• Nenhum resultado encontrado

RELATOS DE VIAGEM E O FEMININO NO BRASIL OITOCENTISTA: A TRAJETÓRIA DE MARIA GRAHAM

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "RELATOS DE VIAGEM E O FEMININO NO BRASIL OITOCENTISTA: A TRAJETÓRIA DE MARIA GRAHAM"

Copied!
9
0
0

Texto

(1)

1

RELATOS DE VIAGEM E O FEMININO NO BRASIL OITOCENTISTA: A TRAJETÓRIA DE MARIA GRAHAM

Flaviana Aparecida da Silva1 Resumo: No início do século XIX, vários viajantes europeus estiveram no continente americano e produziram relatos sobre os lugares visitados. No Brasil, o número de viajantes cresceu após a chegada da Corte Portuguesa e a abertura dos portos para as “nações amigas”. Nesse momento, a inglesa Maria Graham chegou na província de Pernambuco e, acompanhada de seu marido, visitou também a Bahia e o Rio de Janeiro. Durante o período em que permaneceu no país, a viajante escreveu relatos e percepções acerca do feminino e publicou o livro “Diário de uma viagem ao Brasil e de uma estada nesse país durante parte dos anos de 1821, 1822 e 1823”. A presente comunicação tem como objetivo analisar a trajetória da viajante de letras Maria Graham, verificando os relatos acerca do feminino, escritos em seu diário de viagem ao Brasil a partir da perspectiva do gênero. E, para isso, são fundamentais os estudos de Joan Scott, Louise Tilly e Carl Thompson. A partir da fonte e das referências analisadas, é possível perceber que Maria Graham registrava as mulheres em seu diário quando as encontravam no cotidiano, seja nas festas, igrejas, reuniões ou nos comércios e, muito dos relatos, tem influência da cultura do seu país de origem. O trabalho, portanto, visa contribuir para a história das mulheres, visto que Maria Graham era uma escritora que, entre vários assuntos, escrevia sobre o feminino e, durante o período em que viveu, poucas mulheres publicavam livros.

Palavras-chave: Maria Graham. Diário de viagem. Feminino.

Introdução

No início do século XIX, vários viajantes europeus estiveram no continente americano e produziram relatos sobre os lugares visitados. Impulsionados pelo imaginário em torno do “Novo Mundo”, pelas expedições da história natural e por uma “consciência planetária” (PRATT, 1999), ingleses, franceses, espanhóis, alemães e portugueses chegaram aos portos da América. Na América Portuguesa, o número de viajantes e imigrantes cresceu após a chegada da Corte Portuguesa, em 1808 e, na abertura dos portos às nações amigas, nesse caso, especialmente à Inglaterra.

Segundo THOMPSON, 2011, o ato de viajar é atribuído à figura masculina e, as mulheres, de acordo com a ideologia patriarcal, são associadas ao espaço doméstico e à imobilidade. Apesar das restrições que dificultavam que as mulheres viajassem no Oitocentos e, principalmente, publicar relatos de suas viagens, Maria Graham foi uma personagem que se movimentou nas esferas públicas e privadas, rompendo com as limitações impostas ao feminino. A viajante chegou na província de Pernambuco em setembro de 1821 e, acompanhada de seu marido, visitou também a Bahia e o Rio de Janeiro. Casada com o capitão Thomas Graham, o acompanhou durante a missão

1Doutoranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora-MG, Brasil. E-mail:

flavianaaps@hotmail.com.

(2)

2

do serviço da Marinha Britânica, que havia enviado diversos homens para verificar e defender os interesses da Grã-Bretanha no processo de independência das colônias portuguesas e espanholas (VALE, 2001).

Durante o período em que permaneceu no Império, escreveu relatos e percepções acerca do feminino, comércio, escravidão, independência, política, natureza, festas e encontros sociais das elites e, em 1824, publicou o livro “Journal of a Voyage to Brazil and residence there during part of the years 1821, 1822 e 1823”. No Brasil, a obra foi traduzida por Américo Jacobina Lacombe e publicada nos Anais da Biblioteca Nacional, em 1956. Em 1835, a inglesa escreveu uma homenagem ao imperador, o “Escorço Biográfico de D. Pedro I, com uma notícia do Brasil e do Rio de Janeiro em seu tempo”, também publicado pela Biblioteca Nacional (GRAHAM, 1956).

