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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP

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Academic year: 2018

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PUC/SP

Marcela Cunha Guimarães

Vícios do lançamento tributário

DOUTORADO EM DIREITO

(2)

PUC-SP

Marcela Cunha Guimarães

Vícios do lançamento tributário

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Lopes Becho.

DOUTORADO EM DIREITO

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Banca Examinadora

__________________________________

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Este trabalho é dedicado à memória de pessoas que marcaram minha vida, assinalaram um percurso e se revelaram guias de uma história a ser construída por mim.

Aos meus avós Geraldo Rodrigues da Cunha e Líbia Andrade Cunha. O primeiro me ensinou, através da pescaria, a importância do cevar, e a paciência para aguardar, para alcançarmos um resultado temos de trabalhar muito (preparar as iscas, escolher o melhor local, jogarmos a quirela, e, apenas depois lançarmos nossos anzóis na água, e, aí vem, pelo menos, para mim, a parte mais difícil saber aguardar para ter o resultado almejado, ser paciente. Com meu avô, portanto,

aprendi o valor da persistência, ele sempre dizia: “minha filha se você ficar tirando o anzol da água toda hora não vai conseguir pegar nada, paciência...”. (Empregar os meios necessários).

Com a minha doce vovó Líbia, com a qual aprendi o valor do amor – todos os seus atos eram motivados pelo amor, por esta razão, eram perfeitos, seus doces de calda, sua horta, sua costura, sua competência, como mãe, sogra e avó, com ela aprendi que a vocação e a excelência para expedição de qualquer ato depende do amor . (Valor Positivo/ Finalidade legítima)

Ao meu pai, com quem aprendi uma importante ferramenta para chegar à ponderação: saber ouvir e, apenas assim, ter uma visão abrangente, de modo a ser justa; ele genuinamente me fazia entender a importância do saber ouvir, não de

forma categórica, mas através de uma reflexão, de uma simples pergunta: “porque você acha que Deus, quando nos fez, nos deu dois ouvidos e apenas uma boca?

(metodologia que, anos mais tarde fui (re)conhecer no IBET). Além disso, ensinou-me o valor da honestidade, não importasse o quanto o dia fosse duro, mas eu sempre deveria me pautar pela integridade, buscar fazer o correto, por mais que isto pudesse me custar. (Ponderação/ Retidão)

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nem sempre significa participar mais, algumas pessoas são tímidas, não seria razoável, portanto, desmerecê-las por esta razão, devemos fazer uma observação

mais de perto, indo nos grupos, analisando os seminários...”. Ou seja, devo a ela, minha saudosa professora e amiga desde a Graduação na Universidade Federal de Uberlândia, em que me ministrou a disciplina Direito Financeiro, Universidade esta que hoje com muita honra sou professora de direito tributário, o ensinamento de, ao avaliar os meus alunos, sempre me pautar por critérios mais justos, razoáveis. (Equidade/Justiça)

Ensinaram-me a empregar os meios necessários, motivada, por um fim legítimo, ponderando, de modo a garantir o valor justiça.

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Agradeço aos meus familiares e amigos que, indiretamente, ao me apoiarem em minhas outras atividades, proporcionaram-me o mais valioso auxílio: o tempo para me dedicar.

Aos meus sócios que tiveram de se desdobrar e assumir tarefas que seriam minhas.

Aos meus alunos da Universidade Federal de Uberlândia e do IBET, pela oportunidade do diálogo e do debate de ideias.

Aos colegas da Universidade Federal de Uberlândia, em especial ao Professor Altamirando da Rocha Pereira, pelo incentivo, e ao Professor Luiz Carlos Figueira de Melo, que me fez mergulhar, com afinco, na doutrina administrativista.

Em especial à Paula, ao Vinícius e à Laíse pelo apoio e dedicação incondicionais, faltam palavras.

À Professora Fabiana Del Padre Tomé e ao Professor Robson Maia Lins pelas pertinentes observações na banca de qualificação, ao Professor Renato Lopes Becho, que com maestria destacou pontos importantes a serem trabalhados na tese, e sem o qual o doutorado seria apenas um sonho.

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O presente trabalho, utilizando o método teórico e pragmático, tem como objetivo verificar os elementos e pressupostos para válida expedição do ato administrativo de lançamento enquanto fonte normativa, com base em profunda análise de casos concretos, amplamente debatidos no Poder Judiciário e nos órgãos administrativos de julgamento. A inexistência dos elementos surtirá como consequência a própria inexistência do ato de lançamento. Como elementos, destacam-se sujeito, forma, conteúdo e publicidade. Diversamente, tal lançamento poderá existir, mas poderá ter sua validade e eficácia comprometidas, ante a existência de vícios relativos ao sujeito, forma, procedimento, causa, motivo e finalidade. Conforme diretrizes expostas na tese, tais vícios implicarão invalidação ou convalidação do lançamento. Indo além, esse trabalho terá por escopo não só versar sobre os vícios atinentes ao lançamento tributário, como também estabelecer premissas acerca dos limites da revisão do lançamento, notadamente no que diz respeito ao prazo decadencial previsto no artigo 173, II, do Código Tributário Nacional.

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This paper, by using theory and pragmatism, aims to verify the elements and assumptions to the valid issuance of the administrative taxation act whilst normative source based on profound analysis of concrete scenarios widely discussed among Brazilian Courts of Justice and the administrative sphere. The inexistence of such elements shall cause the taxation act’s own inexistence. Among these elements, we may highlight the subject, form, content and publicity. Such taxation act can exist, however its validity and effectiveness could be compromised due to the existence of deformities related to the subject, form, procedure, cause, motive and purpose. Following all guidelines herein mentioned, such deformity shall imply non validity or taxation act validity reestablished. Thus, the present paper intends not only refer to the deformities related to the taxation act, but also clarify the premises related to the limits on the revision of such taxation act, mainly in regard to the statutory period predicted on art. 173, II, from the Brazilian National Tax Code.

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1. ESTABELECENDO NOSSO “PACTO SEMÂNTICO” CONCEITOS E VOCÁBULOS

EMPREGADOS... 15

1.1FONTE DO DIREITO: PROCESSO X PRODUTO ... 15

1.2O QUE SE ENTENDE POR NORMA JURÍDICA LATO E STRICTO SENSU, ENUNCIADOS PRESCRITIVOS E PROPOSIÇÕES... 18

1.3CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSOANTE SUA POSIÇÃO NA ESTRUTURA DE POSITIVAÇÃO DO DIREITO ... 22

1.4NORMA JURÍDICA COMPLETA: FORÇA COGENTE ... 26

1.5ENTENDIMENTOS ACERCA DA EXISTÊNCIA E VALIDADE ... 31

1.5.1 Existência x Validade ... 31

1.6CONCLUSÕES PARCIAIS ... 40

2. O ATO DE LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO: CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO ... 42

2.1OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA X CRÉDITO TRIBUTÁRIO ... 42

2.2DO LANÇAMENTO COMO ATO ADMINISTRATIVO INSTITUIDOR DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO... 46

2.2.1 Definição de lançamento ... 46

2.2.1.1 Lançamento: processo, procedimento ou produto ... 53

2.2.2 Espécies de Procedimento de Lançamento ... 59

2.2.2.1 Lançamento de Ofício ... 61

2.2.2.2 Lançamento Misto/Declaração ... 63

2.2.2.3 Lançamento por homologação x “Auto lançamento” ... 64

2.3CONCLUSÕES PARCIAIS ... 67

3. ANÁLISE DOS PRESSUPOSTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO ATO DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO ... 70

