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Tinoco, Luís; Silva, Pedro; Brito, Matilde Crescente Branco: Associação Cultural e Recreativa. URI:

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Academic year: 2021

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Um sonhador não solitário

Autor(es): Tinoco, Luís; Silva, Pedro; Brito, Matilde

Publicado por: Crescente Branco: Associação Cultural e Recreativa URL

persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/37345

Accessed : 5-Nov-2021 10:56:54

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delphica

letras & artes

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letras & artes

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númerodois 2014

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LUÍS TINOCO

compositor

UM SONHADOR NÃO SOLITÁRIO

Entrevistado por Pedro Silva

Confrontado, desde cedo, com os mais exigentes estudos que a arte da composição dele exigia, Luís Tinoco (1969, Lisboa) combina uma actividade multifacetada, a de compositor com a do ensino e a de programador e divulgador musical. Nascido no seio de uma família de artistas, que em muito contribuíram para aperfeiçoar e desenvolver a tríade artística (som, pintura e poesia), reconhece o músico que, mesmo antes de se pensar compositor, já a composição se havia tornado razão de ser de um devir que dele viria a fazer intérprete; e, da sua música, singularidade.

Recusando o epíteto de compositor surrealista é no entanto alguém muito familiarizado com o Non Sense, conforme se pode verificar na colaboração estreita com Terry Jones. Propulsor de uma liberdade artística em toda a sua plenitude, estamos perante um compositor “fundamentalmente harmónico de acordes, vertical, delineando subtis curvas de mobilidade e texturas” (Público, Seabra, 2005).

Fotografia de Nuno Ferreira Santos

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Como compositor assume-se dentro da tradição oral, fiel partidário da genealogia da música, manifestando uma admiração pelo burlesco e sátira, recorrendo ao elemento do humor como um componente com o qual se identifica. O som é para si uma a entidade abstracta revendo-se na exploração de timbres pela presença de componentes paisagísticos e visuais.

Autor de vários trabalhos para música de cena, pode acentuar-se a

transversalidade da sua obra no que respeita ao género. Autor de cantata Os Passeios do Sonhador Solitário (2008) com texto de Almeida Faria; da ópera Stephen Plaice e Paint Me (2010); Antípoda (2000) Invenção sobre Paisagem (2001) para 15 músicos, Round Time (2002) para orquestra. Com uma estreia recente no domínio do bailado, Lídia (2014) constituiu, assim, o seu mais recentre trabalho artístico, incontornável contributo do que poderão ser a confirmação, e dinâmica, do ecletismo frenético que caracteriza o seu modo de pensar e harmonizar-se com a composição, marca, em última instância, do seu carácter criador e linhagem estética.

Sofia de Sousa Vieira

Delphica – Como é que te defines enquanto compositor? Há algum estilo ou compositor marcante e influente com a tua obra?

luís Tinoco – Como compositor defino-me e insiro-me na música de tradição escrita.

Portanto se nós quisermos separar aquilo que é a música de cariz popular daquilo que é a música erudita, um dos critérios que podemos utilizar para fazer essa separação é que uma é de tradição oral, vive muito da memória, da prática e não necessariamente da escrita, enquanto a música erudita, tal como tu e eu a conhecemos, vem dessa prática de séculos de notação, da orquestração, da instrumentação, etc. Eu como compositor insiro-me nessa tradição, nessa linhagem, seguindo um pensamento da genealogia da música. E, portanto, se eu pensar só nessa prática e nesse contexto em que eu me insiro, podia dar uma resposta mais curta em relação aquilo que são as

minhas influências musicais. No entanto a minha formação como músico não está exclusivamente dentro dessa linhagem a que fiz referência, porquê? Porque por um lado no meu contexto familiar eu tive uma forte influência da música erudita, porque a minha avó [Maria Carlota Tinoco] era concertista, discípula do Maestro Vianna da Motta, foi com ela que eu comecei aprender…

(…)Os meus avós viviam em Leiria, o meu avô era o Reitor do Liceu de Leiria e a minha avó era professora de piano e concertista – gravava com a orquestra da Emissora Nacional – e eles organizavam os Concertos das Horas de Arte que eram inclusivamente transmitidos pela Emissora Nacional. Então, por casa dos meus avós passavam músicos que lá tocavam, como por ex. Guilhermina Suggia. A minha avó era pianista do repertório clássico, essencialmente

romântico, ela era obviamente da linhagem romântica… [já que estamos a falar da

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genealogia, Vianna da Motta…]. Eu ouvia em miúdo a minha avó a tocar Liszt, Chopin, esse era o repertório de excelência de uma pessoa com esse tipo de formação que ela possuia. Quando era miúdo, não podia dizer que fosse aluno de piano da minha avó, mas era ela a pessoa que me orientava e estimulava o gosto pelo estudo da música e que tentava contrariar a minha preguiça. Por outro lado o meu pai, sendo academicamente formado nas artes visuais (arquiteto, pintor), foi músico amador durante muitos anos, ainda hoje é músico, escreve canções, fez música para teatro, fez música para cinema.

Pertenceu à primeira geração de músicos do Hot Clube de Portugal – estamos a falar no final dos anos 50, toda essa geração,já que na altura ainda não havia jazz profissional em Portugal. Foram os primeiros, os pioneiros que se encontravam na cave do Hot Clube a “tirar” temas de ouvido, a fazer os seus standards, a fazer os seus temas da época e, então, este elemento da música, o jazz, esteve sempre muito presente na minha família e na minha formação como ouvinte porque realmente, por um lado, ouvia repertório erudito, ia com a minha avó ouvir os concertos do Concurso Vianna da Motta, em miúdo em lembro-me de ir com ela à Aula Magna ouvir vários desses concertos; e depois em casa às vezes tinha jam sessions, músicos que passavam por lá e tocavam…

O meu pai depois também começou a escrever fados com vários cantores portugueses, maioritariamente para o Carlos do Carmo.

