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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

Paulo Fernando Souto Maior Borges

Sobre o princípio democrático na fundamentação da atividade tributária Uma proposta hermenêutica de utilização de seus desdobramentos no âmbito do

direito tributário

MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO – DIREITO TRIBUTÁRIO

SÃO PAULO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

Paulo Fernando Souto Maior Borges

Sobre o princípio democrático na fundamentação da atividade tributária Uma proposta hermenêutica de utilização de seus desdobramentos

no âmbito do direito tributário

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito do Estado – Área de Concentração – Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor Paulo de Barros Carvalho

MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO – DIREITO TRIBUTÁRIO

SÃO PAULO

(3)

BANCA EXAMINADORA:

________________________________

________________________________

(4)
(5)

Não poderia deixar de manifestar os meus sinceros agradecimentos àqueles que me apoiaram ao longo do curso. A despeito de usualmente feitos por um dever de gratidão, são imprescindíveis e faço-os de coração:

Primeiramente, Àquele que tudo criou e que, por todas as razões metafísicas, deve ser sempre glorificado.

À minha família, especialmente, aos meus pais, que sempre estiveram presentes nas diversas etapas de minha vida pessoal e acadêmica, apoiando e incentivando de forma constante o meu desenvolvimento espiritual e profissional.

À Márcia Maria, a quem devo a lição de amor, carinho,.serenidade.e.delicadeza.incondicionais

Aos meus ilustres Mestres, que nunca faltaram na orientação de minha atividade intelectual, na pessoa do Prof. Paulo de Barros de Carvalho, que sempre me atendeu com pronta gentileza e conselhos de absoluta propriedade.

Aos meus verdadeiros amigos - aqueles com quem sempre pude compartilhar minhas dúvidas e incertezas.

(6)

“Yo soy yo y mi circunstancia”

(José Ortega y Gasset)

“E se não ousarmos atacar problemas tão complexos que o erro da solução seja quase inevitável, radicalmente, não haverá progresso do conhecimento científico” (José

Souto Maior Borges, Ciência Feliz)

“Eu vim com a Nação Zumbi Ao seu ouvido falar:

Quero ver a poeira subir E muita fumaça no ar Cheguei com meu universo E aterriso no seu pensamento Trago as luzes dos postes nos olhos Rios e pontes no coração

Pernambuco embaixo dos pés E minha mente na imensidão”

(“Mateus Enter” - Chico Science)

Open mind for a different view and nothing else matters…” (“Nothing else matters”

(7)

RESUMO

CONSTITUCIONAL - TRIBUTÁRIO – PRINCÍPIO – DEMOCRÁTICO – NORMA JURÍDICA - HERMENÊUTICA

(8)

ABSTRACT

CONSTITUCIONAL – TAX – PRINCIPLE – DEMOCRATIC – JURIDICAL – NORM - HERMENEUTIC

(9)

SUMÁRIO

RESUMO...7

ABSTRACT....8

PARTE I - NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E PREMISSAS METODOLÓGICAS AO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCINIO...13

1. Intróito e apresentação – As marcas da enunciação...13

2. Prólogo - Thomas Kuhn – a estrutura das revoluções científicas: a ciência em prol da sociedade...22

3. Para além do apenas dogmático...24

4. Apologia à Dogmática Jurídica (na sua acepção lata) e crítica à aplicação equivocada da Dogmática Jurídica (na sua acepção estrita): os valores juridicamente positivados...26

5. Sistema da Ciência do Direito e Sistema de Direito Positivo...30

6. Da metodologia científica utilizada na presente dissertação: do sistema jurídico à norma jurídica...31

7. Do contrato social...32

8. A norma geral e abstrata como norma jurídica de previsão da conduta

convencionalmente prescrita e eventual sanção aplicável na hipótese do seu não-cumprimento...35

(10)

PARTE II - UMA BREVE TEORIA DOS PRINCÍPIOS...42

10. A contraposição: “normas-princípio” versus “normas-regra”...42

11. Da hierarquia entre “normas-princípio” e “normas-regra”...44

12. Da suposta existência de uma hierarquia entre os princípios constitucionais no ordenamento brasileiro...45

13. Da ponderação de princípios...47

14. Da norma hipotética fundamental de Kelsen – análise de suas implicações no ordenamento jurídico positivo...54

15. Do "Princípio do Consentimento à Tributação"...56

PARTE III - DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO COMO NORMA JURÍDICA FUNDANTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO E DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL...59

16. Do Princípio Democrático como norma jurídica fundante de toda a atividade jurídica "estatal" (norma jurídica de habilitação ao exercício do poder estatal)...59

16.a.) Análise no nível semântico do ordenamento...59

16.a.1.) Análise do vocábulo “Princípio”...60

16.a.2.) Análise do vocábulo “Democrático”...63

16.b.) Análise no nível sintático do ordenamento...65

16.b.1.) Evolução do tratamento normativo-constitucional do Princípio Democrático...66

16.b.1.1.) Constituição Política do Império do Brazil (1824)...67

16.b.1.2.) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891)....69

16.b.1.3.) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1934)....72

16.b.1.4.) Constituição dos Estados Unidos do Brasil (1937)...76

(11)

16.b.1.6.) Os Atos Institucionais do Regime Militar e a Constituição da

República Federativa do Brasil (1967)...88

16.b.1.7.) Emenda Constitucional n.º 1 (1969)...95

16.b.1.8.) Constituição da República Federativa do Brasil (1988)...100

16.c.) Análise no nível pragmático do ordenamento...107

17. Do Princípio Democrático como norma jurídica fundante da atividade tributária estatal (norma jurídica de habilitação ao poder de tributar)...114

17.a.) O Princípio Democrático e suas implicações com o Princípio da Legalidade Geral...115

17.b.) O Princípio da Legalidade Tributária e a competência tributária do ente de direito público interno...117

PARTE IV - PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DOS DESDOBRAMENTOS DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO NO ÂMBITO DO DIREITO TRIBUTÁRIO...126

18. Contraposição conceitual entre “mens legis” e “mens legislatoris” e da colocação do problema hermenêutico...126

19. Retomada do prestígio da “mens legislatoris”...130

19.a.) A “mens legislatoris” como resultado da atividade congressual e da eficácia do Princípio Democrático...130

19.b.) Necessidade de motivação dos atos emanados pelo Estado...132

19.c.) Necessidade de motivação dos atos emanados pelo Poder Legislativo - A “mens legislatoris” como requisito constitucional de validade do ato legislativo objetivado – Os atos de enunciação como requisitos de motivação do ato legislativo...141

20. Nova proposta hermenêutico-aplicativa...146

20.a.) Da hermenêutica histórica agregada à análise dos atos de enunciação legislativa...147

(12)

20.b.1.) Necessário inter-relacionamento do Direito Tributário com os demais

ramos do Direito...158

20.b.2.) Exemplo de “abertura” do sistema tributário ao valores que, de início, seriam extradogmáticos: do art. 110 do CTN...164

21. Exemplos pragmáticos de utilização da teoria proposta...165

21.a.) Das normas relativas à não-cumulatividade do Pis e da Cofins...165

21.b.) Do drawback para fornecimento no mercado interno...172

21.c.) Da declaração de inaptidão cadastral da pessoa jurídica...174

PARTE V - DAS CONCLUSÕES...176

22. Conclusões...176

(13)

PARTE I

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E PREMISSAS METODOLÓGICAS AO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO

1. Intróito e apresentação – As marcas da enunciação1.

“Contar com a ajuda do desfavorável”2. Esse tem sido o paradoxo que tem norteado os rumos da minha vida pessoal, e particularmente, da minha vida acadêmica nos últimos tempos (conforme formação que me foi destinada), conduzindo-me, inclusive, ao desafio de encarar um curso de Mestrado numa das mais conceituadas Universidades do país, na área de Direito Tributário.

