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DADOS DE COPYRIGHT. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo

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Sobre a obra:

A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o obj etivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêm icos, bem com o o sim ples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de com pra futura.

É expressam ente proibida e totalm ente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso com ercial do presente conteúdo

Sobre nós:

O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dom inio publico e propriedade intelectual de form a totalm ente gratuita, por acreditar que o conhecim ento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar m ais obras em nosso site: LeLivros.site ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo

nível."

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O Arqueiro

GERALDO JORDÃO PEREIRA (1938-2008) com eçou sua carreira aos 17 anos, quando foi trabalhar com seu pai, o célebre editor José Oly m pio, publicando obras m arcantes com o O menino do dedo verde, de Maurice Druon, e Minha vida, de Charles Chaplin.

Em 1976, fundou a Editora Salam andra com o propósito de form ar um a nova geração de leitores e acabou criando um dos catálogos infantis m ais prem iados do Brasil. Em 1992, fugindo de sua linha editorial, lançou Muitas vidas, muitos mestres, de Brian Weiss, livro que deu origem à Editora Sextante.

Fã de histórias de suspense, Geraldo descobriu O Código Da Vinci antes m esm o de ele ser lançado nos Estados Unidos. A aposta em ficção, que não era o foco da Sextante, foi certeira: o título se transform ou em um dos m aiores fenôm enos editoriais de todos os tem pos.

Mas não foi só aos livros que se dedicou. Com seu desej o de aj udar o próxim o, Geraldo desenvolveu diversos proj etos sociais que se tornaram sua grande paixão.

Com a m issão de publicar histórias em polgantes, tornar os livros cada vez m ais acessíveis e despertar o am or pela leitura, a Editora Arqueiro é um a hom enagem a esta figura extraordinária, capaz de enxergar m ais além , m irar

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nas coisas verdadeiram ente im portantes e não perder o idealism o e a esperança diante dos desafios e contratem pos da vida.

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Título original: The Sun Is Also a Star Copy right © 2016 por Nicola Yoon Copy right da tradução © 2017 por Editora Arqueiro Ltda.

Publicado m ediante acordo com Rights People, Londres.

Produzido por Alloy Entertainm ent, LLC.

Todos os direitos reservados. Nenhum a parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer m eios existentes sem autorização por escrito dos

editores.

tradução: Alves Calado preparo de originais: Magda Tebet revisão: Rebeca Bolite e Tereza da Rocha

diagramação: DTPhoenix Editorial capa: Dom inique Falla adaptação de capa: Ana Paula Daudt Brandão

foto da autora: Sony a Sones adaptação para e-book: Marcelo Morais CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Y57s

Yoon, Nicola

O sol

também é uma

estrela [recurso

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estrela [recurso eletrônico] / Nicola Yoon;

tradução de Alves Calado.

São Paulo:

Arqueiro, 2017.

recurso digital Tradução de: The sun is also a star

Formato:

ePub

Requisitos do sistema:

Adobe Digital Editions

Modo de

acesso: World

Wide Web

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Wide Web ISBN: 978- 85-8041-659-6 (recurso

eletrônico) 1. Ficção americana. 2.

Livros

eletrônicos. I.

Calado, Alves.

II. Título.

16- 38578

CDD: 813

CDU: 821.111(73)-3

Todos os direitos reservados, no Brasil, por Editora Arqueiro Ltda.

Rua Funchal, 538 – conj untos 52 e 54 – Vila Olím pia 04551-060 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3868-4492 – Fax: (11) 3862-5818 E-m ail: atendim ento@editoraarqueiro.com .br

www.editoraarqueiro.com .br

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Para minha mãe e meu pai, que me ensinaram sobre os sonhos e como alcançá-los

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“A poesia do pôr do sol não ficará prejudicada se soubermos um pouco sobre ele.”

– Pálido ponto azul, Carl Sagan

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“Será que ouso Perturbar o universo?

Em um minuto há tempo

Para decisões e revisões que em um minuto irão se reverter.”

– A canção de amor de J. Alfred Prufrock, T. S. Eliot

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prólogo

CARL SAGAN AFIRMOU QUE, se você quiser fazer um a torta de m açã desde o início, precisa prim eiro inventar o Universo. Quando ele afirm a “desde o início”, quer dizer a partir do nada. Quer dizer a partir de um tem po anterior à existência do m undo. Se você quiser fazer um a torta de m açã a partir do nada, precisa com eçar com o Big Bang, universos em expansão, nêutrons, íons, átom os, buracos negros, sóis, luas, m arés oceânicas, Via Láctea, Terra, evolução, dinossauros, eventos de extinção, ornitorrincos, Homo erectus, hom em de Cro- Magnon, etc. Precisa com eçar do início. Precisa inventar o fogo. Precisa de água, solo fértil e sem entes. Precisa de vacas, pessoas para ordenhá-las e m ais pessoas para bater esse leite até virar m anteiga. Precisa de trigo, cana-de-açúcar e m acieiras. Precisa de quím ica e biologia. Para um a torta de m açã realm ente boa, precisa das artes. Para um a torta de m açã que dure gerações, precisa da prensa gráfica e da Revolução Industrial, e talvez até de um poem a.

Para fazer um a coisa sim ples com o um a torta de m açã, você precisa criar o m undo inteiro.

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daniel

Adolescente aceita o destino, concorda em virar médico; estereótipo.

É culpa do Charlie se m eu verão (e agora o outono) se tornou um a sequência de acontecim entos absurdos. Charles Jae Won Bae, vulgo Charlie, m eu irm ão m ais velho, prim ogênito de um prim ogênito, surpreendeu m eus pais (e os am igos deles, e tam bém toda a fofoqueira com unidade coreana de Flushing, Nova York) ao ser expulso da Universidade Harvard (a Melhor Escola, disse m inha m ãe quando a carta de aceitação chegou). Agora ele foi expulso da Melhor Escola, e durante o verão inteiro m inha m ãe ficou carrancuda, sem acreditar e sem entender direito.

Por que suas notas tão ruins? Eles expulsa você? Por que eles expulsa você?

Por que eles não faz você ficar e estudar mais?

Meu pai diz: Não expulsa. Eles suspende. Não é igual expulsar.

Charlie resm unga: É temporário, só por dois semestres.

Sob esse tiroteio im piedoso, feito de confusão, vergonha e desapontam ento dos m eus pais, eu quase m e sinto m al pelo Charlie. Quase.

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natasha

MINHA MÃE DIZ QUE É HORA de eu desistir, que o que estou fazendo é inútil.

Está chateada, por isso seu sotaque é m ais forte do que nunca e cada declaração é um a pergunta.

– Não acha que é hora de desistir, Tasha? Não acha que o que está fazendo é inútil?

Ela arrasta a segunda sílaba de inútil por um segundo a m ais que o necessário.

Meu pai não diz nada. Está m udo de raiva ou im potência. Nunca sei direito o quê.

A carranca é tão profunda e com pleta que fica difícil im aginar o rosto com outra expressão. Se fosse há alguns m eses, eu ficaria triste por vê-lo assim , m as agora não m e im porto nem um pouco. Ele é o m otivo de estarm os nessa confusão.

Peter, m eu irm ão de 9 anos, é o único feliz com essa reviravolta nos acontecim entos. Neste m om ento está arrum ando a m ala e ouvindo “No Wom an, No Cry ”, do Bob Marley. “Música das antigas para arrum ar as m alas”, ele disse.

Apesar de ter nascido aqui nos Estados Unidos, Peter fala que quer m orar na Jam aica. Sem pre foi m uito tím ido e tem dificuldade para fazer am igos. Deve im aginar que a Jam aica vai ser um paraíso e que, de algum m odo, lá as coisas vão m elhorar para ele.

Nós quatro estam os na sala do nosso apartam ento de um quarto. É nela que Peter e eu dorm im os. Tem dois pequenos sofás-cam as que abrim os à noite e um a cortina de um azul forte no m eio, para dar privacidade. Agora a cortina está aberta, de m odo que dá para ver as duas m etades ao m esm o tem po.

É bem fácil adivinhar qual de nós quer ir e qual quer ficar. Meu lado ainda parece bem ocupado. Meus livros estão na pequena estante da IKEA. Minha foto favorita, em que apareço com m inha m elhor am iga, Bev, está sobre a escrivaninha. Nós duas estam os usando óculos de proteção e fazendo biquinho sensual para a câm era no laboratório de física. Os óculos foram ideia m inha. Os biquinhos, dela. Não tirei um a única peça de roupa da m inha côm oda. Nem arranquei m eu pôster com o m apa estelar da Nasa. Ele é enorm e – na verdade, são oito pôsteres que eu j untei com fita adesiva – e m ostra todas as estrelas principais, as constelações e as partes da Via Láctea visíveis do hem isfério norte.