A partir de que idade tens essas recordações?

Eu não consigo precisamente determiná- las numa idade… Eu queria ter estudado cinema, quando terminei o ensino

secundário, ingressei no curso da Escola Superior de Teatro e Cinema, que era o que eu queria fazer. A música estava lá porque fazia parte do dia-a-dia da minha família, não é que eu quisesse ser músico, mas como estava lá… por ex. o meu pai quando eu e o meu irmão éramos miúdos lia-nos histórias, como todos os pais fazem, mas no nosso caso, fazia-o ao piano. E tocávamos também, fazíamos improvisações ao piano com o meu pai nos acompanhamentos. Na realidade a minha primeira influência musical é seguramente do meu pai. Percebo agora a importância de tudo isto, porque quando ele fazia acompanhamentos, sequências harmónicas e eu com um ou dois dedos tentava pôr as notas certas em cima dos acordes, julgo que não seria seguramente a sua intenção de influenciar-me para uma carreira na música, mas a consequência dessa prática foi que desde muito miúdo comecei a querer experimentar juntar sons, quanto mais não seja por uma questão lúdica, se esta nota calha bem ou não, calha bem naquele acompanhamento ou acorde que ele está a fazer. E o tipo de linguagem harmónica que o meu pai utilizava nesse tipo de brincadeiras que fazia connosco era muito jazzístico, porque ele era uma pianista de jazz, portanto o universo da música jazz foi uma influência fortíssima na minha formação como músico, apesar de eu nunca ter sido músico de jazz nem ter querido ser músico de jazz. Mas é um género musical que eu sempre ouvi e consumi na mesma proporção em que ouvi a música erudita.

E consideras-te com mais influências de um género do que de outro?

Não consigo dizer que ouvi mais uma coisa ou outra (…) Posso dizer que ouvi muito pouca música rock, a música rock

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era um género musical que me passava completamente ao lado quando era miúdo, portanto eu era um bocado o freak da turma, o nerd, aquele que ouve aquelas músicas estranhas (…) O que eu verdadeiramente gostava era da música jazz e da música erudita, era o que me verdadeiramente emocionava naquela altura,que é importantíssimo, porque nós estamos a formar a nossa maneira de ouvir e de sentir a música. As minhas grandes paixões na área da música erudita eram Bach, Mozart … Ainda sentes que o teu trabalho tem alguma influência desses compositores?

Ou por outro lado é só uma influência moral?

O Bach é um compositor que eu acho que é intemporal e é um compositor ao qual eu regresso sempre. Em todo o caso, eu não faço um tipo de música em que procure, por ex. fazer citações ou pastiches de outros períodos ou outros compositores.

Já fiz, já recorri à citação e à colagem em contextos muito específicos, por ex. música de cena, na música operática que, por causa de um personagem ou de uma situação, a música exige uma citação. Agora na música puramente abstracta, sem qualquer tipo de programa,eu querer associar-me à música de outros compositores e de outros períodos é uma coisa que não me interessa! Não estou a criticar quem o faz, mas não é algo que me preocupe ou que me interesse. No entanto, posso pensar por ex. na Cantata que fiz com o texto de Almeida Faria, “Os passeios do sonhador solitário”, tem uma passagem na secção final que é uma espécie de um coral muito influenciado por Bach. Apesar do resultado esteticamente não ser de todo uma abordagem ou uma aproximação à música do Barroco, de todo. Mas portanto, dos

clássicos o que acontecia… principalmente a música que me emocionava, ainda hoje acho que é assim, era a música do Barroco, Bach principalmente, Haendel…

Barroco e Bach são coisas diferentes…

O Bach são várias coisas, mas estou a falar de nomes como Bach e Haendel principalmente. E depois Mozart, claro, que é a figura genial que todos nós sabemos, mas havia ali um salto, eu saltava o

romantismo… Posso dizer que é um período da história da música que eu admiro, sem qualquer tipo de reserva, com obras absolutamente maravilhosas, mas a minha escuta e a minha preferência vai mais para a música pós: (ex.) Scriabin, Chopin, Debussy, Ravel...

…para Paris de início do século XX portanto…saltas 100 anos…

e para a Rússia e para os países de leste, para Stravinsky, Bartók…

Reparo que o Romântismo não é uma era à qual concedas grande importância…

Engraçado, não tenho de facto! Mesmo na música do começo do século XX, há obras que eu acho absolutamente maravilhosas de compositores da tradição austro-germânica, Wagner, Mahler, Richard Strauss (…) tudo isso é absolutamente maravilhoso e genial e deixa-me com pele de galinha, mas quando me pedem que nomeie “um compositor do começo do século XX”, eu penso logo imediatamentenum Stravinsky ou num Bartók, porque esses eram realmente aqueles que mais me marcaram. Depois,com o tempo e com os anos, obviamente fui aprendendo a ouvir os outros e hoje fico com pele de

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galinha quando oiço a outra música, mas não a posso citar como tendo sido a música que esteve na minha génese, na minha formação como músico.

És então um compositor mais ligado a Paris que a Viena.

Mais Parisiense…

Eu tenho uma ginástica incrível, consigo ter um pé em Paris e outro em São Petersburgo (…). É muito esse lado húngaro, russo e francês que marcou muito a minha escuta.

Estás mais ligado à evolução parisiense do carácter musical, por seres contrário ao serialismo, será isso?