O brilhantismo e o alcance do pensamento jurídico da Escola Paulista de Direito Tributário, pela inegável excelência doutrinária, têm ofuscado a produção intelectual por parte das demais Escolas, que se intimidaram com o desenvolvimento atribuído à Ciência do Direito Tributário, pela utilização da filosofia da linguagem.

Contudo, alguns novos estudiosos ditos lingüísticos - mais exagerados que os grandes Mestres da Escola Analítica -, resolveram tomar parte neste processo de desenvolvimento da Ciência Jurídica, com tal exacerbação, que lograram como resultado uma mitigação do inter-relacionamento do Direito Tributário com os demais ramos dogmáticos (Direito Constitucional, Direito Financeiro, Direito Administrativo, etc.). Tudo sob o pretexto de uma insustentável concepção de rigor científico, que impediria a realização de um corte mais amplo no objeto. A suposta maior profundidade pelo corte mais estreito implica menor abrangência do objeto empírico (que é uno), e, portanto, a desconsideração de partes importantes do mesmo.

1 Descrição do percurso de formação de sentido utilizado na presente dissertação (processo de enunciação),

conforme obra de Fiorin, José Luís. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Ática, 2001.

(14)

Dessa circunstância, surge a necessidade de fomentar a atividade jurídica da Escola dita “tradicional” (a doutrina publicista, constitucionalista), acomodada que estava com o advento do novo método analítico, de modo a incitar o retorno ao pensar cientificamente, e como de costume, sem quaisquer restrições quanto ao inter-relacionamento do Direito Tributário com o demais ramos jurídico-dogmáticos; e até mesmo num maior inter-relacionamento do próprio Direito3 com as demais ciências

extrajurídicas (para aqueles que se aventuram por vôos mais ousados, como por exemplo, os estudiosos do chamado law and economics, tão disseminado nos países de primeiro

mundo).

Muito embora, o retorno ao pensar o óbvio, dessa feita, será intentado com a utilização do valioso instrumental disponibilizado pela filosofia da linguagem, bem como, pela adoção de uma nova proposta hermenêutica, que envolve o inevitável interdisciplinamento do Direito Tributário com os demais ramos do Jurídico e a necessidade de apreciação da motivação de todos os atos estatais, inclusive os legislativos. Tudo isso, pretende-se, sem abdicar do rigor científico, do necessário fechamento operativo (Luhmann), e como contrapartida, sem a incursão em maiores exageros doutrinários.

A idéia é simples, e já utilizada por alguns: analisar o objeto empírico (Princípio Democrático como norma jurídica fundante da atividade tributária estatal e a utilização de uma nova proposta de interpretação e aplicação, no âmbito do Direito Tributário, dos seus desdobramentos) nos seus três níveis de linguagem (sintático, semântico e pragmático), desbravando, assim, esta disciplina tão complexa e já tão estudada, que é o Direito Tributário, embora, como dito, agregando um toque de interdisciplinamento com as demais áreas do conhecimento jurídico, a saber, a Teoria Geral do Direito, a Filosofia do Direito, o Direito Constitucional, o Direito Administrativo, o Direito Financeiro, etc., e a adoção de novo critério de interpretação/aplicação do Direito,

3 Vide art. 110, do Código Tributário Nacional: “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o

(15)

que leve necessariamente em conta a motivação do ato estatal. Saber quais o limites da Dogmática Jurídica é condição per quam e sine qua non para o estudo interdisciplinar do

tributo.

Poderíamos ter optado por dissertar sobre um tema menos “constitucional” e nitidamente mais “tributário”, ou ainda, por um tema econômica e profissionalmente mais vantajoso, do ponto de vista advocatício (ex.: a incidência de determinado tributo sobre específico setor da atividade econômica dos contribuintes), esclarecendo, porém, que não condenamos aqueles que o fazem.

Contudo, por tratar-se de um curso de Mestrado, que, além de específico na área de Direito Tributário, é antes disso, um Mestrado em Direito do Estado – afora o fato de ser ministrado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que tem em vários de seus Professores verdadeiros bastiões das liberdades individuais (ex.: Geraldo Ataliba, no Direito Constitucional; Celso Antônio Bandeira de Mello, no Direito Administrativo; Paulo de Barros Carvalho, Roque Carrazza, dentre outros, no Direito Tributário) -, decidimos abordar um tema que nos parece mais relevante, no sentido de ser dotado de uma maior abrangência normativa, e que, por isso, fosse ainda mais merecedor de uma nova análise.

A escolha decorreu, também, da adoção de um tema, digamos, “de maior relevância”, como orientação pelo Prof. Paulo de Barros Carvalho, que, por sua vez, a recebeu do ilustre Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Este sempre orientava os seus alunos pela opção por temas mais abrangentes.

(16)

Contudo, posteriormente pudemos perceber que o chamado “Princípio do Consentimento à Tributação” poderia ser visto como uma variante de expressão do Princípio Democrático, o qual, concluímos a posteriori, nos termos do art. 1º, parágrafo

único da Constituição Federal, dentre outros dispositivos, consistiria no fundamento para todas as demais normas do ordenamento jurídico positivo.

De início, havíamos determinado o tema da dissertação como sendo “O conceito constitucional de tributo”. Contudo, após perceber que quaisquer normas do sistema de direito positivo advinham do exercício do poder estatal instituído pelo Princípio Democrático, e que este possuía direta correlação com a atividade jurídica (e, principalmente, tributária) do Estado, decidimos incluir uma parte introdutória no trabalho, em que seria abordado o referido princípio. Essa introdução foi tomando corpo, ao ponto de se tornar uma primeira parte de equivalente proporção à segunda no trabalho.

Contudo, diante da importância desta primeira parte, decidimos abordar, nesse primeiro momento, apenas o Princípio Democrático, como fundamento de toda a atividade tributária estatal, bem como, as implicações de alguns de seus desdobramentos no âmbito do Direito Tributário.

Na segunda parte do trabalho, como conseqüência de conclusões originárias da primeira, proporemos uma alternativa de interpretação/aplicação do Direito Tributário que leve em consideração algunos quais, nada mais são que desdobramentos do próprio Princípio Democrático.

(17)

teremos chance de abordar as implicações do referido princípio na delimitação de um conceito constitucional de tributo.

Com isso, “olhando o direito com os olhos de uma criança”, e contando com a “ajuda do desfavorável” - a ausência de pré-conceitos (pré-concepções) na análise da matéria (favorável), agregada à carência de um aprofundamento na análise da matéria (desfavorável) -, chegamos ao produto final da nossa reflexão, manifestado pela presente dissertação, que aborda o Princípio Democrático como norma jurídica fundante de toda a atividade tributária estatal e a proposta de uma nova alternativa de interpretação/aplicação dos seus desdobramentos no âmbito do Direito Tributário.

Essa nova abordagem, como dito, consiste também na realização de um corte metodológico mais alargado, que resulte numa apreciação mais ampla: a abordagem do Direito Tributário, como subsistema constitucional que é, como um capítulo do Direito Financeiro e Administrativo, além da necessária consideração dos atos de enunciação normativa como legitimadores do Princípio Democrático. Acreditamos ser essa não somente uma alternativa a mais de análise, mas, sim, a alternativa de abordagem constitucional mais adequada aos ditames democráticos, sem quaisquer concessões do chamado "rigor científico"4.

Contudo, redirecionamos a atenção do leitor, primeiramente, para o quê de mais importante no Sistema Tributário Nacional o Princípio Democrático tratou de delimitar: a competência tributária dos entes de direito público interno e sua nítida vinculação ao Princípio da Legalidade Tributária (art. 150, I CF).

