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Livro – Fátima Martins Lopes. Índios, colonos e missionários na colonização da capitania do Rio Grande do Norte (IHGRN – 2003)

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(1)www.colecaomossoroense.org.br. FÁTIMA MARTINS LOPES. ÍNDIOS, COLONOS E MISSIONÁRIOS NA COLONIZAÇÃO DA CAPITANIA DO RIO GRANDE DO NORTE Edição Especial Para o Acervo Virtual Oswaldo Lamartine de Faria. 1.

(2) www.colecaomossoroense.org.br. Lopes, Fátima Martins L864 Índios, Colonos e Missionários na Colonização da Capitania do Rio Grande do Norte/Fátima Martins Lopes; Apresentação de Enélio Lima Petrovich - Natal/RN: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. 475 páginas. Ilustrações (mapas, gravuras e documentos anexos). Prêmio Janduí/Potiguaçu (1998), promovido pelo IHG/RN. 1. Rio Grande do Norte - Colonização. 2. Rio Grande do Norte - História. 3. Índios - Rio Grande do Norte. 4. Rio Grande do Norte - Missões de Aldeamento. I. Título. CDD 981.32. 2.

(3) www.colecaomossoroense.org.br. AGRADECIMENTOS Ao historiador Olavo de Medeiros Filho que me cedeu não só a sua biblioteca particular, mas idéias, discussões e entusiasmo para o trabalho. Ao presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Dr. Enélio Lima Petrovich, por me abrir as portas ao precioso acervo da sua instituição. Aos que fazem a Fundação Vingt-un Rosado Aos meus três colegas do Mestrado, Soraya Geronazzo Araújo, Roberto Airon Silva, Francisco Eugênio Paccelli Gurgel da Rocha, que me acompanharam na estada em Recife, pois sem o companheirismo e a certeza de que eu não sofria sozinha teria sido impossível sobreviver. À profa. Virgínia Amoedo, coordenadora da Divisão de Pesquisa Histórica da UFPE, e colega de discussões, agradeço pela disponibilidade do acervo de microfilmes e fotografias documentais do AHU. Aos meus colegas professores do Departamento de História da UFRN, por aceitarem diminuir a minha carga de aulas, sem o que seria impossível cumprir os prazos. E à professora 3.

(4) www.colecaomossoroense.org.br Francisca Aurinete Girão Barreto da Silva pela ajuda com o mundo das notas. À CAPES, que me agraciou com Bolsa de Estudos para Recém-Graduados durante os dois anos e meio de curso, acreditando na minha capacidade. Aos professores do Mestrado em História do Brasil da UFPE, que souberam instigar, principalmente Bert Barickman e Judith Hoffnagel. Ao meu orientador, prof. Dr. Marc Hoffnagel, pela sua confiança e paciência com as atribulações da minha vida particular. Agradeço especialmente ao meu marido Paulo e aos meus filhos Carolina e Eduardo, que suportaram a sobrecarga de cuidar da casa e viver sozinhos, conseguindo ainda me dar apoio e se sair bem.. 4.

(5) www.colecaomossoroense.org.br. PREFÁCIO Eis mais um livro de Fátima Martins Lopes que engrandece as letras potiguares e brasileiras. Sim, em tão boa hora, a Fundação Vingt-Un Rosado edita: Índios, Colonos e Missionários na Colonização da Capitania do Rio Grande do Norte. Trata-se, na verdade, de uma pesquisa com a qual a autora demonstra possuir amplos conhecimentos no campo da História, da Antropologia e de outros ramos correlatos. Integra o quadro de sócios efetivos do centenário Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – A mais antiga instituição cultural do Estado, fundado em 29 março de 1902. Então, devemos ressaltar que o presente estudo originouse como resultado do concurso que a Casa da Memória Norterio-grandense promoveu, em nível nacional – Prêmio Janduí/Potiguaçu,em 1997, tendo sido, dessa forma, Fátima Martins Lopes a vitoriosa, em 1997, entre outros trabalhos apresentados. Com efeito, além do “Catálogo de Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania do Rio Grande do Norte”, que organizou, referente ao período de 200 anos (1623-1823), esta publicação vem consagrar a autora, atribuindo-lhe o mérito de ser uma 5.

(6) www.colecaomossoroense.org.br das mais competentes pesquisadoras, cuja atividade intelectual valoriza uma gama de instituições, destacando-se a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É que, no exercício do magistério, fazendo parte do Departamento de História, coordenou diversos cursos, realizando também o de mestrado em “História do Brasil”, na Universidade Federal de Pernambuco. Suas viagens a Portugal, vendo e examinando os arquivos e bibliotecas do torrão lusitano, no manuseio de documentos raros e seculares, ilustram o seu valioso curriculum vitae. Aliás, reportando-nos ao que se evidenciou na apresentação daquele Catálogo, inserido no projeto Resgate de Documentação Histórica “Barão do Rio Branco” do Ministério da Cultura, oportuno recorrermos ao que ali escrevemos, pois se afiguram considerações perfeitamente cabíveis. Realmente, uma pesquisa de fôlego que a autora nos oferece como verdadeiro presente régio, alto e nobre... Por sua vez, acrescentamos que sempre em busca de novos horizontes e espaços na seara das letras, prosseguiu auscultando o passado e, a exemplo do mestre Luís da Câmara Cascudo, genial e humilde, bem pode afirmar que tudo tem uma história digna de ressurreição e de simpatia. Velhas árvores e velhos nomes, imortais na memória (“A Província 2” – Natal/RN, pág. 6). 6.

(7) www.colecaomossoroense.org.br Este livro, conseqüentemente, focaliza, com erudição e inteligência, como prova de dedicação às letras, em dimensão maior, temas pouco explorados e estudados, circunstância que muito contribui para o nosso aprimoramento intelectual. A perspicácia e a sabedoria da autora, em estilo peculiar, acessível, dão crédito mesmo à pesquisa. Ora, abrangendo na parte 1 a “Conquista e Missões Volantes”, a “Consolidação da Conquista: Alianças e Trabalho Indígena”, no capítulo 2, e “Missões Volantes: Intermediadoras da Conquista” (capitulo 3), envereda pelos caminhos difíceis mas gratificantes, e focaliza, com maestria, a “Colonização e Missões de Aldeamento” (parte 2). Eruditos comentários e elucidações convincentes se espelham no capítulo 4 - “Colonização e Resistência”, e “Missões de Aldeamento na Colonização do Rio Grande” (capítulo 5). Enfim, são tantos os enfoques e abordagens que dignificam e projetam Índios, Colonos e Missionários na Colonização da Capitania do Rio Grande do Norte, de Fátima Martins Lopes. Obviamente, nestas breves considerações, à guisa de prefácio, fica a certeza de que o leitor, conhecendo ângulos variados e dispersos contidos neste livro, somente tem a aprimorar a sua cultura e, assim, sobre a matéria aqui ventilada, alcança o melhor nível de conhecimento, necessário e compensador. 7.

(8) www.colecaomossoroense.org.br Que Fátima Martins Lopes, confreira e pesquisadora de escol, prossiga escrevendo, sob a égide da História, que é eterna. Não será fácil – convenhamos – que mais alguém suplante este trabalho magnífico. Apenas, se for a hipótese, poderá seguir as pegadas de sua autora, corroborando o que ela tão bem escreveu, com tanto amor e tanta competência, espargindo a sua cultura multiforme nesta Estado e além fronteiras do pais. Um registro de sucesso e aplauso. Estes os nossos votos... Natal, setembro de 2003 Enélio Lima Petrovich Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. 8.