Contrário ao serialismo é demasiado! É lógico que eu não comecei logo a ouvir um Schönberg ou um Webern, hoje ouço-os de outra forma e dou o valor que na altura não consegui dar, porque não me emocionava da mesma forma. Exceção sendo claro do serialismo de Alban Berg por razões óbvias, porque Alban Berg também é o mais lírico do trio. Mas existem outros compositores fora do trio, como Luigi Dallapiccola. Há portanto uma capacidade que depois nós vamos tendo de olhar para mais direções e sair daquelas conchas em que nos enfiamos quando somos mais miúdos, este é o meu clube, esta é a minha facção… a partir de uma certa altura e principalmente o século XX, é um século de divergência, divergência no sentido não de conflito, mas de separação de caminhos que deixaram a partir de certa altura de ser incompatíveis. Nós podemos hoje em dia assumir que, enquanto autores/

criadores, podemos olhar para Schönberg, para um Debussy ou para um Stravinsky;

quer dizer já não estamos num período em que o conflito Viena-Paris seja de todo

relevante, para mim não é! É uma questão em que não perco 5 minutos a sofrer com ela. Depois, para completar o raciocínio em relação às influências, pegando na outra metade, os músicos que me emocionavam e os discos que eu comprava eram os discos dos grandes pianistas do jazz, que por sua vez também eram pianistas muito influenciados pela música erudita, como o Herbie Hancock, Bill Evans, o Keith Jarrett - que era e ainda é o meu grande ídolo da música jazz! Na altura em que eu deixei de estudar cinema, interrompi, nem sequer cheguei acabar o primeiro ano, não sabia o que ia fazer em termos profissionais e resolvi desistir do curso e houve ali um período em que passei a ter aulas de piano com o Mário Laginha. Não eram propriamente umas aulas de jazz, eram uma espécie de aulas de composição, de piano, de jazz, fazíamos um bocadinho aquilo que queríamos. Eu ia até casa dele de 15 em 15 dias, durante quase 2 anos. Foi um período muito intenso, foi provavelmente a altura da minha vida em que eu mais toquei! Lembro-me na altura de pensar que se tivesse feito isso mais cedo, se calhar, eu talvez tivesse acabado por seguir o caminho do jazz. Esse é o único momento em que eu ponho a dúvida se podia ter seguido uma carreira de músico jazz. O que acontece é que tive vários anos a estudar piano clássico, a fazer muitas vezes repertório de que eu não gostava. Eu era aluno da professora Elisa Lamas que estava sempre a ralhar-me porque eu não estudava. Obviamente eu não estudava, porque detestava estudar a maior parte do repertório, que eu percebo que tem de ser feito, mas que me afastava do piano e fui insistindo, muitas vezes sabendo que era uma batalha perdida. Quando estive aqueles dois anos a trabalhar com o Mário pensei que se essa experiência tivesse acontecido cinco/

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seis anos antes talvez eu tivesse seguido outro caminho. Ou talvez não, porque na verdade uma das coisas que eu sempre quis…eu toco piano para compor, toco piano para escrever música, por uma questão de prazer físico, não toco piano para as outras pessoas ouvirem, não toco à frente das outras pessoas, não tenho essa capacidade.

Portanto, eu não posso dizer que o piano seja o meu instrumento. O instrumento que eu sempre idealizei era a orquestra e mesmo quando eu estava no meu pico de prazer enquanto aluno do Mário Laginha, eu sentia sempre que havia uma componente que a linguagem da música jazz não me conseguia preencher e era essa pesquisa de conseguir escrever para os outros e nomeadamente para formações orquestrais, sempre adorei a orquestra! Uma das razões por que eu ingressei no Curso Superior de Composição não foi propriamente para aprender a compor. Eu já entrei tarde, acho que quando entrei para o curso de composição eu já era compositor. Digo isto sem qualquer tipo de arrogância, mas ainda hoje, há pouco tempo, reciclei e utilizei peças minhas que realizei antes de entrar no curso de composição.

Porém, entrei num estado em que eu já compunha mas não sabia, por exemplo, escrever para outros instrumentos, não sabia desenvolver um discurso musical por mais do que3, 4, 5 minutos; eu senti a lacuna da grande forma e a lacuna da escrita para outros que não fosse o meu instrumento que era o piano. É por isso que acabo por entrar para o curso de composição e depois, quando entrei, foi um ponto sem retorno, a partir do momento em que me envolvi nos estudos de composição, aí percebi que sim, que talvez o meu percurso profissional ia passar por escrever música de concerto para os outros, que é o que eu tenho feito na maioria.

Qual é que tu achas que é o papel da cultura na escrita musical?

Cultura é tudo o que nos rodeia e nesse sentido, tudo aquilo que nós respiramos.

Aquilo que vemos nos noticiários e que nos afeta no nosso dia-a-dia tem óbvias consequências naquilo que somos quando nos envolvemos no processo criativo. E nesse sentido eu não diria, não poria as coisas no sentido de qual é a importância da cultura eu acho que a questão é mais até que ponto a conseguimos contornar. Penso que não conseguimos porque ela está lá sempre, nós podemos imaginar e especular como seria, tentar criar, fazendo reset do nosso cérebro e da nossa vivência.

A cultura neste caso como uma noção de perspetiva…

A perspetiva no singular eu acho que não existe. Nós estamos constantemente a ser estimulados em todas as frentes, depois enquanto criadores/autores de algo que não existe e tem de ser criado, podemos tentar refugiarmo-nos mais, escondermo-nos e evitar aquilo que nos rodeia ou podemos numa razão inversa, tentar que a nossa criação seja uma expressão constante de tudo aquilo que nos rodeia. Eu acho que as duas atitudes/abordagens são legítimas. Não estou a fazer apologia de uma em detrimento da outra.

Consideras importante a transversalidade entre as artes. De que forma essa mesma transversalidade pode influenciar o desenvolvimento musical.

