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Academic year: 2022

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Estudo das migrações internas no norte paulista, século XIX

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Maísa Faleiros da Cunha

Resumo

A migração é sem dúvida a componente demográfica mais complexa de ser analisada nos estudos de população, uma vez que a captação do fenômeno de migrar e sua conceituação deve dar conta de diversificados aspectos da mobilidade espacial. No intuito de se identificar os movimentos migratórios vigentes nos regimes demográficos do Brasil de antanho, utilizamos como principal fonte as atas paroquiais de casamento. Apesar de registrarem um momento do ciclo de vida dos indivíduos, as atas matrimoniais são sistemáticas ao indicarem a naturalidade dos noivos, uma referência geográfica importante para se conhecer um pouco mais sobre os deslocamentos das populações do passado. Para avaliar os movimentos migratórios na ocupação de uma localidade paulista entre 1805-1856, utilizamos dois recortes temporais. O primeiro refere-se à fase em que Franca foi elevada a freguesia (1805) estendendo-se até o momento em que chegou à condição de Vila (1824). O segundo período principia-se em 1825 até 1856 (data em que se tornou cidade), momento em que a participação de nubentes naturais de Franca se tornou mais expressiva. Os resultados indicam que a mobilidade das mulheres era mais restrita do que a dos homens, a imigração europeia era irrisória ainda que presente no período considerado e localidades de Minas Gerais, São Paulo e Goiás, respectivamente, foram indicadas como local de origem da maioria dos noivos e noivas que se casaram em Franca.

Palavras-chave: migrações internas; casamentos; São Paulo, século XIX.

* “Trabalho apresentado no XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em São Pedro - SP, de 24 a 28 de novembro de 2014”.

Pesquisadora do Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (NEPO/ Unicamp). O presente estudo contou com o auxílio financeiro do CNPq.

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Estudo das migrações internas no norte paulista, século XIX

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Introdução

A migração é sem dúvida a componente demográfica mais complexa de ser analisada nos estudos de população, uma vez que a captação do fenômeno de migrar e sua conceituação deve dar conta de diversificados aspectos da mobilidade espacial. De início, é importante ressaltar a diferença entre mobilidade e migrações. A mobilidade é um conceito mais geral e global entendida como a capacidade da população de deslocar-se no território. Existem deslocamentos não duradouros (pendulares, sazonais, ocasionais) e nem todos são objeto de interesse dos demógrafos (LIVI-BACCI, 1993, p. 311). Em geral, a mobilidade objeto de estudo da demografia são as “migrações”, ou seja, os deslocamentos que impliquem em mudança, permanente ou não, do lugar de residência habitual do indivíduo. O tratamento estatístico dessas mudanças ou transferências, em geral, referem-se a áreas territoriais que constituem populações ou subpopulações segundo definições políticas ou administrativas (LIVI-BACCI, 1993, p. 312).

Os impactos da migração podem ser sentidos a partir de diferentes aspectos (sociais, econômicos, ambientais, afetivos), assim como alteram a evolução da população, uma vez que acrescentam indivíduos através da imigração ou subtraem com a emigração (LIVI-BACCI, 1993, p. 313).

Diferentemente do ato de nascer e morrer, a migração é um evento que pode ocorrer mais de uma vez ao longo da vida de uma pessoa. As dificuldades dos demógrafos para a mensuração da migração contemporânea vão desde a identificação de todas as etapas do processo à contabilização dos diferentes fluxos. Se há limitações nas fontes que captam o fenômeno de migrar nos dias atuais, não encontramos situação diversa em relação ao passado, com agravantes, tais como: ausência de dados empíricos, estimativas discrepantes e até mesmo o desconhecimento de fontes que possam auxiliar o historiador demógrafo a delinear com maior clareza os movimentos migratórios pretéritos.

* “Trabalho apresentado no XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em São Pedro - SP, de 24 a 28 de novembro de 2014”.

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“Como sucede generalmente en las investigaciones de períodos preestadísticos, la migración es la Cenicienta [Cinderela] de las variables demográficas, puesto que generalmente se carece de fuentes específicas para su cuantificación” (POLLERO, 2013, p. 236).

No intuito de se identificar os movimentos migratórios vigentes nos regimes demográficos do Brasil de antanho, esta pesquisa considerou a população do município paulista de Franca nos oitocentos e recorreu à informação sobre a naturalidade que consta em documento largamente utilizado pela demografia histórica: os registros paroquiais de casamento1. Apesar de registrar um momento do ciclo de vida dos indivíduos, as atas matrimoniais são sistemáticas ao indicarem a naturalidade dos noivos2. Ao anotar essa informação nos livros paroquiais, o pároco traz “uma referência geográfica que pode ser utilizada pelo historiador para orientar, ao menos, uma parte das hipóteses sobre a mobilidade da população objeto de estudo” (CARRASCO, 2013, p. 2, tradução livre).

Para tanto, apresentamos os registros de casamento existentes para o período de 1806 a 18563 divididos em dois recortes temporais. O primeiro refere-se à fase em que Franca foi elevada a freguesia (1805) e efetivamente ocupada estendendo-se até o momento em que chegou à condição de Vila (1824). O segundo período principia-se em 1825 e se estende a 1856 (data em que Franca se tornou cidade), momento em que a participação de naturais de Franca se tornou mais expressiva4.