A análise da competência tributária dos entes de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) - após assumida a premissa acima estabelecida do Princípio Democrático como norma fundante do Sistema Tributário

4 O dito "rigor científico' consiste na adequação das conclusões obtidas como resultado da atividade científica,

(18)

Nacional - não se circunscreve apenas ao exame das suas implicações com o Princípio da Legalidade Tributária.

Muito mais que isso, o Princípio Democrático, agregado a outros princípios de ordem igualmente fundamental, como o Princípio Republicano, o Princípio Federativo e o Princípio do Estado de Direito (CF, art. 1º, caput), pela disseminação de seus efeitos ao

longo de todo o sistema, e até mesmo pelo regime de participação ou representatividade diretas que o caracterizam, impõem tratamento hermenêutico diferenciado por parte do intérprete/aplicador à norma jurídica. Em que consiste essa diferenciação hermenêutica?

Relembremos a lição de Cossio: ao aplicar-se determinada norma jurídica, estar-se-á aplicando o ordenamento jurídico como um todo.

Assim da conjugação do Princípio Democrático, e suas características peculiares de participação e representatividade diretas; suas implicações com as normas relativas ao delineamento da competência tributária (v. normas do Sistema Tributário Nacional, que estabelecem as conformações de cada exação tributária prevista no Texto Constitucional, e particularmente as limitações constitucionais ao poder de tributar); com os Princípios Republicano e Federativo (art. 1º, caput, CF); além da interpretação

sistemática com os Princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, constantes do art. 37, da CF; dentre outros de inafastável aplicação (v. art. 5º, LIV, LV, etc.), citados estes apenas a título exemplificativo, e teremos os fundamentos constitucionais da nossa proposta: a utilização das exposições de motivos do ato legislativo, ou seus “considerandos”, justificativas de proposições e até mesmo dos anais congressuais (isto é, todos os atos de enunciação legislativa indicativos da mens legislatoris) como

subsídios válidos à interpretação e aplicação da norma jurídica tributária, e não como atos sem qualquer valor para a exegese do normativo.

(19)

uma nova alternativa de interpretação/aplicação, levando em conta, os seus desdobramentos no âmbito do Direito Tributário positivo, como um capítulo que este é dos sobre-ramos do Direito que lhe são mais próximos, dos quais é parte componente (Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Financeiro), para demonstrar que tal abordagem não somente é possível, como também desejável5.

É legítimo optar pela "setorização" do conhecimento como uma necessidade meramente didática e organizacional. A especialização, no plano da linguagem descritiva, dá-se por uma necessidade de aprofundamento científico, como descrito acima, visto ser mais factível saber-se mais sobre algo em específico, que saber algo sobre um número maior de objetos. Já no plano da linguagem-objeto do direito positivo, a especialização ocorre pelo intuito legislativo de regrar determinada matéria de forma isolada e sistematizada, facilitando a comunicação com os legiferados (v. art. 7º, I, da Lei Complementar n.º 956).

A subjetividade é uma característica inerente ao ser humano, e, portanto, está presente em todos os campos do conhecimento. Por conseqüência, presente em toda está em toda atividade científica. Esclarecemos, inicialmente, que entendemos por subjetividade a capacidade de cada indivíduo chegar à conclusão não necessariamente igual a que chegou outro, quando da análise de um mesmo suporte físico, ante a diversidade de valores que informa a compleição cultural de cada um (inter-subjetividade).

Exemplificativamente, na medicina, em sua subdivisão da medicina nutricional, temos discussões a respeito das mais variadas espécies ou gêneros alimentícios: em sua maioria, ora são consideradas como benéficas, por colaborarem com o bom funcionamento de um determinado órgão ou sistema; outrora são tomadas por maléficas,

5 Trabalhamos com uma teoria própria do direito que, ao reconhecer a impossibilidade de afastamento do

aspecto subjetivo, primamos sempre pela "melhor aplicação", em termos de Política Jurídica (In casu, Política Fiscal), e que leve em conta os valores positivados - imanentes ao ordenamento -, que são mais relevantes à sociedade no nosso espaço-tempo (ex.: isonomia, legalidade, redução das desigualdades sociais e regionais, livre iniciativa, etc.).

6 “Art. 7o O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os

seguintes princípios:

(20)

tendo em vista os "avanços" na pesquisa médica, que permitem identificar um desequilíbrio quando do uso (desregrado ou não) dessa mesma espécie ou gênero alimentícios.

Assim também o é no Direito. Temos a prevalência da subjetividade no objeto de estudo (o ordenamento jurídico), pois nem sempre é possível alcançar a amplitude valorativa desejada pelo legislador - seja este o das normas gerais e abstratas, seja o aplicador das normas individuais e concretas. Temos, ainda, o influxo da subjetividade também no observador, visto que se torna difícil atribuir ao cientista uma posição de absoluta imparcialidade na visualização do sistema jurídico, salientando-se que a própria e suposta ausência de posição valorativa já se constitui numa posição valorativa negativa e, portanto, parcial; e temos, por fim, influência da subjetividade na ciência do direito, como produto da atividade do jurista, tão sujeito à parcialidade - esta última nada mais é do que a subjetividade do sujeito do conhecimento formalizada através do produto da sua atividade científica: livros, artigos, monografias, etc..

Assim, a metodologia científica assumida por determinado paradigma teórico7 trabalha no sentido convencional de um conjunto de premissas e métodos de

abordagem para os adeptos daquela corrente científica subjetivamente convencionada, demarcando assim o que pode ou não ser considerado como atividade científica “válida” dentro daquele determinado “modelo” de conhecimento, e no que consistem os “avanços científicos”, de acordo com aquele paradigma teórico.

Vejamos o exemplo de dois dos maiores juristas dos últimos tempos, e que muito influenciaram a presente dissertação, pela assimilação das lições do Prof. Celso Fernandes Campilongo, na disciplina de Teoria Geral do Direito: Hans Kelsen e Niklas Luhmann. Apesar de se dedicarem ao estudo do mesmo objeto (ordenamento jurídico), o fizeram de forma completamente distinta, a começar pelo método de aproximação, pois Kelsen promoveu a análise do sistema a partir da sua partícula mínima, qual seja, a norma jurídica, para daí, então rumar à descrição do sistema; enquanto Luhmann preferiu estudar

7 Sobre os paradigmas teóricos, v. Kühn, Thomas.

(21)

o Direito pelo caminho inverso: partindo dos variados sistemas, no caso, do sistema juridico à norma jurídica, o seu “código redutor de complexidades”. Tudo é caminho, como ensinava Heidegger (Alles ist Weg).

Tomando o direito como um bem cultural8, obra humana que é9, este

necessariamente há de servir de instrumento, de ter uma função de modificação na vida dos seus destinatários. Desse modo, assumimos como premissa essencial a ser desempenhada para validade da atividade científica, por qualquer um, em qualquer campo do conhecimento, a necessária atribuição de um fim valorativo a toda a sua empresa; ou, colocando em melhores termos: é inafastável a consideração da existência de um fim imanente a toda e qualquer atividade científica, e não menos no nosso campo específico de investigação, qual seja, a análise do ordenamento jurídico.

Atente-se, ainda, que a teleologia não se apresenta apenas no âmbito da linguagem descritiva da Ciência do Direito, mas, decorre da própria linguagem objeto do direito positivo (art. 3º, CF), o que remata qualquer discussão em torno do tema. A doutrina de Alfredo Augusto Becker é ainda mais clara quanto à sua existência, ínsita ao próprio conceito de Estado:

“O Estado (Ser Social) é uma realidade, porém não é qualquer realidade exterior ao homem e à sua atividade o Estado existe nos atos e pelos atos dos indivíduos humanos que são seus criadores; e é nesta atividade contínua e relacionada ao Bem comum que consiste a realidade do Estado10.

(...)

E esta atividade contínua e relacionada ao Bem Comum, que se sustenta e se alimenta da inteligência e vontade dos homens, é uma relação: a relação constitucional do Estado (Ser Social)11.”