Tem até instruções sobre com o encontrar a estrela Polar e com o se orientar pelas estrelas, caso a gente se perca. Os tubos que com prei para guardá-lo estão encostados na parede, ainda fechados.

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No lado do Peter praticam ente todas as superfícies estão vazias, a m aioria de suas posses j á foi colocada em caixas e m alas.

Minha m ãe está certa, claro: o que estou fazendo é inútil. Mesm o assim , pego m eus fones de ouvido, o livro de física e uns quadrinhos. Estou com tem po livre, então vou fazer o dever de casa e ler.

Peter balança a cabeça na m inha direção.

– Por que você vai levar isso? – pergunta, indicando o livro didático. – Nós vam os em bora, Tasha. Você não precisa fazer o dever de casa.

Peter acabou de descobrir o poder do sarcasm o. Usa sem pre que tem chance.

Não m e dou o trabalho de responder, só coloco os fones e vou para a porta.

– Volto logo – digo à m inha m ãe.

Ela faz cara de desaprovação e se vira. Eu m e lem bro de que ela não está chateada com igo. Tasha, não é com você que estou chateada, sabe? é um a coisa que ela diz um bocado ultim am ente. Vou ao prédio do Serviço de Im igração e Cidadania dos Estados Unidos (USCIS, na sigla em inglês), no centro de Manhattan, ver se alguém de lá pode m e aj udar. Som os im igrantes ilegais e vam os ser deportados esta noite.

Hoj e é m inha últim a chance de tentar convencer alguém – ou o destino – a m e aj udar a descobrir um m odo de ficar nos Estados Unidos.

Só para esclarecer: não acredito no destino. Mas estou desesperada.

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daniel

OS MOTIVOS QUE ME FAZEM ACHAR que Charles Jae Won Bae, vulgo Charlie, é um Cretino (não necessariam ente nesta ordem ):

1. Antes desse fracasso épico e espetacular (e com pletam ente delicioso) em Harvard, ele era im placavelm ente bom em tudo. Ninguém deveria ser bom em tudo. Matem ática, inglês, biologia, quím ica, história e esportes.

Não é decente ser bom em tudo. No m áxim o, em três ou quatro coisas. Até m esm o isso j á é forçar os lim ites do bom gosto.

2. Ele é o tipo de hom em que os outros hom ens adm iram , ou sej a: é um cretino em boa parte do tem po. Na m aior parte do tem po. O tem po todo.

3. É alto, com o m axilar m arcado, esculpido e todos os outros adj etivos usados para os m axilares em todos os livros rom ânticos. As garotas (todas as garotas, não só as do grupo de estudo da Bíblia coreana) dizem que os lábios dele são beij áveis.

4. Tudo isso seria ótim o – um a quantidade em baraçosa de pontos positivos, sem dúvida; um núm ero um pouquinho grande dem ais de tesouros para serem concedidos a um único ser hum ano, certam ente – se ele fosse legal.

Mas não é. Charles Jae Won Bae não é legal. É m etido a besta e, o pior de tudo, adora fazer bully ing. É um cretino. Inveterado.

5. Ele não gosta de m im . E não gosta de m im há anos.

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natasha

PONHO O CELULAR, OS FONES DE OUVIDO e a m ochila na caixa cinza antes de passar pelo detector de m etais. A guarda – o crachá diz que o nom e dela é Irene – im pede m inha caixa de viaj ar pela esteira rolante, com o fez todos os dias anteriores.

Olho para ela e não sorrio.

Ela olha para a caixa, vira m eu telefone e exam ina a capinha, com o fez todos os dias. A capinha é a ilustração de um disco do Nirvana, cham ado Nevermind.

Todo dia seus dedos se dem oram no bebê da capa e todo dia detesto quando ela passa a m ão nele. O vocalista do Nirvana era o Kurt Cobain. Sua voz, a corrosão que existe nela, o m odo com o não é perfeita, o m odo com o a gente sente tudo que ele j á sentiu, o j eito com o a voz se estica tão esgarçada que parece que ela vai se rom per e não se rom pe, foi a única coisa que m e m anteve sã desde o início deste pesadelo. Seu sofrim ento é m uito m ais desesperançado do que o m eu.

Ela está dem orando à beça e não posso perder a hora m arcada para a entrevista. Penso em dizer algum a coisa, m as não quero deixá-la com raiva.

Provavelm ente ela odeia o trabalho. Não quero dar m otivo para ela m e atrasar m ais ainda. Ela m e olha de novo, m as não dá qualquer sinal de ter m e reconhecido, apesar de eu ter vindo aqui todos os dias na últim a sem ana. Para ela sou apenas m ais um rosto anônim o, outra requerente, m ais alguém que quer algum a coisa dos Estados Unidos.

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irene Uma história

NATASHA NÃO ESTÁ TOTALMENTE certa em relação a Irene. Irene adora seu trabalho. Mais do que adora: precisa dele. É praticam ente o único tipo de contato hum ano que ela tem . É a única coisa que afasta a solidão total e desesperada.

Cada interação com esses requerentes salva pelo m enos um pouquinho sua vida. A princípio, eles m al a notam . Jogam os itens na caixa e observam atentam ente enquanto os obj etos passam pela m áquina. A m aioria suspeita de que Irene vai em bolsar o dinheiro trocado, um a caneta, chaves ou outra coisa qualquer. Num a situação norm al o requerente j am ais a notaria, m as ela se esforça para que isso aconteça. É sua única ligação com o m undo.

Por isso ela puxa cada caixa com um a única m ão enluvada. A dem ora é longa o suficiente para que o requerente sej a obrigado a levantar os olhos e encará-la. Para que vej a, de fato, a pessoa à sua frente. A m aioria m urm ura um relutante bom-dia, e as palavras a preenchem um pouquinho. Outros perguntam com o ela está, e ela se expande um pouco m ais.

Irene j am ais responde. Não sabe com o. Em vez disso, olha de novo para a caixa e observa cada obj eto procurando pistas, algum pedaço de inform ação para guardar e exam inar m ais tarde.

Ela gostaria, m ais do que tudo, de poder tirar as luvas e tocar as chaves, as carteiras e o dinheiro trocado. Gostaria de poder deslizar a ponta dos dedos pela superfície daqueles pertences, m em orizar texturas e deixar que os artefatos da vida dos outros penetrassem nela. Mas não pode atrasar dem ais a fila. Acaba m andando a caixa e o dono para longe.

A noite passada foi particularm ente ruim . A boca fam inta de sua solidão queria engoli-la inteira. Nesta m anhã ela precisa de contato para salvar sua vida.

Com m uita dificuldade, desvia o olhar de um a caixa que se afasta e se vira para o próxim o requerente.

É a garota que apareceu aqui todos os dias desta sem ana. Não deve ter m ais de 17 anos. Com o todo m undo, ela não levanta o olhar da caixa. Mantém os olhos focalizados nela, com o se não suportasse ficar separada dos fones de ouvido pink e do celular. Irene encosta a m ão enluvada na lateral da caixa para im pedir que

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ela deslize para longe de sua vida, chegando à esteira rolante.

A garota levanta os olhos e Irene se infla. Ela parece tão desesperada quanto Irene. Irene quase sorri para ela. Em sua m ente, faz exatam ente isso.

Bem-vinda de volta. É um prazer ver você, diz Irene, m as só dentro de sua m ente.

Na realidade, j á está baixando os olhos, exam inando a capinha do telefone da garota. A foto é de um bebê branco e gordinho com pletam ente subm erso em água azul-clara. O bebê está com as pernas e os braços abertos e m ais parece voar do que nadar. A boca e os olhos estão abertos. Na frente dele um a nota de dólar pende de um anzol. A foto não é apropriada, e toda vez que Irene olha para ela sente necessidade de respirar m ais profundam ente, com o se fosse ela que estivesse em baixo d’água.

Quer encontrar um m otivo para confiscar o celular, m as não existe nenhum .

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daniel

SEI QUAL FOI O MOMENTO EXATO em que Charlie parou de gostar de m im . Foi no verão em que fiz 6 anos e ele, 8. Ele estava em sua bicicleta nova e brilhante (verm elha, de dez m archas, m aneiríssim a) com seus am igos novos e brilhantes (brancos, de 10 anos, m aneiríssim os). Apesar das várias dicas durante o verão inteiro, eu não tinha entendido de verdade que havia sido rebaixado a Irm ão Mais Novo Chato.

Naquele dia, ele e seus am igos saíram sem m im . Fui atrás por um m onte de quarteirões, gritando “Charlie”, convencido de que ele se esquecera de m e cham ar. Pedalei tão depressa que m e cansei (garotos de 6 anos andando de bicicleta não se cansam facilm ente; isso m ostra quanto os persegui).

