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História da Cultura e das Artes Ano letivo: 2012/2013. POLIFONIA DO SÉCULO XIII E XIV: ARS ANTIQUA e ARS NOVA

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1 POLIFONIA DO SÉCULO XIII E XIV: ARS ANTIQUA e ARS NOVA

Índice

1) Panorama musical ... 2

a) Emancipação do ritmo ... 3

b) Motete ... 4

c) Missa ... 5

d) Contexto profano ... 6

2) Novo sistema de notação musical – emancipação do ritmo .... Erro! Marcador não definido. 3) Ars Nova italiana (Il trecento) ... 14

a) Madrigal ... 14

b) Caccia ... 14

c) Ballata ... 15

4) Final do século XIV – Ars Subtilior e a transição para o século XV ... 17

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1) Panorama musical

A definição da época da Ars Antiqua não é unânime entre os musicólogos. Para muitos, esta classificação abrangeria todo o período anterior à Ars Nova, sobretudo desde a origem da polifonia ocidental, por volta do século IX. Para outros, a Ars Antiqua seria uma época muito mais limitada: corresponderia apenas ao século XIII, e mais concretamente ao período que medeia entre a Escola de Notre-Dame e o aparecimento do tratado Ars nova musicae de Philipe de Vitry.

A Ars Antiqua (“polifonia do século XIII”) caracterizou-se por um rápido desenvolvimento da polifonia e pelo nascimento de três tipos de composição polifónica: o organum e o conductus, na época de Notre-Dame até cerca de 1250, e o motete, na segunda metade do século XIII. No entanto, por volta do final do século XIII, começa a surgir um novo estilo musical, uma nova forma de compor, que começou a encarar a segunda metade do século XIII como um conjunto de formas velhas, antiquadas, ultrapassadas. Uma Ars Nova substitui uma Ars Antiqua.

O período da Ars Nova (“polifonia do século XIV”) coincide, em termos gerais, como um momento de transição entre a Idade Média e o Renascimento, situando-se entre o século XIV e o início do século XV. Esta designação tem raízes puramente musicais, pois refere-se ao tratado Ars Nova Musicae de Philippe de Vitry (1291-1361), bispo de Meaux, escrito em 1322 ou 1323.

De facto, os músicos nesta época tinham plena consciência de estarem a abrir um caminho novo, tal como demonstra a obra Notitia Artis Musicae (1321), de Johannes des Muris, matemático e astrónomo de Sorbonne, que já expõe o sistema mensural da Ars Nova.

Contrariamente, o teórico flamengo Jacob de Liége defendia na sua enciclopédia Speculum musicae (c.1325) a “antiga arte” de finais do século XIII contra as inovações dos “modernos”.

Em certa ocasião em que se reuniram alguns bons cantores e leigos judiciosos, e em que se cantaram motetes à maneira moderna e também alguns antigos, pude verificar que até mesmo aos leigos agradaram mais os motetes antigos e a maneira antiga do que os novos. E, ainda que a maneira nova tenha agradado quando era novidade, tal não acontece já, começando até a desagradar a muitos. Deixai, pois, que a música antiga e a antiga maneira de cantar voltem à sua terra natal; deixai que voltem a ser praticadas; deixai de novo florescer a arte racional. Pois ela foi exilada, a par da correspondente técnica de cantar, como que violentamente expulsa da comunidade dos cantores;

mas tal violência não deverá ser eterna. Onde, vedes, afinal, tão grandes motivos de agrado nesta lascívia estudada através da qual – e muitos são os que assim pensam – se perdem as letras, se diminui a harmonia das consonâncias, se altera o valor das notas, se despreza a perfeição, se exalta a imperfeição e se destrói a medida?

Speculum musicae, Jacob de Liége

As inovações da Ars Nova ocorrem ao nível da notação musical, com a ampliação do sistema de notação mensural, já desenvolvido na Ars Antiqua, e com a emancipação do ritmo;

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3 ao nível da música profana, pois o organum e o conductus deixam de ser cultivados; bem como ao nível do motete.

a) Emancipação do ritmo

Com a Ars Nova surge uma emancipação do ritmo, em que o desenvolvimento da notação mensural possibilitou uma maior diversidade e complexidade rítmica. Uma das técnicas utilizadas é a utilização de passagens em hoquetus, uma técnica em que o fluir da melodia é interrompido pela introdução de pausas, de forma a que as notas ausentes sejam cantadas por outra voz, repartindo-se, assim, a melodia entre as diversas vozes. O efeito sonoro é o de um soluço (ochetus em latim). Surgem, ocasionalmente, passagens em hoqueto nos organa, nos conductus e nos motetes profanos de finais do século XIII, no entanto, esta técnica será utilizada com maior frequência no século XIV. Chega mesmo a ocorrer a passagem de uma técnica de composição para um género. Tais composições, chamadas de hoquetus, podiam ser vocais ou instrumentais. Guilhaume de Machaut, por exemplo, escreveu um extenso hoquetus sobre o tenor David, para 3 instrumentos, uma obra de referência.