Além dos dados de origem paroquial, utilizamos a Lista Nominativa de Habitantes de 1836, no intuito de avançar no entendimento das dinâmicas migratórias (ainda pouco estudadas) que compõem os regimes demográficos brasileiros. Este trabalho busca caracterizar os processos migratórios em parte do território paulista (ou melhor, a região norte) no momento anterior à expansão da cafeicultura e da imigração internacional no século XIX.

1É importante lembrar que os registros de óbito também arrolam a naturalidade, no entanto, esta informação é menos frequente do que nos casamentos e mais imprecisa (obviamente porque não é a pessoa falecida que informa seu local de nascimento).

2Esta fonte já foi empregada para o estudo das migrações internas (TEIXEIRA, 2012). Em trabalho recente sobre as migrações em São Paulo, as autoras do Atlas Temático (BAENINGER, 2013) chamam a atenção para a importância das migrações internas para a configuração e formação social paulista e destacam a relevância dos registros de eventos vitais (casamentos, óbitos e nascimentos) para se captar a intensa mobilidade observada na Província de São Paulo a partir de 1850.

3Em Franca se encontra o Arquivo da Cúria Diocesana, onde estão os documentos paroquiais que serão utilizados nesta pesquisa. Os registros de batismo, casamento e óbito referentes à Paróquia Nossa Senhora da Conceição de

Franca se encontram também em formato digital na página

https://familysearch.org/search/image/index#uri=https%3A%2F%2Fapi.familysearch.org%2Frecords%2Fwayp oint%2FMMPL-R3S%3A490617735%3Fcc%3D1719212, facilitando sua consulta.

4 O objetivo da pesquisa é estender o período de análise até 1888. Os resultados aqui apresentados são uma primeira exploração dos dados recolhidos entre o segundo semestre de 2012 e primeiro semestre de 2013.

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Apesar da existência de séries anuais de listas nominativas de habitantes para o período 1765-1836 e de registros paroquiais para boa parte das paróquias paulistas, os estudos de uma perspectiva histórica sobre as dinâmicas migratórias internas em São Paulo se voltam com maior ênfase para a segunda metade do século XIX em diante, momento de ampliação da cafeicultura e de rápido crescimento populacional (GRAHAM e HOLLANDA FILHO, 1984;

MERRICK e GRAHAM, 1981).

Nos primeiros anos de sua autonomia política, o Brasil produziu somente 300 mil sacas de café por ano. Na metade do século, porém, esse número já era de 2,6 milhões (SILVA, 1976, p. 9 apud BRITO, 2004, p. 8). O desenvolvimento da cafeicultura se deu em um período crítico para a história do trabalho no Brasil, ou seja, de transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Apesar de a Inglaterra ter pressionado o Brasil para a extinção do tráfico transatlântico de escravos, a importação de africanos manteve-se até 1850. A substituição da mão de obra escrava tornou-se uma questão central para os fazendeiros de São Paulo produtores de café, uma vez que a expansão da cafeicultura já era verificada na passagem da primeira para a segunda metade do século XIX.

A difusão da rubiácea e seus desdobramentos (crescimento dos núcleos urbanos, expansão da malha ferroviária e imigração internacional) não cessou as migrações internas (GRAHAM e HOLLANDA FILHO, 1984). Os imigrantes internacionais que se dirigiram a São Paulo entre meados do século XIX e início do século XX atraídos principalmente pela expansão da cafeicultura causaram importantes modificações na estrutura e dinâmica da população paulista. Além disso, intensificaram a mobilidade geográfica, já observada no território paulista desde os tempos coloniais (BAENINGER, 2013, p. 12).

Na última década do século XIX, diante do volume de imigrantes internacionais que entraram em São Paulo, o peso da migração interna perde importância quando comparada à migração internacional, mesmo diante de um fluxo positivo de migração líquida (GRAHAM e HOLLANDA FILHO, 1984, p. 28).

Localização e Economia

O município de Franca originou-se como pouso, uma vez que ficava na rota de tropeiros vindos de Minas Gerais e da Província de São Paulo que se dirigiam para as regiões mineradoras de Goiás e Mato Grosso. Localizada entre o rio Pardo e as divisas com Minas

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Gerais, no norte paulista5, Franca integrou o que foi chamado originalmente de Sertão do Rio Pardo6 e, a partir do final do século XIX, de Novo Oeste Paulista7. Essa região apresentou um grande crescimento econômico e demográfico no século XIX, mesmo antes da chegada dos trilhos da estrada de ferro da Companhia Mogiana (que chegou a Franca em 1887) e do desenvolvimento da cafeicultura em escala comercial, o que só ocorreu nos anos 1890.

Mapa 1- Estado de São Paulo e Região Norte, 2001

Fonte: SÃO PAULO. Secretaria de Economia e Planejamento/Coordenadoria de Planejamento Regional/Instituto Geográfico e Cartográfico, 1995.

Na maior parte do século XIX as principais atividades econômicas desenvolvidas em Franca foram a pecuária, a produção de gêneros da terra voltados para o abastecimento interno, o comércio do sal e uma produção razoável de tecelagem, a qual ultrapassava o consumo interno, como observou o atento viajante francês Saint Hilaire.

Os francanos cultivavam, fabricavam, em suas propriedades, tecidos de algodão e de lã, e aplicavam-se especialmente à criação de gado vacum, de porcos e de carneiros.

(...) a criação de gado vacum, no distrito de Franca, tomou grande incremento, e, em

5Não há consenso entre os estudiosos da região sobre a denominação, alguns autores referem-se a ela como nordeste paulista e outros como noroeste. Adotaremos norte paulista.