Por que não desisti, sim plesm ente? Claro que ele podia m e ouvir gritando.

Até que ele parou e desceu da bicicleta. Jogou-a no chão – para que usar o descanso? – e ficou ali, parado, esperando que eu chegasse. Dava para ver que estava com raiva. Ele chutou terra na bicicleta para garantir que todo m undo percebesse isso claram ente.

– Hyung – com ecei, usando a palavra que os irm ãos m ais novos usam para os m ais velhos.

Soube que foi um grande erro assim que falei. O rosto inteiro dele ficou verm elho: bochechas, nariz, as pontas das orelhas, tudo. Ele estava praticam ente pegando fogo. Seus olhos se viraram para o ponto de onde os novos am igos nos espiavam com o se estivéssem os na TV.

– Do que ele cham ou você? – perguntou o m ais baixo.

– É algum tipo de código coreano secreto? – com pletou o m ais alto.

Charlie ignorou os dois e partiu para cim a de m im . – O que você está fazendo aqui?

Ele estava tão irritado que sua voz falhou um pouco.

Eu não tinha o que dizer, m as, na verdade, ele não queria um a resposta.

Queria era bater em m im . Vi isso no m odo com o ele fechava e abria os punhos.

Vi com o ele tentava calcular a encrenca em que se m eteria se m e batesse bem ali no parque, na frente de uns garotos que ele m al conhecia.

– Por que não arranj a uns am igos e para de ficar atrás de m im que nem um bebezinho? – disse Charlie em vez disso.

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Deveria ter m e batido.

Ele pegou a bicicleta no chão e se estufou com tanta raiva que achei que ele ia explodir, e aí eu teria que contar a m am ãe que seu filho m ais velho e m ais perfeito tinha explodido.

– Meu nom e é Charles – disse àqueles garotos, desafiando-os a falarem m ais um a palavra. – Vocês vêm ou não?

Não esperou por eles nem olhou para trás para ver se o acom panhavam . E eles o seguiram em direção ao parque, ao verão e ao ensino m édio, com o tantas outras pessoas o seguiriam . De algum m odo eu tinha transform ado m eu irm ão num rei.

Nunca m ais cham ei Charlie de hyung.

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charles j ae won bae Uma história futura

DANIEL ESTÁ CERTO EM RELAÇÃO A CHARLES. Ele é um com pleto idiota.

Algum as pessoas am adurecem e m elhoram o caráter, m as Charles não fará isso.

Vai se acom odar dentro dela, na pele que sem pre será sua.

Mas, antes disso, antes de virar político e ser bem casado, antes de m udar o nom e para Charles Bay, antes de trair sua boa esposa e seus eleitores em todas as oportunidades, antes de ter m uito dinheiro e sucesso, antes de conseguir absolutam ente tudo que quer, ele vai fazer um a coisa boa e altruísta pelo irm ão.

Essa vai ser a últim a coisa boa e altruísta que ele fará na vida.

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fam ília Uma história de nomes

QUANDO MIN SOO SE APAIXONOU por Dae Hy un, não esperava que o am or os levasse da Coreia do Sul para os Estados Unidos. Mas Dae Hy un havia sido pobre a vida inteira. Tinha um prim o que estava se dando bem na cidade de Nova York. O prim o prom eteu aj udar.

Para a m aioria dos im igrantes, m udar para um país novo é um ato de fé.

Mesm o que você tenha ouvido histórias sobre segurança, oportunidade e prosperidade, ainda assim é um grande salto se afastar de sua língua, de seu povo e de seu país. De suas raízes. E se as histórias não fossem verdadeiras? E se você não conseguisse se adaptar? E se não fosse desej ado no país novo?

No fim , apenas algum as histórias eram verdadeiras. Com o todos os im igrantes, Min Soo e Dae Hy un se adaptaram tanto quanto possível. Evitavam as pessoas e os lugares que não os desej avam . O prim o de Dae Hy un aj udou e eles prosperaram . A fé recom pensou.

Alguns anos depois, quando Min Soo descobriu que estava grávida, seu prim eiro pensam ento foi sobre qual nom e dariam ao filho. Tinha a sensação de que nos Estados Unidos os nom es não significavam nada, diferentem ente do que acontecia na Coreia. Na Coreia, o nom e de fam ília vinha prim eiro e contava toda a história de sua ancestralidade. Nos Estados Unidos, o nom e de fam ília é cham ado de últim o nom e. Dae Hy un dizia que isso provava que os am ericanos acham que o indivíduo é m ais im portante do que a fam ília.

Min Soo se torturou com a escolha do nom e pessoal, que os am ericanos cham am de prim eiro nom e. Será que seu filho deveria ter um nom e am ericano, algo fácil para os professores e colegas pronunciarem ? Será que eles deveriam se ater à tradição e escolher dois caracteres chineses para form ar um nom e pessoal de duas sílabas?

Nom es são coisas poderosas. Servem com o m arcadores de identidade e um a espécie de m apa, localizando a pessoa no tem po e na geografia. Mais do que isso, podem ser um a bússola. No fim das contas, Min Soo escolheu um m eio-term o.

Deu ao filho um nom e am ericano seguido de um nom e pessoal coreano seguido do nom e da fam ília. Cham ou-o de Charles Jae Won Bae. Cham ou o segundo filho de Daniel Jae Ho Bae.

Por fim , escolheu as duas coisas. Coreano e am ericano. Am ericano e

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coreano.

Para que eles soubessem de onde vinham . Para que soubessem para onde iam .

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natasha

ESTOU ATRASADA. Entro na sala de espera e vou até a recepcionista. Ela balança a cabeça para m im , com o se j á tivesse visto aquela cena. Todo m undo aqui j á viu tudo antes, e eles realm ente não se im portam que tudo sej a novo para você.

– Você terá que ligar para a linha principal do USCIS e m arcar outra entrevista.

– Não tenho tem po para isso.

Explico sobre a guarda, Irene, e sua estranheza. Falo em voz baixa e razoável.

Ela dá de om bros e baixa os olhos. Estou dispensada. Em qualquer outra ocasião eu cederia.

– Por favor, ligue para ela. Ligue para Karen Whitney. Ela disse para eu voltar.

– Sua entrevista era às oito horas. Agora são oito e cinco. Ela está falando com outro requerente.

– Por favor, não é m inha culpa se estou atrasada. Ela m e disse...

O rosto da m ulher endurece. Não im porta o que eu diga, ela não vai se com over.

– A Sra. Whitney j á está com outro requerente. – Ela fala isso com o se o inglês não fosse m inha prim eira língua.

– Ligue para ela – exij o.

Meu tom de voz é alto e pareço histérica. Todos os outros requerentes, até os que não falam inglês, estão m e olhando. O desespero se traduz em qualquer língua.

A recepcionista balança a cabeça na direção de um segurança parado j unto à porta. Antes que ele possa m e alcançar, a porta que dá para as salas de reunião se abre. Um hom em negro m uito alto e m agro m e cham a. Ele faz um sinal para a recepcionista.

– Tudo bem , Mary. Eu falo com ela.

Passo rapidam ente pela porta, antes que ele m ude de ideia. Ele não m e olha, só se vira e vai andando por um a série de corredores. Acom panho em silêncio até que ele para na frente da sala de Karen Whitney.

– Espere aqui.

O hom em só passa alguns segundos lá dentro, m as quando volta está

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segurando um a pasta verm elha: a m inha.

Andam os por outro corredor até chegarm os, finalm ente, à sua sala.

– Meu nom e é Lester Barnes – apresenta-se. – Sente-se.

– Eu venho...

Ele levanta um a das m ãos para m e calar.

– Tudo que preciso saber está nesta pasta. – Ele belisca o canto da pasta e a sacode para m im . – Faça um favor a você m esm a e fique quieta enquanto eu leio.

A m esa é tão arrum ada que dá para ver que ele se orgulha disso. Tem um conj unto de acessórios prateados: porta-canetas, bandej as para correspondência e até um porta-cartões de visita com LRB gravado. Quem ainda usa cartões de visita? Estendo a m ão, pego um e enfio no bolso.

O arm ário alto atrás dele é um m ar de pilhas de pastas separadas por cor.

Cada pasta guarda a vida de alguém . Será que as cores são tão óbvias quanto im agino? A m inha é Verm elho Rej eição.

Depois de alguns m inutos ele m e olha.

– Por que você está aqui?

– Karen... A Sra. Whitney disse para eu voltar. Ela foi gentil com igo. Disse que talvez houvesse algum a coisa.