Excerto do Sanctus da Missa de Notre-Dame, Guilhaume de Machaut

Outra técnica comum nesta época é a isoperiocidade (divisão do material musical em períodos iguais), cuja vertente mais utilizada é a isorritmia, que consiste numa técnica de repetição de um padrão rítmico estabelecido no Tenor. Quando essa repetição se cinge a um padrão rítmico, ou seja, à duração dos sons, denomina-se talea; quando essa repetição está associada a um padrão melódico, ou seja, à altura das notas, denomina-se color. Ambos os padrões podiam ser repetidos quer em valores rítmicos iguais, quer em valores reduzidos (diminuição) ou ampliados (aumentação), tendo sempre como base o padrão original.

É comum a existência de motetes isorrítmicos, como Trop plus/Biauté/Je ne suis de Guillaume de Machaut, mas também as partes da missa e as canções começam a utilizar esta técnica.

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4 Início do Kyrie da Missa de Notre-Dame, Guilhaume de Machaut

É importante compreender que a isorritmia era um meio de conferir unidade às composições musicais, ou seja, um processo eficaz de organização formal.

b) Motete

O motete, que começara por ser uma forma sacra, antes do final do século XIII já se tinha secularizado. Na Ars Nova ocupa um lugar de destaque, tornando-se mais complexo e chegando-se a sobrepor vários textos em línguas diferentes, muitos deles de caráter profano. O seu conteúdo refere-se ao amor, às questões sociais e políticas, etc. Deste modo, o motete vai-se tornando numa forma artística pública e o motete isorrítmico torna-se mesmo um género tradicional para as grandes festividades.

Nesta época, o motete passa a ter normalmente quatro vozes: tenor (voz de apoio, em ritmo lento, que apresenta o cantus firmus), contratenor (relacionada com o tenor, em ritmo lento), motetus (voz principal em tessitura de contralto, em ritmo moderado), trimplum (tessitura de soprano, em ritmo rápido).

O mais antigo documento musical francês do século XIV é um manuscrito ricamente iluminado, datado de 1310-1314, de um poema satírico, o Roman de Fauvel, que constitui uma antologia da música do século XIII e início do século XIV. Inclui composições musicais monofónicas, mas também 34 motetes polifónicos. Cinco dos motetes a três vozes do Roman de

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5 Fauvel são de Philippe de Vitry, entre eles Garrit Galus – In nova fert – Neuma, um motete isorrítmico, em que o tenor é bastante longo, os ritmos são mais complexos e toda a linha melódica evolui tão lentamente sob as notas mais rápidas das vozes superiores, que deixa de ser identificável como melodia, funcionando antes como um alicerce sobre o qual é constituída a peça.

Philippe de Vitry (1291-1361), natural de Vitry, músico-poeta e político em Paris, era amigo de Petrarca. É considerado um dos maiores intelectuais do seu tempo, sendo autor do importante tratado, já citado, Ars Nova musicae. Desenvolveu um trabalho de diplomata e conselheiro político da corte antes de se tornar bispo de Meaux, a partir de 1351. Embora poucas obras tenham chegado até nós (são-lhe atribuídos 14 motetes, quase todos de autenticidade duvidosa, à exceção de 4), foi um dos pioneiros nas técnicas da isorritmia.

c) Missa

No século XIV, a composição do Próprio da Missa vê-se substituída, gradualmente, pela composição polifónica das partes do Ordinário: Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei. O primeiro exemplo desta nova organização cíclica completamente polifónica é a Missa de Notre- Dame de Guillaume de Machaut, a 4 vozes, composta em técnica isorítmica. O Kyrie, o Sanctus e o Ite são compostos em estilo de motete, ou seja, o cantus firmus encontra-se no tenor e as restantes vozes movem-se de maneira muito diferente; o texto das outras vozes é o mesmo do tenor, embora no Ite missa est exista uma pluralidade de textos. O Gloria e o Credo apresentam um estilo de cantilena, utilizado para secções com abundância de textos. Não existe um cantus firmus e a voz condutora é a voz superior, livremente inventada.