(9) www.colecaomossoroense.org.br. NOTA EXPLICATIVA O texto que ora se publica foi apresentado à Banca Julgadora do Concurso Janduí/Potiguaçu no final de 1997. Ele foi resultado de pesquisa elaborada durante o Curso de Mestrado em História do Brasil, cursado no Programa de Pós-Graduação em História da UFPE, sendo a primeira versão da dissertação que foi defendida apenas em 1999. Dessa forma, o texto ainda não apresenta as modificações sugeridas pelo meu orientador, prof. Dr. Marc Jay Hoffnagel, nem aquelas oferecidas pela Banca por ocasião da defesa. É, portanto, minha inteira responsabilidade a sua forma e conteúdo. O sentimento de estranheza que tive quando, agora, o li para a revisão final de editoração, fez com que eu o visse com um olhar crítico e tentado a proceder mudanças. Mas nada foi alterado, em respeito ao Concurso e a mim mesma de cinco anos atrás, pois, como diz meu dedicado professor, Dr. Antônio Montenegro, nada melhor que o tempo para nos fazer olhar para trás e corrigir o percurso, rever os conceitos, redefinir opções. Acredito que é com o continuar na profissão, pesquisando e escrevendo, que podemos nos melhorar e melhorar a nossa 9.

(10) www.colecaomossoroense.org.br escrita. É um aprendizado contínuo que só ganha sentido quando compartilhado, analisado e criticado. A autora Rio, 24/10/2002. 10.

(11) www.colecaomossoroense.org.br. LISTA DE ABREVIATURAS ABA - Arquivo da Biblioteca da Ajuda - Lisboa. AHU - Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa. DHBN - Documentos Históricos da Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro. DPH/UFPE - Divisão de Pesquisa Histórica da Universidade Federal de Pernambuco. IHGRN - Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. HCJB - História da Companhia de Jesus no Brasil, Serafim Leite. LCPSC - Livro de Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal - acervo documental do IHGRN.. 11.

(12) www.colecaomossoroense.org.br LDS - Livro da Datas e Sesmarias da Capitania do Rio Grande acervo documental do IHGRN. LTV - Livro de Termos de Vereação - acervo documental do IHGRN. Ms - Documento manuscrito. Rev. do IAHGPE - Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Rev. do IHGRN - Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Rev. do IC - Revista do Instituto do Ceará. TART - Traslado do Auto de Repartição das Terras do Rio Grande - acervo documental do IHGRN.. 12.

(13) www.colecaomossoroense.org.br. LISTA DE MAPAS MAPA 1 - Territórios indígenas tradicionais MAPA 2 - Aldeias Potiguara citadas por cronista portugueses (1598-1630) MAPA 3 - Aldeias Potiguara citadas por cronistas holandeses (1630-1654) MAPA 4 - Aldeamentos e Vilas MAPA 5 - Missão de Guajiru e arredores.. 13.

(14) www.colecaomossoroense.org.br. LISTA DE GRAVURAS GRAVURA 1 - “Nova et accurata Tabula”, de Joan Blaeu (1640) - Capitanias do Brasil. GRAVURA 2 - “Mapa de João Teixeira” - Capitania do Rio Grande. GRAVURA 3 - “Aldeia Tupinambá”, de Zacharias Wagner. GRAVURA 4 - “Morte do Padre Philippe Bourel”, autor desconhecido. GRAVURA 5 - Antigas Missões de Guajiru e Guaraíras - Igrejas. GRAVURA 6 - Antiga Missão de Apodi - Igreja. GRAVURA 7 - Antiga Missão de Mipibu - Igreja. GRAVURA 8 - Igreja de Nª Sra do Ó - Nísia Floresta. GRAVURA 9 - Antiga Missão de Igramació - Igreja e terreiro.. 14.

(15) www.colecaomossoroense.org.br. LISTA DE DOCUMENTOS 1. 10/04/1607 - Carta régia ao Conselho Ultramarino. (Transferência de Potiguara). 2. 09/01/1662 - Carta régia ao Governador de Pernambuco (Conflitos iniciais com tapuias) 3. 22/03/1688 - Carta de Joseph Lopes Ulhoa ao Rei. (Como tratar os tapuias) 4. 28/03/1692 - Carta régia ao Governador de Pernambuco. (Despesas com novas aldeias). 5. 08/01/1697 - Carta régia ao Governador de Pernambuco. (Objetivos das Missões). 6. 10/01/1698 - Carta régia ao Governador de Pernambuco (Proibição de se tirar índios das aldeias). 7. 17/01/1698 - Carta régia ao Governador de Pernambuco (Forma de doutrinar). 8. 20/05/1699 - Carta régia ao Capitão-mor do Rio Grande (Aldeamento dos Canindé).. 15.

(16) www.colecaomossoroense.org.br 9. 07/04/1700 - Certidão do Padre Philippe Bourel (Criação da Missão de Apodi). 10. 22/05/1703 - Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba (Demarcação de terras). 11. 04/06/1703 - Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba (Demarcação de terras). 12. 18/11/1704 - Carte régia ao Desembargador Christóvão Soares Reymão (Demarcação de terras em Mipibu e Guaraíras). 13. 26/05/1704 - Certidão do Padre Vicente Vieira (Transferência para Igramació). 14. 26/05/1704 - Certidão do Padre Joan Gincel (Transferência para Igramació) 15. 11/07/1704 - Certidão do Padre Manoel Diniz (Transferência para Igramació) 16. 09/08/1704 - Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba ( Aldeia de Na Sra do Amparo de Cunhaú).. 16.

(17) www.colecaomossoroense.org.br 17. 09/08/1704 - Carta régia ao Desembargador Christóvão Soares Reymão (Transferência para dos caboclos agregados aos Canindé para Guaraíras). 18. 04/09/1706 - Carta régia ao Governador de Pernambuco ( Trabalho militar e agrário). 19. 15/09/1706 - Carta régia ao Desembargador Manoel Velho de Miranda (Queixa de Philippe Bourel sobre a venda de escravos em troca de armas em Goianinha). 20. 15/11/1706 - Carta régia ao Governador de Pernambuco (Venda de armas, pólvora e bala aos tapuias). 21. 29/07/1713 - Requerimento dos Oficiais de Natal ao rei (Transferência de índios cativos para o Rio de Janeiro). 22. 10/01/1726 - Carta régia ao Governador de Pernambuco (Pedido de novas terras para Guajiru) 23. 03/06/1728 - Carta régia ao Governador de Pernambuco. (Ordem de se demarcar novas terras de Guajiru) 24. 22/06/1728 - Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba (Demarcação de terras de Carmelitas). 17.

(18) www.colecaomossoroense.org.br 25. 01/07/1730 - Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba ( Pedido da Lagoa Parim dos Carmelitas). 26. 12/05/1730 - Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba ( Terras carmelitas na ribeira de Goianinha). 27. 05/08/1764 - Ofício sobre o estabelecimento das Vigararias em Pernambuco e suas anexas.. 18.

(19) www.colecaomossoroense.org.br. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................... 21 PARTE 1 - CONQUISTA E MISSÕES VOLANTES ........ 42 CAPÍTULO 1 POTIGUARA, FRANCESES E PORTUGUESES: DISPUTA PELO LITORAL .......................................................... 42. 1.1 - Os Potiguara: escambo, alianças e resistência ................. 45 1.2 - Franceses: escambo, alianças e disputa pela terra ........... 67 1.3 - Portugueses: alianças, escravidão e posse da terra .......... 72 CAPÍTULO 2 CONSOLIDAÇÃO DA CONQUISTA: ALIANÇAS E TRABALHO INDÍGENA ........................................ 98 2.1 - Forte dos Reis Magos e Natal: bases para a conquista colonial.............................................101. 19.

(20) www.colecaomossoroense.org.br 2.2 - Potiguara: mão-de-obra escrava e livre para a colonização............................................... 120 2.3 - Zorobabé, Potiguaçu, Antônio Felipe Camarão, Pedro Poti e Antônio Paraupaba: guerreiros a serviço de quem? .......................................................... 130 CAPÍTULO 3 MISSÕES VOLANTES: INTERMEDIADORAS DA CONQUISTA ...................................................................... 178. PARTE 2 COLONIZAÇÃO E MISSÕES DE ALDEAMENTO....... 250. CAPÍTULO 4 COLONIZAÇÃO E RESISTÊNCIA ............................................ 250 4.1 - Curraleiros e a ocupação colonial do sertão .................. 252 4.2 - Tapuias e o território tradicional ................................... 272 4.3 - Resistência indígena e resposta colonial: a “Guerra dos Bárbaros” ....................................................... 287. 20.