3.1PRESSUPOSTOS PARA EXISTÊNCIA DO ATO ... 70

3.2PRESSUPOSTOS CONDIZENTES AO EXAME DA VALIDADE DA ENUNCIAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO ... 74

3.2.1 Pressuposto subjetivo (sujeito) ... 77

3.2.2 Motivo ... 78

3.2.3 Pressuposto lógico (causa) ... 82

3.2.4 Finalidade (pressuposto teleológico) ... 87

3.2.5 Pressuposto formalístico ... 89

3.2.6. Pressuposto procedimental ... 92

3.3CONCLUSÕES PARCIAIS ... 95

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4.3NULIDADES DO ATO ADMINISTRATIVO ... 108

4.3.1. Atos nulos e anuláveis ... 113

4.3.2. Da possibilidade de convalidação ... 117

4.3.2.1. Convalidação x Invalidação x Revogação ... 117

4.3.2.1.1. Invalidação ... 119

4.3.2.1.2. Convalidação ... 119

4.3.2.1.2.1 Das Diretrizes para Convalidação ... 119

4.3.2.1.2.1 Possibilidade de convalidação de ato administrativo objeto de impugnação . 122 4.3.2.1.3. Revogação ... 127

4.4VÍCIOS DO LANÇAMENTO: LIMITES PARA SUA REVISÃO ... 129

4.4.1 Limite Material ... 129

4.4.2 Limite Formal ... 131

4.4.3 Limite Temporal ... 132

4.4.3.1. Diretrizes para interpretação e aplicação da regra prevista no artigo 173, II, do Código Tributário Nacional. ... 133

4.4CONCLUSÕES PARCIAIS ... 138

5. ARREMATANDO AS PREMISSAS: SUBSUNÇÃO DA TEORIA SOBRE EXISTÊNCIA E VALIDADE DOS ATOS ADMNISTRATIVOS AO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO, ANÁLISE DOS VÍCIOS E SEUS EFEITOS ... 140

5.1LANÇAMENTO: ESPÉCIE DE ATO ADMINISTRATIVO ... 140

5.2ATO DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO: VEÍCULO INTRODUTOR (NORMA CONCRETA E GERAL)– PRESSUPOSTOS PARA SUA EXISTÊNCIA... 143

5.3DO ATO DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO: PRESSUPOSTOS PARA SUA VALIDADE . 144 5.3.1 Pressuposto subjetivo ... 145

5.3.1.1 Dos vícios em relação ao pressuposto subjetivo ... 149

5.3.1.1.1 Conflito no “exercício” da competência tributária... 149

5.3.1.1.1.1 IPVA ... 150

5.3.1.1.1.1 Omissão legislativa x Direito a indenização ... 156

5.3.1.1.1.2 Venda de medicamentos manipulados: ICMS x ISS ... 161

5.3.1.1.1.2.1. Conflito no exercício da competência administrativa tributária x Prática Reiterada – Impossibilidade da exigência de multas, juros e correção monetária... 164

5.3.1.1.1.4 Exigência de Tributo x Conflito de competência x Segurança jurídica ... 167

5.3.1.1.2 Vícios do pressuposto subjetivo em decorrência de desconformidade de critérios legais definidores da capacidade tributária ativa ... 175

5.3.1.1.2.1 Incompetência administrativa em razão da matéria ... 176

5.3.1.1.2.2 Incompetência Administrativa em razão da função ... 177

5.3.1.1.2.3 Incompetência Administrativa em razão do território ... 178

5.3.1.1.2.4 Incompetência administrativa em razão de aposentadoria, e impedimento, suspeições do agente administrativo ... 180

(11)

5.3.2.1.2 Provas obtidas por meios ilícitos ... 189

5.3.2.2 Teoria dos motivos determinantes ... 191

5.3.3 Pressuposto lógico-causal... 193

5.3.3.1 Vício condizente a causa: desconformidade entre motivo do ato e ato produzido ... 193

5.3.3.2 Vício de contentorização: ausência de adequação entre a medida adotada o fim colimado (violação dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade) ... 194

5.3.3.2.1. Da inadequação de fixação de multas confiscatórias sob o pretexto de coibir condutas ilícitas ... 199

5.3.3.3 Erro de fato e erro de direito x Alteração de critério jurídico ... 203

5.3.3.3.1 Mudança de critério jurídico x Interpretação ... 206

5.3.4 Pressuposto teleológico (finalidade) ... 211

5.3.4.1. Desvio de Finalidade ou Desvio de Poder ... 211

5.3.5 Pressuposto formalístico ... 214

5.3.6 Pressuposto procedimental ... 217

5.3.6.1. Ato preparatório com Desvio de Finalidade (sanção política x desvio de poder) ... 219

5.3.6.2 Ausência de Notificação ... 227

5.4CONCLUSÕES PARCIAIS ... 233

CONCLUSÃO... 240

(12)

INTRODUÇÃO

No presente trabalho, tratar-se-á do lançamento tributário e de seus vícios sob a ótica do Direito Administrativo, enquanto ato essencialmente regido pelas normas e princípios ligados a esse ramo do direito.

Tal eleição justifica-se por força do próprio direito positivo. Observa-se que o Código Tributário Nacional, em seu artigo 142, ao dispor sobre o lançamento, o

define como: “... procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do

fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a

aplicação da penalidade cabível” (grifo nosso).

Consequentemente, um dos objetivos do trabalho consiste em verificar e traçar genericamente os pressupostos para expedição do ato de lançamento, enquanto fonte normativa. Nesse sentido, o conteúdo inserido por tal ato (este sim, notadamente afeito ao direito material tributário), para o nosso estudo, é apenas um dos aspectos a serem considerados, e mesmo assim de forma genérica.

No primeiro capítulo, serão abordados os conceitos e vocábulos empregados

no trabalho, tais como “fontes do direito”, “processo”, “produto”, “norma jurídica lato e stricto sensu”, “enunciados prescritivos”, “proposições”, “ norma primária e

secundária”, “normas gerais e abstratas”, “individuais e concretas”, “individual e concreta” e “individual e abstrata” , plano de existência, validade e eficácia das

normas jurídicas.

(13)

No terceiro capítulo, serão estudados de forma genérica os elementos e pressupostos para válida enunciação do ato administrativo de lançamento, requisitos ligados ao sujeito, motivo, causa, finalidade, formalidade e procedimento.

Como o trabalho diz respeito aos vícios do lançamento, em sua acepção lata, entende-se oportuno tecer considerações acerca das consequências de tais imperfeições e invalidades, para o que se investigam nas legislações federais, as disposições acerca de nulidade e anulabilidade dos atos, bem como, os pressupostos e limites para a revisão do atos administrativos, tais como revogação, convalidação e invalidação. Finalmente, à luz da teoria exposta, são propostas diretrizes acerca da aplicação do artigo 173, II do Código Tributário Nacional, questões essas tratadas no capítulo quarto.

Por fim, no quinto capítulo, estabelecendo a necessária intersecção entre a teoria e prática, serão estudados os elementos e os pressupostos de validade do ato de lançamento, tendo em vista casos práticos, apresentando assim propostas para solução..

Nesse derradeiro capítulo, nos propusemos a refletir em nossa tese se, por exemplo, um ato de lançamento que tivesse como ato preparatório um ato contrário ao direito poderia ser considerado válido e, portanto, respaldar, de forma hábil, a exação imposta.

E não só ao tratar dos pressupostos do ato de lançamento, bem como dos vícios a eles relacionados, buscou-se identificar, se se tratavam de vícios formais ou materiais, e, sobretudo, se estariam sujeitos a convalidação ou invalidação. Não é demais, ainda, ressaltar a relevância de tais distinções, em face do exposto no artigo 173, II do Código Tributário Nacional.

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Especialmente, chamaram-nos a atenção os lançamentos que tinham como ato preparatório atos ilegais, tais como apreensão de mercadorias, com o desiderato de se exigir tributo de forma oblíqua.