8 Sobre a classificação dos objetos v. Husserl, Edmund,

apud, Apostila do grupo de estudos do Prof. Paulo de Barros Carvalho.

9 Carvalho, Paulo de Barros.

Sobre os princípios constitucionais tributários, in Revista de Direito Tributário, n.º 55, p. 144.

10 J. Dabin,

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Numa tentativa de refutar os ditos dogmáticos kelsenianos (aqueles emocionalmente mais envolvidos, como se a ausência de análise valorativa por estes pretendida não implicasse, consoante dito, numa análise valorativa em si!), como forma de prestigiar o Princípio Democrático, e sua vontade popular representativa do Bem Comum, tentaremos ao final propor a alternativa de interpretação e aplicação do Jurídico acima aventada, baseada na importância do referido princípio e seus desdobramentos no ordenamento jurídico.

Esperamos, todavia, contribuições críticas, pois só mediante testes cruciais de refutação poder-se-á avaliar a idoneidade teórica da hipótese aventada. Se ela resistir a esses testes, será uma boa hipótese, e poderá ser adotada até a sua substituição por outra de maior abrangência no âmbito de explicação do fenômeno descrito: o Princípio Democrático como norma de habilitação ao exercício dos demais poderes constitucionais (inclusive do poder de tributar) e a adoção de uma nova alternativa de abordagem dos seus desdobramentos no âmbito do Direito Tributário positivo, com base nessa premissa.

2. Prólogo - Thomas Kuhn – a estrutura das revoluções científicas: a ciência em prol da sociedade

Como afirmado em escritos anteriores12, um dos momentos de maior

efervescência na história da atividade científica, indubitavelmente foi o Círculo de Viena. Filósofos e pensadores se encontravam, periodicamente, em torno de uma “stammtisch” (mesa de debates em bares e cafés, muito comum nos países germânicos) para refletir sobre as bases em que ocorre (ou deveria ocorrer, de acordo com o neopositivismo lógico) o desenvolvimento da atividade científica, e para traçar os rumos daquilo que consideravam o melhor método de pensar cientificamente.

11 Becker, Alfredo Augusto.

Teoria geral do direito tributário. 3ª ed., p. 163, Lejus, São Paulo: 2002.

12 Borges, Paulo Fernando Souto Maior.

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O Círculo de Viena, como antecedente longínquo, informa boa parte da doutrina nacional em Direito Tributário, que pela sua formação lógico-filosófica, tem no pensamento de seus representantes (Gottlob Frege, Moritz Schlick, Ludwig Wittgenstein – este último, apesar de não ter dele participado, exerceu grande influência sobre o Círculo -, e até mesmo o próprio Kelsen teria participado de alguns debates) o principal fundamento doutrinário para a atual Escola Paulista de Direito Tributário.

Esse movimento, tido como informador da atual doutrina da Escola Paulista de Direito Tributário, teve o seu ápice na edição do manifesto “O ponto de vista científico do Círculo de Viena”, publicado em Congresso na cidade de Praga, onde restou afirmada como premissa maior que todas as demais a colocação da ciência em prol da humanidade13. Como criticar uma doutrina que se encastela sob o manto de tão digna pretensão para com a sociedade? Situação difícil essa, e de outro modo não poderia ser, advindo de tão competentes pensadores.

Ocorre que, do originariamente pensado e desejado pelos principais membros do Círculo de Viena, ao efetivamente praticado por uma parte mais fervorosa de seus inúmeros discípulos, muitas vezes ocorrem distorções, desvirtuações da “essência” do seu pensamento. A esse tipo de equívoco qualquer um de nós está sujeito quando da reprodução do pensamento alheio. Essa vicissitude é mais sensível nas traduções de obras alheias: “tradutor, traidor” – denuncia a velha parêmia.

Thomas Kuhn14 também desencadeou pela publicação do seu “A estrutura

das revoluções científicas” uma nova reflexão por parte dos filósofos sobre as bases em que ocorre o desenvolvimento da atividade científica. Pregava Kuhn uma dinâmica diversa para a evolução da atividade científica: o conhecimento se desenvolvia quando um paradigma (modelo teórico) fosse acometido por anomalias (vícios resultantes da aplicação do paradigma), ao ponto de resultar numa ou em várias crises (momentos de reflexão do

13 Carvalho, Paulo de Barros.

O neopositivismo lógico e o círculo de Viena, in Apostila de Lógica da disciplina de Filosofia do Direito – Lógica Jurídica, ministrada no curso de Mestrado em Direito Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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paradigma), que normalmente desembocariam no surgimento de um novo paradigma, através de uma ruptura para com o modelo anterior (a revolução científica propriamente dita).

O presente trabalho resulta da aplicação crítica da teoria de Thomas Kuhn à Ciência Jurídica praticada por alguns adeptos mais fervorosos da chamada Dogmática Jurídica em sentido estrito, que somente contribui para uma estagnação do Direito Tributário em limites cientificamente pouco ambiciosos15.

3. Para além do apenas dogmático.

Como dito, o raciocínio desenvolvido por Thomas Kuhn se aplica à atual situação da doutrina elaborada por alguns estudiosos dogmáticos kelsenianos, que somente incorrem em equívoco quando da interpretação da obra daquele jurista.

A posição desta doutrina equivoca-se quando se esquiva de enfrentar vários problemas científicos por uma questão de exclusivo “corte epistemológico”. Ressalte-se que tal anomalia somente ocorre por uma desvirtuação da Dogmática Jurídica do seu sentido mais apropriado (que será abordado no próximo item).

Temos plena consciência da necessidade de a ciência desenvolver-se em bases sólidas e com absoluta coerência entre suas premissas e conclusões (conforme salientado pelo Círculo de Viena em seu manifesto), com os seus limites demarcados com todo o rigor científico possível, sob pena de ingressarmos no labirinto do caos de sensações kantiano16.

Contudo, a opção pelo rigor científico na análise da fenomenologia tributária efetuada pelos ditos dogmáticos (aqueles que trabalham com uma acepção mais estrita) não

15 Em matéria de ciência, a ousadia é um método, já dizia, com suporte em Bachelard, José Souto Maior

(25)

pode descartar o imprescindível inter-relacionamento do Direito Tributário com os outros ramos do Direito dos quais é parte indissociável, p. ex.: o Direito Constitucional, o Direito Administrativo e o Direito Financeiro, inclusive, nesta ordem.

Como ressaltado no nosso trabalho sobre o caráter patrimonial das obrigações tributárias acessórias, necessário direcionar a ciência para a sua melhor utilização pragmática, dimensão da linguagem em que ela se torna mais rente à realidade social, no dizer de Pontes de Miranda.

A filosofia da linguagem aplicada ao direito nos ensina que três são os níveis de linguagem a serem utilizados para uma correta abordagem científica: o sintático (o inter-relacionamento normativo), o semântico (o significado lingüístico do texto legislativo), e o pragmático (em que termos ocorre, ou não, a observância dos preceitos pelos destinatários normativos). Esses são, portanto, os níveis a serem considerados para efeitos de qualquer estudo jurídico-filosófico, centrado na filosofia da linguagem, e que ora serão utilizados para a análise do Princípio Democrático como norma jurídica fundante da atividade tributária estatal, para, a posteriori, apresentarmos a proposta de uma alternativa para o

Direito Tributário estruturada sobre seus desdobramentos.

Reconhecemos a existência de um valor ínsito a qualquer atividade científica em qualquer contexto espaço-temporal: o benefício da humanidade, conforme consta do manifesto publicado pelos membros do Círculo de Viena, sendo este entendido como a melhoria da condição de vida do ser humano. O “Bem Comum” ou “Bem Social” de Becker, Dabin, e del Vecchio.