– Karen é nova. – Ele diz isso com o se m e explicasse algo, m as não sei o que é. – A últim a apelação da sua fam ília foi rej eitada. A deportação está m antida, Srta. Kingsley. Você e sua fam ília terão de partir esta noite às dez horas.

Ele fecha a pasta e em purra um a caixa de lenços de papel para m im , antecipando m inhas lágrim as. Mas não sou chorona.

Não chorei no dia em que m eu pai falou pela prim eira vez sobre a ordem de deportação nem quando as apelações foram rej eitadas.

Não chorei no inverno passado ao descobrir que Rob, m eu ex-nam orado, estava m e traindo.

Nem chorei ontem quando Bev e eu tivem os nossa despedida oficial. Nós duas sabíam os havia m eses que aquele m om ento ia chegar. Não chorei, m as, m esm o assim ... não foi fácil. Ela teria vindo com igo hoj e, m as está na Califórnia com a fam ília, conhecendo Berkeley e algum as outras faculdades do estado.

– Talvez você ainda estej a aqui quando eu voltar – insistiu Bev depois do nosso m ilésim o abraço. – Talvez tudo dê certo.

Bev sem pre foi im placavelm ente otim ista, m esm o diante de situações m uito difíceis. Ela é o tipo de garota que com pra bilhetes de loteria. Eu sou o tipo que zom ba de pessoas que com pram bilhetes de loteria.

Pois é. Definitivam ente, não vou com eçar a chorar agora. Fico de pé, pego m inhas coisas e vou para a porta. Preciso de toda a energia para continuar não sendo chorona. Na m inha m ente, ouço a voz da m inha m ãe.

Não deixe seu orgulho dominar você, Tasha.

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Dou m eia-volta.

– Não existe m esm o nada que o senhor possa fazer para m e aj udar? Preciso m esm o ir em bora?

Falo isso tão baixo que m al escuto. O Sr. Barnes não tem dificuldade para ouvir. Ouvir vozes baixas e sofridas faz parte de seu trabalho.

Ele tam borila na pasta fechada.

– Seu pai foi apanhado dirigindo em briagado...

– Isso é problem a dele. Por que eu preciso pagar pelo erro dele?

Meu pai. Sua única noite de fam a o levou a ser apanhado por dirigir bêbado, o que nos levou a ser descobertos e m e levou a perder o único lugar que cham o de lar.

– Ainda assim , vocês estão aqui ilegalm ente. – Mas a voz dele não está tão dura quanto antes.

Confirm o com a cabeça, m as não digo nada, porque agora vou chorar m esm o. Ponho os fones de ouvido e m e encam inho de novo para a porta.

– Já estive no seu país. Já estive na Jam aica. – Ele está sorrindo com a lem brança da viagem . – Foi um período ótim o. Tudo lá é irie, cara. Você vai ficar bem .

Os psiquiatras dizem para a gente não guardar os sentim entos porque eles acabam explodindo. Não estão errados. Venho sentindo raiva há m eses. Parece que estou com raiva desde o início dos tem pos. Com raiva do m eu pai. Com raiva do Rob, que na sem ana passada disse que nós deveríam os ser am igos apesar de

“tudo”, isto é, apesar de ele ter m e traído.

Nem Bev escapou da m inha raiva. Durante todo o outono ela ficou preocupada com a faculdade a que iria se candidatar, baseada naquela a que seu nam orado – Derrick – está se candidatando. Ela vive checando o tem po de deslocam ento entre diferentes faculdades. Será que os relacionamentos a distância funcionam?, pergunta dia sim , dia não. Na últim a vez que perguntou, eu disse que ela talvez não devesse basear todo o futuro em seu nam orado atual. Ela não recebeu isso bem . Bev acha que os dois vão ficar j untos para sem pre. Eu acho que vão durar até a form atura do ensino m édio. Talvez até o verão. Tive que fazer o dever de física para ela durante sem anas, para com pensar.

E agora um hom em que provavelm ente não passou m ais de um a sem ana na Jam aica está dizendo que tudo vai ficar irie.

Tiro os fones de ouvido.

– Aonde o senhor foi? – pergunto.

– Negril. Um lugar m uito bom . – Saiu da área do hotel?

– Eu quis, m as m inha...

– Mas sua m ulher não quis porque ficou com m edo, certo? O guia turístico disse que era m elhor perm anecer na área do balneário.

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Eu m e sento de novo.

Ele pousa o queixo sobre as m ãos fechadas. Pela prim eira vez desde o início da conversa ele não está no com ando.

– Ela estava preocupada com a segurança? – Ponho aspas no ar em volta de segurança, com o se isso não fosse algo digno de preocupação. – Ou talvez ela sim plesm ente não quisesse arruinar o clim a das férias vendo com o todo m undo é pobre de verdade.

A raiva que guardei sobe da barriga para a garganta.

– O senhor ouviu Bob Marley, um barm an lhe arranj ou um pouco de m aconha e alguém disse qual é o significado de irie, e o senhor acha que sabe de algum a coisa. O senhor viu um bar tem ático, um a praia e um quarto de hotel.

Isso não é um país. É um balneário.

Ele levanta as m ãos com o se estivesse se defendendo, com o se estivesse tentando em purrar as palavras no ar, de volta para m im .

É, estou sendo um a pessoa horrível.

Não, não m e im porto.

– Não diga que vou ficar bem . Eu não conheço aquele lugar. Estou aqui desde os 8 anos. Não conheço ninguém na Jam aica. Não tenho sotaque. Não conheço m inha fam ília de lá, pelo m enos não com o a gente deve conhecer a fam ília.

Estou no últim o ano do colégio. E o baile de form atura, a cerim ônia e m eus am igos?

Quero m e preocupar com as m esm as coisas idiotas com as quais eles estão se preocupando. Até com ecei a preparar m inha inscrição para o Brookly n College. Minha m ãe econom izou durante dois anos para viaj ar para a Flórida e m e com prar um cartão do seguro social “bom ”. Um cartão “bom ” é um que tem núm eros roubados im pressos, em vez de núm eros falsos. O hom em que o vendeu a ela disse que os m ais baratos, com núm eros faj utos, não passam nas verificações sobre o passado da pessoa e nas inscrições para faculdades. Com o cartão posso m e candidatar a um auxílio financeiro. Se eu conseguir tam bém um a bolsa, posso até entrar para a SUNY Bingham ton e outras faculdades no interior do estado.

– E a faculdade? – pergunto, agora chorando.

Minhas lágrim as são incontroláveis. Esperaram m uito tem po para cair.

O Sr. Barnes em purra a caixa de lenços de papel para perto de m im . Pego uns seis ou sete, uso e depois pego m ais seis ou sete. Junto m inhas coisas de novo.

– O senhor tem algum a ideia de com o é não se encaixar em lugar nenhum ? – De novo falo baixo dem ais para ser ouvida, e de novo ele escuta.

Estou m e encam inhando para a porta, ponho a m ão na m açaneta quando ele diz:

– Srta. Kingsley. Espere.

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irie Uma história etimológica

TALVEZ VOCÊ JÁ TENHA OUVIDO a palavra irie. Talvez tenha viaj ado à Jam aica e saiba que ela tem algum as raízes no dialeto j am aicano, o patois. Ou talvez saiba que tem outras raízes na religião rastafári. O fam oso cantor de reggae Bob Marley era rastafári e aj udou a espalhar a palavra para além das fronteiras do país. De m odo que, quando ouve a palavra, talvez você tenha algum a ideia da história da religião.

Talvez você saiba que o rastafári é um a pequena ram ificação das três principais religiões abraâm icas: o cristianism o, o islam ism o e o j udaísm o. Que as religiões abraâm icas são m onoteístas e se baseiam em diferentes personificações de Abraão. Talvez na palavra você ouça ecos da Jam aica da década de 1930, quando o rastafári foi inventado. Ou talvez ouça ecos de seu líder espiritual, Haile Selassie I, im perador da Etiópia de 1930 a 1974.

E assim , quando ouve a palavra, você ouve o antigo sentido espiritual. Tudo está bem entre você e seu Deus, e portanto entre você e o m undo. Estar irie é estar num lugar espiritual elevado e contente. Na palavra você ouve a invenção da própria religião.

Ou talvez você não conheça a história.

Você não sabe nada sobre Deus, espírito ou língua. Conhece a definição atual dos dicionários coloquiais. Estar irie é sim plesm ente estar bem.

Às vezes, quando você procura um a palavra no dicionário, vê algum as definições indicadas com o obsoletas. Natasha pensa nisso com frequência, em com o a língua pode ser escorregadia. Um a palavra pode com eçar significando um a coisa e acabar significando outra. Será que isso decorre do excesso de uso e do excesso de sim plificação, igual ao m odo com o irie é ensinado aos turistas nos balneários j am aicanos? Será por em prego incorreto, com o o pai de Natasha vem fazendo ultim am ente?