Não obstante haver, por parte tanto da Doutrina como da Jurisprudência, um posicionamento unânime acerca da ilegalidade de tais atos, tendo inclusive o Supremo Tribunal Federal, fonte máxima de interpretação e produção normativa, sumulado tais práticas como ilegais, fato é que, não raras vezes, deparamo-nos com a prática de tais atos por parte da Administração.

Do mesmo modo que o Participante (aplicador do direito), em seu processo de interpretação e aplicação do direito positivo, deverá pautar-se pelos princípios moduladores do Estado Democrático do Direito, da Segurança Jurídica, pensamos que nós observadores, embora não tenhamos competência para expedir normas, não podemos fazer da teoria um fim em si mesmo. Ou seja, o móvel do nosso

estudo foi fixar premissas, diretrizes úteis, atribuindo meios

(instrumentos/ferramentas) para os participantes, como sujeitos credenciados pelo sistema a inserirem normas jurídicas no seu percurso normativo, conferindo efetividade e fazendo valer os princípios basilares do Estado de Direito.

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1. ESTABELECENDO NOSSO “PACTO SEMÂNTICO” – CONCEITOS E VOCÁBULOS EMPREGADOS

Inicialmente, com afã de dar clareza ao discurso, antes de se analisar os pressupostos da norma de lançamento tributário, bem como as consequências de seus vícios, entende-se oportuno esclarecer os referenciais adotados, bem como fixar premissas sobre temas que embora não sejam objeto de análise da nossa tese, são imprescindíveis para o desenvolvimento e compreensão do nosso trabalho.

Reputa-se importante tratar do tema ligado a fontes do direito, a fim de estabelecer a diferença existente entre o lançamento enquanto processo de produção normativa, portanto, enunciação, e do conteúdo inserido, enunciado-enunciado. Tendo em vista que o nosso trabalho terá por escopo verificar os pressupostos do lançamento, enquanto fonte normativa.

Além disso, por se considerar o lançamento tributário norma jurídica, entende-se, igualmente, oportuno expor nosso entendimento sobre o que se compreende por esta, e ainda verificar, mesmo que de forma breve, de que modo compreendemos a existência, validade, e eficácia das normas jurídicas.

1.1 Fonte do Direito: processo x produto

Partindo-se da premissa que o direito cria, regula seu próprio processo de criação, não é raro confundir o resultado do processo normativo, com o próprio processo.

Dessa forma, quando se fala de lançamento tributário, pode-se pensar no processo de enunciação do lançamento, na norma introdutora do lançamento, e ainda do lançamento enquanto produto.

Na concepção de Paulo de Barros Carvalho,1 podem-se entender as fontes do direito como sendo:

(16)

Os focos ejetores de regras jurídicas, isto é, os órgãos habilitados pelo sistema para produzirem normas, numa organização escalonada, bem como a própria atividade desenvolvida por essas entidades, tendo em vista a criação de normas.

Ao tratar de fontes, ressalta o jurista que devemos diferenciar as normas em introdutoras e introduzidas. Tal exposição, de forma simplificada, ajuda-nos a compreender as fontes do direito e solapar várias dúvidas, no que tange a confundir o processo de positivação com o próprio produto.

Dessa forma, as fontes do direito serão os acontecimentos do mundo social, juridicizados por regras do sistema e credenciados para produzir normas jurídicas que introduzam, no ordenamento, outras normas.

Em síntese, o doutrinador2 diferencia as fontes formais das materiais, destacando que estas se circunscrevem ao exame do processo de enunciação dos fatos jurídicos, de tal modo que, neste sentido, a teoria dos fatos jurídicos é a teoria das fontes dogmáticas do direito. As fontes formais, por sua vez, correspondem à teoria das normas jurídicas, mais precisamente daquelas que existem no ordenamento para o fim primordial de servir de veículo introdutor de outras regras jurídicas.

Por sua vez, Lourival Vilanova3 entende como fontes do direito:

As normas de organização (e de competência), e as normas do "processo legislativo", constitucionalmente postas, incidem em fatos e os fatos se tornam jurígenos. O que denominamos de "fontes do direito" são fatos jurídicos criadores de normas, fatos sobre os quais incidem hipóteses fácticas, dando em resultado normas de certa hierarquia.

Podemos observar que Lourival Vilanova também trata as fontes como processo de positivação, deixando clara a diferença que há de se fazer entre a produção das normas e o seu produto.

2 Ibidem, p. 52.

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Eurico Marcos Diniz Santi4 também faz uma alusão às fontes do direito, ao escrever:

O direito não só cria suas próprias realidades nos enunciados-enunciados de uma lei, como recria e constitui a própria realidade de sua criação na enunciação enunciada. O direito é criado para eventos que se tornam fatos na medida em que são enunciados no produto desses processos normativos. O direito entra para o direito pelo próprio documento que produz: os produtos juridicizam o processo. O fato da criação da lei entra no corpus da lei, o processo de criação judicial ingressa na sentença e o processo de edição do ato administrativo, no próprio ato administrativo.

Por fim, Tárek Moysés Moussallem,5 em obra profunda dedicada ao tema, posiciona-se: “nos lindes do presente trabalho, a lei não é fonte do direito, pois ela

está para o enunciado assim como o processo legislativo está para enunciação. Esta

é a ‘fonte do direito’, ao passo que a lei é produto.”.

Não há dúvida de que compreender as fontes do direito, ou seja, a própria criação do direito, não é matéria fácil, tendo em vista que é o próprio direito que regula as formas de sua criação. E esta falta de compreensão levou-nos, muitas vezes, ao equívoco, à afirmação de que a lei nasce da própria lei, o direito nasce do próprio direito.

Tal entendimento fez com que incorrêssemos no absurdo de afirmar, por exemplo, que a caneta surge da própria caneta.

Na verdade, não é assim que deve tal fenômeno ser entendido, o processo de positivação, seja ele o processo legislativo, administrativo ou judicial, jamais poderá ser confundido com o seu produto, qual seja, os enunciados prescritivos, os atos administrativos, as decisões judiciais.

O processo, uma vez terminado, esvai-se no tempo e no espaço. O produto, as regras jurídicas, estas sim permanecem nos sistemas, até que, por outras normas, deixem de compô-lo.

4 SANTI, Eurico Marcos Diniz. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 279.

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Destarte, considerar-se-á, no presente trabalho, como fonte do direito, o processo de enunciação de produção normativa, que, por sua vez, se exteriorizará no sistema, através de um veículo introdutor, o qual, finalmente irá inserir no ordenamento enunciados gerais, abstratos, individuais e concretos.

Neste sentido, o estudo das fontes também é importante, para se deixar claro que não deve o intérprete, ao analisar os pressupostos de validade, deter-se ao que fora produzido; o ato de enunciação deve ser igual e antecipadamente considerado, para fins de verificação de validade do processo produtivo. Daí a importância de se distinguir o processo do produto.

Examinar o modo como determinada norma foi produzida é da mais extrema importância, levando-se em conta a premissa de que o direito regula a sua própria criação. Nesse sentido, para fins do direito positivo, a análise do processo de criação é tão importante e necessária quanto verificar a legalidade do próprio conteúdo expedido.

Assim, em razão de necessário corte metodológico, concentraremos nossos estudos, na análise dos elementos e pressupostos de validade do ato administrativo de lançamento, veículo introdutor da norma individual e concreta constitutiva do crédito tributário.

Em outras palavras, nosso estudo consistirá em analisar os pressupostos de validade do próprio processo de enunciação da norma de lançamento, eis que se nele houver vício, o veículo introdutor, resultado daquele primeiro, restará prejudicado e, uma vez havendo vício nesse último também, o seu produto, ou seja, o conteúdo do ato expedido, igualmente restará maculado.