A esse respeito, vale salientar que a busca pelo bem-estar social, ou benefício da humanidade, não consiste mera impressão de valor subjetivo, próprio do autor do presente trabalho, mas, no caso do nosso sistema jurídico, de objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 3º, da CF:

(26)

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Do mesmo modo, entendemos que não há como alcançar qualquer benefício sem a análise da pragmática (a regulação da conduta de acordo com os valores introduzidos por intermédio das normas jurídicas como fim maior do direito), como ressaltado17.

O grande desafio consiste na seguinte questão: como exercer uma ciência considerando toda à sua permeabilidade aos valores, sem com isso, afastar o rigor científico e suas necessárias limitações epistemológicas e metodológicas? Um doutrinador conhecido costuma dizer: o fato de um problema ser difícil só constitui mais um motivo para que seja de imediato enfrentado (José Souto Maior Borges).

4. Apologia da Dogmática Jurídica (na sua acepção lata) e crítica à aplicação equivocada da Dogmática Jurídica (na sua acepção estrita): os valores juridicamente positivados.

Kelsen foi um dos maiores juristas de todos os tempos. Na primeira metade do século XX, Cossio denominou-o “o jurista de época contemporânea”. Sem a sua “Teoria Pura do Direito” (Reine Rechtslehre) a ciência jurídica do último século estaria

descaracterizada.

Antes dele, o Direito não era reconhecido como uma ciência autônoma. Até então a Ciência do Direito buscava, como visto, tentativas de explicação do seu objeto em fundamentos exteriores ao Direito, extraídos de outras ciências, que não a Ciência Jurídica.

17 O direito como “ordem normativa da conduta humana” (ver Kelsen, Hans.

(27)

O Direito chegou inclusive a ser visualizado como um capítulo da Sociologia, e até como um mínimo ético (Jellinek), reduzido assim a um capítulo da moral.

A “pureza” da teoria kelseniana foi necessária à configuração do Direito como ciência, e nesse aspecto, muito bem cumpriu o seu dever a Dogmática Jurídica oriunda da sua obra (na sua acepção estrita), visto que nos dias de hoje, não mais há discussão quanto ao caráter científico do Direito, restando ultrapassadas as demais concepções em contrário, como, por exemplo, a que chegou a vislumbrar o Direito como um capítulo da Sociologia (Comte).

O mesmo podemos dizer em relação ao Direito Tributário, cuja autonomia científica e dogmática, em relação aos demais ramos do Direito dos quais também é parte componente (Direito Público, Direito Constitucional, Direito Administrativo, e Direito Financeiro), é assentada na atualidade. Dizê-lo autônomo, nesse sentido, é o mesmo que afirmar ser ele inconfundível com outras disciplinas jurídicas especializadas. Esse significado nada tem a ver com uma pretensa autonomia didática do Direito Tributário.

Apesar das críticas intentadas aos que se equivocam no exame da sua teoria (e a algumas poucas críticas da nossa parte – v. item 14), entendemos ser Kelsen um jurista de muitos méritos. Foi, para muitos, o maior doutrinador jurídico do último século, deixando-nos um legado de dificil superação. À Kelsen coube a sistematização da Teoria do Direito com base em conceitos pré-existentes já no século XIX. Dizia Cossio, em bela consígnia: “ir além de Kelsen, sem sair de Kelsen”. É o que se pretende com o presente trabalho.

(28)

A Teoria Pura de Kelsen, em face dessa necessidade de reconhecimento do Direito como uma ciência autônoma, resultou na aplicação de um exagerado corte metodológico por parte destes cientistas dogmáticos, que, no intuito de imprimirem um alto grau de rigor científico às suas construções teóricas pela superlimitação do objeto de estudo (sistema jurídico), desprezavam por completo quaisquer interações com outros sistemas extrajurídicos, e, ainda pior, as relações do subsistema de direito tributário positivo com outros subsistemas de direito positivo (Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Financeiro, etc.), algo que, em termos não só de Política Jurídica, mas, como se verá adiante, também em termos jurídico-dogmáticos, é absolutamente equivocado, além de não se confirmar no âmbito pragmático.

Sobre esse aspecto, vale ressaltar a lição de Lourival Vilanova, que já disseminava, por intermédio de sua obra18, afirmação no sentido de que o mundo dos fatos ingressa no Jurídico através da porteira aberta da hipótese normativa, e a descrição constante do seu antecedente19. A hipótese normativa é um descritor deôntico. A

conseqüência normativa é um prescritor (estrutura bimembre da norma, como ensinou, ao longo de sua obra, Vilanova).

Ou seja, o principal fomentador da doutrina divulgada pela Escola Paulista de Direito Tributário prega uma consideração valorativa inerente ao Jurídico. De acordo com Vilanova, o Direito leva necessariamente em consideração a realidade do mundo dos fatos, e, com isso, toda a sua gama valorativa, principalmente pela sua análise pragmática.

Diversamente do sustentado pela doutrina dogmática (estrita), a análise valorativa não só é possível, como também, é indispensável à uma correta aplicação do Direito - que seja um mínimo comprometida com o benefício da humanidade -, sob pena de

18 Vilanova, Lourival.

Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. EDUC – RT. São Paulo:1977.

19 Coloca ainda Vilanova, no seu

(29)

invertermos o raciocínio mais adequado pela preponderância dos valores positivados, como, por exemplo, da vontade popular positivada, que permeia todo o nosso Texto Constitucional, e retrocedermos em cessão de espaço ao arbítrio – o que vai de encontro à uma das principais razões de ser do Direito (regulação das condutas – Kelsen – de acordo com o Bem Comum – Becker, Dabin, del Vecchio).

Demonstramos, por intermédio da análise sintática, a plena existência de valores no sistema jurídico pela simples leitura da Constituição Federal, que inicia seu texto assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, etc.. Isso sem mencionar que o preâmbulo é finalizado com a promulgação sob a proteção de Deus. Todos esses valores são contemplados com plena aplicação pelo Supremo Tribunal Federal (análise pragmática).

Para aqueles que negam força normativa ao preâmbulo, vale a ressalva que faz cair por terra qualquer argumentação no sentido da desconsideração dos valores pelo preâmbulo veiculados no sistema: ainda que sem força normativa por serem mencionados no preâmbulo, essas prerrogativas dos destinatários da Constituição Federal encontram-se positivadas e espraiadas ao longo de todo o seu texto, e não apenas na parte preambular20.

E não se pense com isso que se pretende reingressar na discussão do Jusnaturalismo versus Positivismo, e nem muito menos, se intente desqualificar o presente

trabalho pela adoção de comentários pejorativos extrajurídicos. O que se pretende, é sim, colocar à apreciação da comunidade acadêmica uma nova proposta de aplicação da Dogmática Jurídica na sua acepção lata, que promova um maior inter-relacionamento do Direito Tributário com os demais ramos jurídico-dogmáticos, e também, com a consideração dos valores que à própria Dogmática Jurídica são imanentes (ressalve-se, mais uma vez, que a própria escolha pela ausência de valores, constitui-se numa valoração implícita). Tarefa que como dito anteriormente, apesar de difícil, é “deonticamente” viável.

(30)

5. Sistema da Ciência do Direito e Sistema de Direito Positivo.

Existem pelo menos duas alternativas metodológicas para se empreender um trabalho jurídico: um primeiro caminho seria analisar o objeto do conhecimento da sua partícula mínima que é a norma jurídica (desconsideradas suas partes constitutivas – as proposições normativas, equivocadamente chamadas de fragmentos de normas) visando à análise do seu conjunto que é o sistema de direito positivo (opção adotada por Kelsen). Ou vice-versa, a partir do sistema de direito positivo (o todo) rumar à norma jurídica (a parte). Esta opção é adotada, por exemplo, por Niklas Luhmann, em sua teoria dos sistemas comunicacionais.