Era aí que eu ia chegar. (….) Eu acho que, como dizia há pouco, as duas atitudes são legítimas, para além dessas que eu defini:

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uma como fuga - ao que nos rodeia - e outra como a expressão daquilo que nos rodeia. Acho que ainda existem outras, são outras que estão no meio caminho, porque as coisas não são a preto e branco. Até mais, acho que é legítimo um autor, numa obra fazer desse trabalho um escape da realidade que o rodeia e na obra seguinte ser exatamente ao contrário, que essa obra em contraciclo possa ser um manifesto a favor ou contra aquilo que o rodeia, quer dizer…eu acho que uma das riquezas da arte da expressão artística é que é uma área onde existe, ou deve existir a liberdade em toda a sua plenitude. Ao contrário do que acontece noutras vertentes, em arte não aceito que alguém diga que o que é legítimo é isto ou aquilo… A criação, para que seja genuína, tem de ser livre e honesta. Dito isto, em termos genéricos, agora vou focar, obviamente se agora centrarmos mais a cultura naquilo que é a cultura na produção das letras, das artes visuais, do teatro, do cinema, da música, obviamente que tudo isso que nos envolve é importantíssimo naquilo que nós somos como compositores (…) tanto por essa via, porque coabitamos com e porque vemos, porque vamos a exposições e a concertos (...), mas também por aquilo que nós absorvemos e que está à nossa volta quando saímos de casa, apanhamos o metro ou ligamos a televisão. Há coisas que estão constantemente a entrar-nos pelos olhos, pelos ouvidos, que nós não as procuramos e que, quer queiramos quer não, acabam por ter influência na forma que sentimos o ritmo diário do nosso quotidiano. Tudo o que nos rodeia desde a nossa cultura do dia-a-dia, desde as coisas mais básicas, mais prosaicas, às coisas mais sublimes, sejam elas pensamentos filosóficos, espirituais, político, estético, seja o que for…Tudo isso tem óbvias consequências naquilo que

nós fazemos enquanto produtores de algo.

No meu caso eu fui muito influenciado e muito estimulado pelas artes visuais.Para concretizar, como o meu pai também era pintor, o ateliê no meu pai era no sótão por cima do meu quarto, ele trabalhava pela noite dentro (…) de manhã a primeira coisa que eu fazia era subir (…) para ver o que ele tinha estado a pintar durante a noite.

Gostava muito de me sentar e vê-lo a pintar, de ver como uma tela branca ao longo de semanas ganhava forma e porque razão ele tinha voltado uma tela contra a parede porque qualquer coisa não estava a resultar e ele precisava de não a ver durante duas ou três semanas. Isso ajudou-me muito a perceber o processo da criação e eu aplico isso à música. Às vezes vejo, estou à luta com uma partitura ou tenho um aluno que está num beco sem saída e não sabe como é que vai resolver uma situação e eu digo- lhe pára! Vira a tela contra a parede, vira a partitura, não mexas nisto durante uma semana, vai fazer outra coisa qualquer. Faz um liede ou outra coisa qualquer durante essa semana ou vai ouvindo música. Daqui a uma semana “viras a tela outra vez” e de repente olhas e percebes imediatamente onde está o problema. Deixou de estar ali constantemente a preocupar-te de uma forma obsessiva. Essa descontração, essa capacidade de relativizar a importância das coisas, muitas das vezes, conseguimos percebê-la mais através da arte dos outros, do que através do nosso problema concreto em que estamos a batalhar num dado momento.

O meu pai, por exemplo, andava em cima das telas, punha os desenhos no chão, até fazia imensa confusão. Mas ele brincava com isso e dizia que até dava textura… eu ao vê-lo andar por cima dos desenhos com os pés, isso ajudou-me a perceber também que a arte é uma coisa sublime e maravilhosa

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mas também não é algo que tenhamos que pôr num pedestal. Habituei-me com isso a lidar com o problema da criação de uma forma, com a tranquilidade de aceitar que por vezes as coisas não estão a resultar, que devemos recomeçar, que desta vez se calhar não vai resultar tão bem e da próxima temos de trabalhar e batalhar para que resulte melhor, não é o fim do mundo! Acho que toda esta capacidade de relativizar as coisas e de lidar com elas de uma forma mais calma ajuda, se tivermos um contacto com outras experiências e com outras culturas e com outras formas de lidar com aquilo que nos rodeia. Doutra forma ficamos fechamos no nosso casulo e só conseguimos compreender e olhar para aquilo que conhecemos e…

Como diria Montaigne Aqueles que não sabem formular omitem os factos que não compreendem…

No caso da música, tenho um amigo que ficou impedido de tocar durante vários anos enquanto teve de fazer um tratamento.

Lembro-me de uma vez estar com ele num concerto em que estávamos a ouvir outras pessoas, outros músicos, outros amigos a tocar e eu perguntei-lhe se aquilo não lhe estava a fazer impressão, se não lhe custava estar do lado de lá em vez de estar em cima do palco com os outros, como ele estava habituado há tanto tempo. Ele deu uma resposta magnifica, disse que estava a aprender mais sobre o que era tocar, sobre o que era ser músico não estando a tocar, que tinha a certeza qua agora quando voltasse a tocar - já faltava pouco tempo para o tratamento acabar - que iria tocar de uma forma completamente diferente, porque desta vez estava a ter tempo de reflexão para conseguir perceber tudo aquilo…estava a sair do turbilhão. Quando nós estamos em

cima do ciclone não conseguimos perceber o efeito devastador que ele tem. (…) É verdade que isso aconteceu, quando ele voltou a tocar estava fazê-lo de uma forma diferente, tinha dado um salto incrível e portanto estas coisas dão que pensar, são misteriosas, precisamos de outras noções de perspectiva…

Qual é o teu entendimento sobre

o caminho das várias direções da música do nosso tempo.