A excessiva intelectualização em que caiu a música litúrgica da Ars Nova, com a crescente complexidade rítmica e melódica do motete e da missa, fez surgir uma atitude restritiva das autoridades religiosas em relação a alguns exageros. Deste modo, em 1324 ou 1325, a bula Docta sanctorum Patrum do Papa João XXII veio condicionar fortemente o uso da polifonia nas catedrais e criticar as técnicas utilizadas pelos compositores “modernos”.

Consequentemente verificou-se uma menor produção da música religiosa, uma vez que a polifonia distraía os crentes.

“A douta autoridade dos Santos Padres decretou que, nos Ofícios de louvor a Deus através dos quais lhe prestamos devida homenagem, em todos esteja alerta o espírito, o discurso não surja alterado, e a grave modéstia dos salmistas os faça modular o canto com placidez. Pois na sua boca o canto ressoava doce. Doce na verdade é o canto na boca do salmista que tem Deus no coração; e por isso, ao enunciar as palavras, no seu próprio canto, aumenta a devoção.

É para estimular a devoção dos fiéis que se estipulou a salmodia na Igreja de Deus; nesse Ofício noturno e diurno, e

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na celebração da Missa, o clero e o povo cantam continuamente um tenor acabado e com modulação distinta, para que desfrutem dessa distinção e se deleitam com o acabamento/final.

Mas há certos discípulos de uma nova escola que, atentando somente na medida do tempo, se inclinam para novas notas, preferindo criar as suas próprias a cantar as antigas, executam cantos eclesiásticos com semibreves e mínimas;

repercutem notas curtas; interrompem as melodias com hoquetus; desestabilizam-nas com discantes; acrescentam- lhes por vezes vozes de triplum e de motetus em vernáculo; e desprezam entretanto os fundamentos do Antifonário e do Gradual […] Correm, sem se deterem; inebriam os ouvidos, sem os consular; com gestos simulam o que querem exprimir, desdenhando assim a desejável devoção e manifestando uma exuberância a evitar […]

Assim, há já algum tempo que nós e os nossos irmãos vimos a necessidade de uma correção; por isso, apressamo- nos a rejeitar, a abandonar em absoluto estes abusos e deles purgar a Igreja eficazmente. […] No entanto, não pretendemos com isto proibir que de tempos a tempos, e sobretudo em dias de festa ou em solenidades, nas Missas e nos ditos Ofícios Divinos, se produzam sobre os cantos eclesiásticos simples certas consonâncias que ressumam a melodia, nomeadamente oitavas, quintas, quartas, e outras do mesmo género; mas na condição de que a integridade desse canto seja preservada, e nada dessa música tão bem traçada seja mudado, e sobretudo que essas consonâncias acariciem os ouvidos, suscitem a devoção e não permitam que se entorpeça o espírito dos que dirigem os salmos a Deus”.

d) Contexto profano

A partir da canção de discante (em latim, cantilena), que contém uma voz superior cantada e de 1 a 3 vozes instrumentais de acompanhamento, foram criadas formas de refrão: ballade, rondeau e virelai. A ballade (do francês baler, dançar) tem normalmente uma introdução (envoi) e estrofes com refrão (forma aab). Só uma voz é cantada, sendo as outras executadas por instrumentos. O rondeau é uma canção rotativa ou de roda, com estrofes monódicas e refrão normalmente polifónico a 2, 3 e 4 vozes (forma AB aAab AB). O virelai (do francês virer, virar) é mais raro do que a ballade e o rondeau, sendo mais simples e livre, uma vez que os versos são de extensão desigual (forma A bba A). De referir ainda o lai, uma composição poético-musical extensa.

Para além de Philippe de Vitry, destaca-se nesta época Guillaume de Machaut (c.1300- 1377), de Machaut (Champagne), que a partir de 1323 se tornou secretário do Duque João de Luxemburgo, mais tarde Rei da Boémia. Fez inúmeras viagens em expedições militares por toda a Europa e em 1340 tornou-se cónego da catedral de Reims. Para além de compor a Missa de Notre-Dame, são-lhe atribuídos 23 motetes, mas também 42 ballades, 21 rondeaux, 34 virelais e cerca de 100 canções. Machaut compilou e ordenou as suas obras em manuscritos próprios, aspeto fundamental para o conhecimento da sua criação musical.