1.2 O que se entende por norma jurídica lato e stricto sensu, enunciados

prescritivos e proposições

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torna-se necessário demarcar o que torna-se entende por norma jurídica em suas diferentes acepções.

O direito positivo manifesta-se por meio de uma linguagem prescritiva, sendo composto por vários enunciados prescritivos, neste sentido, em uma acepção ampla, pode-se definir norma jurídica como sendo aquela constituída por todos estes enunciados. Para exemplificar, a Lei 6.830/80, com todos seus artigos, pode ser compreendida como norma jurídica.

Em uma acepção estrita, todavia, adotar-se-á como sendo norma jurídica o juízo extraído desses enunciados, organizados sob uma estrutura hipotético-condicional, atribuindo a determinada hipótese (suposto ou antecedente) uma consequência específica.

Deste modo, à luz das premissas fixadas, as normas jurídicas, em sentido estrito, deverão necessariamente apresentar uma estrutura hipotético-condicional, da qual será extraída determinada significação, motivo pelo qual se consideram, necessariamente, implícitas.6

Em outras palavras, as normas não aparecem nos textos prescritivos, portando, sintaticamente, uma estrutura hipotético-condicional; o que se tem nos textos são meros enunciados prescritivos. Logo, tal empreitada de ir lendo, interpretando os enunciados, e estruturando-os num juízo hipotético condicional, caberá ao intérprete. Por esta razão, é igualmente possível afirmar que a norma será sempre resultado de processo ou produto de uma interpretação.

Para a adequada compreensão do presente trabalho e buscando firmar um pacto semântico, torna-se oportuno esclarecer que as estruturas normativas que não se encontram estruturadas num juízo hipotético-condicional, serão tratadas:

 ora como enunciados prescritivos, aqui se enquadrando a literalidade dos dispositivos legais. Como exemplo, cita-se o artigo 11 da Lei 6.830/807, de

6 "A norma jurídica é exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso espírito". Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 16.ed. 2004, p. 8.

7 Art. 11 - A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem: I - dinheiro;

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modo que, se pretendêssemos fazer referência literal ao disposto no caput do

referido dispositivo, que afirma que “A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem”, o denominaríamos de enunciado prescritivo;8

 ora como proposições jurídicas, estas entendidas como sendo o resultado do conteúdo extraído dos enunciados prescritivos, mas que ainda não se encontram organizadas sintaticamente sob o juízo hipotético-condicional,

como por exemplo: “A penhora ou arresto deverá recair preferencialmente sobre dinheiro”. (Lei 6.830/80 artigo 11, inciso I).

Na precisa lição do Mestre Paulo de Barros Carvalho,9 empregando a semiótica:

Uma coisa são os enunciados prescritivos, isto é, usados na função pragmática de prescrever condutas, outra, as normas jurídicas, como significações construídas a partir dos textos positivados e estruturadas consoante a forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições prescritivas.

Por fim, não se pode desconsiderar que, embora as proposições jurídicas, isoladamente, não sejam consideradas normas jurídicas, apresentam papel essencial para a formação do direito positivo, uma vez que, conjuntamente interpretadas, dão sentido às normas jurídicas.

Ressalta-se que a construção de normas jurídicas em sentido estrito objetiva, ao intérprete do direito positivo, sistematizar os comandos normativos, enxergar de modo mais fácil as condutas reguladas, verificar aquilo que é obrigatório, permitido

IV - imóveis;

V - navios e aeronaves; VI - veículos;

VII - móveis ou semoventes; e VIII - direitos e ações.

§ 1º - Excepcionalmente, a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em plantações ou edifícios em construção.

§ 2º - A penhora efetuada em dinheiro será convertida no depósito de que trata o inciso I do artigo 9º. § 3º - O Juiz ordenará a remoção do bem penhorado para depósito judicial, particular ou da Fazenda Pública exequente, sempre que esta o requerer, em qualquer fase do processo.

8 A esse respeito, esclarece Aurora Tomazini de Carvalho, com i

nteira propriedade: “Como

significação, as normas jurídicas estão sempre na implicitude dos textos, não existe norma expressa (a não ser quando utilizada em acepção ampla). O que se apresenta de forma expressa são os enunciados prescritivos componentes do plano material do direito positivo”. (CARVALHO, Aurora

Tomazini de. Curso de teoria geral do direito. São Paulo: Noeses. 2010, p. 283).

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ou proibido, sem, contudo, perder de vista os demais enunciados prescritivos que gravitam em torno das normas jurídicas construídas.

No caso da norma que impõe a obrigatoriedade de pagar ou nomear bens à penhora diante da citação, destaca-se que outros dispositivos legais, veiculados na Lei 6.830/80, são igualmente importantes para conferir eficácia normativa ao comando indicado. Neste sentido, o próprio artigo 8º prescreve as condições materiais e coordenadas de tempo e espaço para que a citação se dê validamente. Assim, poderiam ser construídas outras normas jurídicas em sentido estrito, para tratar especialmente da própria norma jurídica da citação. Ou seja, é o direito positivo regulando sua própria forma de criação. E os intérpretes atentos para isso.

Por conseguinte, a estrutura hipotético-condicional da norma é utilizada como ferramenta para organizar os enunciados prescritivos, que se encontram emaranhados, sem, contudo, perder de vista a unidade do sistema normativo.

Para melhor esclarecer, permite-se a seguinte comparação: o objeto de estudo do cientista da medicina é o corpo humano, da mesma forma que o objeto de estudo do cientista do direito são os enunciados prescritivos válidos em um determinado ordenamento.

Observe-se que o corpo humano, da mesma forma que o direito positivo, é composto por uma estrutura complexa, dotado de várias células, tecidos, membros e órgãos, os quais, para funcionarem perfeitamente, precisam estar em harmonia. Neste sentido, para melhor conhecer a “parte”, é necessário fazer cortes, sem jamais

desconsiderar o todo.

Não é despiciendo enfatizar que, na construção das normas jurídicas em sentido estrito, deve o intérprete não só atentar para os enunciados gerais, mas também para aqueles concretos, produzidos pelo Judiciário em decisões já sedimentadas. Como exemplo, podemos citar os recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, e a repercussão geral no Supremo Tribunal Federal.

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do professor Renato Lopes Becho,10 na visão de quem a norma jurídica pode ser extraída da seguinte equação:

norma = lei + jurisprudência+ interpretação

Ainda nos servindo da comparação entre a medicina e o direito, não é despiciendo observar que, em qualquer lugar do mundo, o corpo humano sempre terá a mesma estrutura. O mesmo entendimento pode ser aplicado às normas jurídicas, porquanto, em qualquer ordenamento, o direito positivo sempre prescreve suas condutas utilizando-se da mesma estrutura sintática (hipótese – consequência).

A distinção ocorre apenas no plano semântico, ou seja, no conteúdo das normas. Da mesma forma que dois homens, verbi gratia, embora possuam os mesmos membros, a mesma estrutura, não serão considerados iguais, em virtude da distinção em sua aparência, as normas também não o serão, tendo em vista o conteúdo normatizado. Por esta razão, diz-se que as normas jurídicas são dotadas de uma homogeneidade sintática e heterogeneidade semântica.

1.3 Classificação das normas consoante sua posição na estrutura de positivação do direito

Conforme visto alhures, a norma jurídica estrito sensu é composta de uma estrutura bimembre, de um antecedente (previsão do evento de possível ocorrência) e um consequente (conduta a ser realizada por meio dos modais deônticos, por um sujeito em relação a outro, caso o fato previsto no antecedente venha a ocorrer).

A depender do estágio do processo de positivação, as normas podem ser classificadas em abstratas ou concretas e gerais ou individuais.