O presente artigo buscou analisar a trajetória da viajante de letras Maria Graham, verificando os relatos acerca do feminino, escritos em seu “Journal of a Voyage to Brazil”, a partir da perspectiva do gênero. Dessa forma, os estudos de Joan Scott, Louise Tilly e Carl Thompson foram importantes para o subsídio na análise das fontes. Influenciado pelos movimentos feministas e pela política de identidade da década de 1960, o campo de estudos de gênero e história das mulheres, se desenvolveu em meio a vários outros movimentos que estavam ocorrendo nos Estados Unidos e na Europa (SCOTT, 1995). O gênero, como categoria de análise histórica, contribuiu para os estudos das variações e das relações de poder entre os sexos (TILLY, 1994). De acordo com (SCOTT, 1995, p. 86), ele é “um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos, e uma forma primária de dar significado às relações de poder”.

Inicialmente utilizado para verificar as diferenças entre os sexos, o termo se estendeu nas

“diferenças dentro da diferença” e, dessa forma, pluralizou a categoria mulheres, tornando-se uma categoria de análise (SCOTT, 1991).

Segundo THOMPSON, 2011, as viagens, assim como os relatos publicados, eram uma forma de auto-empoderamento feminino, pois permitiram que as viajantes saíssem do lar e entrassem em outros espaços, como o público e o político. Entretanto, haviam limitações para a entrada nesses lugares, bem como na forma como eram tratadas pelos editores, revisores e leitores, se comparado com a publicação e viagens masculinas. As hierarquias impostas pelo Império dificultavam as negociações, tanto nas viagens, quanto no campo literário (THOMPSON, 2017).

Dessa forma, alguns questionamentos nortearam a pesquisa: como Maria Graham entrou nos espaços públicos e políticos? Quem eram as mulheres da elite descritas no diário e quais suas

(3)

3

funções no Império? De que maneira a autora as representou e qual o papel da cultura e da política imperialista britânica em seus relatos ao feminino?

Maria Graham registrava as mulheres em seu diário quando as encontravam no cotidiano, seja nas festas, reuniões ou nos comércios e, muito dos relatos, tem influência da cultura do seu país de origem. Durante sua estadia no Império, a inglesa manteve relações com a esposa do governador da província de Pernambuco, descrita como Madame do Rego; com a filha do cônsul William Pennell, na Bahia; e com a viscondessa do Rio Seco e baronesa de Campos, no Rio de Janeiro. Em todos os relatos que serão analisados posteriormente, a autora registrou elogios e uma relação de amizade.

O trabalho visou contribuir para a história das mulheres, visto que Maria Graham era uma viajante que escrevia, dentre vários outros assuntos, sobre o feminino e, durante o período em que viveu, poucas mulheres publicavam livros. E assim como afirmou LEITE, 1984, os relatos das viajantes oitocentistas oferecia uma “dupla documentação do feminino”, uma vez que, ao descrever sobre as outras mulheres, escrevia também sobre si e acerca da sua condição no período.

Maria Dundas Graham: uma “viajante de letras” no Império brasileiro

Maria Dundas Graham nasceu em 17 de julho de 1785, em Papcastle, Inglaterra. Filha do Almirante Real da Marinha Britânica, George Dundas e da estadunidense Ann Thompson, recebeu uma educação consolidada em história, botânica e desenho, estudando em colégios internos ingleses (MARCHANT, 1963). Essa instrução de qualidade foi intermediada pelo seu tio paterno, a pessoa mais rica da família Dundas, David Dundas de Richmond, médico cirurgião do rei Jorge III. Foi através dele que Maria frequentou a alta sociedade inglesa (GOTCH, 1937).

Por influência do pai e, posteriormente, do marido, Maria Graham viajou para a Escócia, Índia, Itália, Brasil e Chile. Sua atuação como viajante e escritora no século XIX lhe renderam quatro diários de viagem, bem como livros de história, arte e contos infantis, somando um total de 16 obras publicadas. Na Inglaterra seu livro de maior sucesso de tiragem é o conto infantil dedicado a narrar a história do rei Arthur, a partir da linguagem adaptada às crianças, “Little Arthur’s History of England” (RENDALL, 2006).

Durante sua viagem à Índia, Maria Graham casou-se com Thomas Graham, jovem que, assim como seu pai, ocupava um cargo na Marinha Britânica. O casal, em 1821, embarcou para o continente americano pois, como já citado, Thomas havia sido enviado a serviço do governo britânico (GOTCH, 1937). Chegaram ao Brasil em setembro daquele ano e visitaram as províncias

(4)

4

de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, e, após um período de serviço, continuaram a viagem para o Chile. Entretanto, o capitão, que estava doente antes de embarcar, faleceu durante a passagem do Cabo de Horn, deixando Maria viúva e sozinha em um continente desconhecido (GRAHAM, 1956).

