus romances. Nesses romances, composições de caráter popular que tratam de temas “leves”, Fonseca explora as imagens das mulheres, algumas vezes em comparação com suas atitudes:

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ISSN 2178-8200 De quando em quando na pedra A esfrega e pouco lhe basta Que a cachopa é desdenhosa Esfrega em quatro palavras Na mesma pedra batendo E quando batendo estava Em que na pedra batesse Parece que bata n’alma

(IBIDEM, romance 22, v. 29-36, grifo nosso)

Esfregar e bater na pedra supõe a ação da lavadeira, à qual junta-se a rudeza da atitude, com a similitude que se estabelece entre bater na pedra e bater na alma. Este é um exemplo bastante corriqueiro da expressão do sofrimento amoroso, que pode estar expresso em outras situações.

Em termos de expressão do sofrimento amoroso, Fonseca explora todos os recursos retóricos e poéticos tratados nos subtemas anteriores, nos quais exemplificamos as construções que mais se relacionam com uma expressão seiscentista, também por intermédio da exploração das figuras de pensamento e expressão:

Se acabar cruel com uma alma É Senhora nosso intento Sem malograres as flechas

Conseguireis os intentos (IBIDEM, romance 96, v. 16-20, grifo nosso)

A flecha, enquanto objeto de ataque (aqui menos o símbolo fálico) tende a atingir o corpo. No entanto, numa relação de metonímia, atinge a alma, pois o sofrimento está além da dor física, situado no âmbito do espírito e, consequentemente, não importa o que venha a sofrer a parte física.

Em última instância, as menções a personagens pastoris e mitológicas figuram como forma de demonstração de que, apesar da opção pela linguagem popular, Fonseca se insere no meio letrado e conhece os elementos e os lugares de demonstração de sua erudição, expressando-se na linguagem de conhecimento da antiguidade clássica:

Já pois que és Dáfne no esquivo E és Anaxarte no isento

Como Ífis, como Apolo

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(SOARES, Ms. 2998, romance 60, v. 49-52, grifo nosso)

4 - Conclusão

Estes são alguns dos trechos dos 104 romances analisados em pesquisa mais ampla sobre a poesia de Antônio da Fonseca Soares. O objeto da pesquisa é a mulher, representada em sua amplitude. Fonseca é um poeta que explora diversas possibilidades de expressão para a figura feminina, mostrando como sob o ponto de vista dessa poética a mulher é tratada nas obras literárias. Utiliza-se do vocativo, das figuras de linguagem, e dos temas triviais e etc., para explorar de maneira retórica e poética esse tema apropriando-se dos catálogos de usos na poesia seiscentista, para atualizá-los na constituição do seu repertório, por intermédio do engenho, da arte e da emulação, em sua obra.

Referências

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