(21) www.colecaomossoroense.org.br CAPÍTULO 5 MISSÕES DE ALDEAMENTO NA COLONIZAÇÃO DO RIO GRANDE.................................................................... 325. 5.1 - Legislação indigenista e os aldeamentos ....................... 325 5.2 - Missões: redutos de sobreviventes ................................ 343 5.3 – Vida missioneira na colonização do Rio Grande .......... 384 CONCLUSÕES .................................................................... 453. 21.

(22) www.colecaomossoroense.org.br. INTRODUÇÃO As Missões religiosas, que são aqui entendidas como formas de ação dos missionários das diversas ordens religiosas no trabalho da catequização e subordinação dos indígenas à cultura européia, com a finalidade religiosa de “catequizar e converter” os índios ao cristianismo e com o objetivo político-econômico de possibilitar a colonização portuguesa, pressupunham a convivência entre dois mundos culturais diferentes que se relacionavam em posições desiguais e hierarquizadas que envolviam subordinação e dominação.1 As Missões Volantes, ações iniciais dos missionários nas colônias da América, se caracterizaram pela visita dos padres e frades às aldeias indígenas com o intuito de catequizar, batizar e casar os indígenas. Porém, após este período inicial, a necessidade crescente de controlar a terra e os nativos, de forma mais rígida e persistente para possibilitar o projeto colonial, levou ao estabelecimento das Missões de Aldeamentos em áreas de avanço da “fronteira cultural” entre os mundos indígena e colonial.2 Nessas áreas, quase sempre com produção econômica iniciante e dependente da força de trabalho escrava do índio, as Missões suscitaram conflitos entre colonos e missionários pelo controle 22.

(23) www.colecaomossoroense.org.br da mão-de-obra indígena e a legislação real não se mostrou eficaz para dirimir esses conflitos, conforme fica evidente pelas seguidas leis e decretos sobre o assunto.3 O problema da “liberdade” dos índios, e ao mesmo tempo da sua utilização, precisava ser resolvido para possibilitar o desenvolvimento dessas áreas de expansão colonial.4 Em 1686, instituiu-se, o “Regimento e Leis sobre as Missões do Estado do Maranhão e Pará, e sobre a Liberdade dos Índios”, conhecido historicamente por “Regimento das Missões”. Estendido mais tarde para todo o Estado do Brasil, o Regimento confirmava a Lei de 1680, que garantia a liberdade dos índios, e determinava que a administração das Missões passasse aos missionários religiosos que assumiriam o controle espiritual e temporal sobre os índios reduzidos, criando um modelo ideológico de ação missionária entre os índios condicionando-os como criaturas dependentes e tuteladas.5 Nesse mesmo período, o Nordeste colonial português, livrando-se do domínio holandês, reiniciava um processo de povoamento, retomando também a presença missionária nos aldeamentos indígenas. Criou-se, dessa forma, a Junta das Missões, em Pernambuco, subordinada à que existia em Portugal, com a finalidade de promover e cuidar dos assuntos referentes às Mis23.

(24) www.colecaomossoroense.org.br sões e à catequese dos indígenas, seja no nível civil, eclesiástico ou criminal, abrangendo toda a Capitania de Pernambuco e Anexas, incluindo-se aí a do Rio Grande.6 As Missões de Aldeamento da Capitania do Rio Grande começaram a surgir, então, nesse movimento de retomada do povoamento colonial, sendo formadas as Missões de Guajiru (hoje, cidade de Estremoz) e Guaraíras (hoje, cidade de Arês), sob a administração dos padres da Companhia de Jesus, que reduziram os remanescentes Potiguara do litoral norte-rio-grandense. Logo, porém, a Capitania do Rio Grande seria envolvida pelo movimento de resistência indígena à penetração colonial, conhecido como Guerra dos Bárbaros, encabeçado por grupos étnicos do sertão nordestino, que resultaria na redução de grande contingente dessas etnias nas referidas Missões, assim como, na criação da Missão do Apodi (hoje, Apodi), na ribeira do rio de mesmo nome no sertão potiguar, também sob a administração jesuíta.7 A situação de conflito constante entre colonos, indígenas e missionários levou a uma legislação complementar às anteriores: o “Alvará de 23 de novembro de 1700”, ordenando que cada Missão recebesse uma légua de terra em quadra para o sustento dos índios e dos missionários residentes, liberando legalmente o restante da terra para a colonização e obtendo a garantia do su24.

(25) www.colecaomossoroense.org.br primento de mão-de-obra aos colonos. A Guerra dos Bárbaros prolongou-se por quase 50 anos de conflitos intermitentes, levando a novas reduções e criando a necessidade de novas Missões. Nesse contexto, foram fundadas a Missão de Igramació (hoje, Vila Flor), no litoral Sul, e a de Mipibu (hoje, São José de Mipibu), próxima à Natal, com a administração dos Carmelitas Reformados e dos Capuchinhos, respectivamente, reduzindo tanto os Potiguar como os tapuias do sertão.8 As Missões da Capitania do Rio Grande, como as restantes do Brasil, perduraram sob o controle dos missionários religiosos e sob o “Regimento das Missões” até o final da década de 1750 e início de 1760, quando, sob o governo do Marquês de Pombal, os Jesuítas foram expulsos das terras do Império português e a Junta das Missões foi extinta. A administração dos índios aldeados passou ao poder laico dos Diretores de Índios por força do Alvará de 18 de agosto de 1758, que confirmou para todo o Brasil o Diretório dos Índios, novo regulamento para as antigas Missões religiosas que, agora, deveriam ser transformadas em Vilas. As Missões religiosas do Brasil, pela sua importância histórica, sempre foram temas constantes de estudos e pesquisas desde o século passado. No entanto, o enfoque dado a esses estudos quase sempre surgia a partir de interesses externos a elas, 25.

(26) www.colecaomossoroense.org.br ou seja, pelas suas características peculiares, as Missões suscitaram estudos que podiam ser direcionados ideologicamente, servindo, assim como “armas” em disputas acadêmicas e políticas. Assim, temos estudos os mais contraditórios possíveis: uns defendendo as ações dos missionários (historiadores da Ordens Religiosas), outros abominando-as9; uns vislumbrando nelas exemplos da comunidade perfeita10, outros só percebendo nelas uma extrema exploração dos índios pelos missionários11; outros, ainda, tentaram encontrar nelas características estruturais que teriam sido herdadas pelo “autoritarismo” e pelo “subdesenvolvimento” do país ou das áreas onde elas se desenvolveram. Nesses estudos, alguns aspectos das Missões foram levantados de forma isolada, dificultando uma análise e interpretação mais global de seu significado na história da colonização brasileira. As Missões, sem dúvida, são um objeto de estudo privilegiado para várias abordagens por que nelas ocorreu um grande exemplo de relações interétnicas, de encontro entre dois mundos que começavam a se conhecer. No que diz respeito ao estudo das Missões no Rio Grande do Norte, eles estão ainda no estágio “factual”, isto é, os historiadores tradicionais e os cronistas das Ordens Religiosas preocuparam-se em localizar e identificar as Missões do Rio Grande, 26.

(27) www.colecaomossoroense.org.br seus missionários e etnias aldeadas em cada uma. Contudo, não fizeram uma análise interpretativa de seu significado para a colonização da Capitania do Rio Grande. Quando muito, detectaram que nelas ocorria o processo de aculturação indígena essencial à colonização, numa forma de aplicação dedutiva e mecânica da explicação pré-estabelecida pelos estudos do restante das Missões no Brasil. Os primeiros pesquisadores, sócios do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, trabalharam com o acervo documental da referida entidade e obras dos cronistas do Brasil colonial, publicando sua produção na revista do mesmo Instituto. Esses historiadores tradicionais do Estado abordaram o tema de forma superficial, dada a sua preocupação com a história da colonização portuguesa da antiga Capitania do Rio Grande: Vicente Lemos, Capitães-mores e governadores do Rio Grande do Norte, v.1. (1912); Tavares de Lira, História do Rio Grande do Norte (1912); Rocha Pombo, História do Rio Grande do Norte (1922); Luís da Câmara Cascudo, História do Rio Grande do Norte (1955) e História da Cidade do Natal (1947); Tarcísio Medeiros, Aspectos geopolíticos e antropológicos da História do Rio Grande do Norte (1973); Tarcísio Medeiros e Vicente. 27.