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2) Novo sistema de notação musical – emancipação do ritmo

Inicialmente, a música polifónica escrevia-se em notação quadrada, a mesma utilizada para o canto gregoriano. Mas apesar de ser uma notação exata quanto aos intervalos melódicos, não apresentava qualquer indicação rítmica. Apesar de se adequar à monofonia, com a prática cada vez mais sofisticada da experiência polifónica, não era possível continuar a deixar o valor rítmico da notas depender de si mesmo. Por essa razão, os músicos da Escola de Notre-Dame estabeleceram os chamados “modos rítmicos”. Estes dependiam diretamente da teoria métrica dos gregos, que apenas indicava a quantidade de duração, conforme o símbolo adotado: longa ( __ ) ou breve ( U ). Por volta de 1250, diferentes padrões rítmicos foram codificados numa série de seis modos rítmicos.

Teoricamente, e segundo este sistema, uma melodia no modo 1 deveria consistir num número indefinido de repetições do mesmo padrão. Na prática, porém, o ritmo da melodia era mais flexível do que este esquema indicava. Qualquer uma das notas podia dividir-se em unidades mais pequenas ou as duas notas do padrão podiam combinar-se numa só. Por isso, nenhuma das notas tinha um valor fixo.

A escolha do modo rítmico apropriado dependia sobretudo da prosódia textual e do caráter melódico. As ligaduras (grupos de duas, três ou mais notas) eram meios importantes para transmitir esta informação.

É importante referir que a base dos modos rítmicos era uma unidade tripla de medida a que teóricos davam o nome de perfectio – uma “perfeição”. Esta permitia que qualquer um dos modos fosse combinado com qualquer um dos outros. Por outras palavras, na determinação exata dos valores longos e na sua relação com os valores breves, impunha-se o primado do ternário, segundo o qual a longa vale em princípio 3 breves, exceto quando está acompanhada de uma breve; segundo o mesmo princípio, 2 breves seguidas deverão ser desiguais. Deste modo, persistia ainda uma ambiguidade rítmica.

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8 No entanto, no decorrer do século XIII, as composições polifónicas começaram a tornar-se cada vez mais complexas, por isso, tornou-se urgente estabelecer um código de duração de sons.

Surge assim na Ars Antiqua a primeira sistematização dos valores mensurais das notas. É o que farão os teóricos da época, nomeadamente Johannes de Garlandia (c.1190-1272), com a sua obra De mensurabile musica (c.1240), e Franco de Colónia (c.1215-c.1270), com a sua obra Ars cantus mensurabilis (c.1280). Fica estabelecido, a partir de então, um verdadeiro código de figuras de duração que tornarão possível a escrita de ritmos variados.

A música mensural é a música medida por intervalos de tempo longos e breves. Para que se entenda esta definição, consideremos o que são a medida e o tempo. A medida é um atributo que indica a duração e a brevidade de qualquer melodia mensurável. Se digo “mensurável” é porque no cantochão este tipo de medida não está presente. O tempo é a medida do som propriamente dito, bem como do oposto do som, a sua omissão, comummente chamada pausa.

Digo que “a pausa é medida pelo tempo”, pois, se assim não fosse, duas melodias diferentes – uma com pausas, outra sem elas – não poderiam ser proporcionalmente conjugadas uma com a outra.

A música mensurável divide-se na que é totalmente mensurável e na que só o é parcialmente. A música totalmente mensurável é o descante, pois este é medido pelo tempo em todas as suas vozes. A música parcialmente mensurável é o organum, que não é medido em todas as suas vozes. A palavra organum, note-se, é usada em dois sentidos – no sentido próprio e no sentido comummente aceite. Pois o organum no sentido próprio é o organum duplum, também chamado organum purum. Mas no sentido comummente aceite o organum é qualquer cântico eclesiástico medido pelo tempo.

Ars cantus mensurabilis, Franco de Colónia

A unidade temporal de base é a brevis, também denominada tempus (tempo). Existiam quatro sinais principais para representar notas isoladas.

A breve tem 3 semibreves e a longa três breves. O valor de maior duração é a máxima ou duplex longa, que contém duas longas. À exceção desta o sistema é ternário: com o conteúdo simbólico da Trindade, as unidades ternárias são consideradas perfeitas e a sua duração, em especial a da longa, como a perfeição (perfectio).