6O termo Sertão do Rio Pardo é encontrado nos documentos da época, como as listas nominativas de habitantes e os relatos dos viajantes estrangeiros que percorreram o interior do Brasil na primeira metade do século XIX.

7O termo Oeste Paulista tem como referência a expansão da cafeicultura a partir do Vale do Paraíba. Ressalta-se que historicamente, antes do café, o Vale do Paraíba era chamado Norte Paulista.

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1838, esse distrito era um dos que forneciam mais gado bovino (SAINT HILAIRE, 1972, p.101)8.

De acordo com as listas de população do Sertão do Rio Pardo e Freguesia de Franca,

em 1801, as principais atividades econômicas eram a agricultura, a pecuária e a mineração. Em 1820, a lavoura e a criação de animais continuaram a ser importante fonte de renda, porém houve o acréscimo de atividades de caráter mercantil com a presença de negociantes e comerciantes de sal (Oliveira, 2011, p. 16).

Na década de 1820, Franca já se destacava pela criação de gado vacum como comprova o Assentamento de Gados, realizado em 1829. Segundo essa fonte, foram arrolados 688 criadores que possuíam juntos 37.768 cabeças de gado9.

A economia francana no século XIX não dependia apenas da criação de animais. O viajante Luiz D’Alincourt, passando pelo Caminho dos Goiases em 1823, escreveu as seguintes considerações a respeito dos moradores do Termo de Franca:

(...) industriosos e trabalhadores; fazem diversos tecidos de algodão; boas toalhas, colchas e cobertores; fabricam pano azul de lã muito sofrível; chapéus; alguma pólvora;

e até já tem feito espingardas; a sua principal exportação consta de gado vacum, porcos e algodão, que levam a Minas; plantam milho, feijão e outros legumes para o consumo do país (D’ALINCOURT, 1950, Memória sobre a viagem do porto de Santos à cidade de Cuyabá apud BRIOSCHI in BACELLAR; BRIOSCHI, 1999, p.75).

A diversificação da produção e ocupacional em Franca já era observada no ano de 1829 quando, segundo a Lista Nominativa de Habitantes, foram arrolados 80 agricultores, 56 artistas, 45 negociantes e 38 jornaleiros (NASCIMENTO; MOREIRA, 1943). Em 1836, havia um total de 98 pessoas empregadas em ocupações diversas além da agropecuária, sendo 30 carpinteiros, 18 alfaiates, 18 tecelões, 16 ferreiros, 11 sapateiros, oito seleiros, quatro ourives, quatro músicos, quatro pedreiros, um pintor e sete sacerdotes (MÜLLER, 1923). Tais informações atestam que no município de Franca, paralelamente à atividade agropecuária, havia atividade comercial que envolvia também o tropeirismo e várias oficinas artesanais.

Segundo Müller, em 1836, na Província de São Paulo, Franca e Itapeva eram as únicas localidades que ultrapassaram uma centena de fazendas de criar, 176 e 167 respectivamente.

8Saint Hilaire passou por Franca-SP em 1819, mas atualizou seus relatos de viagem anos mais tarde utilizando- se dos dados levantados por Daniel Pedro Muller em 1835-1836 e publicados em 1838.

9Esta Lista de Criadores encontra-se publicada em BRIOSCHI et al., 1991, p. 277-293.

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Se os dados de Müller forem corretos, de um total de 501 fazendas de criar arroladas por ele na província, aproximadamente 35% delas encontravam-se em Franca (MÜLLER, 1923).

A venda de gado para o Rio de Janeiro era uma das formas de se comercializar os animais criados nas pastagens entre os rios Pardo e Grande. Em sua passagem pela região em 1819, Saint Hilaire já observara que para a comercialização do gado os fazendeiros:

(...) mais ricos enviam suas crias, por sua própria conta, à capital do Brasil, e os negociantes da Comarca de São João del- Rei vão comprar nas próprias fazendas o gado dos criadores menos prósperos. Um grande número de bois da região é enviado também para as redondezas de São Paulo, onde são usados no trabalho dos engenhos de açúcar (SAINT HILAIRE, 1972, p. 86).

Para os pequenos produtores não havia alternativa que a de entregar seu gado aos intermediários mineiros, mas para os grandes criadores havia a possibilidade de levar seu gado diretamente até a Corte. As estradas de Minas Gerais serviam para o escoamento do gado de Franca rumo à Corte e ao vale do rio Paraíba. Além do gado vacum, a criação de porcos também foi uma das atividades de maior destaque no norte paulista.

Segundo Holanda, Franca era dos maiores produtores de suínos da Província por volta de 1820 (HOLANDA, 1976, p.114). Daniel Pedro Müller (1923) anotou que em 1836 o gado suíno de Franca representava 8,1% do total da vara paulista.

O toucinho era um produto com grande demanda para o consumo doméstico nos oitocentos em todo o Brasil e mostrou-se uma atividade rentável, destacando-se a Província de Minas Gerais como uma das principais exportadoras deste produto. Certamente muitos migrantes de Minas Gerais perpetuaram em Franca suas atividades de criação de porcos.