(23)

A rigor, para identificar se se está diante de uma norma abstrata ou concreta, verifica-se o seu antecedente. Se ele descrever eventos ainda indeterminados no tempo e no espaço, diz-se que é abstrata. Se o evento, no entanto, já aconteceu, tendo sido descrito num antecedente normativo demarcado no tempo e no espaço (fato jurídico), a norma classifica-se como concreta.

Por sua vez, para avaliar uma norma como geral ou individual, o foco deverá recair sobre o consequente. Se já é possível identificar especificamente os sujeitos da relação jurídica (ativo e passivo) a quem se dirige a prescrição normativa, diz-se que a norma é individual. Por outro lado, se a norma é direcionada a qualquer pessoa que praticar a hipótese nela prevista, sem uma possível determinação, tem-se que ela é geral.

A esse respeito leciona Tárek Moysés Moussallem:11

A norma jurídica é considerada abstrata ou concreta quando analisada sob o prisma do seu antecedente. A norma será abstrata quando o antecedente trouxer critério de aferição (conotação) que um acontecimento precisa ter para ser considerado jurídico. Será concreta quando em seu antecedente estiver descrito um fato jurídico (denotação) ocorrido em determinadas circunstâncias de espaço e de tempo. (2001, p. 218)

Por outro lado, a norma, segundo o autor12,

(...) é considerada geral ou individual quando inquirida sob o ângulo de seu consequente. A norma será geral quando o sujeito passivo for indeterminado, e possuirá o atributo de individual quando os sujeitos da relação jurídica forem perfeitamente determinados.

Para o presente trabalho, insta esclarecer que diante do processo de positivação do direito, não há que se falar em uma divisão rígida e estanque tendo de um lado normas gerais e abstratas e do outro individuais e concretas. Segundo adverte Bobbio13

Tanto il destinatario quanto l´oggeto possono figurare in una proposizione com soggetto universale e com soggeto singulare. In questo modo si ottengono non due ma quatro tipi di proposizioni

11 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 218. 12 Ibidem, p. 218.

(24)

giuridiche, ovvero prescrizioni com destinatario universale, prescrizioni con destinatario singolare, prescrizioni com azione universale, prescrizioni con azione singolare.

Desse modo, imperioso esclarecer que a afirmação de que a norma geral será sempre abstrata, e a concreta, ao revés, individual, deverá ser vista com ressalvas, porquanto seja possível identificar, no processo de positivação do direito, 4 espécies de enunciações normativas: ( i) geral e abstrata - Ex. Regra matriz de incidência tributária; normas que disponham sobre deveres instrumentais e sanções (ii) geral e concreta - Ex. Veículo introdutor da norma de Lançamento; (iii) individual e concreta - Ex., Sentença, Conteúdo da norma de lançamento e (iv) individual e abstrata - Ex., Contrato sujeito a termo, sujeitos previamente previstos, mas cuja obrigação encontra-se condicionada a evento futuro e incerto.

Assim, a classificação das normas em abstratas ou concretas, e gerais ou individuais, deverá ser feita tomando como critério identificador, respectivamente, o antecedente e consequente normativos, na medida em que eles possam admitir as mais diversas combinações. Em outras palavras, nem sempre uma norma abstrata será geral e uma concreta será individual, sendo conceitos independentes.

Além disso, oportuno destacar que até mesmo as normas concretas e individuais podem surtir efeitos gerais, o que se pode observar do excerto esclarecedor de autoria do Professor Renato Lopes Becho14:

(...) as normas gerais e abstratas são direcionadas, em tese, a todas as pessoas e para todos os acontecimentos futuros. Por normas individuais e concretas temos aqueles comandos construídos especificamente para uma ou algumas pessoas claramente identificadas, agindo sobre fatos definíveis facilmente com coordenadas de tempo e espaço. Dentro da tripartição de poderes, as fontes de seus textos, por excelência, são os tribunais e a Administração Pública. A Administração Pública exterioriza tais comandos utilizando-se de atos, enquanto o Poder Judiciário o faz por suas decisões, sentenças e acórdãos. (...)

Daí se menciona que a lei nos leva à norma geral e abstrata, enquanto os parlamentos são suas fontes ejetoras. De igual maneira, afirma-se que as decisões dos tribunais veiculam as normas

(25)

individuais e concretas, sendo suas fontes os órgãos do Poder Judiciário. 15

(...) O precedente reiteradamente utilizado pelo tribunal não é uma mera norma individual, mas exerce a função de norma geral. O órgão julgador decide aplicar o precedente dando-lhe a

exata conotação como se fosse uma lei um texto de conteúdo

geral e abstrato. (grifo nosso)

E, para confirmar a tese exposta, cita o jurista,16 como exemplo, julgado que reconheceu a exceção de pré-executividade como meio de defesa hábil para tratar dos vícios do título executivo reconhecíveis de plano. Ou seja, embora tenha sido a exceção empregada para resolver um caso concreto, fato é que a mesma tem sido utilizada como típica norma geral e abstrata.17

Na presente tese serão investigados os elementos e pressupostos de validade da norma de lançamento tributário, a qual pode ser genericamente formalizada da seguinte maneira:

QUADRO 1:Norma de Lançamento: Processo (Norma concreta e geral). Sob a ótica da Administração

15 Sem embargo, nos esclarece o autor que o exercício de tais funções é uma redução da realidade, tendo em vista que tanto o legislativo, como o executivo e o judiciário acabam realizando atos que

não lhes são típicos, e exemplifica: “Assim, o Legislativo também administra (v.g. seus prédios e seus

servidores) e julga politicamente, com efeitos jurídicos, seus membros e os de outros poderes. Da mesma forma, o Judiciário diversas vezes legisla e administra, apesar de tais atividades não serem suas atribuições típicas, e o Poder Executivo legisla e julga, apesar de essas não serem suas

atribuições principais”. (BECHO, Renato Lopes. Filosofia do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 127).

(26)

Fonte: elaborado pela própria autora

QUADRO 2: Norma de Lançamento: Processo (Norma concreta e geral). Sob a ótica do Administrado

Fonte: elaborado pela própria autora

Em razão de necessário corte metodológico, será considerado o plano de existência e validade da norma de lançamento sob a ótica do administrado.

1.4 Norma jurídica completa: força cogente

Por razões didáticas, verificou-se primeiramente a estrutura sintática presente nas normas jurídicas em sentido estrito, isoladamente consideradas. Nesta senda, toda norma stricto sensu necessita de uma estrutura hipotético condicional onde, em relação a um dado fato previsto no antecedente normativo, é atribuída uma determinada consequência jurídica, assim formalizada:

(27)

Explica-nos Aurora Tomazini de Carvalho, de forma mais detalhada, que toda e qualquer regra jurídica apresenta a seguinte estrutura:

FIGURA 1 - Estrutura de norma jurídica

Fonte: CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito. São Paulo: Noeses. 2010, p. 290.

A respeito da estrutura, afirma a autora18:

As normas jurídicas têm estrutura implicacional (pq), própria da causalidade (relação de causa-efeito). Assim, sua construção formal a reduz a duas proposições sintáticas (implicante e implicada), ligadas por um conectivo condicional (), que estabelece o vínculo inter-proposicional, imposto por um ato de vontade do legislador, expresso por um dever-ser neutro (Dsn), não modalizado. A posição implicada é denominada consequente (C), ou tese e estabelece uma

relação (R) entre dois sujeitos (S’ e S”), modalizada como obrigatória

18 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito. São Paulo: Noeses. 2010, p. 290.