(28) www.colecaomossoroense.org.br Lemos, Capitães-mores e Governadores do Rio Grande do Norte, v. 2. (1980). Vale salientar ainda que a bibliografia acima citada se caracteriza pelo estilo peculiar da época de narrar e informar os acontecimentos, registrando datas e fatos, sem buscar explicações ou fundamentação teórica para determinados acontecimentos, mas de grande validade e importância considerável para a preservação da memória de período tão significativo da História local e disponível para uma retomada do tema nos dias atuais, com um novo aparato teórico-metodológico com que se analise, se interprete e se entenda o cotidiano dos primeiros habitantes do Rio Grande do Norte e as relações estabelecidas entre eles e os europeus recém-chegados. Câmara Cascudo trouxe alguns capítulos sobre os índios, identificando sua etnia, localização e costumes, relata ainda, especificamente, uma parte sobre a Guerra dos Bárbaros, movimento de resistência indígena à colonização portuguesa na Capitania. Quanto às Missões, suas informações restringem-se à cronologia, às seqüências factuais de atividade missionária e a recenseamentos populacionais, principalmente quando trata da extinção das Missões, não iniciando qualquer tentativa de análi-. 28.

(29) www.colecaomossoroense.org.br se ou interpretação12 . Na mesma linha historiográfica são os outros livros e autores citados. Os cronistas das Ordens Religiosas, por sua vez, enfocam as Missões com o objetivo de preservar a história das Ordens, daí preocuparem-se, principalmente, com o arrolamento cronológico da atuação de seus missionários, sem questionar ou analisar essa atividade. As Missões do Rio Grande são tratadas da mesma forma, aparecendo, quase sempre, apenas como um número a mais no quadro total das Missões brasileiras da Ordem. Acreditamos que o melhor entendimento da História do Brasil Colonial pode e deve acontecer através do aprofundamento do conhecimento da história regional e local, e para que isso aconteça cremos que as relações entre índios e colonos devam ser exaustivamente exploradas, pois estão nelas o cerne do nosso povo e sua cultura. Essa crença não é original, bem o demonstra o número crescente de pesquisadores, sejam historiadores ou antropólogos, que se debruçam sobre os documentos históricos na tentativa de trazer à luz a história dos nativos e europeus no início do Brasil. Essa atividade, no entanto, está imbuída da preocupação constante de trazer à vida não apenas o colono, mas também o nativo com o seu modo de pensar, sua cultura e seu mundo, as29.

(30) www.colecaomossoroense.org.br sim como recuperar as relações que ambos estabeleceram entre si, com as suas formas, suas funções e seus resultados tanto para a colonização como para a cultura indígena, numa tentativa de revisar a embolorada história colonial brasileira. Tais atividades revisionistas têm sido, particularmente, valorizadas, devido ao período “comemorativo” dos 500 anos de contato entre Europa e América, quando estudiosos do mundo inteiro voltam-se para uma análise crítica do período inicial do contato e seus resultantes no desenvolvimento e na situação atual das Américas, principalmente a Latina. Nesse contexto, as Missões Meridionais, como as do Norte e do Nordeste do Brasil, têm merecido, a partir da década de 80, uma atenção significativa dos pesquisadores, pois despertou-se para o fato de que aspectos fundamentais da sociedade e da economia coloniais dessas regiões, ou de parte delas, estão ligadas a esse núcleo de contato interétnico inicial. Não se podia menosprezar por mais tempo a importância das Missões para o apaziguamento e aculturação dos indígenas brasileiros, assim como para a sua inserção no mundo colonial, seja como mão-de-obra civil ou militar. No entanto, não basta um saber episódico e cronológico, que já foi relatado, principalmente, nas crônicas das Ordens Re30.

(31) www.colecaomossoroense.org.br ligiosas que atuaram no Brasil. Busca-se, ao contrário, a compreensão das relações estabelecidas entre os índios e missionários nesse início de colonização dentro do espaço físico bastante limitado das Missões, se comparado ao, anteriormente, ilimitado espaço de sobrevivência indígena. Por outro lado, saber o que se passou nas Missões por si só pouco acrescentaria ao conhecimento histórico. Essas relações internas às Missões só são importantes e significativas quando colocadas no conjunto da história da colonização do Brasil. Isto é, as relações internas ganham importância e particular significado quando são interligadas às relações externas, como a relação Estado-Igreja, a relação colonos-Estado e a relação colonosMissão, que baseavam a colonização do Brasil. Nessa perspectiva, as Universidades do Nordeste têm formado núcleos regionais e locais interdisciplinares, envolvendo principalmente, antropólogos, historiadores e arqueólogos, com a finalidade de recuperar a história indígena e colonial, nelas inseridas também a História das Missões. Desses estudos têm sido produzidos trabalhos de abordagem regional e local que contribuem para a formação gradual de um conhecimento mais sólido da história indígena da região Nordeste, sustentado documental e metodologicamente, e que serve como base para as 31.

(32) www.colecaomossoroense.org.br pesquisas. Podemos citar as coordenações de Maria Sylvia Porto Alegre (CE), Beatriz Góis Dantas (SE) e Gabriela Martin (PE). Nesses núcleos, há também uma produção de trabalhos acadêmicos, principalmente do Mestrado de Pernambuco, cuja temática missioneira também é encontrada, mesmo que em pequeno número: Maria do Céu Medeiros (1981), Bartira Ferraz Barbosa (1991), Sarah Maranhão Valle (1992) e Paulo Tadeu de Souza Albuquerque (1991), este último tratando de pesquisa histórico-arqueológica na área da Missão de Igramació da Capitania do Rio Grande. As pesquisas baseiam-se em fontes primárias, pautando-se numa metodologia histórico-crítica, analisando o papel dos missionários, indígenas, colonos e das próprias Missões, vistas isoladamente ou em grupos sob a administração da mesma Ordem Religiosa. Apesar de não tratarem das Missões do Rio Grande, tais trabalhos contribuem para suscitar questionamentos e para estabelecer parâmetros de análise, partindo do pressuposto que os movimentos de expansão e fixação coloniais foram desencadeados em todo o Nordeste e que, guardando-se as características locais, correspondiam às mesmas funções dentro do processo de colonização portuguesa. O estudo das Missões podem contribuir ainda para um redimensionamento da importância do papel e contribuição do 32.

(33) www.colecaomossoroense.org.br indígena na sociedade potiguar. Muitos são os historiadores, entre eles Cascudo, que admitem o bom sucesso do processo de aculturação indígena nas Missões, confirmado pelo desaparecimento do indígena como elemento étnico-cultural, fundido à população colonial. 13 No entanto, pesquisas históricoantropológicas recentes efetuadas no Nordeste, que incluem a reconstituição histórica das Missões e seus índios, demonstram que, ao contrário, o processo de aculturação dos indígenas foi insuficiente ou ineficaz. Concluem que, após a expulsão dos jesuítas e a extinção das Missões religiosas, muitos índios foram dispersos de seus aldeamentos, tendo uns formado novos núcleos de habitação resistindo ao contato e domínio do “branco”, enquanto outros foram “transformados” em “caboclos”, pela força das leis do Império brasileiro, para justificar a expropriação das terras indígenas doadas pelo “Alvará de 1700”.14 Com esses estudos, estão conseguindo demonstrar que a miscigenação étnica não foi o único elemento de “desaparecimento” do indígena nordestino. Nesse aspecto, o estudo das Missões do Rio Grande tornase interessante para uma revisão da História colonial do Rio Grande do Norte, pois as Missões tiveram uma importância significativa, na difusão posterior dos núcleos populacionais colo33.