Como viúva e estrangeira, a viajante visitou Valparaíso e Santiago e retornou ao Império Brasileiro acompanhando dessa vez, Lorde Cochrane, escocês que veio para o continente liderar as batalhas pela independência do Chile e Brasil. Em sua segunda visita, aproximou-se da Família Real e atuou como professora das princesas imperiais, morando por aproximadamente um mês no Paço de São Cristóvão (GRAHAM, 1956). Entre idas e vindas, Maria Graham esteve no Brasil entre os anos de 1821-1825, mantendo relações com as elites, líderes políticos, comerciantes ingleses, brasileiros, portugueses, franceses, e, principalmente, com os imperadores. Durante esse período, a viajante escreveu os relatos sobre esses encontros e nosso objetivo é verificar os encontros com as mulheres que faziam parte da elite política do Império, bem como suas descrições acerca do feminino.

Sua estadia em Pernambuco foi marcada por encontros com o governador português Luís do Rego, sua esposa e também com o grupo que fez oposição ao seu governo, formando a Junta Provisória2. Quando chegou em Recife, encontrou a cidade em estado de sítio, situação que nunca havia presenciado anteriormente e acreditamos que, por esse motivo, tenha se aproximado da família do governador da província. Apesar das recomendações para ficar no navio, Maria Graham foi com os guardas-marinha procurar a esposa do governador no palácio, a quem chamava de Madame do Rego. A relação de ambas foi marcada por passeios, visitas e encontros sociais3.

Achei Madame do Rego uma mulher simpática, bastante bonita e falando inglês como uma nativa: o que ela explicou, informando-me que sua mãe, a Viscondessa do Rio Seco, era irlandesa. Nada poderia exceder sua maneira e a das duas filhas do General do Rego, cujo ar e modos são de mulheres realmente educadas. Uma delas é muito bonita4 (GRAHAM, 1824, p. 103). Tradução minha.

A autora não mencionou o nome da esposa do governador da província, sendo poucos os relatos os quais citou seu nome. Sua mãe, a viscondessa do Rio Seco, é uma personagem que

2 Em 21 de agosto foi instalada a Junta Governativa de Goiana, que fez oposição a Luís do Rego, onde ambas disputaram o controle da província até final de outubro do mesmo ano (SORGINE, 2005).

3 Além das diversas visitas e passeios realizados com a esposa e filha de Luís do Rego, também podemos confirmar a relação de amizade com a família através de sua primeira despedida, em 13 de outubro de 1821, no qual a esposa do governador lhe deu amostras de ametistas, pedras e minério de ouro, referindo-se a eles como “amáveis amigos do palácio” (GRAHAM, 1824).

4 Trecho original: “I found Madame do Rego an agreeable, rather pretty woman, and speaking English like a native : for this she accounted, by informing me that her mother, the Viscondeça do Rio Seco, was an Irish woman. tering than her manner, and that of General do Rego's two daughters, whose air and manner are those of really well-bred women, and one of them is very handsome” (GRAHAM, 1824, p. 103).

(5)

5

também está registrada no diário de Maria Graham. Como foi apresentado no relato acima, a autora enfatizou o fato de Madame do Rego falar bem a língua inglesa, elogiando suas filhas, afirmando que teriam modos de mulheres educadas. Seu olhar europeu sobre o feminino é influenciado não apenas pela carga cultural do seu país de origem, mas também pelos interesses políticos, uma vez que essas mulheres se encontravam no espaço de privilégio na sociedade, em função do marido ou do pai que ocupava um cargo de importância na política daquele momento.

Os viajantes, quando desembarcavam, logo procuravam os cônsules das províncias para manterem relações sociais e defender os interesses do seu país de origem. Portanto, era comum que os cônsules britânicos recebessem os viajantes da Grã-Bretanha, em razão do caráter diplomático, pois eram os responsáveis pela interlocução com o governo. Em nota de rodapé, durante a estadia no Rio de Janeiro, Maria Graham afirmou que não sabia que as mulheres, assim como os homens, deveriam procurar os seus cônsules, uma vez que havia recebido as primeiras visitas anteriormente (GRAHAM, 1956).