Nj: norma jurídica; H (f) H: hipótese;

(f): referência a um acontecimento NJ Dsn factual;

Dsn: ‘dever-ser’ neutro, que ins-

C (S’ R S’’) tala o nexo intraproposicional;

: conectivo implicacional; O C: consequente;

Dsm V S e S’: termos de sujeitos; P R: variável relacional;

Dsm: ‘dever-ser’ modalizado, que

Instala o nexo intraproposicional; : nexo relacional;

(28)

(O), proibida(V), ou permitida (P), que deve ser cumprida por um e pode ser exigida por outro. O nexo relacional ( ),estabelecido intraproposicionalmente no consequente normativo, que institui o dever de cumprir e o direito de exigir, expressa-se por um “dever-ser”

modalizado (Dsm), pois, diferentemente do primeiro, triparte-se em três modais (obrigatório, proibido e permitido).

Ocorre que, para serem qualificadas como normas “jurídicas”, sendo capazes

de surtir os efeitos pretendidos, não basta, per si, serem veiculadas em documentos normativos, proibindo, permitindo ou obrigando determinadas condutas, se não existir outra norma que lhes deem força cogente.

Permita-nos explicar: nada adiantaria a previsão normativa, verbi gratia, de ser obrigatório o recolhimento de determinado tributo (norma primária dispositiva), nem tampouco a previsão de multa para o caso do não recolhimento (norma primária sancionatória), se não fosse previsto no sistema outra norma, processual, secundária, em que o ente tributante, através do Poder Judiciário, tivesse meios de efetivamente receber a quantia devida. Neste sentido, destaca-se que a Lei 6.830/80, já citada alhures, cumpre justamente esta função, de norma secundária.

Destarte, preceitua-se que a norma deve apresentar uma estrutura bimembre (Norma primária e Norma Secundária), sendo então denominada norma jurídica completa.

Nesse aspecto, Lourival Vilanova19 estabelece:

O Direito-norma, em sua integridade constitutiva, compõe-se de duas partes. Denominemos, em sentido inverso da teoria Kelsiana, norma primária a que estatue direitos/deveres (sentido-amplo) e norma secundária a que vem em consequência da inobservância da conduta devida, justamente por sancionar seu inadimplemento (impô-la coativamente ou dar-lhe conduta substitutiva reparadora).

Também Carlos Cóssio20 observando tal fenômeno normativo, vale dizer, a estrutura bimembre da norma, aplica, para diferenciar tais estruturas, a denominação de endonorma e perinorma, a primeira para aquela que prevê a

19 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max Limonad. 1997, p. 111-112.

(29)

conduta a ser cumprida, enquanto a segunda faz referência à norma que veicularia a sanção a ser aplicada pelo Estado-Juiz, em virtude do descumprimento do dever.

Convém ressaltar ainda, para superar eventual equívoco, a existência de normas primárias que estabelecem sanção, notando que estas, apesar de preverem penalidades por descumprimento de normas dispositivas, não podem ser confundidas com as normas secundárias, cuja sanção é aquela aplicada pelo órgão jurisdicional.

Nessa perspectiva, nos valemos da doutrina de Eurico Marcos Diniz de Santi, que, para pôr termo a essa possível confusão terminológica, classificou as normas primárias em dispositivas e sancionadoras:

Têm-se, portanto, normas primárias estabelecedoras de relações jurídicas de direito material decorrentes de (i) ato ou fato lícito, e (ii) de ato ou fato ilícito. A que tem pressuposto antijurídico denominaremos norma primária sancionadora, pois veicula uma sanção - no sentido de obrigação advinda do não cumprimento de um dever jurídico - enquanto que a outra, por não apresentar aspecto sancionatório, convencionamos chamar norma primária dispositiva.21

Desta forma, podemos formalizar a estrutura normativa completa da seguinte maneira:

FIGURA 2 Estrutura da Norma Jurídica Completa

D [( H  C) v (-C  s)]

Fonte: CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito. São Paulo: Noeses. 2010, p. 390.

(30)

A norma primária associa um evento de possível ocorrência à determinada consequência. A norma secundária, por sua vez, verificado o acontecimento descrito e o seu descumprimento, estabelece a coercibilidade através do poder jurisdicional, dando possibilidade ao sujeito ativo (titular do direito) de exigir, forçar o cumprimento do que fora estabelecido na norma primária. Sem a norma secundária, as normas jurídicas primárias indubitável e sensivelmente teriam sua eficácia (propagação de efeitos) comprometida.

No caso específico do presente trabalho, a norma secundária do ato de lançamento seria sob o viés da Administração, em uma vez exercendo validamente sua competência de poder exigir o crédito tributário, valendo-se de atos expropriatórios em regra através da execução fiscal.

Sob o viés do Administrado, objeto de nosso estudo, ao revés, seria, ante a irregular enunciação da norma instituidora do crédito tributário, opor-se a mesma, no âmbito administrativo ou judicial, de modo a ver declarado a invalidade de tal ato e, logicamente, comprometida a eficácia da norma posta. Neste sentido, Tácio Lacerda Gama22, após detida e profunda análise sobre o tema, esclarece:

O ato de criar normas é uma conduta como outra qualquer. Podemos diferençá-la das demais apenas pelo resultado, que é a produção de enunciados prescritivos a partir dos quais se podem elaborar normas jurídicas. Ao confrontar esse resultado, com o que prescrevem as normas de competência, a conduta de criar normas jurídicas pode ser considerada lícita ou ilícita, conforme seja compatível ou não com a norma de competência.

É fácil, então, relacionar a ideia de nulidade das normas jurídicas, ou invalidade, à ideia de sanção pelo exercício irregular da competência.

Desta forma, sempre que alguém pretenda argumentar pela não aplicação de uma norma ao caso concreto, ou pela suspensão

da sua vigência no direito positivo, o que se está pedindo, em

última análise, é a aplicação de uma norma sancionatória, em face do exercício irregular da competência. (grifo nosso)

Desse modo, uma vez inobservados os pressupostos para válida expedição da norma de lançamento, terá o sujeito que se sentir prejudicado diante de tal

(31)

violação o direito de socorrer-se Administrativa ou Judicialmente, pleiteando assim, a nulidade (invalidade) da norma produzida irregularmente.

Em outras palavras, de nada adiantaria o direito positivo prescrever o modo de produção normativa, se mesmo diante da sua inobservância, não houvesse qualquer consequência para aquele sujeito que desrespeitou tal regramento. A sanção neste sentido imposta pela norma secundária há de ser minimamente a invalidade do conteúdo produzido, sem prejuízo de outras consequências.

1.5 Entendimentos acerca da existência e validade

1.5.1 Existência x Validade

A primeira questão, que demanda esclarecimento, diz respeito ao modo em que serão empregues os vocábulos existência e validade. Grande parte da doutrina defende a existência como sinônimo de validade, entendendo como válida a norma pertencente ao sistema. Desse modo, a validade não seria atributo, qualidade da norma; seria sim a própria norma.

Defendendo tal posicionamento, Paulo de Barros de Carvalho enuncia: Reitero, aqui, a impropriedade de utilizarmos ‘validade’ como predicado, (...) uma

vez que pertencer ao sistema é a condição mesma de sua existência enquanto

norma”.23

Do mesmo modo, a validade é compreendida por Eurico Marcos Diniz de Santi,24 “como a pertinência de um documento normativo ao direito positivo, em função dos critérios instituídos por sua fonte de produção, identificáveis na enunciação enunciada do próprio documento normativo”.

23 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 53.

(32)

Lourival Vilanova,25 igualmente, define a norma como sendo válida:

Desde o momento em que foi posta segundo o procedimento (normativamente) estabelecido pelo sistema jurídico – na lei, em sentido formal ou orgânico, depois da votação pelo órgão legislativo, e da sanção, promulgação e publicação pelo órgão executivo.