Antes do aviso de deportação ele se recusava a falar com sotaque j am aicano ou a usar gírias j am aicanas. Agora que a fam ília está sendo obrigada a voltar, tem usado um vocabulário novo, com o um turista estudando expressões estrangeiras para um a viagem . Tá tudo irie, cara, diz aos caixas nas m ercearias

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quando lhe fazem a pergunta padrão: Como vai? Ele responde irie para o carteiro que entrega a correspondência e pergunta a m esm a coisa de volta. Seu sorriso é largo dem ais. Ele enfia as m ãos nos bolsos, j oga os om bros para trás e age com o se o m undo tivesse derram ado sobre sua cabeça m ais dons do que ele pode, de m odo razoável, aceitar. Sua atuação é tão ruim que Natasha tem certeza de que todo m undo vai enxergar isso, m as ninguém enxerga. Ele faz com que as pessoas se sintam bem m om entaneam ente, com o se parte de sua sorte evidente fosse passar para elas.

Natasha pensa que as palavras deveriam se com portar m ais com o unidades de m edida. Um m etro é um m etro. As palavras não deveriam ter perm issão de m udar de significado. Quem decide que o significado m udou, e quando? Será que existe um tem po interm ediário em que a palavra significa as duas coisas? Ou um tem po em que a palavra não significa absolutam ente nada?

Ela sabe que, se tiver que deixar os Estados Unidos, todas as suas am izades, até m esm o com Bev, vão desaparecer. Claro, no início as duas tentarão m anter contato, m as não será o m esm o que se encontrarem todo dia. Não irão j untas ao baile de form atura, com seus acom panhantes. Não vão com em orar as cartas de aceitação na faculdade nem chorar com as de rej eição. Não haverá fotos de form atura idiotas. Em vez disso, o tem po vai passar e a distância vai parecer m aior a cada dia. Bev estará nos Estados Unidos fazendo coisas de am ericanos.

Natasha estará na Jam aica sentindo-se estrangeira no país em que nasceu.

Quanto tem po até que os am igos se esqueçam dela? Quanto tem po até falar com sotaque j am aicano? Quanto tem po até esquecer que j á esteve nos Estados Unidos?

Um dia, no futuro, o significado de irie vai m udar de novo e ela vai se tornar apenas m ais um a palavra com um a lista de significados arcaicos ou obsoletos.

Alguém vai perguntar Tá tudo irie?, num sotaque perfeitam ente am ericano, e você vai responder Tudo irie, querendo dizer que está tudo bem , m as realm ente sem vontade de falar a respeito. Nenhum dos dois vai saber sobre Abraão, a religião rastafári ou o dialeto j am aicano. A palavra estará desprovida de qualquer história.

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daniel

Adolescente preso em um turbilhão de expectativas e desapontamento dos pais;

não espera ser salvo.

O lado bom de ter um irm ão m ais velho cretino e cheio de conquistas é que isso tira a pressão. Charlie sem pre foi o m elhor dos dois filhos. Mas agora que não é m ais tão perfeito, a pressão está sobre m im .

Eis o tipo de conversa que j á tive 1,3 bilhão de vezes (m ais ou m enos) desde que ele voltou para casa:

Mam ãe: Suas notas ainda boas?

Eu: Sim . Mam ãe: Biologia?

Eu: Sim .

Mam ãe: E m atem ática? Você não gosta de m atem ática.

Eu: Eu sei que não gosto de m atem ática.

Mam ãe: Mas notas ainda boas?

Eu: Ainda tiro B.

Mam ãe: Por que não A, ainda? Aigo. É hora de você ficar sério. Você não m enininho m ais.

Hoj e tenho um a entrevista para ver se sou aceito na Universidade Yale. Yale é a Segunda Melhor Escola, m as pela prim eira vez bati o pé e m e recusei a m e candidatar à Melhor Escola (Harvard). A ideia de ser o irm ão m ais novo de Charlie em outra escola é um a am bição rem ota dem ais. Além disso, será que Harvard m e aceitaria, agora que Charlie foi suspenso?

Minha m ãe e eu estam os na cozinha. Por causa da entrevista que vou fazer, ela está fervendo mandu (bolinhos) para m im , com o um petisco. Estou com endo Cap’n Crunch (o m elhor cereal conhecido pela hum anidade) com o aperitivo pré- mandu e escrevendo em m eu caderno Moleskine. Estou trabalhando, desde o início dos tem pos (m ais ou m enos), num poem a sobre coração partido. O problem a é que nunca tive o coração partido, por isso estou com dificuldade.

Escrever à m esa da cozinha é um luxo. Eu não poderia fazer isso se m eu pai estivesse aqui. Ele não desaprova em voz alta m eu costum e de escrever poem as, m as definitivam ente desaprova.

Minha m ãe interrom pe m inha com ida e m inha escrita para um a variação de

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nossa conversa de todo dia. Ouço sem prestar atenção, acrescentando “sim ” através de bocados de cereal, quando ela m uda de roteiro. Em vez do “Você não m enininho m ais”, ela diz:

– Não sej a igual ao seu irm ão.

Diz isso em coreano. Para dar ênfase. E por causa de Deus, do Destino ou por Puro Azar, Charlie entra na cozinha bem a tem po de ouvir. Paro de m astigar.

Qualquer pessoa que nos olhasse de fora pensaria que as coisas estão ótim as.

Um a m ãe fazendo o café da m anhã para os dois filhos. Um filho à m esa com endo cereal (sem leite). Outro filho entrando em cena pela esquerda do palco. Tam bém vai tom ar o café da m anhã.

Mas não é isso que está acontecendo de verdade. Mam ãe sente tanta vergonha por Charlie ter ouvido o que ela disse que fica verm elha. É um leve rubor, m as está ali. Ela lhe oferece um pouco de mandu, m esm o que ele odeie com ida coreana e se recuse a com ê-la desde o prim eiro ano do ensino m édio.

E Charlie? Sim plesm ente finge. Finge que não entende coreano. Finge que não ouviu a oferta de bolinhos. Finge que eu não existo.

Ele quase m e engana, até que olho para suas m ãos. Os punhos se fecham e revelam a verdade. Ele ouviu e entendeu. Ela poderia tê-lo cham ado de grande babaca ou de cretino anim atrônico, e seria m elhor do que m e dizer para não ser igual a ele. Toda a m inha vida tem sido o oposto disso. Por que você não pode ser mais parecido com seu irmão? Essa reviravolta não é boa para nenhum de nós dois.

Charlie pega um copo no arm ário e enche com água da torneira. Bebe a água da torneira só para irritar m am ãe. Ela abre a boca para dizer o “Não. Bebe do filtro” de sem pre, m as fecha de novo. Charlie bebe a água em três goles rápidos e recoloca o copo no arm ário, sem lavar. Deixa o arm ário aberto.

– Umma, dá um tem po a ele – digo depois que Charlie saiu.

Estou chateado com ele e estou chateado por ele. Meus pais têm sido im placáveis com as críticas. Im agino com o deve ser um saco para ele trabalhar o dia inteiro na loj a com m eu pai. Aposto que papai fica dando bronca nos intervalos entre os sorrisos para os clientes e as respostas às perguntas sobre apliques, óleos vegetais e tratam ento para cabelos danificados por quím ica (m eus pais têm um a loj a de cosm éticos que vende produtos para cabelos de negros.

Cham a-se Tratam ento para Cabelos Negros).

Ela destam pa o cesto de cozim ento a vapor para verificar os mandu. O vapor em baça seus óculos. Quando eu era pequeno isso m e fazia rir, e ela increm entava a coisa deixando que eles ficassem o m ais em baçados possível e fingindo que não conseguia m e ver. Agora sim plesm ente os tira do rosto e lim pa com um a toalha.

– O que acontece com seu irm ão? Por que fracassa? Ele nunca fracassa.

Sem os óculos ela parece m ais nova, m ais bonita. É estranho pensar que a

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m ãe da gente é bonita? Provavelm ente. Tenho certeza de que Charlie nunca pensa isso. Todas as nam oradas dele (as seis) eram m uito bonitas, garotas brancas ligeiram ente rechonchudas de cabelo louro e olhos azuis.

Não, estou m entindo. Houve um a garota, Agatha. Foi a últim a nam orada antes da faculdade.

Tinha olhos verdes.

Mam ãe recoloca os óculos e espera, com o se eu fosse ter um a resposta para ela. Odeia não saber o que acontece em seguida. A incerteza é sua inim iga. Acho que é porque ela cresceu pobre na Coreia do Sul.