A produção do excedente de feijão, arroz, toucinho, algodão e outros gêneros, era destinada ao comércio com os viandantes que percorriam a Estrada dos Goiases e também à troca por produtos não fabricados pela população local (como o sal) nas cidades de Campinas e São Paulo. O gado vacum era destinado aos engenhos de açúcar para tração/transporte e para o consumo da população no Vale do Paraíba e no Velho Oeste Paulista. Ao se referir a Campinas, em viagem à Província de São Paulo no início da década de 1860, Zaluar mencionou:

O comércio é pois ativo e florescente, porque é aqui o entreposto de Goiás, Uberaba, Franca e outras povoações do interior com a corte. Asseguram-me, porém que já foi muito mais importante e ativo com estes pontos; e assim mesmo ainda entram aqui todos os anos, da Franca, quatrocentos a seiscentos carros, que trazem toucinho,

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algodão, queijo e feijão, que permutam por ferragens e sal em grande quantidade (ZALUAR, 1953, p.137-138 grifo MFC).

Os Movimentos Migratórios no Norte Paulista

Em períodos anteriores a 1850, os municípios que pertenciam à capitania/província de São Paulo tinham sua população arrolada nominalmente nas Listas de Habitantes, também conhecidas como Maços de População, produzidas entre 1765-1836. Os Maços de População trazem, dentre outras informações, a naturalidade dos habitantes de todo o território paulista.

A partir desse corpus documental, Marcílio destacou o acentuado crescimento demográfico verificado em São Paulo durante o século XVIII, desmistificando a tese de

“decadência” da capitania paulista com a descoberta das minas e o posterior esgotamento aurífero (MARCÍLIO, 2000). Como salientou a historiadora,

os ritmos de crescimento inter-regionais variaram; a intensidade do povoamento paulista não se fez, obviamente, de forma homogênea em todo o território. (...) A “fronteira” de povoamento alargou-se cada vez mais, especialmente em direção ao Rio de Janeiro (Vale do Paraíba), dos campos do Sul em direção a Curitiba e Oeste paulista rumo a Campinas, Piracicaba, Franca e também Itu e Araraquara (MARCÍLIO, 2000, p. 191 grifo MFC).

O fluxo migratório de Minas Gerais garantiu o efetivo povoamento da região norte paulista na última década do século XVIII, acentuando-se, sobretudo, nas primeiras décadas do século XIX.

É graças aos mineiros, “os entrantes”, que se deu a elevação do arraial a freguesia10. Os migrantes mineiros que se dirigiram a Franca e áreas circunvizinhas (que deram origem a Batatais, Igarapava, Patrocínio Paulista, Ituverava, dentre outras) vinham tanto de regiões do sul de Minas, especializadas no abastecimento interno, como de regiões de mineração decadente. Esse movimento de mineiros em direção ao Sertão do Rio Pardo, portanto, situava- se no contexto de ampliação da fronteira de pecuária e agricultura de abastecimento de Minas Gerais em direção a São Paulo, e na busca por novas faisqueiras, impulsionada pela decadência da mineração aurífera nessa capitania desde 178011. Ampliar a fronteira em um momento de

10Em 1805 foi fundada a freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Franca, cujo território abrangia a área entre os rios Pardo e Grande, os limites até Minas Gerais e até o município de Mococa (atual) (CHIACHIRI FILHO, 1986, p.58). A criação da freguesia do Senhor Bom Jesus da Cana Verde (Batatais) em 1815 alteraria o marco limítrofe do município de Franca para o rio Sapucaí.

11 “A exportação de ouro cresceu em toda a primeira metade do século e alcançou seu ponto máximo em torno de 1760, quando atingiu cerca de 2,5 milhões de libras. Entretanto, o declínio no terceiro quartel do século foi rápido e, já por volta de 1780, não alcançava um milhão de libras. O decênio compreendido entre 1750 e 1760 constituiu

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procura internacional pelos produtos coloniais foi a forma encontrada para garantir a produção em terras ainda escassamente povoadas e relativamente férteis.

A população paulista, que em 1772 era de pouco mais de 100.000 habitantes, passou para 169.544 em 1800. No ano da Independência do Brasil (1822), esse território contava com 244.405 habitantes e em 1836, sua população chegou a 326.902 pessoas. Também a participação da população de São Paulo no total da população do Brasil elevou-se no período considerado, passando de 3,92% em 1772 a 5,51% em 1836. É importante destacar que não somente a população da Capitania/Província de São Paulo cresceu, como também a do Brasil passou por significativo acréscimo. Em 1800, teria o Brasil 3.569.000 habitantes e 5.867.000 em 1836 (MARCÍLIO, 2000).

Nas primeiras décadas do século XIX, a população se expandiu de modo acelerado na Freguesia e, posteriormente, Vila Franca do Imperador. Os livres que, em 1801, eram 491, em 1836 chegavam a 7.224 e os escravos passaram de 80 a 3.443, respectivamente, nesses anos (CUNHA, 2009).

Em 1809, a população da Freguesia era de 1.279 habitantes, predominantemente paulistas. A partir de então, um grande fluxo migratório proveniente de Minas Gerais e também de outros locais da Província de São Paulo alterou o volume e o perfil dessa população. Esse movimento migratório deveu-se não só à decadência das minas, mas também à expansão da lavoura da cana de açúcar que levou roceiros e pequenos proprietários a deslocarem-se para os limites do sertão e ao mesmo tempo atraiu para essa fronteira pequenos proprietários das capitanias vizinhas (BRIOSCHI et al., 1991, p. 33).