Na Bahia, a autora se relacionou com a família do cônsul William Pennell e, principalmente com sua filha, a quem chamava de Miss Pennell. O cônsul foi, provavelmente, o residente britânico mais bem documentado na Bahia do século XIX. Sua esposa nunca foi citada nos documentos ou nos relatos da autora, portanto, é possível que ele fosse viúvo e a responsabilidade de administração da casa e outras tarefas tenha sido obrigação das filhas (GUENTHER, 2001-02).

A relação com William Pennell também foi apresentada no diário por meio das visitas e dos passeios realizados pela província. Através dessa relação, Maria Graham participou de reuniões sociais, festas e obteve companhia para conhecer os espaços de Salvador. A viajante acompanhou a filha do cônsul em uma série de visitas aos seus amigos portugueses, e embora não fosse costume realizar visitas no período da manhã, ainda mais com uma estrangeira, mesmo assim conseguiu acesso ao espaço doméstico. E, foi no privado, que Maria Graham encontrou várias mulheres das quais relatou em seu diário de viagem, afirmando que nessa visita elas tinham a aparência de não ter tomado banho, o cabelo mal penteado e roupas muito diferentes da Europa.

Quando eles apareceram, eu mal pude acreditar que metade eram senhoras nobres. Como não usam espartilho nem corpete, a figura torna-se quase indecentemente desalinhada, depois da juventude; e isso é mais nojento, pois estão vestidos com roupas finas, não usam lenço no pescoço e raramente os vestidos tem qualquer manga. Então, nesse clima quente, é desagradável ver algodões escuros e outros tecidos, sem nenhuma roupa branca, diretamente sobre a pele. O cabelo preto, mal penteado e desgrenhado, ou com nós impróprios, ou pior ainda, em papelotes, e a pessoa toda com uma aparência suja5 (GRAHAM, 1824, p. 135-136). Tradução minha.

5Trecho original: “When they appeared, I could scarcely believe that one half were gentlewomen. As they wear neither stay nor bodice, the figure becomes almost indecently slovenly, after very early youth; and this is the more disgusting,

(6)

6

É interessante notar a influência da cultura europeia na descrição das roupas e da aparência das portuguesas, uma vez que essas mulheres, possivelmente, não estavam com a mesma indumentária daquelas do seu país de origem. Nessa mesma visita, a autora afirmou ter visto uma senhora com um elegante vestido francês, elogiando uma roupa que lembrava a cultura europeia. As opiniões nos relatos de viagem, segundo (JUNQUEIRA, 2011), diziam mais a respeito do âmbito cultural do autor, do que sobre o espaço visitado, portanto, as fontes possuem um caráter dúbio, pois trafegam “entre a materialidade da experiência e a subjetividade do olhar” (FRANCO, 2011, p. 76).

Contudo, apesar do caráter subjetivo, os relatos são fontes que possuem informações e detalhes importantes, principalmente acerca da esfera privada, e, no caso analisado, do feminino, durante um período em que as mulheres quase não eram citadas nas fontes oficias do Estado (PERROT, 2007).

Maria Graham encontrava as mulheres quando realizava visitas às casas ou participava de reuniões sociais promovidas pelas lideranças políticas. De acordo com (OLIVEIRA, 2005), era no contato com as mulheres que a mesma conhecia o espaço privado.

Dizem-me que as senhoras são diferentes depois do jantar. Casam-se muito cedo e logo perdem a frescura. Não vi hoje nenhuma mulher toleravelmente bonita. Mas então quem poderá suportar um disfarce como a sujeira e a desordem exercem sobre uma mulher?6 (GRAHAM, 1824, p. 137). Tradução minha.

Além da apresentação no diário acerca das festas e reuniões sociais, a viajante mencionou outro aspecto da relação com a família do cônsul, incluindo as filhas: a proteção mútua. Além de o próprio cônsul oferecer ajuda e auxílio aos viajantes britânicos que chegavam ao Império, durante o conflito ocorrido entre portugueses e brasileiros nas discussões acerca da independência, Maria Graham, segundo seus relatos, enviou pessoas à terra para caso fosse necessário abrigar as senhoras da família, combinando determinados sinais comuns com Pennell, caso aumentasse o perigo para sua família (GRAHAM, 1956). Nesse sentido, a relação com a família de William Pennell era de proteção mútua, pois tanto o cônsul ajudou os viajantes, quanto os mesmos ofereceram auxílio nos conflitos.