,

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9 No entanto, o sistema torna-se mais complexo quando as notas formam ligaduras, ou seja quando mais do que uma nota cobre a mesma sílaba. Franco de Colónia conferiu-lhes um significado rítmico individual. O ponto de partida é a ligadura Breve-Longa, descendente ou ascendente, considerada a forma normal, a partir da qual se criam variantes. Uma modificação da grafia no começo ou no fim, com a introdução ou remoção da haste, implica uma inversão rítmica: retirando a haste à breve, ela transforma-se em longa, por outro lado, se no movimento ascendente se colocar uma haste à breve, ela transforma-se em longa; na notação oblíqua descendente com haste, a longa converte-se em breve e na longa quadrada superior virada para a direita, a longa converte-se em breve. Podiam ainda ser criadas outras variantes, ligando várias notas.

Este sistema torna-se ainda mais complexo com a introdução das chamadas imperfeições e alterações. Por exemplo, se depois de uma longa existir uma breve, esta subtrai-se à longa, tornando-a imperfeita. E se duas breves estão situadas entre duas longas, a primeira breve permanece inalterada (brevis reta) e a segunda é duplicada (brevis altera), ocorrendo uma alteração. Outras irregularidades podem ainda ser criadas.

No século XIV, ocorre uma ampliação do antigo sistema de Franco de Colónia. O tratado de Philippe de Vitry (Ars Nova musicae) inaugura uma nova fase, que permitiu pela primeira vez uma conceção binária da obra musical. Às figuras mensurais da Ars Antiqua, Vitry acrescentou a Mínima e a Semínima:

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10 O sistema mensural ternário compreende quatro níveis completos: maximodus, relação máxima-longa; modus, relação longa-breve; tempus, relação breve-semibreve; prolatio, relação semibreve-mínima. Para além da divisão ternária (perfeita), foi introduzida com plena validade a divisão binária (imperfeita).

A unidade mais pequena é, oficialmente, a mínima, mas por volta de 1320, esta é também divisível, mas apenas em 2 semínimas e não em três.

Entretanto, tornou-se necessário definir a divisão a ter em conta e sendo mais frequente o uso dos valores intermédios, estabeleceu-se facilmente uma tabela de valores simbolizados pelo círculo e pelo ponto. Estes sinais de mensuração são utilizados para trechos mais prolongados, especialmente para as quatro combinações de tempus e prolatio:

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Tempus perfectum (breve = 3 semibreves) cum prolatione maiori (semibreve = 3 mínimas), correspondente ao compasso 9/8

Tempus perfectum (breve = 3 semibreves) cum prolatione minori (semibreve = 2 mínimas), correspondente ao compasso 3/4

Tempus imperfectum (breve = 2 semibreves) cum prolatione maiori (semibreve = 3 mínimas), correspondente ao compasso 6/8

Tempus imperfectum (breve = 2 semibreves) cum prolatione minori (semibreve = 2 mínimas), correspondente ao compasso 2/4

Os sinais mais comuns são um círculo para o tempus perfectum, um semicírculo para o tempus imperfectum, um ponto para cum prolatione maiori, e sem ponto para cum prolatione minori.

Na época do Renascimento, graças sobretudo à escola flamenga, a notação alarga os seus valores rítmicos para a fusa e semifusa (a colcheia e semicolcheia atuais) e a utilização de notas negras (notação mensural negra) é substituída, nos séculos XV-XVI, por notas ocas (notação mensural branca).

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13 Transcreve para notação moderna o excerto apresentado (até ao compasso 10), do motete Garrit gallus / In vova fert.

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Triplum

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Duplum

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Triplum

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Duplum

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3) Ars Nova italiana (Il trecento)

Paralelamente com a França, durante o século XIV desenvolve-se uma polifonia profana autónoma em Itália, chamada de Ars Nova Italiana. Nesta época, Itália encontrava-se dividida em várias cidades-estado independentes, cujas disputas pelo poder a mantinham em constante turbulência. No entanto, os príncipes, mecenas das artes, promoviam uma atmosfera de grande criatividade. É o caso das cortes do Norte de Itália, como Milão, Verona, Mântua, Pádua, Ferrara, e, mais tarde, Florença. Os géneros principais do Trecento são o madrigal, a caccia e a ballata.