As listas nominativas são uma fonte rica e abundante para a Capitania/Província de São Paulo, no entanto, a partir da década de 1820, os migrantes oriundos de Minas Gerais passaram a ser designados apenas como naturais das Gerais, sem especificar o local de origem (OLIVEIRA, 2012, p. 78). Marina Oliveira (2012), ao levantar informações desses recenseamentos para os anos de 1801, 1803, 1805, 1809, 1820, 1824 e 1829 destacou que a partir de 1805, Minas Gerais passou a ser a capitania mais representativa entre os escravistas, seguidos por aqueles naturais de São Paulo. “A partir da segunda década dos oitocentos, os proprietários de escravos naturais de Minas Gerais passam a ser dominantes no Nordeste paulista, sendo 93% em 1820 e 1824 aumentando para 95% em 1829” (OLIVEIRA, 2012, p.

79).

o apogeu da economia mineira, e a exportação se manteve então em torno de dois milhões de libras” (FURTADO, 2001, p.78).

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A participação de migrantes mineiros como chefes de domicílios com escravos demonstrou quão significativo foi o componente migratório nas primeiras décadas do século XIX. Em 1836, de um total de 547 homens chefes de domicílio e escravistas residentes na Vila Franca do Imperador, os provenientes de Minas Gerais chegaram a 74,2% (406 casos) e os paulistas (inclusive francanos) apareceram como chefes em cerca de 12,8% dos domicílios com escravos. A proporção de mineiras entre as 83 mulheres chefes e que tinham escravos era ainda maior, 84,3%, seguidas das paulistas, 6,0% (CUNHA, 2005, p. 108-109).

Os mineiros também eram maioria entre os 824 homens chefes de domicílios sem escravos. Chegavam a 70,6% entre os chefes homens e a 72,6% entre as mulheres (de um total de 117), seguidos de longe pelos paulistas (19,8% homens e 18,8% mulheres, inclusive francanos). Africanos estavam representados em 1,3% dos chefes homens sem escravos e as africanas encabeçavam 2,6% dos fogos sem a presença de mão de obra cativa (CUNHA, 2005, p. 108-109).

A Lista Nominativa de Habitantes de 1836 não especifica o local de nascimento das pessoas naturais de Minas Gerais (com raras exceções). Encontramos apenas 48 pessoas livres cujos termos ou municípios de origem em Minas Gerais foram mencionados, destacando-se Juruoca (Aiuruoca), Barbacena, Pitangui, Bomfim, Tamanduá, Campanha e Jacuí.

Movimentos Migratórios em Franca na Primeira Metade do Século XIX a partir dos Registros de Casamento

Como a região norte paulista era esparsamente habitada em fins do século XVIII, a presença de padres era precária nos primeiros anos de 1800, mas com o passar do tempo, esse problema parece ter sido amenizado no antigo Sertão dos Goiases. A elevação de outras localidades (que compunham parte do território original de Franca) a freguesias, como Batatais (1815), Cajuru (1839), Ituverava (1847), Igarapava (1851) e Patrocínio Paulista (1874) ampliaram a assistência espiritual à população da Vila de Franca e a de seus distritos, o que pode ser confirmada pela série contínua de registros de casamentos ao longo dos oitocentos (CUNHA, 2009, p. 80).

Entre 17 de fevereiro de 1806 e 11 de novembro de 1856 foram arrolados 2.118 casamentos de pessoas livres em três livros pertencentes à Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Franca.

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Fonte: Registros de casamento, Paróquia N. S. C. de Franca.

As atas trazem o local e data do evento, o nome dos nubentes, filiação, naturalidade, o nome de duas testemunhas e do oficiante. Outras trazem ainda o horário da cerimônia, naturalidade, local de residência e informam o nome do cônjuge falecido em caso de noivo (a) viúvo (a). No entanto, esses documentos são desprovidos de outras informações tão ao gosto do demógrafo: não trazem a idade ao casar dos nubentes, o que nos impossibilita analisar o calendário das uniões.

As atas de casamento dessa paróquia possibilitaram verificar a sazonalidade dos matrimônios, a naturalidade, a nacionalidade (em caso de estrangeiros) dos nubentes e a legitimidade dos noivos. A partir das variáveis citadas, esperamos conhecer um pouco mais a tessitura social que povoou, ocupou e habitou o norte paulista. Quem eram as pessoas responsáveis pela ocupação do interior do Brasil (no qual se insere o norte paulista)?

A seguir, destacamos a naturalidade e a nacionalidade dos noivos. No caso dos escravos, a cor é uma informação recorrente nos registros paroquiais, mas o mesmo não é válido para os livres cuja orientação não prescrevia a indicação da cor. A população livre brasileira era composta por brancos, índios, negros forros ou libertos e pardos livres ou egressos da escravidão, ou seja, uma população marcadamente mestiça. Não raro encontramos livres que eram filhos de escravos ou de ex escravos se unindo a outros livres, no entanto, sem qualquer menção à cor.

Os registros paroquiais de casamento mostraram-se profícuos ao informar a localidade de origem dos noivos durante todo o período analisado (1806-1856). É preciso lembrar que em uma área de fronteira como o norte paulista, os limites territoriais eram fluídos, muitas vezes

0 20 40 60 80 100

1806 1808 1810 1812 1814 1816 1818 1820 1822 1824 1826 1828 1830 1832 1834 1836 1838 1840 1842 1844 1846 1848 1850 1852 1854 1856

Gráfico 1

Registros de casamentos (cônjuges livres) - N. absolutos (1806-1856).