(…) Nós nunca nos conseguimos libertar daquilo que conhecemos, mas o que não quer dizer que não sejamos livres. (…) a tua pergunta tem contida dois caminhos históricos diferentes. No singular é, qual é o caminho? Qual é o caminho é uma pergunta que se poderia colocar na Europa do pós-guerra, de 1945 em diante,durante algumas décadas, aí a pergunta poderia ser qual o caminho do compositor erudito contemporâneo. Mas depois a segunda parte da tua pergunta foi, dos vários caminhos…a resposta está dada é na tua pergunta…

Num mundo de um marketing tão agressivo qual é o papel do compositor?

Escrever para o público ou pensar no reconhecimento para a posteridade?

Há pouco a tua pergunta tinha a resposta, agora a tua pergunta não tem resposta!

O compositor não deve escrever para o público nem pensar no reconhecimento da posteridade, o compositor tem de escrever para ele. Parece egoísta, mas não é! Acredito verdadeiramente que se o compositor escrever para ele, se for genuíno e autêntico, tem muito mais possibilidades de chegar ao público sem precisar do marketing.

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O que é ser genuíno e o que é ser autêntico no nosso tempo?

Ser genuíno e ser autêntico em qualquer tempo, seja no nosso ou no outro. Ser genuíno é dizeres aquilo que só tu podes dizer. É não tentares dizer aquilo que vai na cabeça dos outros, isso às vezes é o problema das academias. Nós vamos estudar composição para aqui epara acolá e há um professor/compositor que diz a música correta é esta! A prática correta é aquela (…) e infelizmente há muitas pessoas a dize-lo, não só os compositores, há muitos artistas… Os artistas performativos muitas vezes entram na mesma armadilha que é a de, como querem chegar a qualquer lado, acabar por não serem genuínos e de não ter a liberdade de fazer aquilo que seria mais profundo e honesto na sua vontade. Fazer algo cedendo a convenções, a dogmas que partiram das cabeças de outras pessoas e não da sua, correndo o risco de falhar a sala ou o festival, ou ainda o conceito do programador x ou y do maestro z. Da mesma forma que em relação ao público, porque quando se fala do público estamos a falar de vários públicos, nenhum autor quando escreve, por exemplo vamos pensar num escritor, um escritor está a pensar nas pessoas que o vão ler, mas também é legítimo pensar no editor que o vai editar; ou o pintor pensar no galerista que o vai expor; portanto, o artista precisa de um intermediário e um músico e um compositor ainda de mais intermediários precisa, porque quando escreve a música na partitura ela não está pronta para ser posta numa parede como é posta por exemplo uma tela numa galeria de arte. Ainda vai precisar que outros pelo caminho a leiam e interpretem e a façam chegar a um público.

Há tantos desvios no caminho, tantas pedras na calçada e tantas discussões que podem

surgir pelo trilho, que se começarmos a criar em função disso, em função do gosto do intérprete, em função do gosto do maestro, em função do gosto do programador, em função do gosto do público, que naquela sala é um, mas que na outra sala já é outro… na mesma sala, naquelas 500 pessoas que estão sentadas na plateia, seguramente não há uma que pense da mesma forma, bom, nisto estamos perdidos, é um buraco negro. Só há uma cabeça na qual nós conseguimos estar, pelo menos eu só consigo estar na minha e é nesse sentido que me exprimo.

E não tens ambições para estar noutra…

E não tenho ambições para estar na cabeça dos outros. Fico muito feliz quando consigo idealizar algo e concretizá-lo, realizá-lo.

Sempre que eu apresento alguma coisa publicamente garanto-te que, pode ser mais ou menos conseguido, mas eu acredito nela e se eu acredito nela, até posso ter uma má crítica, até posso ter uma má reação do público, que eu se acreditar nela durmo tranquilo. Na razão inversa se eu apresentar alguma coisa publicamente e tiver uma excelente crítica, uma excelente reação do público, mas se eu estiver desconfiado em relação aquilo que fiz, não fico nada satisfeito e não durmo tranquilo.

Sendo tu uma pessoa muito ligada à cultura em Portugal e também ao meio organizativo em geral, como vês o evoluir da cultura em Portugal?

Eu tenho de facto uma vertente profissional, aí sim bicéfala ou tricéfala … Como

compositor tenho uma atividade profissional, mas na realidade, no meu dia-a-dia a minha atividade profissional é trabalhar como docente na Escola Superior de Música

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de Lisboa e como promotor/divulgador da música através do trabalho que faço na rádio, sendo que na rádio faço dois trabalhos, faço um programa semanal de divulgação da música dos séculos XX e XXI e faço a direção artística do Festival e do Prémio Jovens Músicos. Na ESML também tenho um cargo administrativo para alémda questão do ensino da música em si, também tenho que pensar em aspetos que passam pela orientação e pela organização da vida académica da escola com a qual eu estou envolvido. Aqui há uma dispersão de várias vertentes e o que eu sinto naquilo que observo, e agora não com os olhos de um autor de música, mas com os olhos de uma pessoa que organiza coisas e com isso tem influência ou influencia decisões e caminhos de outras pessoas, nós por exemplo podemos ter uma influência enorme no percurso dos alunos, podemos influenciar num momento a vida de uma escola, podemos influenciar o dia de uma pessoa que liga a rádio e de repente ouve uma obra que não conhecia. No contexto do trabalho que faço para a Antena 2 ou no Prémio Jovens Músicos estou constantemente a lidar com uma coisa que é incontornável, que são expectativas das pessoas, umas mais realizadas outras mais frustradas, e com as opções que nós tomamos, em coisas tão simples.Por ex. quando escolho a categoria de um instrumento para o PJM estou automaticamente a estimular a prática desse instrumento nesse ano ou quando escolho duas ou três pessoas para estarem num júri estou consciente que se escolhesse outras se calhar os resultados seriam outros. Todas estas coisas estão constantemente a envolver o meu trabalho profissional nessas áreas. Mas aquilo que eu observo na prática, é que há uma evolução extraordinária. (...) Na prática, na criação

e na performance da música, essa é a área com a qual eu lido, esse é de facto um universo incrível. Se olharmos para trás, tu como músico sabes tão bem como eu, há 10 ou 15 anos atrás era impensável assistir a coisas que assistimos hoje em Portugal, no que se refere à qualidade técnica e artística.