a) Madrigal

O madrigal é um género vocal polifónico, essencialmente um poema estrófico com refrão, ou seja, a sua forma poética abarca 2 a 3 estrofes e um ritornelo (no final das estrofes). As estrofes têm a mesma melodia e o ritornelo uma melodia nova. A composição é a 2 vozes (mais tarde também a 3), estando a voz principal na parte superior e utilizando-se o mesmo texto para todas as vozes. A voz inferior, o tenor, é de invenção e condução livres e a voz superior contém normalmente prolongados melismas. Os textos poéticos, muitas vezes de Petrarca, Boccaccio, Sacchetti e Soldanieri, referiam-se aos idílios pastorais e campestres, ao amor ou então eram poemas satíricos. Os principais compositores do género são Jacopo da Bolonha, Giovanni da Cascia, Piero di Firenze e, mais tarde, Francesco Landini.

Um exemplo a referir é o madrigal Fenice fù, composto por Jacopo de Bolonha, compositor que pertence à primeira geração de compositores do Trecento. Este é um bom exemplo do género madrigal: apresenta duas vozes com o mesmo texto, em que a voz aguda apresenta passagens mais ornamentadas; há dois momentos em que as duas vozes fazem imitações (compasso 7-9, 24-25) e em duas breves passagens (compasso 9, 16) as duas vozes chegam a alternar-se, à maneira do hoqueto.

b) Caccia

A caccia (em italiano, caça) é um cânone, em que as duas vozes superiores se movem canonicamente em uníssono e expõem o texto, e a voz inferior (que muitas vezes não existe em algumas peças), calma e livre, é instrumental. A caccia é bipartida, pois à sua extensa primeira parte segue-se um breve ritornelo. O conteúdo poético descreve uma caçada ou uma outra cena de grande animação, como uma pescaria, um mercado cheio de movimento, uma batalha, etc.

Os pormenores textuais (gritos, exclamações, diálogos, entre outros) são sublinhados na música, muitas vezes com efeitos de eco ou através da utilização do hoqueto.

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15 Excerto da Caccia Chon brachi assai, Mestre Piero

c) Ballata

A ballata (do italiano ballare, dançar), género cultivado em Itália na segunda metade do século XIV, apresentava inicialmente 2 vozes, que depois deram lugar a 3 vozes. Nas composições a 2 vozes, ambas as vozes têm o mesmo texto, no entanto, é possível a combinação de uma parte vocal com uma voz instrumental de acompanhamento. Na composição a 3 vozes, existem três hipóteses: duas partes vocais com a voz inferior ou média instrumental; três partes vocais; ou ainda uma parte vocal acompanhada por duas vozes instrumentais.

Um dos mais importantes compositores do género foi Francesco Landini (c.1325-1397).

Cego desde a infância devido a uma epidemia de varíola, especializou-se no órgão portátil e em outros instrumentos de tecla. Landini não escreveu música para textos sagrados e as suas obras conhecidas compreendem 140 ballate a 2 e 3 vozes, 12 madrigais, 4 motetes incompletos e 1 caccia.

Um exemplo a referir é a sua ballata Non avrà ma´ pietà, que contém um refrão com três versos (ripresa), cantado antes e depois de uma estrofe de 7 versos. Os dois primeiros pares de versos da estrofe, designados por piedi, têm uma frase musical própria, enquanto os três últimos versos, designados por volta, utilizam a mesma música do refrão. A estrutura da peça é a seguinte:

Forma poética Ripresa Estrofes (2 piedi + volta) Ripresa

Poema 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3

Música A b b a A

O final de cada verso é assinalado por cadência, que se generalizou como “cadência de Landini” (compassos 3-4, 5-6, 10-11, no primeiro verso da ripresa), no qual o encadeamento de sexta para oitava é ornamentado por um movimento complementar, saltando por uma terceira na voz aguda.

À medida que se aproxima o final do século XIV, a música dos compositores italianos começou a perder as suas características especificamente nacionais e a absorver o estilo francês contemporâneo. Esta tendência tornou-se percetível após o regresso da corte papal de Avinhão

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16 para Roma, em 1377. Os italianos começaram a escrever canções sobre textos franceses e em formas francesas e as suas obras surgem muitas vezes em manuscritos de finais do século em notação francesa. Um compositor a destacar neste período de transição para o século XV é o compositor e teórico Johannes Ciconia (c.1335-1411), natural de Liége, que a partir de 1403 se estabelece em Pádua como Mestre-de-capela. Nas suas obras é nítida a influência da Ars Nova francesa, mas o seu período francamente italiano pertence ao século XV.