– Ele nunca fracassa. Algum a coisa aconteceu.

E agora estou m ais chateado ainda. Talvez nada tenha acontecido com Charles. Talvez ele tenha fracassado porque não gostava das aulas. Talvez ele não queira ser m édico. Talvez não saiba o que quer. Talvez tenha sim plesm ente m udado.

Mas em nossa casa não tem os perm issão para m udar. Estam os no rum o para ser doutores e não há fuga possível.

– Vocês, garotos, têm m uita facilidade aqui. Am érica faz vocês m oles.

Se eu tivesse ganhado um neurônio a cada vez que ouvi isso na vida, seria um gênio.

– Nós nascem os aqui, m am ãe. Sem pre fom os m oles.

Ela funga.

– E entrevista? Você pronto? – Ela m e olha de cim a a baixo e acha que não estou à altura. – Corta o cabelo antes entrevista.

Há m eses ela vem pegando no m eu pé para eu cortar m eu rabo de cavalo.

Faço um som que pode ser de concordância ou discordância. Ela põe um prato de mandu à m inha frente e eu com o em silêncio.

Por causa da grande entrevista m eus pais perm item que eu falte à escola. São só oito da m anhã, m as de j eito nenhum vou ficar em casa e ter m ais um a conversa assim . Antes que eu possa escapar, ela m e dá um a bolsa de dinheiro com envelopes de depósito para eu entregar ao m eu pai na loj a.

– Appa esqueceu. Você leva para ele.

Tenho certeza de que ela pretendia dar ao Charlie antes de ele sair para a loj a, m as esqueceu por causa do pequeno incidente na cozinha.

Pego a bolsa, o caderno e subo a escada para m e vestir. Meu quarto fica no fim de um corredor com prido. Passo pelo quarto do Charlie (porta fechada, com o sem pre) e pelo dos m eus pais. Minha m ãe deixou, ainda em brulhadas e encostadas no portal, duas telas em branco. Hoj e é seu dia de folga na loj a e aposto que está ansiosa para passar um tem po sozinha, pintando. Ultim am ente tem pintado baratas, m oscas e besouros. Andei provocando-a, dizendo que está em seu Período Insetos Noj entos, m as gosto m ais deste do que do Período Orquídeas Abstratas, de alguns m eses atrás.

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Faço um desvio rápido até o quarto vazio que ela usa com o ateliê, para ver se pintou algum a coisa nova. Na verdade, há um quadro de um besouro enorm e. A tela não é especialm ente grande, m as o besouro ocupa todo o espaço. As pinturas da m inha m ãe sem pre foram m uito coloridas e lindas, m as algo na aplicação de toda aquela cor em seus desenhos com plexos, quase anatôm icos, de insetos as torna m ais do que lindas. Este é pintado em verdes, azuis e pretos som brios e perolados. A carapaça reluz com o óleo derram ado em água.

Há três anos, no aniversário dela, m eu pai a surpreendeu contratando um funcionário para a loj a em m eio expediente, de m odo que ela não precisasse ir todo dia. Tam bém com prou um kit de tintas a óleo para iniciantes e algum as telas.

Eu nunca a tinha visto chorar por causa de um presente. Desde então ela tem pintado.

De volta ao m eu quarto, im agino pela décim a m ilésim a vez (m ais ou m enos) com o seria a vida da m inha m ãe se ela j am ais tivesse saído da Coreia. E se não tivesse conhecido m eu pai? E se nunca tivesse tido Charlie e eu? Seria um a artista?

Visto o terno cinza novo, feito sob m edida, e ponho a gravata verm elha. “Cor forte dem ais”, disse m inha m ãe sobre a gravata no m om ento em que estávam os com prando. Evidentem ente, apenas as pinturas a óleo podem ser coloridas. Eu a convenci dizendo que o verm elho faria com que eu parecesse confiante. Agora, m e olhando no espelho, devo dizer que o terno m e faz m esm o parecer confiante e sofisticado (é, sofisticado). Um a pena só usá-lo para essa entrevista, e não para algum a coisa im portante de verdade para m im . Verifico a previsão do tem po no aplicativo do celular e decido que não preciso de sobretudo. A m áxim a vai ser de 20 graus – um perfeito dia de outono.

Apesar de eu ter ficado chateado com ela pelo m odo com o tratou o Charlie, dou um beij o em m am ãe e prom eto cortar o cabelo, e então saio de casa. Hoj e à tarde m inha vida vai entrar num trem destinado à estação Doutor Daniel Jae Ho Bae, m as até lá o dia é m eu. Vou fazer o que o m undo m andar. Vou agir com o se estivesse num a porcaria de um a m úsica do Bob Dy lan e voar na direção do vento. Vou fingir que m eu futuro está em aberto e que qualquer coisa pode acontecer.

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natasha

TUDO ACONTECE POR UM MOTIVO. É o que se costum a dizer. Minha m ãe sem pre fala isso. Em geral, as pessoas dizem isso quando algo vai m al, m as não m al demais. Um acidente de carro que não sej a fatal. Um tornozelo torcido, não quebrado.

De m odo revelador, m inha m ãe não disse isso ao se referir à nossa deportação. Que m otivo poderia haver para algo tão terrível? Meu pai, que é culpado de tudo, diz:

– A gente nem sem pre sabe qual é o plano de Deus.

Quero dizer a ele que talvez não devesse deixar tudo por conta de Deus, e que esperar m esm o sem esperança não é um a estratégia de vida. Mas isso significaria falar com ele, o que não desej o fazer.

As pessoas repetem essas coisas para que o m undo faça sentido.

Secretam ente, no fundo do coração, quase todo m undo acredita que existe algum sentido, algum a objetividade na vida. Justiça. Coisas boas acontecem com pessoas boas. Coisas ruins acontecem com pessoas ruins.

Ninguém quer acreditar que a vida é aleatória. Meu pai diz que não sabe de onde vem m eu ceticism o; m as não sou cética. Sou realista. É m elhor ver a vida com o ela é, e não com o a gente quer que sej a. As coisas não acontecem por algum m otivo. Sim plesm ente acontecem .

Mas aqui vão alguns Fatos Observáveis: se eu não tivesse m e atrasado para o com prom isso, não teria conhecido Lester Barnes. E, se ele não tivesse dito a palavra irie, eu não iria desm oronar. E, se eu não tivesse desm oronado, não traria agora, apertado na m ão, o nom e de um advogado conhecido com o

“solucionador”.

Saio do prédio passando pela segurança. Tenho um a ânsia irracional, e totalm ente fora do m eu estilo, de agradecer a essa guarda – Irene –, m as ela está m eio longe e ocupada passando a m ão nas coisas de outra pessoa.

Verifico as m ensagens no celular. Mesm o sendo apenas 5h30 na Califórnia, onde ela está, Bev m andou um a fila de pontos de interrogação. Penso em contar sobre essa últim a novidade, m as decido que não é de fato um a novidade.

Por enquanto nada, digito de volta. Desej o m ais um a vez, egoisticam ente, que ela estej a aqui com igo. Na verdade, o que desej o é estar lá com ela, visitando

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faculdades e tendo um a experiência norm al de últim o ano do ensino m édio.

Olho de novo o bilhete na m inha m ão. Jerem y Fitzgerald. O Sr. Barnes não quis deixar que eu ligasse do telefone dele para m arcar um a consulta.

– É um a possibilidade m uito rem ota – disse, antes de basicam ente m e colocar porta afora.

Fato Observável: a gente nunca deveria tentar um a possibilidade rem ota.

Melhor estudar as chances e tentar a possibilidade provável. Mas, se a rem ota é a única, é preciso tentar.

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irene Uma história experimental

NA PAUSA PARA O ALMOÇO IRENE baixa o disco do Nirvana. Ouve três vezes seguidas. Na voz de Kurt Cobain escuta a m esm a coisa que Natasha: um sofrim ento perfeito e lindo, um a voz tão esgarçada de solidão e carência que poderia se partir. Irene acha que seria m elhor se ela se partisse, m elhor do que viver querendo e não tendo, m elhor do que sim plesm ente viver.

Ela acom panha a voz de Kurt Cobain descendo, descendo até um lugar onde é escuro o tem po todo. Depois de pesquisar sobre ele na internet, descobre que a história de Cobain não tem um final feliz.

Irene planej a. Hoj e será o últim o dia da sua vida.

A verdade é que vem pensando em se m atar há anos. Nas letras de Cobain encontra finalm ente as palavras. Escreve um bilhete de suicídio endereçado a ninguém : “Oh well. Whatever. Neverm ind (Ah, bom . Tanto faz. Deixa pra lá)”.