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estabelecidos arbitrariamente a partir de referências como acidentes geográficos, marcos naturais ou elementos da paisagem. A documentação eclesiástica (como os registros paroquiais) pautava suas informações de naturalidade das pessoas a partir da divisão estabelecida pela Igreja Católica, ou seja, os bispados.

Em alguns casos, a divisão político-administrativa divergia da eclesiástica. Os Bispados de São Paulo e de Mariana (Minas Gerais), assim como as Prelazias de Goiás e Cuiabá foram criados em 1745, desmembrados do Bispado do Rio de Janeiro. O Bispado de São Paulo abrangia, além do atual Estado de São Paulo, parte do sul de Minas Gerais e região Sul. O Bispado de Mariana abrangia a região centro e sudeste de Minas Gerais.

Outras vezes, as delimitações se modificaram. Por exemplo, a Prelazia de Goiás perdeu o atual Triângulo Mineiro para Minas Gerais em 1816. Jacuí, localidade vizinha a Franca (atualmente município de Minas Gerais), fazia parte do Bispado de São Paulo, mas vez ou outra foi citada como pertencente ao Bispado de Mariana. A partir dessas considerações, optamos por manter as localidades e suas respectivas vinculações (Bispado de São Paulo, Bispado de Mariana, Prelazia de Goiás, etc.) como mencionadas na fonte.

No período em que Franca ainda era freguesia (1806-1824), foram realizados 506 matrimônios de pessoas livres, cuja média anual foi de 28,1 casamentos. Entre 1825-1856, 1.612 uniões foram arroladas, elevando a média a 52,0 casamentos por ano. O aumento observado para o segundo período explica-se pela ocupação do território e o aumento da população (via migração e crescimento natural).

No primeiro intervalo (1806-1824), 58,3% dos homens que se casaram em Franca eram provenientes de Minas Gerais, 17,0% de São Paulo e 8,1% de Goiás. Os estrangeiros representaram 2,6% dos noivos (destacando-se os portugueses e açorianos) e os naturais de outras capitanias/províncias apenas 1,2%. Para 12,8% de contraentes não há informação sobre a naturalidade (tabela 1).

O rol de localidades de Minas Gerais que forneceram nubentes para se casar em Franca é bastante diversificado: Aiuruoca, Baependi, Bambuí, Campanha, Curral del Rei, Lavras do Funil, Piumhi, Pitangui, São Bento do Sapucaí.... Localidades de Minas Gerais destinadas à agricultura de subsistência e à criação de animais responderam por 44,5% do total de noivos.

É preciso lembrar que as Minas Gerais nos oitocentos apresentavam uma difusa agricultura mercantil de subsistência, que muitas vezes coexistia ao lado da criação de animais (vacum e porcos) e, em menor proporção, a presença de faiscadores ou atividades de mineração. Os

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originários de antigas áreas mineradoras (Vila Rica, Mariana, São João del Rei, Sabará e Congonhas do Campo, com destaque para esta última) somaram 70 nubentes (13,8%).

Entre os paulistas, temos várias localidades sob o jugo do Bispado de São Paulo (e foram assim classificadas em nosso banco de dados), mas que atualmente integram o Estado de Minas Gerais: Jacuí, Camanducaia, Cabo Verde, Caldas e Santa Ana do Sapucaí e que responderam por 3,2% dos contraentes. Os naturais de Franca (7,5%) e de Mogi Guaçu (1,6%) somaram mais da metade dos noivos paulistas.

Daqueles que vieram da Prelazia de Goiás (8,1%, total de 41), 36 provinham da freguesia do Desemboque (atual distrito da cidade de Sacramento-MG). É importante ressaltar que até 1816 a Prelazia de Goiás se estendia até parte das terras do atual Triângulo Mineiro.

Após 1816, parte do território até então de Goiás passou a pertencer a Minas Gerais, mas permaneceu sob a tutela eclesiástica da Prelazia/Bispado de Goiás no período aqui estudado.

As localidades de onde se originaram as noivas são semelhantes às dos noivos para o período analisado. De um total de 506 contraentes, observamos apenas três naturalidades: as naturais de Minas Gerais chegaram a 58,9%, seguidas das paulistas (23,9%) e daquelas de Goiás (9,5%). Em 7,7% dos casos, não há informação sobre a origem.

As mulheres naturais de Minas Gerais totalizaram 298, das quais 63 (12,45%) vieram das regiões mineradoras (os noivos, 13,8%), principalmente Congonhas do Campo e São João del Rei. As demais noivas provinham de lugares mais próximos a Franca, como Bambuí, Baependi, Campanha, Piumhi, etc. e outras nem tão próximas assim, como Pitangui (antiga localidade mineradora) e Curral del Rei (atual Belo Horizonte)12. Essas localidades apresentavam economia mais semelhante à de Franca, como a agricultura de subsistência e a pecuária. Provavelmente, os migrantes recorreram ao norte paulista com o intuito de perpetuar e ampliar suas atividades econômicas, ocupando um território ainda escassamente povoado e relativamente fértil.

As noivas de São Paulo eram, em boa parte, naturais de Franca (16,4%), de Mogi Guaçu (2,4%) ou de localidades de Minas, mas que estavam subordinadas ao Bispado de São Paulo (2,4%) (Jacuí, Camanducaia, Cabo Verde e Santa Ana do Sapucaí). As demais localidades paulistas pouca representatividade tiveram entre as noivas. Dentre as naturais de Goiás (9,5%), 44 de 48 eram oriundas da freguesia do Desemboque.