Não vou dizer que há 15, 20 ou 50 anos atrás não houvesse músicos maravilhosos e criadores maravilhosos, claro que havia, mas o que nós temos hoje é uma quantidade e uma diversidade a todos os níveis. Todos os naipes, inclusivamente nos criadores, nos novos compositores, dos que vêm de uma área, dos que vêm de outra, há uma multiplicação que é de uma riqueza admirável e isso muitas vezes

faz-me pensar que apesar de termos sempre tendência para diminuir o tempo presente, dizendo muitas vezes que isto não está bem ensinado, estes jovens não aprendem tão bem como se aprendia antes, isso é um disparate! Um saudosismo! Aquilo que eu vejo é que há professores que estão a fazer trabalhos extraordinários, com toda a certeza, porque aparecem semanalmente, diariamente, grupos, músicos, solistas com um talento incrível, vão buscá-lo a algum lado e muitos deles estão de facto a ser muito bem orientados. A minha visão daquilo que nos rodeia neste momento, a esse nível é extremamente optimista. A outros níveis naquilo que é a responsabilidade das pessoas, das organizações, das instituições no sentido de preservar a riqueza que nós agora temos e de reforçar e de incentivar, isso aí já estamos a falar de outra coisa, infelizmente ainda não sabemos o final, mas atualmente está um bocado desafinada, está a soar desafinada.

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Eu de certa forma considero-te uma espécie de Marc Chagall da composição portuguesa, de alguma forma alguma vez te sentiste um compositor surrealista?

Não de todo! Na literatura, gosto mais do surrealismo escrito do que na sua vertente plástica. O Chagall sim, um pintor absolutamente maravilhoso, mas o Dali por exemplo acho um virtuoso detestável, não consigo olhar para as pinturas do Dali, aquilo dá-me uma volta ao estômago. O resultado é incrível, genial de técnica e de virtuosismo mas…lá está, agora estou a ser redutor porque a pintura também está cheia de obras e de pintores surrealistas com obras maravilhosas, mas enquanto corrente estética, o surrealismo não é o que me suscita mais interesse. Interessam- -me sim aspetos oníricos, de fantasia que muitas vezes estão presentes em alguma da música que faço. Gosto muito de explorar timbre, construção de elementos visuais na música, elementos paisagísticos, mas não é no sentido de estar a tentar descrever por exemplo uma paisagem do rio douro ou do Alentejo através da música, isso não me interessa nada, refiro-me mais a criar algo que possua uma componente visual que

nos faça pensar em paisagens sonoras, se quisermos, em elementos visuais narrativos sem que tenha que estar programaticamente a descrever algo em concreto. Nesse sentido sim, tem de haver espaço para a fantasia e para a subjetividade, até porque a música, enquanto som é do mais subjetivo que possa haver. O som é uma entidade completamente abstrata, ao contrário de uma palavra ou de uma imagem. Por mais que queiramos associar uma conotação, um símbolo, um significado a algo que num som musical não se sente, um mi bemol é um mi bemol e ponto final! Temos que ser ainda mais esforçados na imaginação e na forma como nos libertamos, tentando criar uma certa fantasia e, sim, nesse sentido,interessa- me o elemento visual até de certa forma cinematográfico, se quisermos. Sempre gostei imenso de cinema, está muito presente na minha música. Então eu diria que isso é tão verdade para o surrealismo como é verdade para muitas outras correntes e áreas da expressões plásticas incluindo o expressionismo abstrato puro e tudo isso me interessa muito, o abstracionismo geométrico, a figuração, qualquer um desses elementos poderá ter influência na música que eu faço.

Fotografia de Jérome Bosc

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Mas tens alguma corrente artística na qual te incluas?

Eu passo a vida com este problema de não conseguir perceber muito bem onde me colocar porque…se eu conseguisse! Vamos pôr as coisas de uma forma completamente descomprometida, não vou dizer que outras pessoas, sejam elas um musicólogo, um ouvinte, um músico, não consigam catalogar- me, por-me uma etiqueta e arrumar-me numa gaveta. Isto é tão possível para mim como é para qualquer outra pessoa, todos nós aos olhos dos outros somos catalogáveis, agora quando essa catalogação parte de nós mesmos então aí estamos no mau caminho.

Se eu me impuser uma etiqueta então é melhor começar a pensar a sério naquilo que estou a fazer e repensar se não deva mudar de ramo. Eu tento questionar-me, aliás é uma das coisas que eu gosto muito na criação e é algo que admiro muito nas pessoas que se dedicam à ciência. Tenho uma admiração imensa pelos cientistas, pelos investigadores, pelas pessoas que passam a vida inteira num laboratório a olhar para um tubo de ensaio ou para um telescópio a olhar para as estrelas, seja o que for. E uma das características dessas almas é o seu inconformismo, porque se encontram uma resposta vem logo outra pergunta, e eu acho que um artista, a outra escala, deve ter um grau idêntico de inconformismo. O chavão e o catalogar significam que alguém já chegou a algum sítio em que está confortavelmente catalogável e portanto fujo disso como o diabo foge da cruz. Para além disso há outra característica que tem aver até com o nosso metabolismo e com a forma como nós nos sentimos num determinado dia ou a forma como nós estamos a ser influenciados ou estimulados por alguma realidade que nos envolva, seja familiar, seja alheia, seja o que

for, que faz com que em cada dia e em cada momento eu possa querer escrever música com objetivos e estados de alma diferentes.

Vou dar um exemplo,um elemento com que me identifico, que já integrei, recorri a ele em várias peças, o elemento do humor…

…daí o lado do surrealismo…

surrealismo…se o entenderes…eu iria mais pelo burlesco, pela sátira, aí sim, mais do que o surrealismo, aí sim concordo contigo, há várias peças minhas que abordam a sátira, que são satíricas, que têm esse lado quase nonsense e surreal nesse sentido.

o teu lado Nonsense e Monty Python…

Nesse sentido o surreal, o nonsense, o absurdo, diverte-me imenso e já utilizei isso (…) a primeira peçaem que integrei elementos de humor, fi-la em 98 quando ainda estava longe de imaginar que em 2008 estaria a fazer uma ópera com o Terry Jones.

Mas, essa primeira peça em que eu integrei o elemento do humor, fiz imediatamente a seguir a ter escrito outra peça que era sobre o massacre do cemitério de Sta. Cruz em Timor Leste. Escrevi a peça para mim, cansou-me do ponto de vista da escrita, quando cheguei ao fim estava bastante cansado e foi uma experiência emocional forte escrevê-la, é uma peça que não tem piada nenhuma e que é sobre um tema trágico, e quando a terminei estava exausto.

Já a outra, o facto de ter escrito outra que era uma peça burlesca e nonsense foi uma espécie de exorcismo, de limpar a onda, mas depois quando acabo uma peça com essa componente, não quero fazer outra idêntica, depois quero fazer mais duas que sejam sobre nada! Isto também nos ajuda a fugir à questão dos chavões e etiquetas, porque

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em cada momento específico, a nossa vida pode-nos direcionar para determinado tipo de opções. Isso leva-nos outra vez à questão anterior, a liberdade que hoje temos de poder fazer isso! Há uns anos atrás não era possível viver como compositor a fazer teatro musical com um Monty Python e depois uma ópera de câmara com Stephen Plaice… essas coisas se calhar não eram tão possíveis como são hoje. Detestava ter sido compositor há 60 anos atrás!

o que é que esperas do futuro? Esperas que te consuma ou vais consumi-lo tu?

Partindo do princípio que és já uma pessoa que tem algum mediatismo neste momento, que tem bastante reconhecimento do seu trabalho, o que esperas que o futuro te reserve?

Do ponto de vista da carreira, essa pergunta pode ter de facto duas componentes, uma que é a talvez mais superficial e outra que é talvez mais genuína. Do ponto de vista mais superficial que tem a ver com a carreira, qualquer pessoa que tenha uma vida profissional, seja artística ou outra, quer realizar-se e ter boas condições de trabalho. Se um indivíduo trabalhar num escritório, num vão de escada, tem toda a legitimidade de querer vir a trabalhar num último andar com vista para o rio. Os artistas, os músicos e os compositores não são diferentes! Eu tenho o maior prazer em escrever música para ser bem tocada, fico sempre honrado e feliz quando a minha música é tocada! Se for mal tocada fico triste! Fico honrado na mesma porque é sempre um esforço e é sempre um tempo que o músico entrega à minha partitura, nesse aspeto temos de facto de agradecer sempre, se virmos que comprovadamente o músico trabalhou mesmo. A partir de uma

certa altura, eu vejo-o nos meus alunos, todos nós desde o começo, desde o princípio, quando começamos a compor desejamos que a música seja bem tocada, obviamente se ela for tocada pela Filarmónica de Berlim vai ser bem tocada, em princípio. Mas se ela for bem tocada por outra boa orquestra não tão mediática é igualmente óptimo.

Onde eu quero chegar é que a reposta sobre a carreira é superficial, porque voltando um bocadinho atrás se a música for tocada por uma orquestra de câmara muito boa, mas a música for mal tocada eu fico profundamente infeliz, apesar de no currículo poder pôr lá que já foi tocado por a ou b ou c. Numa primeira camada da resposta eu diria que o meu desejo para o futuro é que o que eu escrevo seja bem tratado!

Algum género musical que ainda não tenhas feito.

LT: Na realidade…agora vou escrever para dança, um bailado, já estou neste momento a trabalhar nisso. Ainda não comecei a escrevê-la, mas já está na minha cabeça, é sempre a primeira fase. Escrever para bailado, como já escrevi para teatro musical, como já escrevi para uma ópera, como já escrevi para orquestra sinfónica, já escrevi para quarteto de cordas…nesse sentido tenho conseguido diversificar a minha escrita e ter experiências todas elas muito intensas.

Já escreveste alguma obra em que a mesma fosse uma realização total em todos os níveis da tua escrita?

Não! Agora vou dar uma resposta decepcionante. Eu acho que uma das razões que nós continuamos a escrever é porque achamos que é possível melhor. E o que normalmente acontece é que quando

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acabamos uma peça achamos que é a melhor, ou pelo menos a melhor nos últimos 10 anos da nossa produção.Depois, essa agora é a parte mais decepcionante da resposta, como a idade também já está avançar, já consigo dizer que há coisas que escrevi há 10 ou há 15 anos atrás e que na altura julgava ter uma qualidade x, agora olho para trás e aquilo não é assim grande coisa ou tão bom como eu julgava. Mas se calhar para a semana que vem vou outra vez ouvir uma coisa que fiz há 15 anos atrás eachar que na altura é que estava a fazer bem, esta que fiz na semana passada não tem tanto valor como a que fiz há 15 anos. A forma como eu me relaciono com aquilo que fiz para trás é absolutamente instável, inconstante, ambíguo, cada dia e a cada semana…às vezes penso que não quero ouvir esta peça durante os próximos 10 anos e de repente acordo e tenho que ouvir outra vez. É essa insatisfação constante que faz com que dê a resposta decepcionante que acho que não, acho que ainda não fiz aquela peça que me fizesse soar a campainha. Mas em várias peças minhas há momentos em que fico muito contente com o resultado.