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natasha

DOU APENAS DOIS PASSOS para fora do prédio e j á digito o núm ero.

– Gostaria de m arcar um a hora para hoj e, o m ais cedo possível, por favor.

A m ulher que atende parece estar num a construção. Ao fundo ouço o som de um a furadeira e pancadas fortes. Preciso repetir m eu nom e duas vezes.

– E qual é o assunto? – pergunta ela.

Hesito. O lance de ser im igrante ilegal é que a gente fica craque em guardar segredos. Antes de com eçar toda essa aventura da deportação, a única pessoa a quem contei foi Bev, ainda que ela não costum e ser m uito fantástica com segredos.

– Eles sim plesm ente escapam – diz ela, com o se não tivesse nenhum controle sobre as coisas que saem da sua boca.

Mesm o assim , até Bev sabia com o era im portante guardar esse.

– Alô, senhora? Poderia dizer qual é o assunto? – pergunta de novo a m ulher ao telefone.

Pressiono m ais o telefone contra o ouvido e fico parada no m eio da escadaria. À m inha volta o m undo acelera com o um film e cuj as cenas avançam rapidam ente. As pessoas sobem e descem a escada com um a velocidade três vezes m aior do que a norm al, com m ovim entos espasm ódicos. As nuvens disparam lá em cim a. O sol m uda de posição no céu.

– Sou im igrante sem docum entos – respondo.

Meu coração acelera com o se eu estivesse há um longo tem po percorrendo um a distância enorm e.

– Preciso saber m ais do que isso – diz ela.

Então eu conto. Sou j am aicana. Meus pais entraram no país ilegalm ente quando eu tinha 8 anos. Estam os aqui desde então. Meu pai foi preso por dirigir em briagado. Vam os ser deportados. Lester Barnes achou que o advogado Fitzgerald poderia aj udar.

Ela m arca um a consulta para as onze horas.

– Posso aj udar em m ais algum a coisa? – pergunta.

– Não. Isso basta.

O escritório do advogado fica ao norte de onde estou, perto da Tim es Square.

Verifico o celular: 8h35. Um a brisa fraca sopra, levantando a barra da m inha saia e brincando com m eu cabelo. O tem po está surpreendentem ente bom para

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m eados de novem bro. Talvez eu não precisasse da j aqueta de couro, afinal. De repente torço para que o inverno não sej a gelado dem ais, e então m e dou conta de que é provável que eu não estej a aqui para ver. Se a neve cai num a cidade e não há ninguém para sentir, m esm o assim faz frio?

Faz. A resposta a esta pergunta é sim .

Aperto a j aqueta em volta do corpo. Ainda é difícil acreditar que m eu futuro vai ser diferente do que planej ei.

Faltam duas horas e m eia. Minha escola fica a apenas quinze m inutos de cam inhada daqui. Penso em ir até lá e dar um a últim a olhada no prédio. É um a escola m uito com petitiva na área de ciências e m e esforcei um bocado para entrar nela. Não acredito que depois de hoj e posso não vê-la nunca m ais. No fim decido não ir; são m uitas pessoas que eu poderia encontrar e m uitas perguntas – com o “Por que não foi à aula hoj e?” – a que não quero responder.

Em vez disso decido m atar o tem po andando os cinco quilôm etros até o escritório do advogado. Minha loj a de discos de vinil predileta fica no cam inho.

Ponho os fones de ouvido e boto para tocar o disco Temple of the Dog. Este é um dia do tipo rock grunge dos anos 1990, todo feito de angústia e guitarra barulhenta.

A voz de Chris Cornell sobe e eu deixo que ela carregue para longe parte das m inhas preocupações.

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sam uel kingsley Uma história de arrependimento – Parte 1

O PAI DE NATASHA, SAMUEL, m udou-se para os Estados Unidos dois anos antes do resto da fam ília. O plano era: Sam uel iria prim eiro e se estabeleceria com o ator da Broadway. Seria m ais fácil assim , sem ter que se preocupar com um a esposa e um a filha pequena. Sem elas, estaria livre para ir aos testes a qualquer m om ento. Estaria livre para fazer contatos com a com unidade teatral de Nova York. Originalm ente, isso deveria valer apenas por um ano, m as virou dois. Teria virado três, m as a m ãe de Natasha não pôde e não quis esperar m ais.

Natasha tinha apenas 6 anos na época, m as se lem bra dos telefonem as para os Estados Unidos. Sem pre sabia quando era para lá porque a m ãe precisava discar todos aqueles núm eros extras. A princípio os telefonem as eram tranquilos.

Seu pai parecia seu pai. Parecia feliz.

Depois de cerca de um ano, a voz dele m udou. Tinha um sotaque novo e engraçado que era m ais engrolado do que o patois. Parecia m enos feliz. Ela se lem bra de ouvir as conversas dos dois. Não conseguia escutar o que ele falava, m as não precisava.

“Quer que a gente espere você m ais quanto tem po?”

“Mas, Sam uel, com você aí e a gente aqui, não som os m ais um a fam ília.”

“Fale com sua filha, hom em .”

Até que um dia deixaram a Jam aica de vez. Natasha se despediu dos am igos e do resto da fam ília acreditando que os veria de novo, talvez nas festas de fim de ano. Na época, não sabia o que significava ser im igrante ilegal. Que isso im plicava nunca m ais voltar para casa. Que sua casa nem pareceria m ais sua casa, só um outro lugar estranho sobre o qual iria ler. No dia em que foram em bora ela se lem bra de estar no avião e pensar, preocupada, em com o voariam através das nuvens, antes de perceber que as nuvens não se pareciam nem um pouco com bolas de algodão. Perguntou-se se seu pai iria reconhecê-la, se ainda iria am á-la. Fazia m uito tem po.

Mas ele a reconheceu e ainda a am ava. No aeroporto ele abraçou as duas, apertando m uito.

– Meu Deus, com o senti saudade de vocês! – disse, e apertou-as m ais ainda.

Parecia o m esm o. Nesse m om ento até falou do m esm o j eito, com o sotaque

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de sem pre. Mas o cheiro era diferente, de sabonete am ericano, roupas am ericanas e com ida am ericana. Natasha não se im portou. Estava m uito feliz em vê-lo. Poderia se acostum ar com qualquer coisa.

Durante os dois anos em que Sam uel ficou sozinho nos Estados Unidos, m orou com um velho am igo da fam ília da m ãe dele. Não precisava de em prego e usou as econom ias para cobrir as poucas despesas que tinha.

Quando todos se reuniram nos Estados Unidos, isso precisou m udar. Ele conseguiu um em prego de segurança num prédio de Wall Street. Arranj ou um apartam ento de um quarto para alugar na parte do Brookly n cham ada de Flatbush.

– Posso fazer isso dar certo – disse ele a Patricia.

Escolheu o turno da m adrugada para ter tem po de com parecer aos testes durante o dia.

Mas durante o dia ficava cansado.

E não havia papéis para ele; e o sotaque não sum ia, por m ais que Sam uel tentasse. E tam bém não aj udou m uito o fato de Patricia e Natasha falarem com ele usando um sotaque j am aicano forte, m esm o ele tentando ensinar a elas a pronúncia am ericana “certa”.

E a rej eição não era um a coisa fácil. Para ser ator é necessário criar um a casca, m as a de Sam uel nunca era grossa o bastante. A rej eição parecia lixa. E sua pele foi se desgastando sob o ataque constante. Depois de um tem po, Sam uel não sabia direito o que duraria m ais: ele m esm o ou seus sonhos.

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daniel

Jovem resignado pega o trem 7 sentido oeste, em direção ao fim da infância.

Claro, posso estar sendo m eio dram ático, m as este é o sentim ento. Este trem é um a Porra de Trem Mágico m e levando rapidam ente da infância (alegria, espontaneidade, diversão) para a vida adulta (sofrim ento, previsibilidade, absolutam ente nenhum a diversão). Quando sair, m eu cabelo estará sim ples e cortado com bom gosto (ou sej a: curto). Não vou m ais ler (nem escrever) poesia – só biografias de Pessoas Muito Im portantes. Vou ter um Ponto de Vista sobre assuntos sérios com o im igração, o papel da Igrej a Católica num a sociedade cada vez m ais secular, a relativa m ediocridade dos tim es de futebol profissional.

O trem para e m etade das pessoas desce. Vou para m eu lugar predileto: o banco duplo no canto perto da cabine do condutor. Esparram o o corpo e ocupo os dois lugares.

É, é detestável. Mas tenho um bom m otivo para este com portam ento, que envolve um trem com pletam ente vazio certa noite às duas da m adrugada (m uito depois do toque de recolher) e um hom em com um a cobra enorm e enrolada no pescoço que optou por se sentar perto de m im , apesar de haver (m ais ou m enos) m il lugares vazios.