Miguel Reale,26 por sua vez, aduz que a validade “pode ser vista sob três aspectos: o da validade formal ou técnico-jurídica (vigência), o da validade social

(eficácia ou efetividade) e o da validade ética (fundamento)”.

Não obstante o peso e o respeito aos doutrinadores acima referenciados, não se adota, no presente trabalho, a existência como sinônimo de validade. Tal distinção se dera por razões didáticas e metodológicas.

Crê-se que o próprio legislador do Código Tributário Nacional, no seu artigo 173, ao prescrever como decadencial o prazo de 5 anos da decisão que houver

anulado, por vício formal, o “lançamento anteriormente efetuado”, bem como ao tratar da notificação como ato conclusivo indispensável para enunciação do ato de lançamento, acabou distinguindo os planos da existência e da validade do ato de lançamento.

Desse modo, primeiramente serão analisados os elementos necessários para que se tenha configurado o ato de lançamento, sem os quais não será considerado sequer existente, e posteriormente os pressupostos necessários para que essa enunciação se dê validamente.

Assim, neste trabalho, parte-se da premissa de que todo ato válido é existente, mas nem todo ato existente é válido. Ele apenas será presumidamente válido, diante da possibilidade ínsita e latente afeta a todo ato administrativo, de ter sua invalidade declarada, caso seja constado um vício.

25 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 106.

(33)

Além disso, veremos hipóteses em que o ato, embora não sendo válido, terá mantido seus efeitos. Daí, outro motivo pelo qual se entende necessário tratar distintivamente os conceitos de existência, validade, vigência e eficácia.

Expliquemos: na hipótese, verbi gratia, que um ato seja declarado nulo após ter produzido efeitos, parece-nos estranho considerá-lo inválido e, portanto, inexistente. Isto porque até para verificar-se o conteúdo dos seus vícios e a manutenção ou não dos seus efeitos, dever-se-á admiti-lo como existente e hábil a produzir ou manter os efeitos produzidos até determinado período, mesmo diante do reconhecimento e declaração de sua invalidade. São estas as razões, que conforme veremos em seguida, justificam nossa preferência em trabalhar o conceito de validade como predicado do ato.27

Trilhando neste sentido, alguns doutrinadores,28 os quais acompanhamos,

demonstram predileção pelo termo “existência”, deixando o vocábulo “validade” para

27 Celso Antônio Bandeira de Mello, em artigo intitulado “Leis originariamente inconstitucionais

compatíveis com Emenda Constitucional superveniente”, in RTDP 23/16, citado em seu Curso de

direito administrativo, expõe de modo enfático suas razões, em não se adotar tais termos (validade e

existência) como sinônimos, o que se pode observar do seguinte excerto: “Abra-se aqui um parêntese expositivo pela conveniência de refutar a tese Kelsiana de que existência e validade são uma só e

mesma coisa. Diz ele: ‘Com a palavra validade (Geltung) designa-se o modo de existência específico

das normas’ (...) ‘Esta validade de uma norma é a sua específica existência ideal. O fato de que uma

norma seja válida significa que existe’... Data vênia máxima, trata-se a nosso ver, de um equívoco deste mestre notável que de hábito referenciamos. Para que se possa predicar validade ou invalidade de uma norma – relembre-se que, para Kelsen, um ato administrativo será uma norma individual- cumpre, antes, que ela exista. Este não é um pressuposto lógico, mas, especificamente, jurídico. Por

isto, de outra feita escrevemos. ‘ O ato de invalidar (o ato de declarar diretamente ou de reconhecer, incidenter tantum, a inconstitucionalidade de uma lei), pressupõe, de logo, que se esteja perante uma norma integrante do sistema e pressupõe, outrossim, não apenas logicamente, mas também juridicamente, que o ato destarte atacado seja inválido. E é nisto que se distinguirão os efeitos de uma revogação e de uma invalidação (...). Ao nosso ver, a demonstração mais cabal e irretorquível de que existência, pertinência de uma norma a dado sistema, e validade são noções absolutamente inconfundíveis, tem-se no fato de que no exame de inconstitucionalidade incidenter tantum, o juiz não aplica uma norma jurídica por considerá-la inconstitucional, ou seja “carente de validade”, “inválida”,

mas nem por isto a expulsa do sistema (...). A norma em questão continuará a existir dentro do sistema, mas sua validade terá sido questionada como algo autônomo em relação à existência e proclamada como suficiente para impedir sua aplicação ao caso concreto. Vale dizer: o juiz assume que a invalidade de uma norma é coisa diversa de sua existência ou pertinência ao sistema. Para, incidenter tantum desaplicar uma regra que houve por inconstitucional, o pronunciamento judicial restringe-se ao tema da validade da lei perante a Constituição. É o quanto bastaria para ter-se que

rejeitar a tese Kelsiana de que “validade” é a forma específica de existência de uma norma jurídica.

Não é. Deveras, com visto, nega-se validade a ela, por ser este o único fundamento para desaplicá-la no caso concreto, mas não se nega, nem se interfere com sua existência”. MELLO, Celso Antônio

Bandeira de. Curso de direito administrativo. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 391-392.

28 Eurico Marcos Diniz de Santi, ao cuidar do tema nos relata que Pontes de Miranda, ante o problema das normas que entram no mundo jurídico, mas que apresentam defeito, prefere o conceito de existência. Também, nos informa que Marcelo Neves adota o conceito ventilado por Pontes de

(34)

aqueles enunciados existentes que foram adequadamente produzidos. Logo, a validade de uma norma é por nós tratada como uma qualidade que lhe é presumida, mas que, a exemplo das presunções relativas, admite-se prova em contrário acerca da sua invalidade.

Do mesmo modo, posiciona-se Celso Antônio Bandeira de Mello,29 ao diferenciar ato perfeito (existente), de ato válido:

19. O ato administrativo é perfeito quando esgotadas as fases necessárias à sua produção. Portanto, ato perfeito é o que completa o ciclo necessário à sua formação. Perfeição, pois, é a situação do ato cujo processo de formação está concluído.

20. O ato administrativo é válido quando foi expedido em absoluta conformidade com as exigências do sistema normativo. Vale dizer, quando se encontra adequado aos requisitos estabelecidos pela ordem jurídica. Validade, por isto, é a adequação do ato às exigências normativas.

Em relação à primeira opção, é de considerar-se uma proposição jurídica válida quando ela, fazendo parte de determinado sistema jurídico, foi introduzida neste por um sujeito juridicamente competente, com observância de um procedimento estabelecido para esse fim. Há, nesse caso, o inconveniente de, por exemplo, ter de aceitar como válido um ato administrativo cujo conteúdo contrarie a Constituição Federal.

Ao revés, tratar a validade como atributo da norma também não resolveria de todo o problema, correndo-se o risco do sistema tornar-se inoperante, posto que os destinatários poderiam descumpri-la sob a alegação de serem os enunciados inválidos. Todavia, pensamos que este problema seja resolvido, ao tratar-se a presunção de validade como condição inerente à toda norma jurídica.

De todo o modo, consoante já obtemperado, o que nos traz certo conforto é a certeza de não existir, em termos de conceitos, o certo ou errado. Há sim uma

(35)

preferência pelo conceito, que, todavia, após exercida pelo seu utente, o vincula. A coerência neste caso deverá ser observada.30

Dando reforço a tese defendida de que não há verdade absoluta, e que tudo irá depender do referencial eleito, permite-se citar Tácio Lacerda Gama,31 que em sua obra Competência Tributária, ao discorrer sobre a divergência doutrinária acerca dos conceitos relativos à existência e validade, pondera:

Ao contrário do que possa parecer, entendemos não existir

qualquer controvérsia – contradição ou contrariedade – entre as

concepções de validade como sinônimo de existência ou como conceitos distintos. Explicamos: para que exista uma contradição ou uma contrariedade é necessário que uma proposição signifique o contrário de outra ou que as duas não possam ser simultaneamente verdadeiras. No caso, não temos nem uma contradição, nem contrariedade. Os dois modos de explicar a validade são simultaneamente, possíveis, pois refletem pontos de vista distintos sobre o sistema jurídico. Um é o ponto de vista de quem vê para descrever e o outro de quem prescreve normas, disciplinando condutas. (grifo nosso).