12As noivas naturais de Pitangui somaram 51 e de Curral del Rei, 47, ou seja, quase um quinto do total.

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14 Tabela 1

Naturalidade/nacionalidade dos noivos livres. Paróquia de Franca, 1806-1856.

Naturalidade/nacionalidade 1806-1824 1825-1856

N. % N. %

Açores 4 0,8 3 0,2

Bahia 2 0,4 2 0,1

Espanha 1 0,2 - -

Europa - - 1 0,1

Goiás 41 8,1 43 2,7

Itália 1 0,2 2 0,1

Minas Gerais 295 58,3 555 34,4

Mato Grosso - - 1 0,1

Pernambuco 2 0,4 2 0,1

Portugal 7 1,4 10 0,6

Rio de Janeiro 2 0,4 5 0,3

Rio Grande do Sul - - 1 0,1

São Paulo 86 17,0 653 40,5

Sem informação 65 12,8 334 20,7

Total 506 100,0 1.612 100,0

Fonte: Registros de casamento, Paróquia N. S. C. de Franca.

Tabela 2

Naturalidade/nacionalidade das noivas livres. Paróquia de Franca, 1806-1856.

Naturalidade/nacionalidade 1806-1824 1825-1856

N. % N. %

Açores - - 1 0,1

Bahia - - 1 0,1

Goiás 48 9,5 36 2,7

Minas Gerais 298 58,9 380 23,6

Rio de Janeiro - - 3 0,2

São Paulo 121 23,9 938 58,2

Sem informação 39 7,7 253 15,7

Total 506 100,0 1.612 100,0

Fonte: Registros de casamento, Paróquia N. S. C. de Franca.

No segundo período (1825 a 1856), os noivos mineiros totalizaram 34,4% (de 1.612 casos), os paulistas 40,5% e os goianos, 2,7%. Os estrangeiros (destacando-se portugueses e açorianos) representaram apenas 1% e os naturais de outras províncias brasileiras, 0,7%. O período pós Independência observou maior porcentagem de noivos sem informação da naturalidade, 20,7%.

Os noivos naturais de Franca passaram a ser mais expressivos, 653 (40,5%) foram mencionados como naturais de São Paulo, dos quais 525 francanos (32,6%), como era de se esperar. Nesse período, persistem identificações dúbias. Jacuí apareceu como pertencente ao

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Bispado de São Paulo, no entanto, houve casos em que também foi designado como parte do Bispado de Mariana.

Do total de paulistas (excluindo os francanos), cerca de metade provinha de localidades de São Paulo (Itu, Piracicaba, Batatais, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, cidade de São Paulo e Campinas) e a outra metade de localidades que hoje integram Minas Gerais (Jacuí, Bambuí, Caldas, Cabo Verde, Ventania, Passos, etc.). Outras localidades mineiras (Uberaba e a freguesia do Desemboque) apareceram como pertencentes ao Bispado de Goiás.

Após adquirir a condição de Vila, pouco mais de um terço dos noivos que se casaram em Franca (ainda) provinham de Minas Gerais (555 casos), dos quais apenas 3,8% (61) eram de Congonhas do Campo (29), São João del Rei (24), Ouro Preto (quatro), Mariana e Sabará (dois, respectivamente). O que podemos notar em relação ao período anterior, é que houve uma nítida diminuição de homens naturais das áreas de mineração. Já as demais áreas próximas a São Paulo ou nem tão próximas assim, mas cuja economia se assemelhava à verificada em Franca continuaram a fornecer noivos para se unirem em Franca, certamente com filhas de outros mineiros. Com a união matrimonial, suas famílias poderiam garantir a expansão da rede de sociabilidades ou consolidar laços já estabelecidos, formando vínculos de parentesco, de proteção e de solidariedade.

No segundo período (1825-1856), de um total de 1.612 noivas, temos 58,2% das nubentes já nascidas na província de São Paulo, 23,6% em Minas Gerais e 2,2% em Goiás. As naturais do Rio de Janeiro totalizaram três noivas, apenas uma era nascida na Bahia e outra em Açores. Em 15,7% de casos não houve menção à origem.

Dentre as nubentes, 50,9% já eram nascidas no município de Franca. Localidades próximas a Franca, mas pertencentes ao território de Minas, continuam a ser citadas como pertencentes ao Bispado de São Paulo (Jacuí, Caldas, Camanducaia, Cabo Verde, Ventania, São Sebastião do Paraíso) e responderam por 5,5% das noivas consideradas naturais de São Paulo. As demais localidades de São Paulo eram freguesias ou vilas próximas, como Cana Verde (atual Batatais) e Carmo (atual Ituverava), e outras mais distantes, como Casa Branca, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Porto Feliz e Sorocaba e representaram apenas 1,8% das mulheres desposadas.

As noivas mineiras somaram 380 (23,6%), 66 (4,1%) provinham de Pitangui e 32 (2%) de Curral del Rei. As noivas de antigas regiões mineradoras praticamente desapareceram, sendo apenas cinco de Congonhas do Campo. As localidades “fornecedoras” de noivas eram limítrofes a Franca ou localizadas no sul mineiro como Aiuruoca, Baependi, Bambuí,

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Campanha, Conquista, Oliveira, Alfenas, etc. Algumas localidades não foram identificadas devido à ausência de informação ou ilegibilidade, sendo apenas possível verificar que foram listadas como pertencentes ao Bispado de Mariana.