Pego o caderno no bolso interno do paletó. Tenho cerca de um a hora até a rua 34 em Manhattan, onde fica m eu barbeiro favorito, e esse poem a não vai se escrever sozinho. Cinquenta m inutos (e três versos m uito m al escritos) m ais tarde, só faltam duas paradas para a m inha. A porta da Porra do Trem Mágico se fecha. Seguim os por uns cinco m etros pelo túnel e param os com um rangido. As luzes se apagam , claro. Ficam os sentados por cinco m inutos antes que o condutor decida que seria bom se com unicar. Espero ouvi-lo dizer que o trem vai prosseguir em pouco tem po, etc., m as o que ele diz é o seguinte:

– SEnhoras e SEnhores. Até ontem eu era exatam ente igual a vocês. Estava num trem indo para lugar NEnhum , com o vocês.

Puta que o pariu. Em geral os m alucos estão no trem , e não dirigindo o trem . Meus colegas passageiros ficam tensos. “Que diabo é isso?” aparece em balõezinhos de fala sobre nossas cabeças.

– Mas aconteceu um a coisa COm igo. Tive um a EXperiência religiosa.

Não sei de onde ele é (Malucópolis, população: 1 pessoa). Ele exagera na

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pronúncia do início das palavras e parece que está sorrindo o tem po todo em que evangeliza.

– O PRÓprio Deus desceu do céu e m e SALvou.

Há testas franzidas e olhos revirados num a incredulidade com pleta.

– ELE vai salvar vocês tam bém , porque vocês precisam Aceitá-lo no coração. ACEItem agora antes de chegarem ao DEStino final.

Agora estou resm ungando tam bém , porque as frases de duplo sentido são o pior de tudo. Um cara de terno berra que o condutor deveria sim plesm ente fechar a porra da boca e dirigir o trem . Um a m ãe cobre os ouvidos da filhinha e diz ao suj eito que ele não precisa usar um a linguagem dessas. A gente pode acabar dando um a de Senhor das Moscas no trem núm ero 7.

Nosso condutor/evangelista fica quieto e passam os m ais um m inuto sentados no escuro antes de voltarm os a nos m over. Entram os na estação Tim es Square, m as as portas não se abrem im ediatam ente. Os alto-falantes estalam .

– SEnhoras e SEnhores. Este trem está fora de SERviço. Façam um FAvor a si m esm os. Saiam daqui. Vocês vão encontrar Deus se procurarem por ele.

Saím os todos do trem , em algum estado entre o alívio e a raiva.

Todo m undo tem que ir para algum lugar. Encontrar Deus não está na program ação.

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natasha

OS SERES HUMANOS não são criaturas razoáveis. Em vez de governados pela lógica, som os governados pelas em oções. O m undo seria um lugar m ais feliz se o oposto fosse verdade. Por exem plo, baseada num único telefonem a, com ecei a esperar um m ilagre.

E nem acredito em Deus.

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o condutor Uma história evangélica

O DIVÓRCIO DO CONDUTOR não foi fácil. Um dia sua m ulher sim plesm ente anunciou que não o am ava m ais. Não conseguia explicar por quê. Não estava tendo um caso. Não queria estar com outra pessoa. Mas o am or que sentia antes havia acabado.

Nos quatro anos desde que o divórcio se oficializou, é j usto dizer que o condutor se tornou um a espécie de descrente. Ele se lem bra dos votos que os dois fizeram diante de Deus e de todo m undo. Se a pessoa que deveria am ar você eternam ente para de am á-lo repente, em que acreditar?

Inseguro e sem am arras, ele ficou à deriva, de cidade em cidade, de apartam ento em apartam ento, de em prego em em prego, ancorado ao m undo por quase nada. Tem dificuldade para dorm ir. A única coisa que aj uda é assistir à TV tarde da noite, sem som . A cascata interm inável de im agens acalm a a m ente e o leva ao sono.

Certa noite, enquanto está cum prindo o m esm o ritual, um program a que nunca tinha visto atrai seu olhar. Um hom em está de pé num pódio diante de um a plateia gigantesca. Atrás dele há um a tela enorm e com o rosto do m esm o hom em proj etado. Ele está chorando. A câm era gira e m ostra a plateia fascinada. Algum as pessoas choram , m as o condutor sabe que não é de tristeza.

Nessa noite ele não dorm e. Aum enta o som e fica acordado a noite toda assistindo ao program a.

No dia seguinte pesquisa um pouco e encontra o Cristianism o Evangélico, e isso o leva a um a viagem da qual ele não sabia que necessitava. Descobre que existem quatro etapas principais para se tornar cristão evangélico. Prim eiro, você precisa renascer. O condutor adora a ideia de alguém poder se renovar, livre do pecado e, portanto, digno do am or e da salvação. Segundo e terceiro, você precisa acreditar totalm ente na Bíblia e no fato de que Cristo m orreu para que nossos pecados possam ser perdoados. Por fim , você precisa virar um a espécie de ativista, com partilhando e espalhando a m ensagem do evangelho.

E é por isso que o condutor faz seu anúncio pelos alto-falantes. Com o ele poderia não com partilhar o j úbilo recém -descoberto com seus com panheiros hum anos? E é j úbilo. Há um a espécie de j úbilo puro na certeza da crença. A

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certeza de que sua vida tem um propósito e um significado. De que, ainda que sua vida terrena possa ser difícil, existe um lugar m elhor no futuro e que Deus tem um plano para você chegar lá.

De que todas as coisas que aconteceram com ele, m esm o as ruins, aconteceram por um m otivo.

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daniel

JÁ QUE ESTOU DEIXANDO O UNIVERSO determ inar m inha vida neste Últim o Dia da Infância, decido não esperar outro trem que m e leve à rua 34. O condutor m andou encontrar Deus. Talvez Ele (ou Ela... Ah, até parece. Deus é, definitivam ente, um cara. De que outro m odo explicar as guerras, as doenças e as ereções m atinais?) estej a aqui na Tim es Square, só esperando ser encontrado.

Mas assim que chego à rua lem bro que a Tim es Square é um a espécie de inferno (um poço feroz de anúncios de néon piscando e vendendo todos os sete pecados capitais). Deus j am ais pararia aqui.

Ando pela Sétim a Avenida em direção ao m eu barbeiro, m antendo o olhar atento a algum a espécie de Sinal. Na 37 vej o um a igrej a. Subo a escada e experim ento a porta, m as está trancada. Deus deve estar dorm indo lá dentro.

Olho à esquerda e à direita. Ainda nenhum Sinal. Estou procurando algum a coisa sutil, tipo um hom em de cabelo com prido transform ando água em vinho e segurando um a placa em que proclam a ser Jesus Cristo, Nosso Senhor e Salvador.

Que se dane a sutileza: sento-m e nos degraus. Do outro lado da rua as pessoas estão desviando de um a garota que oscila ligeiram ente. É negra, com um a enorm e cabeleira afro encaracolada e fones de ouvido cor-de-rosa quase igualm ente enorm es. Os fones são do tipo que tem alm ofadas gigantes para bloquear o som externo (e tam bém o resto do m undo). Seus olhos estão fechados e ela está com um a das m ãos no coração. Em com pleto êxtase.

A coisa toda dura uns cinco segundos antes que ela abra os olhos. Olha ao redor, encolhe os om bros com o se estivesse sem graça e vai andando rapidam ente. O que quer que estej a ouvindo deve ser incrível, para fazer com que ela se perca bem ali no m eio de um a calçada em Nova York. A única coisa capaz de fazer com que eu m e sinta assim é escrever poesia, e isso não vai poder acontecer nunca m ais.

Eu daria tudo para desej ar de verdade a vida que m eus pais querem para m im . As coisas seriam m ais fáceis se a carreira de m edicina m e em polgasse.

Ser m édico parece um a daquelas coisas pelas quais a gente deveria ter paixão.

Salvar vidas e coisa e tal. Mas tudo que sinto é eca.

Observo enquanto a garota se afasta. Ela m uda a m ochila para um dos

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om bros e eu vej o: nas costas da j aqueta de couro está im presso DEUS EX MACHINA em letras grandes e brancas. Deus saído da máquina. Ouço a voz do condutor na cabeça e m e pergunto se é um Sinal.

Em geral não sou de perseguir ninguém , e não estou exatam ente seguindo a garota. Estou m antendo a distância inocente de m eio quarteirão entre nós.

Ela entra num a loj a cham ada Discos Segundo Advento. Sem sacanagem . Agora sei: é definitivam ente um Sinal, e estou falando sério sobre voar na direção do vento hoj e. Quero saber aonde ele m e leva.

Referências

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