Achamos por bem iniciar conceituando o sistema de direito positivo como o conjunto de normas vigentes num determinado espaço-tempo. Numa acepção de base (acepção primeira, inicial), seria um “objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum”21.

Tércio Sampaio Ferraz Jr. utiliza os termos “estrutura” para designar o complexo de relações existente entre os entes aglutinados, e “repertório” para designar o conjunto de seus elementos constitutivos (in casu, as normas jurídicas22). É a “forma das

formas” no dizer de Husserl. A estrutura mais elaborada dentre as formas lógicas.

Conforme demonstrado numa das melhores teorias a esse respeito, temos uma linguagem-objeto, constitutiva do sistema de direito positivo, e uma metalinguagem da Ciência do Direito23. O sistema de direito positivo funciona pois como linguagem-objeto

dos estudos empreendidos pela Ciência do Direito, que atua como metalinguagem descritiva desse sistema (meta por se colocar além, como que em paralelo).

21 Carvalho, Paulo de Barros.

Curso de Direito Tributário. 15ª ed., p. 131. Saraiva. São Paulo:2003.

22 Ferraz Jr., Tércio Sampaio.

Introdução ao Estudo do Direito. Atlas. São Paulo:2003.

23.Carvalho, Paulo de Barros.

(31)

Ante o exposto, coloca-se o seguinte questionamento: existe sistema tanto na Ciência do Direito quanto no direito positivo?

Alguns negam o caráter de sistema ao direito positivo, o que não constitui o entendimento da melhor doutrina24, que acredita haver a necessidade de um mínimo de

organização (talvez daí o termo análogo ordenamento) para que os destinatários das normas jurídicas possam compreender, por exemplo, a subordinação de uma norma-regra a uma norma-princípio25, ou porque a competência da Justiça Federal é diversa da competência da

Justiça Estadual, conforme estabelecido pela própria Constituição.

De igual modo, não há como descrever um sistema como o é o jurídico, de forma válida, sem que se o faça de modo sistemático, mesmo por razões estritamente metodológicas.

Donde concluímos que, da relação existente entre as normas jurídicas (relações sintáticas intra-normativas) o ordenamento apresenta-se sob a forma de um sistema (daí as expressões “sistema de direito positivo”, “sistema jurídico”, “sistema tributário nacional”, etc.). De modo similar, seja por razões metodológicas, seja por correspondência da linguagem descritiva com o objeto empírico, a Ciência do Direito que o descreve deve apresentar-se de forma sistemática.

6. Da metodologia científica utilizada na presente dissertação: migração do sistema jurídico à norma jurídica.

Escolhemos por opção metodológica a alternativa que leva do sistema jurídico às normas que nele estão inseridas.

24 Idem.

(32)

Partiremos, portanto, do sistema de direito positivo, esse restrito ao Texto da Constituição Federal, acrescida da inevitável análise do Código Tributário Nacional (com preliminar análise de textos constitucionais anteriormente vigentes, atos institucionais e complementares, etc.), até normas jurídicas específicas, relativas ao nosso tema: o Princípio Democrático como norma jurídica fundante da atividade tributária estatal e uma nova proposta de interpretação/aplicação dos seus desdobramentos no âmbito tributário.

No mais, sempre que utilizadas as expressões abreviadas “sistema”, “sistema de direito positivo”, “Direito” ou “Jurídico” o faremos como sinônimo de ordenamento jurídico posto. Sempre que nos referirmos ao sistema da Ciência do Direito, utilizaremos a expressão por extenso: sistema da Ciência do Direito, ou a expressão Ciência do Direito, Ciência Jurídica, etc..

7. Do contrato social.

A necessidade da consideração do benefício da humanidade como fim maior de qualquer atividade científica - e portanto, também da atividade científica de interpretação e aplicação do Jurídico -, somente se confirma quando “retornamos às origens”26 e verificamos, dentre outras fontes, na doutrina dos filósofos iluministas, a razão

de ser do próprio Estado, o motivo de sua criação como bem cultural pelos homens.

Em sua conhecida obra “O contrato social”, o filósofo suíço Jean Jacques Rousseau discorreu sobre as razões de ser do Estado27. Para Rousseau o Estado decorreria

da celebração de um contrato social, por intermédio do qual os indivíduos entram em acordo para proteção dos seus direitos “naturais”, que passariam com o pacto a ser jurídicos.

26 Expressão utilizada por José Souto Maior Borges.

In O retorno ao aprisco, in O contraditório no processo judicial – Uma visão dialética. Malheiros. São Paulo: 1996, p. 33 e seguintes.

27 Rousseau, Jean Jaques.

(33)

Observe-se que não se pretende com a presente dissertação instaurar qualquer discussão relativa aos chamados direitos naturais, mas, tão somente, colocar o Direito com bem cultural, obra humana, e que, portanto, há de ter um fim valorativo ínsito à regulação das condutas do homem em sociedade.

Assim, no dizer de Rousseau, o Estado é criado para a preservação desses direitos naturais, sendo fundado em dois principais pilares: i) subordinação do indivíduo à sociedade estatal; e ii) soberania da sociedade estatal sobre todo e qualquer cidadão, de forma individuada. Dessa forma, o Estado nada mais seria que a unificação do todo social, competente a representar a vontade única de um povo, ainda que tacitamente, voltada a um Bem Comum.

Como visto da introdução, em sentido equivalente, é a obra de Becker28, que

citando del Vecchio e Dabin, afirma convergir a atividade política do Estado para um “absoluto” (Bem Comum), o consenso valorativo manifestado por intermédio da norma jurídica:

“Toda a Política converge para um ‘absoluto’ (Bem Comum ou Bem Público temporal)29 autêntico ou falso30. O Estado pratica uma política materialista ou espiritualista, coletivista ou personalista, etc.; inclusive no caso em que, pretextando neutralidade entre as doutrinas, o Estado afirma sua negativa em escolher o ‘absoluto’ (autêntico ou falso) sob pena de condenar-se à inércia e a negar-se a si mesmo31.

Em cada Estado há uma concepção de mundo específica que predomina – durante algum tempo – sobre as demais concepções. Esta concepção do mundo predominante sobre as outras, quando se refere à finalidade da vida social, determina o conteúdo do Bem Comum específico ao respectivo Estado32.

(...)

Por isto é errado pensar que o Bem Comum seja de ‘essência sobrenatural’ ou que a teoria do Bem Comum seja uma teoria ‘católica’. O Bem Comum é

28 Becker, Alfredo Augusto.

Teoria geral do direito tributário. 3ª ed., pp. 164-165, Lejus, São Paulo: 2002.

29 del Vecchio, Giorgio. Toeria do Estado, trad., São Paulo, 1957 (Lo Stato Roma), 1953, p. 38 (cap. II, n.º 4,

a) apud Becker, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3ª ed., p. 164, Lejus, São Paulo: 2002.

30 J. Dabin,

Théorie Générale du Droit, 2ª ed., Bruxelles, 1953, n. 143.

31 J. Dabin,

Théorie Générale du Droit, Bruxelles, 1953, n. 141 e L’Etat ou le Politique. Paris, 1957, n.º 30.

32 G. Burdeau,

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um reflexo da filosofia do homem; pode perfeitamente haver um ‘bem comum’ marxista ou soviético que reflete ideologia marxista ou soviética.”

Portanto, como é da razão de ser do próprio Estado a proteção dos direitos do indivíduo, ainda que equivocadamente colocados como direitos naturais por Rousseau, ou, como mais acertadamente afirmou Becker, a promoção do Bem Comum, nada mais coerente para o intérprete/aplicador dos preceitos jurídicos que buscar extrair da situação que lhe é colocada sob análise aquela acepção do Direito que vise à proteção desses direitos do indivíduo ou a promoção do referido Bem Comum (Bem Social), ainda que esse conceito esteja permeado tanto pela subjetividade imanente ao ordenamento, quanto pela decorrente da própria formação cultural do aplicador33.