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4) Final do século XIV – Ars Subtilior e a transição para o século XV

Com a invenção da notação mensural, com o altíssimo nível do motete isorítmico e da música profana, no final do século XIV os compositores, na ausência de impulsos novos, prosseguem caminhos já percorridos. Neste período tardio francês, a Ars Nova ascende a uma Ars Subtilior, designação dada pelo musicólogo Günther, em 1960.

Nesta época, a isorritmia e a pluritextualidade são introduzidas no contexto profano. O ritmo torna-se mais flexível, mas também complexo, ocorrendo a introdução de bisinas, tercinas, síncopas, etc. Trata-se de uma música bastante sofisticada, destinada a ouvintes excecionalmente cultivados e a intérpretes profissionais. No entanto, a excessiva complexidade rítmica e de notação faz com que este estilo de composição acabasse por ser abandonado.

A imagem apresentada contém o rondeau: Belle, bonne, sage, de Baude Cordier, inserido no Manuscrito de Chantilly (Musée Condé). Este manuscrito é um dos exemplos mais importantes da ars subtilior. Neste exemplo, a voz com texto é acompanhada por duas partes sem texto. O conteúdo é amoroso, sendo de notar o formato do manuscrito em forma de coração. Um aspeto a ressaltar é a utilização de notas em cor vermelha, que indicam uma alteração da duração das notas. Observemos um excerto do início em notação moderna:

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18 Podemos observar a existência de uma hemíola (padrão rítmico onde dois compassos ternários são articulados como se existissem três compassos binários), a partir do compasso 6, onde estão presentes alterações rítmicas, que jogam entre um 3/4 e um 3/2. Esta oposição entre uma divisão ternária e a introdução de valores duplos é marcada na partitura com as notas em cor vermelha. De notar ainda a antecipação do contratenor e de tenor do motivo inicial descendente da voz.

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19 Conceito de musica ficta: no decurso dos séculos XIII-XIV aparecem notas cromáticas num sistema até então diatónico. Esta alteração era sobretudo comum nas cadências, em que o intervalo de terceira, ao contrair-se para uníssono, era transformado numa sexta maior, e o intervalo de sexta, ao expandir-se para oitava, era alterado para maior. Observemos os exemplos apresentados:

No primeiro exemplo, a sexta é menor, mas no segundo foi alterada para maior. No terceiro exemplo, encontra-se a chamada cadência de dupla sensível. As cadências em Sol e Dó eram alteradas de forma autêntica às cadências em Ré. As cadências em Mi, no entanto, constituíam um caso especial, uma vez que o intervalo de sexta já era maior não havia necessidade de o alterar. Estas alterações eram também utilizadas sempre que se encontrava uma quarta aumentada, nomeadamente o trítono Fá-Si, ou então eram utilizadas para se obter uma linha melódica suave e mais bonita.

Tais alterações na música do século XIV não apresentariam a menor dificuldade para os intérpretes modernos, no entanto, os compositores e escribas não tinham por hábito registar os sustenidos, os bemóis e os bequadros. De facto, não havia coerência e a mesma passagem pode ser encontrada em diversos manuscritos com acidentes diferentes. A omissão dos acidentes não era mera negligência, mas decorria do quadro teórico em cujo âmbito a música era escrita. O sistema de três hexacordes – duro, mole e natural – autorizava meios-tons, designados na solmização por mi-fá, entre Si e Dó, Mi e Fá, Lá e Sib. Este era o domínio da música vera (“música verdadeira”) ou musica reta (“música correta”). Uma nota fora deste domínio era considerada irregular ou “fingida” (ficta). Os compositores e escribas tinham uma certa relutância em escrever notas que não faziam parte deste sistema. Contudo, os cantores eram ensinados a reconhecer as situações em que uma nota devia ser alterada de forma a criar uma melodia mais suave ou uma progressão de intervalos mais agradável.

Os manuscritos do século XIV e início do século XV, especialmente os italianos, contêm muitas indicações de acidentes, mas a partir de 1450 até cerca de 1550 os acidentes foram desprezados, exceto nas transposições de modo. Atualmente, não se sabe se isto se refletiu numa mudança de sonoridade ou se simplesmente foi uma questão de notação, continuando os intérpretes a aplicar alterações.

Referências

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