Ou seja, na visão do doutrinador,32 quem equipara existência e validade decide descrever o direito sob a perceptiva de quem decide, como se fosse um órgão julgador. Neste sentido, seria o ponto de vista dos participantes. Por outro lado, aqueles que separam o conceito de existência e validade, o fazem como observadores, ou seja, analisando a norma, admitindo que a mesma pode estar no sistema ainda sem ser válida.

30 Neste sentido, esclarece Aurora Tomazini

de Carvalho: “Uma proposição é verdadeira quando está

de acordo com uma interpretação aceita, instituída nos moldes dos referenciais, dentro dos quais é

processada”. Nos dizeres de Dardo Scarvino, “um enunciado é verdadeiro, em princípio, quando

resulta conforme com uma interpretação estabelecida, aceita, instituída dentro de uma comunidade

de pertinência”. E, mais adiante, revela a autora, o motivo de não se pode atribuir aos conceitos e definições uma verdade absoluta: “Na concepção do giro-linguístico, não há relação entre palavras e objetos, pois é a linguagem que os constitui. Toda linguagem fundamenta-se noutra linguagem e nada mais existe além dela. Sempre que procuramos o significado de uma palavra ou a justificativa para uma sentença não encontramos a coisa em si, nos deparamos com outras palavras ou outras sentenças. É neste sentido que dizemos ser o discurso autorreferente. Por mais que diga, uma

linguagem não se reporta a outra coisa senão a outra linguagem”. CARVALHO, Aurora Tomazini de.

Curso de teoria geral do direito. São Paulo: Noeses, 2010, p. 30-31.

31 GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 304-305.

(36)

No presente trabalho, empregaremos o termo “existente” como designativo daqueles atos dotados de uma “aparência normativa” que são postos no sistema e reconhecidos como se normas válidas fossem. Isso não quer dizer que seriam válidos, mas, sim, presumidamente válidos, por serem capazes de produzir efeitos.

Neste viés, torna-se necessário, igualmente, distinguir validade de eficácia. Não se pode confundir os planos da existência, validade e eficácia, tendo em vista a possibilidade de existir normas inválidas que surtirão efeitos, e normas válidas, ao revés, que não. Assim, Pontes de Miranda enuncia:

1. Existir e VALER – Para que algo valha é preciso que exista. Não tem sentido falar-se de validade ou de invalidade a respeito do que não existe. A questão da existência é questão prévia. Somente depois de se afirmar que existe é possível pensar-se em validade ou em invalidade. Nem tudo que existe é suscetível de a seu respeito discutir-se se vale, ou se não vale. Não há de afirmar nem de negar que o nascimento, ou a morte, ou a avulsão, ou o pagamento valha. Não tem sentido. Tão pouco, a respeito do que não existe: se não houver ato jurídico, nada há que possa ser válido ou inválido. Os conceitos de validade ou de invalidade só se referem a atos jurídicos, isto é, a atos humanos que entraram (plano de existência) no mundo jurídico e se tornaram, assim, atos jurídicos.33

Trilhando num sentido parecido com o nosso, mas por caminhos diferentes, Tácio Lacerda Gama34 adota um critério denominado pelo mesmo de realista, em que a norma é tida como existente, quando suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário. É o que podemos observar de excerto esclarecedor:

Normas que estão no sistema de direito positivo podem ser

classificadas como válidas e não válidas. Porém, que significa estar no sistema de direito positivo? Como posso saber se uma norma é ou não jurídica? [...] Na incerteza dos critérios de forma e sentido, só o critério funcional pode oferecer resposta satisfatória: é a possibilidade de ser aplicado por ato do Poder Judiciário que qualifica uma norma como jurídica. Esse atributo, de ser objeto de um processo judicial, é o critério por excelência para saber

33 MIRANDA, Pontes. Apud GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 307-308.

(37)

se uma norma está ou não no ordenamento. [...] Se se afirma que uma norma não existe é porque ela não pode ser apreciada pela

jurisdição. Logo, não tem validade nem invalidade; é

simplesmente irrelevante para o sistema jurídico. Caso contrário, se se afirma que a norma existe é porque ela é efetiva, podendo ser considerada pelo sistema norma jurídica válida ou inválida. (grifo nosso)

Deste modo, Tácio Lacerda Gama,35 em consonância com as ideias preconizadas por Alf Ross, confere um viés pragmático para o conceito de existência da norma, defendendo como norma existente aquela que pode ser submetida à aplicação jurisdicional.

Conforme visto alhures, a doutrina, em sua maioria, diverge no que diz respeito a separar ou não os conceitos de validade e existência, mas todos convergem para um ponto comum, tratam norma existente como sendo aquela inserida no sistema por um sujeito competente, e mediante um procedimento previsto em lei.

E, neste ponto, diante de tais critérios para se verificar a existência normativa, reside um problema, a dizer-se excessivamente obscuro e tormentoso, porque quando se investiga sujeito e procedimento, é intuitivo partir-se logo para um juízo, mesmo que prévio, de validade formal, e aí, novamente, o problema vem à tona em se misturar validade e existência.

Desse modo, não obstante todo o esforço doutrinário, a questão acerca da existência da norma nos parece intrincada. Diante do conceito proposto, imperioso questionar: (i) o que é aparência normativa, suscetível de aplicação?

Ao responder tal questionamento, observar-se-á que a existência sobre o prisma adotado neste trabalho, qual seja como sendo existente aquele ato com aparência normativa, e, portanto suscetível de aplicação, não está livre de uma apreciação, mesmo que sumária e precária de elementos, como: sujeito, forma, e conteúdo, pelas razões adiante explicadas.

É necessário, portanto, averiguar se o sujeito criador da regra tem um mínimo de aparência de competência para expedir o ato, bem como se observou regras

(38)

mínimas procedimentais, e, não só, é preciso verificar a existência de um conteúdo digno de convencimento. E por que mínimo? Por entendermos o mínimo como suficiente para deflagrar uma norma como existente e presumidamente válida, do contrário, já estaríamos necessariamente fazendo um juízo de validade e não de existência. Ou seja, uma coisa é existir enquanto norma, outra é existir validamente, e finalmente, outra, é produzir efeitos. Por ora, nos preocupamos apenas com a existência.

Permita-nos explicar através de alguns exemplos: um sujeito invade a prefeitura e faz-se passar por fiscal e, uma vez ocupando aquele cargo, insere no sistema vários “lançamentos de ofício”. Pergunta-se: tais atos serão considerados como normativos? Não temos dúvida em afirmar que sim. Observe que, embora tal ato tenha sido elaborado por sujeito incompetente, aparentemente não era.

Ou seja, o contribuinte que recebeu tal documento (formalizado), em que (conteúdo) tratava da imposição de uma multa tributária, o reconheceu como norma jurídica hábil a produzir efeitos. Observe que o contribuinte poderia inclusive pagar a importância cobrada ou simplesmente deixar de pagar ou, até mesmo, impugnar tal ato.

Por esta razão, não é demais advertir que a possibilidade de produzir efeitos não se confunde com o efeito propriamente dito. Como critério, para se identificar uma norma como sendo juridicamente existente, basta, é suficiente, a possibilidade de produzir efeitos.

Referências

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