(34) www.colecaomossoroense.org.br niais, porque foi a partir das cinco Missões coloniais que se originaram as primeiras vilas do Rio Grande e consequentemente, os primeiros municípios na organização política da Capitania. Portanto, muitas são, ainda, as questões a serem respondidas sobre a história local no que se refere às relações entre esses três grupos humanos coloniais. O estudo da temática missioneira foi motivado inicialmente pela participação, no ano de 1991, no projeto “Levantamento de Fontes para a História Indígena e do Indigenismo”, coordenado nacionalmente pelo Prof. John Manuel Monteiro, do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da USP, com a finalidade de se elaborar um “Guia de Fontes para a História Indígena e do Indigenismo em Arquivos Brasileiros”, já publicado.15 Em 1993, sob a mesma coordenação do NHII-USP, efetuou-se o projeto de “Microfilmagem e Indexação dos Documentos Relativos à História Indígena e do Indigenismo”, trabalhando com o acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, que suscitou dúvidas e curiosidades, além de proporcionar um contato maior com a documentação relativa a temática indígena, motivando o nosso interesse para o aprofundamento na pesquisa sobre a temática. Como resultado desse trabalho. 34.

(35) www.colecaomossoroense.org.br conjunto, foi editado um catálogo com documentos imprescindíveis ao estudo do Nordeste colonial.16 Para alcançarmos os objetivos propostos e responder as questões levantadas, utilizamos como fontes primárias manuscritas, os documentos sobre a temática indígena e missioneira do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, levantado e indexado no Projeto de Microfilmagem e Indexação já citado. Assim como os documentos cartoriais do Arquivo da Cúria Metropolitana de Natal. Como fontes principais disponíveis temos: Livros de Registro de Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal; Livros de Termos de Vereação da Câmara de Natal; Livro do Auto de Repartição da Terra; Livros de Registros de Sesmarias concedidas pelo Governo da Capitania do Rio Grande; Coleção de Documentos Avulsos; Livro de Registro dos Autos de Criação de Vila Flor e Atas da Câmara; Livros de Registro de Batismos, Casamentos e Óbitos Pesquisamos, ainda, no rico acervo documental da Divisão de Pesquisa Histórica, do Departamento de História, da UFPE. Pela Capitania do Rio Grande ter sido anexa à Capitania de Pernambuco por longo tempo, explica-se a existência nesse acervo de documentos referentes ao Rio Grande, o que já foi exemplificado por Maria Idalina Pires em seu livro A Guerra dos Bárba35.

(36) www.colecaomossoroense.org.br ros: resistência e conflitos no nordeste colonial, que trata de acontecimentos que se deram principalmente na Capitania do Rio Grande, utilizando os referidos documentos da DPH. O acervo contém cópias de manuscritos originários do Arquivo Histórico Ultramarino, do Arquivo da Torre do Tombo e da Biblioteca Nacional de Lisboa entre outros. Estudamos as relações entre as Missões e Estado, através da legislação e das resoluções referentes às Missões, e entre Missões e colonos, através dos contatos estabelecidos, dos trabalhos indígenas prestados aos colonos e dos problemas e conflitos surgidos entre eles. Utilizamos, além dos manuscritos do acervo do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte, as obras dos cronistas da época já bastante difundidos e utilizados em pesquisa histórica, a correspondência e relatos dos missionários e os trabalhos dos historiadores das Ordens, além de documentos impressos, onde podemos encontrar informações e subsídios para entender a mentalidade dominante. Muitos estudos tradicionais sobre as Missões Religiosas coloniais se utilizaram da segmentação dos vários níveis da sociedade missioneira, enfocando um único aspecto de cada vez. Outros utilizaram uma sistemática que valorizava o indivíduo colonial, a seqüência cronológica e factual. Essas metodologias 36.

(37) www.colecaomossoroense.org.br impediam o interrelacionamento das Missões com o processo colonial em vigor, determinando que elas fossem entendidas como segmentos autônomos e isolados do mundo colonial. No nosso entendimento, para haver uma apreensão do significado global das Missões é necessário que se estabeleça as relações entre elas e o mundo circundante, privilegiando um estudo que leve em conta todas as dimensões - econômica, política, social, cultural, ideológica - sem compartimentação nem subordinação de uma pela outra. Entendemos que as Missões devem ser analisadas no contexto histórico colonial global, enfocando as estruturas sócioeconômicas e políticas, levando-se em consideração as especificidades da mentalidade e ideologia dominante da época colonial, acompanhando a tendência da História Social que busca uma integração da história material e da história da mentalidade.17 Seguimos, assim, uma metodologia histórico-crítica, baseada principalmente na análise documental, problematização e interpretação, que já vem sendo utilizada nos grupos de estudo/pesquisa da História Indígena e do Indigenismo, encabeçado pelo Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da USP, exemplificada nos recentes livros produzidos pelos seus integrantes: História dos Índios no Brasil 18 e Negros da Terra.19 37.

(38) www.colecaomossoroense.org.br Pela inexistência de uma História das Missões da Capitania do Rio Grande, optamos por fazer uma investigação privilegiando a problematização e interpretação, mas sem deixar de efetuar uma narrativa dos acontecimentos. Não pretendemos de forma alguma cair numa história factual, onde os fatos falam por si, mas, ao contrário, os utilizaremos como ponto de partida para a colocação de problemas a fim de possibilitar a interpretação do seu significado para a colonização do Rio Grande.. 38.

(39) www.colecaomossoroense.org.br NOTAS 1. Aroldo Azevedo, Aldeias e aldeamentos de índios, Separata do Boletim Paulista de Geografia, nº 3, out. 1959, p.4. 2.. Ver Arno Kern, Missões: uma utopia política, Porto Alegre, Mercado Aberto, 1982 e Nádia Farage, As muralhas dos Sertões, Rio de Janeiro, Paz e Terra/ANPOCS, 1991.. 3.. Para legislação indigenista ver: José Oscar Beozzo, Leis e regimentos das Missões, São Paulo, Paulinas, 1983 e Georg Thomas, Política indigenista dos portugueses no Brasil, São Paulo, Loyola, 1982.. 4.. Mário Pastore, Trabalho forçado indígena e campesinato mestiço livre no Paraguai: uma visão de suas causas baseada na teoria da procura de rendas econômicas, Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 11, n. 21, p. 147-185, set. 1990/ fev. 1991.. 5. João Renôr F. de Carvalho, A Lei dos Índios do Maranhão de 1680 e o Regimento das Missões de 1686, Boletim de Pesquisas da CEDEAM, Manaus, v. 2, n. 3, p. 86-113, jul. out. 1959.dez. 1983. 6. F. A. Pereira da Costa, Anais Pernambucanos, Recife, Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, 1983.. 39.

(40) www.colecaomossoroense.org.br 7. Vicente Lemos, Capitães-Mores e Governadores do Rio Grande do Norte: 1598-1697, Rio de Janeiro, Tip. do Jornal do Comércio, 1912, v. 1. pp. 63-79. 8. Ibidem. 9. Júlio Pernetta, Missões Jesuítas no Brasil, Curitiba, Typ. Livraria Econômica, 1909. 10. Clóvis Lugon, A República “Comunista” Cristã dos Guaranis: 16101768, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. 11. Moacyr Flores, Os índios infiéis, Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 8, n. 1, jul. 1992, p. 9-17. 12. Luís da Câmara Cascudo, História do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional/MEC, 1955. 13. Luís da Câmara Cascudo, História da Cidade do Natal, Prefeitura Municipal de Natal, 1947, p. 95. 14. Ver Maria Sylvia Porto Alegre, Aldeias indígenas e povoamento do Nordeste no final do século XVIII; aspectos demográficos da “cultura de contato”, Relatório apresentado no XVI Encontro Anual da ANPOCS, Caxambú, out. 1992. e Beatriz Góes Dantas, Missão Indígena no Gerú, Aracajú, Programa de Documentação e Pesquisa Histórica/UFS, 1973. (ed. mimeografada da Comunicação ao V Seminário de História do Nordeste - Aracajú).. 40.