A proteção desses direitos individuais implica no benefício para a humanidade (Bem Comum ou Bem Social), como referimos acima. Esse benefício será alcançado se, por intermédio da operacionalização do sistema, resultar uma aplicação com base nos valores mais caros à sociedade estatal respectiva (maioria da sociedade, com respeito às minorias), convencionados em determinado espaço-tempo (conceito de justiça).

A questão da legitimação ainda assim fica sem resposta. Como saber quais valores seriam mais caros à sociedade em determinado espaço-tempo? Necessário o consentimento social para aplicação de determinada interpretação normativa?

Em princípio, partimos da óbvia premissa que só há divergência onde não há consenso sobre determinada interpretação jurídica adotada. Assim, na hipótese de divergência levada ao conhecimento do Poder Judiciário, este, por intermédio do seu último órgão a tomar conhecimento de determinada lide (normalmente o Supremo Tribunal Federal), dirá qual o(s) sentido(s) convencionalmente aceito(s) [válido(s)] por aquela determinada sociedade estatal, para a expressão de direito positivo (constitucional) em questão.

33 A Constituição Federal de 1988 é permeada de dispositivos denotativos do que seria o Bem Comum para o

(35)

Esse o órgão legitimado pelo nosso ordenamento para dizer quais valores são mais caros ou mais repulsivos à nossa sociedade. Entretanto, continuaremos examinado como ocorre a atuação do Supremo Tribunal Federal de forma mais acurada, ao longo da presente dissertação.

8. A norma geral e abstrata como norma jurídica de previsão da conduta convencionalmente prescrita e eventual sanção aplicável na hipótese do seu não-cumprimento.

Como fruto daquilo que Rousseau denominou de contrato social, e da criação do Estado (da promoção do Bem Comum por seu intermédio), temos a lei, instrumento de superação do arbítrio estatal e de garantia dos direitos e liberdades individuais. O modo usual de manifestação das leis para a sociedade legiferada no ordenamento brasileiro é por intermédio das normas gerais e abstratas34.

As normas gerais e abstratas são veiculadas pelos textos legislativos continentes das previsões de condutas que se esperam dos indivíduos e do próprio Estado, com a descrição (jurídica) de determinada hipótese fática que, se ocorrida no mundo dos fatos, há de resultar na instauração de determinada relação entre sujeitos-de-direito.

Para o Prof. Paulo de Barros Carvalho, normas gerais e abstratas, principalmente aquelas introduzidas por intermédio da Constituição Federal, serviriam como fundamento de validade de todas as demais normas jurídicas constantes do sistema35:

“As normas gerais e abstratas, principalmente as contidas na Lei Fundamental, exercem um papel relevantíssimo, pois são o fundamento de validade de todas as demais, indicando os rumos e os caminhos que as regras inferiores haverão de seguir (...)”

34 A respeito da corriqueira utilização da expressão “normas gerais e abstratas”, vale mencionar a crítica de

Norberto Bobbio em relação à imprecisão e insuficiência da doutrina que atribui às normas jurídicas as características de generalidade e abstração, in Bobbio, Norberto. Contribución a la teoria del derecho. Soler. Valencia: 1980, p. 293 e seguintes.

35 Carvalho, Paulo de Barros.

(36)

Para muitos, como Kelsen, essa previsão necessariamente há de vir acompanhada da respectiva sanção para o caso do seu descumprimento, sem o quê, não há que se falar em norma jurídica.

A teoria kelseniana, em sua versão originária36, diferencia entre norma

jurídica sancionatória (primária) e norma jurídica de previsão da conduta (secundária), tendo sido invertida essa classificação quando da edição de sua obra póstuma37.

Contudo, o que se percebe da análise sintática, e até mesmo pragmática do ordenamento, é que muitos são os preceitos que não possuem qualquer previsão de sanção para a hipótese do seu descumprimento, consistindo esse, um dos questionamentos mais antigos da Teoria Geral do Direito: há norma jurídica sem previsão de sanção específica?

Entendemos que, ainda que inexista sanção específica para determinado descumprimento da conduta prevista na norma dita secundária, ainda assim, com base nos fundamentos da própria teoria pura, se verificado um mínimo eficacial (eficácia como confirmação da adequação da conduta, conforme normada), aí teremos uma norma jurídica, por meio da previsão da conduta pela norma geral e abstrata e do pleno surtimento dos seus efeitos de regulação da conduta.

Já Niklas Luhmann, conforme lecionado pelo Professor Celso Campilongo, nas aulas de Teoria Geral do Direito, em sua teoria dos sistemas38, prega que o sistema

jurídico consiste em comunicação jurídica, produzindo comunicação jurídica, por intermédio de comunicação jurídica, o que pode ser visto também como um processo autopoiético, de acordo com a sua própria teoria.

Para o autor alemão, o que caracteriza as sociedades é a comunicação, que, por sua vez, não se confunde com os seus integrantes; sendo neste ponto a sua teoria um

36 Kelsen, Hans.

Teoria general del derecho y del estado. Imprensa Universitária. México: 1949, pp. 62-63.

37 Kelsen, Hans.

Teoria geral das normas trad. da Allgemeine Theorie der Normen, Sérgio Antonio Fabris, Porto Alegre, 1986, pp. 68 e seguintes.

(37)

pouco mais sofisticada que a teoria kelseniana, por indicar uma distinção entre a) sujeito cognoscente e b) objeto de conhecimento, no que não logrou êxito Kelsen ao tratar da regulação da conduta humana, pois fê-lo sem maior apreciação dos operadores jurídicos.

Luhmann parte de alguns pontos básicos para o desenvolvimento da sua teoria dos sistemas, dentre os quais, da análise do objeto feita de maneira segmentada: visualiza uma subdivisão entre “sistema” e “ambiente”; “centro” e “periferia”; “atenienses” e “estrangeiros”, etc.. Dessa diferenciação básica, temos a distribuição de competências guardada em funções atribuídas pela comunicação jurídica (“com direitos” versus “sem

direitos”), bem como, a própria necessidade de regulação da conduta, por exemplo, do “povo conquistado” pelo “povo conquistador”. Ressalte-se que, em tempos democráticos, não há que falar-se em “povo conquistador” e “povo conquistado”, mas, sim, em representantes do povo (no exercício da função estatal) editando as normas jurídicas, ao menos em princípio, com base num programa aprovado pelos seus representados: a própria sociedade. O parlamentar é o popular no Congresso.

Para Luhmann, da confusão assistemática característica do ambiente (levando-se em conta a sua maior complexidade - e, portanto, ausência de sistematização - em relação ao próprio sistema), decorre a distinção sistemática pela atribuição de comunicação específica a determinado sistema: no caso do sistema jurídico, normas jurídicas.

A comunicação jurídica é, portanto, menos complexa que o seu ambiente em virtude da instituição do seu “redutor de complexidades”. Como o Direito tem por função a regulação da conduta humana39, instituiu-se uma convenção e como resultado de um procedimento regular (ato de legislação) obtém-se um produto que adquire a característica de redução da complexidade na comunicação (jurídica) entre os elementos do sistema (jurídico). Esse elemento é a norma jurídica.

39 Ressalte-se que, a função de regulação da conduta humana pelo direito é afirmação de Kelsen, e não de

(38)

Assim como no sistema econômico temos a moeda como instrumento redutor de complexidades (ao dispensar a necessidade de escambo, por exemplo), no sistema jurídico, a norma jurídica tem um papel fundamental na operacionalização da sua comunicação interna: por seu intermédio a comunicação jurídica se difunde, pela sua principal função de “generalização congruente das expectativas normativas” – a norma geral e abstrata como previsão estatal da conduta esperada dos indivíduos.