Do total de 36 noivas naturais de Goiás (2,2%), 15 eram do Desemboque, 11 de Araxá, nove de Uberaba e uma de Catalão. Como podemos ver, se considerarmos as três primeiras localidades como pertencentes a Minas Gerais e não ao Bispado/Prelazia de Goiás, a participação das mineiras se amplia.

Para o segundo período (1825-1856) é possível utilizar a Lista Nominativa de Habitantes de 1836. Trata-se de um censo provincial que informa a província/país de origem dos habitantes de Franca. Dentre os moradores da Vila Franca predominavam os mineiros (40%

dos moradores do sexo masculino)13, seguidos de paulistas inclusive os nascidos em Franca (36,4%)14. Em relação às demais naturalidades/nacionalidades mencionadas estão: África, crioula, Bugre (indígena), Portugal e Ilhas, Europa, Goiás e Rio de Janeiro que não atingem 1% de casos (CUNHA, 2005, p. 68).

Se no tocante à naturalidade entre os homens livres havia predominância de mineiros, o mesmo não ocorria em relação às mulheres. As paulistas representavam 36% das mulheres livres, seguidas das mineiras (30,2%), sendo que quase um terço não apresentam informação da naturalidade. As demais naturalidades/nacionalidades citadas para as mulheres livres são:

África, “crioula”, Brasil, Goiás e Ilhas Portuguesas (CUNHA, 2005, p. 68).

Assim como os registros paroquiais, a Lista Nominativa de 1836 permite inferir a migração de Minas Gerais para Franca, mas não especifica as localidades de origem, mérito dos registros católicos que deve ser destacado. No entanto, também encontramos limitações nessa fonte. A Lista arrola os habitantes e os registros de casamento referem-se àqueles que se uniram na freguesia/vila de Franca. Porém, é preciso considerar que muitos moradores vieram já casados para Franca. Além disso, os solteiros não são captados pelos registros de casamento.

Outras possibilidades que devem ser levadas em conta dizem respeito ao fato de alguns nubentes serem de localidades próximas a Franca e que para aí se dirigiram apenas para o casamento sem nunca residir na sede da freguesia/vila. Ademais, em alguns casos, após a

13 Neste caso, não estamos considerando os efeitos indiretos da migração (filhos de imigrantes nascidos em Franca). Levando em conta que a chance de as crianças de até 10 anos serem nascidas em Franca é grande, realizamos um exercício ao considerarmos apenas as pessoas livres com 11 anos e mais a fim de verificar a naturalidade. Encontramos 54,5% do total de homens e 42,4% das mulheres livres com 11 anos e mais naturais de Minas Gerais.

14Quase um quinto do total de homens não apresenta informação sobre a naturalidade.

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constituição do novo casal, este pode ter se deslocou para outra localidade, desbravando novas fronteiras e dando continuidade aos processos de mobilidade social e geográfica.

Considerações finais

Os resultados indicam que a mobilidade das mulheres era mais restrita do que a dos homens, que a imigração europeia era diminuta, ainda que presente. A participação dos naturais de Minas Gerais é maior entre os homens do que entre as mulheres que se casaram em Franca, e esses os nubentes eram, em boa parte, originários de regiões limítrofes a Franca ou do sul mineiro, cujas características de produção econômica se assemelhavam à francana. Outras regiões mais distantes, como Pitangui e Curral del Rei também forneceram noivos e noivas.

Franca atraiu pessoas das localidades de mineração aurífera, possivelmente áreas que passavam por uma reestruturação econômica em virtude da decadência das minas. Muitos mineiros chegaram a Franca em busca do ouro e diamantes nos córregos e ribeirões, especialmente na primeira fase analisada (1806-1824). Possivelmente, uma parte não se fixou na região norte paulista e seguiu em busca de novas terras e minas, assim como antigos moradores do Sertão do Rio Pardo, expulsos pelos novos entrantes.

Os noivos e noivas oriundos do sul de Minas Gerais partiam para Franca em busca de terras propícias para a plantação de roças e a criação de gado, alguns munidos de algum capital e escravos. Buscavam expandir suas atividades econômicas e permanecer como criadores e plantadores. Já outras localidades mineiras que perderam moradores para Franca vivenciaram um período curto de exploração aurífera, como parece ter sido o caso de Pitangui e Desemboque. Muitas localidades mineiras foram fundadas por bandeiras paulistas em busca de ouro ainda nos séculos XVII e XVIII, mas passaram a ser locais perdedores de população em fins do século XVIII e princípios do seguinte. O crescimento demográfico, o preço da terra aliado às dificuldades financeiras podem ter contribuído para a imigração de seus habitantes.

O que chama a atenção é a duração dos fluxos - a vinda de mineiros para as terras paulistas se estende por décadas e levanta questões sobre as motivações socioeconômicas e demográficas enfrentadas por regiões e localidades mineiras ao longo dos oitocentos que precisam ser analisadas mais a fundo.

Moradores de São Paulo contribuíram para o povoamento de Franca com migrantes de Mogi Mirim e Mogi Guaçu, principalmente. Estas localidades faziam parte do Caminho dos Goiases e possivelmente seus moradores foram em busca de terras para dar continuidade à

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agricultura de subsistência e a criação de gado vacum. Apesar de Mogi Mirim ter vivenciado a produção de açúcar, Franca não se mostrava atraente para este gênero, em virtude da distância com os portos e as dificuldades de transporte. A produção de café chega a Franca concomitante à ferrovia, mas não suplantou atividades tradicionais como a agricultura de subsistência e a criação de animais.

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