(41) www.colecaomossoroense.org.br 15. Manuel Monteiro (org.), Guia de Fontes para a História Indígena e do Indigenismo em Arquivos Brasileiros, São Paulo, NHII-USP/FAPESP, 1994. 16. Maria Sylvia Porto Alegre; Marlene da Silva Mariz; Beatriz Góis Dantas (orgs.), Documentos para a História Indígena no Nordeste: Ceará, Rio Grande do Norte e Sergipe, São Paulo, NHII-USP/FAPESP/Governo do Ceará, 1994. 17. George Duby, História Social e Ideologias das Sociedades, in: Jacques Le Goff e Pierre Nora (org.), História: Novos Problemas, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1979. 18. Manuela Carneiro da Cunha (org), História dos Índios do Brasil, São Paulo, FAPESP/SMC/Companhia das Letras, 1992. 19. John Manuel Monteiro, Negros da terra, São Paulo, Companhia das Letras, 1994.. 41.

(42) www.colecaomossoroense.org.br. PARTE I CONQUISTA E MISSÕES VOLANTES CAPÍTULO 1 OS POTIGUARA, FRANCESES E PORTUGUESES: DISPUTA PELO LITORAL.1 O ponto fundamental da conquista portuguesa sobre o território da Capitania do Rio Grande foi a construção do Forte dos Reis Magos, somente no final do século XVI. A partir do estabelecimento de soldados e suas defesas, a luta pelo domínio das mesmas terras pelo franceses e a resistência indígena local foram paulatinamente sendo vencidas, possibilitando a colonização portuguesa no litoral potiguar. No entanto, tentativas de colonização já haviam ocorrido, quando da distribuição das terras brasileiras em Capitanias Hereditárias em 1535. (Ver Gravura 1). Preocupada inicialmente apenas com o Oriente, fonte de mercadorias imediatas, a Coroa Portuguesa, após o “descobrimento” do Brasil, levaria três décadas para instituir um projeto de colonização, incentivado pelas promessas das recentes des42.

(43) www.colecaomossoroense.org.br cobertas de imensas riquezas na área andina pelos espanhóis, por uma nova situação política na Europa com a ascensão de Carlos V ao trono espanhol (abarcando um enorme império) e, também, pela constante presença de corsários franceses que ameaçavam a posse portuguesa.2 João de Barros, “Feitor da Casa da Índia e da Mina” e “Historiador dos Feitos Portugueses nas Índias”3, recebeu a Capitania do Rio Grande, em 1535, como seu quinhão de terras no extremo norte do Brasil, para descobrir e colonizar, sob suas próprias expensas, em troca do direito de usufruir das riquezas e dos nativos da nova colônia. Para explorar e dar início à colonização, ele aliou-se a outros Donatários4 para financiarem uma expedição conjunta que, no entanto, fracassou frente à ferocidade com que foram recebidos pelos nativos que impediram a permanência dos portugueses.5 Como havia ocorrido no Rio Grande, a expedição também fracassou na tentativa de desembarcar no Ceará, só o conseguindo no Maranhão, à custa de muitas vidas perdidas aos índios de lá e também ao mar, mas, mesmo ali a duração da “colônia” - a vila da Nazaré - foi efêmera, por não conseguir resistir às constantes reações indígenas e ao esquecimento do reino.6 43.

(44) www.colecaomossoroense.org.br Da mesma forma, uma segunda tentativa de colonização, intentada então pelos filhos de João de Barros - Jerônimo e João - também apenas passaria pela costa norte-rio-grandense, indo se estabelecer novamente no Maranhão, onde residiram por cinco anos (1556-1561), povoando a “Ilha das Vacas”, área que também teriam abandonado pela hostilidade dos índios.7 No litoral do Rio Grande os nativos que resistiram à tentativa de colonização dos representantes do Donatário eram os Potiguara, do tronco lingüístico Tupi-Guarani, que como seus aparentados do restante do litoral leste do Brasil, tomaram contato com os europeus desde o início das navegações exploratórias da costa. Já em 1501, Américo Vespúcio participando da viagem que tomou posse das terras brasileiras para Portugal, chantando “marcos de posse” pelo litoral, relatou a hostilidade dos índios Potiguara, que teriam matado, em ato “cruel e bestial” (a antropofagia), três “cristãos” que desceram à terra para “...verem que espécie de gente era e se possuia alguma riqueza em especiarias ou drogas...”.8 (Ver Mapa 1).. 44.

(45) www.colecaomossoroense.org.br 1.1 - Os Potiguara: escambo, alianças e resistência. Poucas são as descrições desses primitivos habitantes das terras norte-rio-grandenses. Vespúcio, na mesma ocasião citada, se referiu a eles como “gente pior que animais”, estarrecido pelos fatos que acabou de se relatar, assim como observou que “ estava nua e era da mesma cor e porte que a outra passada”.9 Já Gabriel Soares de Souza, em 1587, informa sobre os Potiguara de maneira bastante elucidativa, portanto, apesar de longa, vale a citação de todo o trecho: “Não é bem que passemos já do rio da Paraíba, onde se acaba o limite por onde reside o gentio Pitiguar, que tanto mal tem feito aos moradores das Capitanias de Pernambuco e Tamaracá, e a gente dos navios que se perderam pela costa da Parahiba até o rio do Maranhão. Este gentio senhoria esta costa do Rio Grande até o da Paraíba, onde confinaram antigamente com outro gentio, que chamam os Caytés, que são seus contrários, e se faziam cruelissima guerra uns aos outros, e se fazem ainda agora pela banda do sertão onde agora vivem os Cay45.

(46) www.colecaomossoroense.org.br tés, e pela banda do Rio Grande são fronteiros dos Tapuias, que é a gente mais doméstica, com quem estão às vezes de guerra e às vezes de paz, e se ajudam uns aos outros contra os Tabajaras, que visinham com elles pela parte do sertão. Costumam esses Pitiguares não perdoarem a nenhum dos contrários que captivam, porque os matam e comem logo. Este gentio é de má estatura, baços de côr, como todo outro gentio; não deixam crescer nenhuns cabelos no corpo senão os da cabeça, porque em êles nascendo os arrancam logo; falam lingua dos Tupinambás e Caytés; têm os mesmos costumes e gentilidades ...Este gentio é muito belicoso, guerreiro e atraiçoado, e amigo dos franceses, a quem sempre faz boa companhia, e industriado d´elles inimigo dos portugueses. São grandes lavradores dos seus mantimentos, de que estão sempre muito providos, e são caçadores bons e tais flecheiros, que não erram flechada que atirem. São grandes pescadores de linha, assim no mar como nos rios de água doce. Cantam, bailam, comem e bebem pela ordem dos Tupinambás, onde se declarara amiudamente sua 46.

(47) www.colecaomossoroense.org.br vida e costumes, que é quasi o geral de todo gentio da costa do Brasil.”10 Através desse relato, obtêm-se informações preciosas sobre os nativos da capitania do Rio Grande que habitavam o litoral à época da chegada dos europeus, já que são poucos os escritos sobre os Potiguara nesse período. Supõe-se que para isso haja duas explicações: a primeira é relativa ao quase abandono da região pelos portugueses que nela não encontraram atrativos econômicos além do fortuito extrativismo de pau-brasil; a segunda explicação, que não deixa de estar vinculada à primeira, é o privilegiamento da exploração das áreas mais propícias à rentabilidade econômica imediata (Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro), que demandava a fixação populacional e conseqüente estudo do povo daquela região. Esta preocupação é encontrada já na carta de Caminha ao Rei, dando notícias da “nova terra” e das providências tomadas, dentre as quais estava a de deixarem dois degredados para aprenderem a “língua e a terra” a fim de melhor terem informações na ocasião do retorno.11 Além disso, os franceses que aportavam na costa do Rio Grande à procura de pau-brasil também não deixaram relatos sobre esse período inicial, principalmente porque aqui estavam como corsários, flibus47.

(48) www.colecaomossoroense.org.br teiros autorizados pela Coroa Francesa, mas não legais do ponto de vista das relações políticas européias. Dessa forma, utilizando-se os relatos de religiosos, de funcionários reais e de cronistas portugueses e franceses quinhentistas sobre os indígenas Tupinambá das regiões litorâneas que se estendiam da Bahia ao Rio de Janeiro, pode-se ter uma idéia de como eram os Potiguar em seus “jeitos e formas”, partindo-se do princípio que pertencendo ao mesmo tronco Tupi as semelhanças culturais estariam presentes, de acordo com a idéia de Gabriel Soares de Souza, contemporâneo destes, com o que concorda Florestan Fernandes,12 que estudou a organização sócio-cultural dos Tupinambá. Os indígenas Tupi-Guarani falavam diversos dialetos da língua-tronco Tupi-guarani, de acordo com cada família,13 mas, a partir do contato com os europeus, e da necessidade destes de comunicarem-se com os nativos, os dialetos foram estudados, tendo o Padre Anchieta, já em 1595, conseguido elaborar a primeira gramática e vocabulário em Tupi. Esta não era, porém a gramática do Tupi falado pelos indígenas, era uma uniformização dos vários dialetos tupis, com a finalidade de facilitar os trabalhos dos missionários de contactar os nativos por toda a costa brasileira, do Maranhão a São Paulo. Aos poucos essa no48.

(49) www.colecaomossoroense.org.br va língua uniformizada foi tomando lugar dos dialetos diversos, originando uma língua nova: o “nheengatu” ou Língua Geral.14 Certamente, falar o Tupi foi um dos fatores que facilitou o contato dos europeus com os índios Potiguar, já que a língua já vinha sendo estudada e falada por “línguas”15 que sempre participavam nas expedições, principalmente missionários e mamelucos, mas, por outro lado, também permitiu o conhecimento prévio pelos Potiguara do tipo de ações que os portugueses vinham praticando no processo de colonização contra seus aparentados mais ao Sul, o que sem dúvida contribuiu para uma resistência acirrada à presença lusa, quando não a sua fuga.16 Os homens Potiguara costumavam perfurar o lábio inferior, durante a puberdade, por onde transpassavam ossos, pedras ou madeiras, às vezes também perfuravam as faces e orelhas para o mesmo fim. Pintavam várias partes do corpo com desenhos e cores diversas, predominando porém o negro, do suco de jenipapo, e o vermelho, extraído do urucum. Utilizavam enfeites de plumas coloridas pelo corpo e cabelos, cordões de contas naturais e braceletes. Sua boa disposição física, com pouca sujeição às suas doenças e defeitos físicos, sempre foi visto com interesse pelos. 49.

(50) www.colecaomossoroense.org.br cronistas que ressaltavam a vivacidade das crianças, a “formosura” das mulheres e a “longevidade” dos homens.17 Habitavam a proximidade do litoral e as ribeiras de rios, fabricando canoas e apetrechos para a pesca, que era feita com flechas e pequenos anzóis feitos de espinhas de peixe ligados a fios de algodão ou espécie de cânhamo. Moravam em aldeias, sua principal unidade da organização social, cuja localização era escolhida num lugar alto, ventilado, próximo a água e adequado às plantações que se faziam ao seu redor. Suas habitações, feitas com toras de madeira, cobertura de folhas e sem divisões internas, tinham duas ou três entradas apenas, e eram compridas e arrumadas em volta de um terreiro quadrado que ficava vazio. Num lugar permaneciam apenas três ou quatro anos, quando, por desfazerem-se as casas, tinham que mudar. Em cada casa moravam cerca de duzentas pessoas aparentadas entre si.18 Sobre as aldeias dos Potiguara do Rio Grande, Cascudo diz que “... ardiam 164 fogueiras quando do momento da conquista ...pessimisticamente seis mil almas.”19 Essa população foi, ao início da colonização portuguesa, pouco acrescida de brancos, mas muito diminuída de indígenas, que fugiam para o interior e para a. 50.

(51) www.colecaomossoroense.org.br região do Ceará, como indicou Carlos Studart Filho que datou a chegada dessa leva migratória ao Ceará por volta de 1603.20 Há também outras citações deste processo de esvaziamento do Rio Grande em diversas cartas de jesuítas contidas na obra do Padre Serafim Leite, historiador da Companhia de Jesus: em uma de 17 de janeiro de 1600, o Padre Francisco Pinto dizia que haveria 150 aldeias no Rio Grande, que já estavam desfalcadas pela ação da varíola; em outra carta, esta do Padre Pero de Castilho, datada de 16 de junho de 1614, relatou-se que, em 1603, haveriam 64 aldeias e em 1613 somente “... oito aldeotas, que já lhes não quadra outro nome ... [por] serem pequenas...”21 A razão desta diminuição populacional foi sem dúvida a morte, por doenças e pela guerra, mas também o medo à escravidão que forçava a interiorização dos índios. Ainda no livro de Serafim Leite, encontra-se relatos de dois outros missionários jesuítas sobre a sua chegada no Forte dos Reis em 1606, quando foram muito bem recebidos pelo Capitão do Forte por garantirem ali a permanência dos índios que ameaçavam interiorizarem-se, temendo pela perda da sua liberdade entre os colonos portugueses.22 O viajante Domingos da Veiga dizia, em 1621, não haver. 51.

(52) www.colecaomossoroense.org.br na Capitania mais de 300 moradores e escravos, e 300 índios flecheiros repartidos em quatro aldeias.23 Percebe-se que o processo da ocupação branca foi lento, o que, no entanto, não impediu a constante e imensa evasão indígena da Capitania. O próprio Domingos da Veiga explicou: “... havia antes tantas quantidades delas que lhe não sabia o número e ainda êstes cada dia vão fugindo para o Seará pelo ruim trato que aqui lhe fazem os capitões.”24 A migração destes indígenas, no entanto, não foi uma prática iniciada com a conquista, pois, outra característica cultural bem definida dos povos Tupi era a sua grande mobilidade espacial, promovendo constantes mudanças de locais de moradia provocadas pela necessidade de buscar novas terras para o cultivo, identificadas com a busca da lendária “terra sem males”: “... paraíso terrestre onde as plantas crescem por si, há fartura para todos, todos são felizes e ninguém sofre, os homens são eternos.” 25 Além disso, na época do contato com os europeus tal idéia da busca do “paraíso” ficou mais forte pelo medo da escravidão, das doenças e da morte. Em dois relatos seiscentistas de viajantes pela Amazônia encontra-se o registro da existência de uma ilha povoada por um povo que falava a língua geral que, através da tradição oral, afirmavam terem partido das terras de 52.

(53) www.colecaomossoroense.org.br Pernambuco onde os portugueses os subjugavam, por volta de 1600, em número de 60 mil, esvaziando ao mesmo tempo 84 aldeias. A ilha ainda hoje se chama Tupinambarana, assim como os índios que lá foram encontrados.26 Essas migrações em fuga à colonização foram também facilitadas porque cada uma das aldeias eram independentes entre si, havendo no comando político um principal, geralmente homem velho, cuja autoridade só era realmente forte no caso de guerra: “...no tempo de paz cada um faz o que o obriga seu apetite.”27 Além disso, eram nas reuniões do conselho de indígenas, composto pelo seu principal e pelos mais velhos e conceituados da aldeia, que se resolviam os assuntos de importância coletiva, sendo costume, também, os chefes determinarem à madrugada, o trabalho a ser feito e a distribuição do tempo de serviço.28 Era também obrigação dos principais o estabelecimento dos tratados de paz e a orientação de seu grupo nesse sentido. No Rio Grande vemos a importância dos principais na sua atuação quando do processo de conquista portuguesa. Comentando a conquista do Rio Grande em 1598, Frei Vicente do Salvador, em 1627, relatou que os portugueses “convenceram” o Principal Ilha Grande, que estava preso no Forte dos Reis Magos, a levar o convite dos portugueses aos outros 53.

(54) www.colecaomossoroense.org.br principais, para tratarem da paz. Tendo sido “bem instruído”, deveria falar aos outros, entre outras coisas: “... se quereis ter vida e quietação e estar em vossas casas e terras com vossos filhos e mulheres, é necessário ... fazer com êles pazes, as quais serão sempre fixas, como foram as que fizeram com o Braço de Peixe e com os tobajaras, e o costumam fazer em todo o Brasil, que os que se metem na igreja não os cativam, antes os doutrinam e defendem, o que os franceses nunca fizeram e menos o farão agora, que têm o porto impedido com a fortaleza, donde não podem entrar sem que os matem e lhes metam com a artilharia no fundo os navios.”29 Assim, os principais Zorobabé e Pau-Seco e também o Camarão Grande (Potiguaçu) entre outros, fizeram a “paz” no Forte, sendo a mesma ratificada, juntamente com os Potiguar da Paraíba, em 11 de Junho de 1599 na cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves (hoje João Pessoa), em cerimônia que além das autoridades coloniais das três capitanias (Pernambuco, Paraíba e Rio Grande), compareceram os chefes indígenas da Paraí54.

(55) www.colecaomossoroense.org.br ba, Braço de Peixe (Piragibe), Braço Preto e Pedra Verde, e os Potiguara Pau-Seco e Mar Grande.30 Após o acordo de paz na Paraíba, o Padre Pinto retornou ao Rio Grande para confirmar as pazes e logo erigiu uma cruz em uma aldeia indígena potiguar da Capitania. Relatou o próprio padre: “Depois de tornarmos ao Forte do Rio Grande, por assim o querer um grande principal, que foi o princípio das pazes, lhes fomos a pôr uma crus em um lugar onde ele queria juntar sua gente, que estava espalhada por causa das guerras passadas.” 31 Segundo a carta do Padre Pero Rodrigues esse “grande principal” seria o Camarão Grande (Potiguaçu): “...o maior de toda aquela comarca...”32 que havia tratado a paz com o Governador de Pernambuco Mascarenhas Homem. Portanto, a primeira aldeia a ter uma cruz foi a aldeia do Camarão Grande que ficava à esquerda do Rio Potengi. A cruz seria o símbolo da paz entre índios e portugueses, e que sob a sua sombra estariam “protegidos” da morte e escravidão impostas pelos portugueses, podendo retornar às suas aldeias até então abandonadas. Segundo esta hipótese, outros principais dispuseram-se também a aceitá-la em suas aldeias, sendo erigidas mais oito cruzes ao sul do Forte, cinco ao Norte, e mais algumas uma distância de 9 a 19 léguas ao Norte. (Ver Gravura 2) 55.

(56) www.colecaomossoroense.org.br Percebe-se, então, que o assentimento dos principais era crucial para a aproximação com os europeus, no entanto, pela existência da independência política entre as aldeias, era necessário o convencimento de cada principal em separado, o que, sem dúvida, dificultou o domínio português que deveria ser “negociado”, com base nas alianças e trocas de favores.33 O trabalho destes indígenas era dividido sexualmente e também pela idade, sendo alguns proibidos ao sexo oposto, como a fabricação de bebida de fermentação de raízes, o “cauim”, feita pelas jovens das tribos. Os homens dedicavam-se à caça, à pesca, à preparação da terra para o plantio, à construção de ocas e canoas, confecção de armas e instrumentos, à cata de lenha e à guerra contra os inimigos. As mulheres cuidavam das plantações, desde a semeadura à colheita de suas principais roças: mandioca e milho, com os quais se faziam as farinhas e também as bebidas; cuidavam também das caças e peixes para a alimentação de todos, assim como teciam fios para confeccionar as redes onde dormiam; moldavam o barro para fazer potes e panelas; cuidavam das crianças e animais domésticos; faziam cestos de fibras vegetais; coletavam os frutos, raízes e mel; e carregavam os utensílios quando da mudança de local da aldeia.34. 56.

(57) www.colecaomossoroense.org.br O trabalho indígena era, em sua essência, comunal. Apesar de haver entre os Tupi a posse de instrumentos e utensílios, não havia a apropriação da terra nem do seu produto por grupos privilegiados. Os alimentos conseguidos em comum, tanto na caça e coleta quanto nas roças, garantiam a alimentação de todos da comunidade e parece não ter havido dificuldades em obtê-los, tanto que é o “excedente” dessa “produção” que vai alimentar os primeiros colonos que chegaram, até que as roças coloniais fossem estabelecidas. Longe da idéia preconcebida da “preguiça” indígena, na realidade, o trabalho que existia na sociedade Tupi era adequado à necessidade de alimentos que havia. Pela inexistência da prática de acúmulo de excedentes, não se justificava trabalho que o produzisse, daí os portugueses ressaltarem a “imprevidência” dos nativos. Como foi visto, as mulheres dentro da organização social Tupi tinham uma função produtiva bem definida, no entanto, a sua participação na sociedade também estava relacionada à perpetuação das comunidades não apenas no aspecto biológico, mas também no social, visto que era através dos casamentos que se estabeleciam as ligações entre guerreiros, isto é, relação entre sogros e genros, e entre cunhados. Essa relação pode ser entendida num trecho de Anchieta: 57.

(58) www.colecaomossoroense.org.br “... há verdadeiros matrimônios ´in lege naturae`, e assim, muitos mancebos até que se casem, por ordem e conceito de seus pais servem ao sogro ou sogra que ha de ser, antes que lhe dêem a filha, e assim que tem muitas filhas é mais honrado pelos genros que com elas adquirem, que são sempre muito sujeitos a seus sogros e cunhados, os quais depois dos pais têm grandíssimo poder sobre as irmãs e muito amor, como elas também toda a sujeição e amor aos irmãos com toda a honestidade.”35 Da mesma forma, as alianças estabelecidas através dos casamentos das filhas com os europeus, poderia garantir ao sogro e cunhados uma “importância” social maior através do aumento do número de guerreiros sobre os quais ascenderiam. Pela perspectiva indígena o genro deveria servir ao sogro, o que era feito pelos europeus através do municiamento para a guerra contra os inimigos tradicionais e mesmo com a participação nelas.36 Nas guerras tradicionais, os Potiguara manejavam o arco e flecha, utilizados para a pesca, caça e guerra. Marchavam ou navegavam por grandes distâncias em grande número de guerreiros a fim de encontrar o inimigo, que eram pegos, na maioria 58.

(59) www.colecaomossoroense.org.br das vezes, de surpresa: “Surpreendendo o adversário: agarram homens, mulheres e meninos e levam-nos de regresso às sua tabas onde são os prisioneiros executados, moqueados e finalmente devorados.”37 Como se vê, as guerras tinham um intuito de fornecer prisioneiros para o cerimonial de antropofagia que, por ser demais apavorante ao europeu, foi minuciosamente descrito pelos cronistas, no entanto, não tinha outra intenção senão o de causar respeito e temor aos vivos, pois movia-os a vingança. Esses sacrifícios eram extremamente honrosos tanto para o sacrificado, quanto para o executor, que eram tidos ambos como bravos guerreiros e geravam um ciclo sem fim de vinganças, sempre alimentadas pelo ódio recíproco advindo das lutas anteriores, o que proporcionaria um núcleo de união dentro da tribo, assim como um vínculo com os antepassados,38 como informou Léry: “Os selvagens se guerreiam não para conquistar países e terras uns dos outros, porquanto sobejam terras para todos; não pretendem tampouco enriquecer-se com os despojos dos vencidos ou o resgate dos prisioneiros. Nada disso os move. Confessam eles próprios serem impelidos por outro motivo:. 59.

(60) www.colecaomossoroense.org.br o de vingar pais e amigos presos e comidos, no passado...”39 Essas características sócio-culturais dos Tupi foram bastante ressaltadas pelos cronistas e se demonstraram bastante difíceis de serem “extirpadas” dentre eles, ao ponto do Padre Nóbrega assentir que os índios não eram um “papel em branco” onde tudo poderia ser imprimido facilmente, chegando a afirmar que só mesmo à custa da força é que eles deixariam o seu modo de vida.40 Contudo, o seu conhecimento da natureza e das formas de obtenção de alimentos e produtos da terra, assim como o seu trabalho no estabelecimento dos núcleos coloniais de povoamento e nas roças, foram as motivações para a aproximação pacífica inicial dos europeus.41 As relações de troca pacíficas estabelecidas primeiramente entre europeus e indígenas foram baseadas numa confluência dos interesses desses dois mundos. Para os portugueses a obtenção da água, alimentos e força de trabalho para extração de produtos naturais, como o pau-brasil e o âmbar, e na produção nas roças de açúcar, em troca de utensílios europeus era extremamente lucrativo. Além disso, a “amizade” com alguns grupos indígenas poderia resultar no acréscimo de alguns guerreiros no 60.

Referências

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