A nossa interpretação da sua obra conduz à conclusão de que Luhmann vê a norma jurídica como elemento redutor (e não eliminador) de complexidades, em virtude da possibilidade de múltiplas significações de um único texto legislativo. Para Luhmann, a “generalização congruente de expectativas normativas” (decorrente da diminuição de complexidades na comunicação jurídica, efetuada pela norma geral e abstrata), o que, a nosso ver, consistiria na objetivação expressa da conduta pretendida pelo Estado e convencionada pelos cidadãos em assembléia (a priori, constituinte, e a posteriori,

legislativa).

Assim, a norma jurídica teria como função o desempenho de uma comunicação (jurídica), distinta das demais espécies comunicativas presentes nos demais tipos de sistemas (econômico, político, sociológico, etc.).

Mas como distinguir a comunicação jurídica das demais espécies de comunicação pertinentes aos sistemas alheios? A resposta é muito simples: sempre que o código binário se refira àquilo que é lícito ou ilícito, legal ou ilegal, estaremos diante da comunicação jurídica característica do sistema jurídico. Diferentemente do que ocorre, por exemplo, no âmbito religioso em que é utilizado, dentre outros, o código binário sacro/profano.

(39)

geral e abstrata que o intérprete/aplicador instrumentaliza o ato de interpretação/aplicação do Direito ao caso concreto, pondo, assim, a norma individual e concreta, analisada a seguir.

9. A norma individual e concreta como norma jurídica específica de imposição da conduta convencionalmente prescrita e imputação da sanção, na hipótese do não-cumprimento da norma geral e abstrata.

Já ensinava Kelsen, em sua Teoria Pura, que o Direito é o único e exclusivo meio produtor de Direito - somente a norma jurídica produz norma jurídica, por intermédio de outras normas jurídicas. É o que parte da doutrina chama de “autopoiese normativa”40. Em termos kelsenianos, o Direito regula sua própria criação.

Perfeita a lição do jurista checo, pois, como visto no tópico anterior, é com base no disposto na norma geral e abstrata, decorrente dos textos legais a que estão sujeitos os cidadãos, que é possível aplicar ao caso em concreto a norma individual e concreta. Funcionaria a norma individual e concreta como ato de aplicação do previsto na norma geral e abstrata ao caso concreto - como uma tentativa de objetivação estatal da subjetividade decorrente das interpretações divergentes de um mesmo texto legislativo pelos legiferados.

A aplicação da norma individual e concreta advém da estrutura lógica tão conhecida pelos que se debruçam sobre a fenomenologia jurídico-normativa da norma geral e abstrata, abordada no item anterior: dada a ocorrência de um fato F, previsto no antecedente normativo de determinado texto legal, deve ser a relação R, prescrita no conseqüente normativo do referido texto.

A transposição dessa estrutura para o campo tributário resultou na teoria da regra-matriz tributária, no dizer de Paulo de Barros Carvalho41, ou ainda, na estrutura da

40 V. Gunther Teubner.

O direito como sistema autopoiético. Trad. José Engrácia Antunes. Lisboa, Gulbekian, além do próprio Niklas Luhmann. El derecho de la sociedad. Barcelona. Antrophos.

(40)

regra jurídica tributária, no dizer de Souto Maior Borges42, como norma geral e abstrata a

fundar a aplicação do comando individual: dada a ocorrência de um fato jurídico-tributário, composto por um verbo acrescido de um complemento (exs.: auferir renda, circular mercadoria, importar bens, ser proprietário de imóvel, alienar bens imóveis, etc.), que resultem numa atividade economicamente mensurável, em determinado espaço-tempo, deve ser o dever de recolhimento de tributo aos cofres estatais, em razão da instauração da relação tributária entre o sujeito ativo (Estado) e o sujeito passivo (contribuinte).

Mais uma vez, remetemos às notas apontadas pelo Prof. Paulo de Barros Carvalho relativas a normas individuais e concretas43:

“(...) é naquelas individuais e concretas que o direito se efetiva, se concretiza, se mostra como realidade normada, produto final do intenso e penoso trabalho de positivação. É o preciso instante em que a linguagem do direito toca o tecido social, ferindo a possibilidade da conduta intersubjetiva.”

Vale salientar que, não necessariamente há de estar presente a imputação da sanção na aplicação da norma individual e concreta (primeiro momento), mas, tão somente, quando do seu descumprimento é que há de se falar em sanção, ou mesmo, em coerção (segundo momento).

A questão relativa à sanção tem ainda repercussões outras, particularmente no campo das obrigações acessórias e na sua possibilidade expressa de ser tomada como tributo, na conformidade do art. 3º, do Código Tributário Nacional. Essa repercussão já abordamos no nosso artigo intitulado “O caráter patrimonial das obrigações tributárias

acessórias”44. Naquele artigo defendemos conclusão no sentido de que, se adotada a

premissa de que toda a obrigação tributária tem por objeto a prestação de tributo, e se a obrigação tributária acessória, quando do seu inadimplemento, converte-se em principal,

42 Borges, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3ª ed., p. 154. Malheiros, São Paulo:2001. 43 Carvalho, Paulo de Barros.

O princípio da segurança jurídica em matéria tributária. in Revista de Direito Tributário, n.º 61, p. 86.

44 Borges, Paulo Fernando Souto Maior.

(41)

nos termos do art. 113, §3º, podemos inferir que, em matéria tributária, no nosso ordenamento, a prestação da sanção pecuniária coincide com a prestação tributária, e ambas teriam natureza tributária.

Contudo, deixemos de lado a análise da questão relativa à sanção, por não caracterizar o principal desiderato do presente trabalho45, para focarmos nossas atenções no

conceito da norma individual e concreta, como sendo aquela decorrente da aplicação do disposto na norma geral e abstrata pelo ente jurisdicional competente. A norma individual adquire grande importância no presente trabalho, que dentre outros aspectos denotativos da sua relevância, tem na análise casuística por parte do Supremo Tribunal Federal o supra-sumo da sua aplicação.

45 A respeito das sanções tributárias, recomenda-se a obra de Ângela Maria da Motta Pacheco.

(42)

PARTE II

UMA BREVE TEORIA DOS PRINCÍPIOS

10. A contraposição: “normas-princípio” versus “normas-regra”.

A atividade científica no Direito faz com que o estudioso, constantemente, se depare com os vocábulos “norma” e “princípio”, e os utilize, por muitas vezes, de forma absolutamente indiscriminada, passando desapercebida a necessidade de diferenciação dos dois institutos jurídicos.

Como visto nos itens anteriores, o sistema jurídico tem como elementos componentes as normas jurídicas, o “código redutor de complexidades” utilizado na comunicação jurídica, no dizer de Niklas Luhmann.

Ao nos depararmos com a contraposição conceitual das “normas-princípio” e“normas-regra” (utilizando a nomenclatura de Canotilho46), concluímos que os princípios

nada mais são que, normas jurídicas.

Nesse sentido é a obra do Prof. Paulo de Barros Carvalho47, que se posiciona

pelos princípios como sendo normas jurídicas de introdução de valores de grande importância no ordenamento:

“Toda vez que houver acordo, ou que um número expressivo de pessoas reconhecerem que a norma N conduz um vector axiológico forte, cumprindo papel de relevo para a compreensão de segmentos importantes do sistema de proposições prescritivas, estaremos diante de um ‘princípio’. Quer isto significar, por outros torneios, que ‘princípio’ é uma regra portadora de núcleos significativos de grande magnitude, influenciando visivelmente a orientação de cadeias normativas, às quais outorga caráter de unidade

46 Canotilho, J. J. Gomes.

Direito Constitucional. 5ª ed.. Almedina. Coimbra: 1991, pp. 171 e seguintes.

47 Carvalho, Paulo de Barros.

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