Tanto em Pernambuco, quanto na Bahia, Maria Graham não citou a presença das mulheres em espaços púbicos, e as descreveu apenas na esfera privada, através das festas, encontros da tarde, visitas e passeios. Também, não mencionou o primeiro nome da esposa e da filha das figuras as they are very thinly clad, wear no neck-handkerchiefs, and scarcely any sleeves. Then, in this hot climate, it is unpleasant to see dark cottons and stuffs, without any white linen, near the skin. Hair black, ill combed, and dishevelled, or knotted unbecomingly, or still worse, en papillote, and the whole person having an unwashed ap- pearance”

(GRAHAM, 1824, p. 135-136).

6 Trecho original: “I am told they are different after dinner. They marry very early, and soon lose their bloom. I did not see one tolerably pretty woman to-day. But then who is there that can bear so total a disguise as filth and untidiness spread over a woman?” (GRAHAM, 1824, p. 137).

(7)

7

masculinas a quem manteve relação. As mulheres foram representadas a partir da imagem do homem: esposa do governador e filha do cônsul, Madame do Rego e Miss Pennell, respectivamente, uma vez que era tão comum as mulheres serem associadas a figura do homem naquele período, ou seja, era um reflexo do patriarcado.

No Rio de Janeiro, Maria Graham se aproximou da família do visconde do Rio Seco, sobretudo da viscondessa7. Como mencionado, a viscondessa era mãe de Madame do Rego, e tal ligação, encontramos ao longo do diário, uma vez que os personagens apresentados pela autora possuem parentesco ou relações sociais. Dos círculos de amizade no Rio de Janeiro, a família de Joaquim José de Azevedo, o visconde do Rio-Seco8, foi um grupo importante para sua entrada em alguns espaços. Certa vez, ao ir à Ópera, recebeu o convite da viscondessa para entrar em seu camarote, que era junto ao do Príncipe Dom Pedro. Nesse episódio, a autora afirmou ter encontrado as mulheres mais bem vestidas até o momento.

As moças portuguesas e brasileiras são decididamente superiores em aparência às da Bahia:

parecem pertencer a uma classe superior. Talvez a residência da corte por tantos anos os tenha polido. Não posso dizer que os homens compartilham da mesma vantagem, mas ainda não falo português o suficiente para ousar pronunciar o que os homens ou mulheres são na realidade 9 (GRAHAM, 1824, p. 166-167). Tradução minha.

Em outra ocasião, o convite para uma cadeira no camarote foi novamente realizado, no dia ao qual Dom Pedro, dessa vez imperador, conferiu a Ordem do Cruzeiro para seu marido. Como apresentado no relato acima, a autora afirmou que as portuguesas e brasileiras eram de aspecto superior às da Bahia. Em outra passagem, registrou que “a cidade do Rio é uma cidade mais europeia do que Bahia ou Pernambuco10” (GRAHAM, 1824, p. 169).

Considerações Finais

Em ambos os relatos acerca das mulheres de elite, Maria Graham realizou e recebeu visitas e participou de encontros da tarde e festas, nos quais estavam presentes as esposas e filhas dos líderes políticos, bem como outras mulheres dos setores da sociedade, sobretudo portuguesas, brasileiras e inglesas. Elas não foram mencionadas na esfera política, e mesmo que a sua classe possibilitasse determinados privilégios no Império, como por exemplo, frequentar os espetáculos de ópera no

7 D. Maria Carlota Miliard.

8 Em 1826 tornou-se marquês de Jundiaí, tesoureiro da Casa Real.

9 Trecho original: “The Portuguese and Brazilian ladies are decidedly superior in appearance to those of Bahia; they look of higher caste: perhaps the residence of the court for so many years has polished them. I cannot say the men partake of the advantage; but I cannot yet speak Portuguese well enough to dare to pronounce what either men or women really are” (GRAHAM, 1824, p. 166-167).

10 Trecho original: “The city of Rio is more like na European city than either Bahia or Pernambuco” (GRAHAM, 1824, p. 169).

(8)

8

teatro, o gênero era um fator que impedia sua entrada em outros espaços, nos quais, apenas os homens ocupavam.

Os relatos de Maria Graham sobre o feminino representavam a realidade do período e dizia muito a respeito da subjetividade da autora, pois a viajante chegou ao continente com o objetivo de acompanhar seu marido na missão do governo britânico, portanto, os interesses políticos e culturais estavam presentes em seu olhar a todo o momento.

Referências

GRAHAM, Maria. Journal of a Voyage to Brazil and residence there during part of the years 1821, 1822 e 1823. London: Longman, Hurst, Rees, Orme & Brown; and John Murray, 1824.