Pelo que sei, já fizeste soar as campainhas de muita gente…

Eu já tenho tido, por ex. ainda há pouco tempo tive uma situação absolutamente imprevisível, no nosso país as coisas são mais pequenas, não no sentido de serem menores, no sentido de estarem mais próximas, mais rapidamente se sabe aquilo que outro disse e aquilo que ele pensa.

Quando nós saímos e vamos para um sítio onde ninguém nos conhece e não nos compara com ninguém ou com nenhum colega de profissão, às vezes isso é uma experiência muito interessante porque percebemos como o nosso trabalho é

avaliado de uma forma mais neutra, mais descomprometida. Nos EUA aconteceram- -me duas situações opostas, uma foi recentemente em que apresenteiuma peça, uma peça bastante satírica e burlesca que eu fiz há uns anos atrás com um narrador e Ensemble, em que utilizei textos de spam retirados da internet e notícias de jornais, e cada andamento é uma sátira.

Não é surrealista, mas é surreal. Uma peça nonsense em vários aspectos, com projeçõesde um homem-bala a ser disparado da fronteira do México para os EUA. É uma peça que quando a fiz, diverti-me a fazê-la, e das vezes que foi tocada ouvi algumas pessoas a soltarem gargalhadas na plateia.Mas quando tocaram essa peça nos EUA convidaram-me para ir a uma faculdade de artes, a um departamento de música falar da minha música e apresentei precisamente, entre outras coisas, um excerto dessa peça e uma das pessoas que estava na assistência dessa sessão teve uma reação de uma enorme violência. Não ao ponto de me bater fisicamente mas os olhos estavam quase…foi uma reação…mas verbalizou mesmo esta sua música causou-me esta reação absolutamente detestável e ofendeu- me… É uma peça que também mexe com aspetos políticos e fazia um bocadinho de paródia- bastante, aliás - a figuras como Bush e à política americana…Depois eu percebi, depois aquilo gerou uma discussão e percebi que o aspeto nacionalista feriu a sensibilidade daquela pessoa, aquela pessoa não aceitou que eu sendo um europeu português estivesse a fazer uma peça que na opinião dela gozava com os americanos, quando não era essa a minha intenção. A minha intenção era satirizar com situações reais que nos afetam a todos, incluindo nós os europeus, e obviamente num dos andamentos eu não tratava lá muito bem a

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figura do Bush, mas apesar de tudo vivemos em democracia. (…) Naquela plateia também houve pessoas que tiveram uma reação completamente oposta. Aquilo faz- nos pensar e reforçar a ideia sobre o que eu tenho de fazer, que é escrever aquilo em que eu acredito, correndo o risco de às vezes ter reações que não são tão simpáticas e elogiosas. A outra situação, também nos EUA e que é oposta a esta, foi com uma peça que fiz por co-encomenda da Orquestra do Algarve e da Orquestra de Albany -

“From the dephtof distance” para soprano e orquestra com textos de Álvaro de Campos e Walt Whitman, com a solista Ana Quintas a cantar alternadamente em português e inglês. (…) Nessa peça no final do concerto uma Sra. que estava grávida, ela e o marido vieram ter comigo e agradeceram-me, estamos os três muitos gratos.Era ela, o marido e o bebé que ela tinha no ventre e aquilo emocionou-me, não posso dizer que tenha ficado indiferente com aquilo, para ela teve uma importância ao ponto de dizer que o bebé tinha gostado. Temos de estar preparados para levar com crítica violenta de alguém que detestou aquilo que nós fizemos, tanto como um cumprimento tão simpático como este.

Porque é que os teus títulos de obras são maioritariamente em Inglês?

Eu tenho de facto algumas peças com títulos em inglês e outras com títulos em português. E tenho uma com título em francês. A minha opinião em relação aos títulos é simples, normalmente no nosso meio as pessoas reagem pior aos títulos em estrangeiro quando são em inglês do que quando são em francês ou alemão. Se reparares quando os compositores têm títulos em francês ou alemão, ninguém ou quase ninguém se choca com isso. Quando é em

inglês acham logo que é internacionalização ou que é globalização. Há aí uma reação que ultrapassa a intenção. (…) Eu vivi em Inglaterra e foi aí que isso começou acontecer, antes tinham todas títulos em português. O que acontece é que muitas dessas peças têm sido encomendadas por instituições ou orquestras estrangeiras para serem estreadas fora do país, além de que toda a minha música desde então é publicada por uma editora inglesa. Eu tenho uma relação profissional que passa por cá e passa por fora, agora o que acontece é que sou eu que dou os títulos…na minha peça

“Round time” eu até gosto mais do título em português, só que eu não chamei à peça

“Tempo Redondo” porque esse é o titulo de um livro de poemas que o meu irmão publicou e eu achei que ia ser, entre aspas, pífio eu dar a uma peça o mesmo título de um livro do meu irmão (…) facilmente teria dado o nome em português se o poeta não fosse da minha família, tão próximo, então eu disfarcei o elogio que estava a fazer ao meu irmão escondendo-o noutra língua. Se o livro fosse de outra pessoa eu teria dado o nome de “Tempo Redondo”. Às vezes há razões que são mais privadas do que as pessoas possam estar à espera. E por outro lado tenho muitas outras peças como as que estão editadas em Inglaterra, que quando são programadas, podem ser apresentadas com o seu título em português ou em inglês.

Vou dar um ex. muito concreto, “Invenção sobre Paisagem” é editada e traduzida como

“Invention on Landscape” mas já aconteceu apresentarem a “Invenção sobre Paisagem”

em Portugal com o título traduzido para inglês. Mas essas situações ultrapassam totalmente o meu controle...são opções editoriais que pertencem a quem programa e organiza o concerto.

Transcrição/revisão: Matilde Brito/ SSV

Referências

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