GONÇALVES, Margareth de Almeida. Viagem e escrita de si em Maria Graham. Revista Universidade Rural: Série Ciências Humanas, Seropédica, Rio de Janeiro: EDUR, v. 29, n. 1, p.

110-122, jan-jul, 2007.

GOTCH, Rosamund Brunel, Maria, Lady Callcott: The creator of Little Arthur. Londres: John Murray, 1937.

GUENTHER, Louise. The British community of 19 century Bahia: public and private lives.

University of Oxford Centre for Brazilian Studies: Oxford, 2001-02.

LEITE, Miriam Lifchitz Moreira. A condição feminina no Rio de Janeiro, Século XIX: antologia de textos de viajantes estrangeiros. São Paulo: Editora Hucitec, 1984.

MARCHANT, Anyda. The Captain’s Widow: Maria Graham and the Independence of South America. The Americas, vol. 20, n. 2, p 127-142, oct, 1963.

OLIVEIRA, Ana Paula Silva de. Livros de viagem: relatos de viajantes estrangeiros e a zona de contato nas províncias do Norte do Brasil no século XIX (1809-1826). Fortaleza, 2005, 142 páginas. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Ceará.

PERROT, Michelle. Minha história das mulheres: São Paulo: Contexto, 2007.

PRATT, Mary Louise. Os olhos do império, relatos de viagem e transculturação. São Paulo:

Editora da Universidade do Sagrado Coração (EDUSC), 1999.

RENDALL, Jane. The condition women, women’s writing and the Empire in nineteenth-century Britain. In: HALL, Catherine; ROSE Sonya. At home with the Empire. Metropolitan Culture and the Impirial World. New York: Cambrigde University Press, 2006, p. 101-121.

SCOTT, Joan Wallach. História das mulheres. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história:

novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1991, p. 63-96.

(9)

9

______. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v.

20, n. 2, p. 71-99, jul. /dez. 1995.

THOMPSON, Carl. Travel Writing. London: Taylor & Francis Group, 2011.

______. Journeys to Authority: Reassessing Women's Early Travel Writing, 1763-1862. Women's Writing, v. 24, nº 2, p. 131-150, 2017.

TILLY, Louise A. Gênero, história das mulheres e história social. Cadernos Pagu, Campinas, n. 3, p. 28-62, 1994.

VALE, Brian. A Frigate of King George: Life and Duty on a British Man-of-War. Londres/ Nova York, I. B. Tauris, 2001.

Travel reports and the feminine in nineteenth-century Brazil: Maria Graham's trajectory

Abstract: In the early XIX century, several European travelers has been on the American continents and produced reports of the places where they has visited. In Brazil, the number of travelers grew after the arrival of the Portuguese Court and the opening of ports to the "friendly nations". At this time, the English Maria Graham arrived in the province of Pernambuco and also visited Bahia and Rio de Janeiro with her husband. During her stay in the country, the traveler wrote reports and perceptions about the feminine, and published the book, "Journal of a Voyage to Brazil and Residence there during the years 1821, 1822, 1823". This paper aimed to analyze the trajectory of the letter traveler Maria Graham, checking the reports about the feminine written in her travel diary to Brazil from the perspective of gender. And for that, the studies of Joan Scott, Louise Tilly and Carl Thompson are fundamental. From the source and the references analyzed, it is possible to see that Maria Graham recorded women in her diary when she met them in daily life, whether at parties, churches, meetings or trades, and many of the reports have an influence on the culture of her country. Therefore the work aims to contribute to the history of women, since Maria Graham was a writer who wrote about the feminine among many subjects, and this happened during the period in which few women has published books.

Keywords: Maria Graham. Trip Diary. Feminine.

Referências

Documentos relacionados

QUANDO TIVER BANHEIRA LIGADA À CAIXA SIFONADA É CONVENIENTE ADOTAR A SAÍDA DA CAIXA SIFONADA COM DIÂMTRO DE 75 mm, PARA EVITAR O TRANSBORDAMENTO DA ESPUMA FORMADA DENTRO DA

1. No caso de admissão do cliente, a este e/ou ao seu representante legal são prestadas as informações sobre as regras de funcionamento da ESTRUTURA RESIDENCIAL

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de

Tal será possível através do fornecimento de evidências de que a relação entre educação inclusiva e inclusão social é pertinente para a qualidade dos recursos de

Com o objetivo de compreender como se efetivou a participação das educadoras - Maria Zuíla e Silva Moraes; Minerva Diaz de Sá Barreto - na criação dos diversos

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação