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CAPÍTULO 1

OS POTIGUARA, FRANCESES E PORTUGUESES:

DISPUTA PELO LITORAL.1

O ponto fundamental da conquista portuguesa sobre o ter- ritório da Capitania do Rio Grande foi a construção do Forte dos Reis Magos, somente no final do século XVI. A partir do estabele- cimento de soldados e suas defesas, a luta pelo domínio das mes- mas terras pelo franceses e a resistência indígena local foram pau- latinamente sendo vencidas, possibilitando a colonização portugue- sa no litoral potiguar. No entanto, tentativas de colonização já ha- viam ocorrido, quando da distribuição das terras brasileiras em Capitanias Hereditárias em 1535. (Ver Gravura 1).

Preocupada inicialmente apenas com o Oriente, fonte de mercadorias imediatas, a Coroa Portuguesa, após o “descobri- mento” do Brasil, levaria três décadas para instituir um projeto de colonização, incentivado pelas promessas das recentes des-

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cobertas de imensas riquezas na área andina pelos espanhóis, por uma nova situação política na Europa com a ascensão de Carlos V ao trono espanhol (abarcando um enorme império) e, também, pela constante presença de corsários franceses que a- meaçavam a posse portuguesa.2

João de Barros, “Feitor da Casa da Índia e da Mina” e “Historiador dos Feitos Portugueses nas Índias”3, recebeu a Ca- pitania do Rio Grande, em 1535, como seu quinhão de terras no extremo norte do Brasil, para descobrir e colonizar, sob suas próprias expensas, em troca do direito de usufruir das riquezas e dos nativos da nova colônia. Para explorar e dar início à coloni- zação, ele aliou-se a outros Donatários4 para financiarem uma expedição conjunta que, no entanto, fracassou frente à ferocida- de com que foram recebidos pelos nativos que impediram a permanência dos portugueses.5 Como havia ocorrido no Rio Grande, a expedição também fracassou na tentativa de desem- barcar no Ceará, só o conseguindo no Maranhão, à custa de mui- tas vidas perdidas aos índios de lá e também ao mar, mas, mes- mo ali a duração da “colônia” - a vila da Nazaré - foi efêmera, por não conseguir resistir às constantes reações indígenas e ao esquecimento do reino.6

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Da mesma forma, uma segunda tentativa de colonização, intentada então pelos filhos de João de Barros - Jerônimo e João - também apenas passaria pela costa norte-rio-grandense, indo se estabelecer novamente no Maranhão, onde residiram por cinco anos (1556-1561), povoando a “Ilha das Vacas”, área que tam- bém teriam abandonado pela hostilidade dos índios.7

No litoral do Rio Grande os nativos que resistiram à tenta- tiva de colonização dos representantes do Donatário eram os Potiguara, do tronco lingüístico Tupi-Guarani, que como seus aparentados do restante do litoral leste do Brasil, tomaram con- tato com os europeus desde o início das navegações explorató- rias da costa. Já em 1501, Américo Vespúcio participando da viagem que tomou posse das terras brasileiras para Portugal, chantando “marcos de posse” pelo litoral, relatou a hostilidade dos índios Potiguara, que teriam matado, em ato “cruel e besti- al” (a antropofagia), três “cristãos” que desceram à terra para “...verem que espécie de gente era e se possuia alguma riqueza em especiarias ou drogas...”.8 (Ver Mapa 1).

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1.1 - Os Potiguara: escambo, alianças e resistência. Poucas são as descrições desses primitivos habitantes das terras norte-rio-grandenses. Vespúcio, na mesma ocasião citada, se referiu a eles como “gente pior que animais”, estarrecido pelos fatos que acabou de se relatar, assim como observou que “ estava nua e era da mesma cor e porte que a outra passada”.9

Já Gabriel Soares de Souza, em 1587, informa sobre os Potiguara de maneira bastante elucidativa, portanto, apesar de longa, vale a citação de todo o trecho:

“Não é bem que passemos já do rio da Paraí- ba, onde se acaba o limite por onde reside o gentio Pitiguar, que tanto mal tem feito aos moradores das Capitanias de Pernambuco e Tamaracá, e a gente dos navios que se perderam pela costa da Parahiba até o rio do Maranhão. Este gentio senhoria esta costa do Rio Grande até o da Paraíba, onde confi- naram antigamente com outro gentio, que chamam os Caytés, que são seus contrários, e se faziam crue- lissima guerra uns aos outros, e se fazem ainda ago- ra pela banda do sertão onde agora vivem os Cay-

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tés, e pela banda do Rio Grande são fronteiros dos Tapuias, que é a gente mais doméstica, com quem estão às vezes de guerra e às vezes de paz, e se aju- dam uns aos outros contra os Tabajaras, que visi- nham com elles pela parte do sertão. Costumam es- ses Pitiguares não perdoarem a nenhum dos contrá- rios que captivam, porque os matam e comem logo. Este gentio é de má estatura, baços de côr, como to- do outro gentio; não deixam crescer nenhuns cabe- los no corpo senão os da cabeça, porque em êles nascendo os arrancam logo; falam lingua dos Tupi- nambás e Caytés; têm os mesmos costumes e genti- lidades ...Este gentio é muito belicoso, guerreiro e atraiçoado, e amigo dos franceses, a quem sempre faz boa companhia, e industriado d´elles inimigo dos portugueses. São grandes lavradores dos seus mantimentos, de que estão sempre muito providos, e são caçadores bons e tais flecheiros, que não erram flechada que atirem. São grandes pescadores de li- nha, assim no mar como nos rios de água doce. Cantam, bailam, comem e bebem pela ordem dos Tupinambás, onde se declarara amiudamente sua

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vida e costumes, que é quasi o geral de todo gentio da costa do Brasil.”10

Através desse relato, obtêm-se informações preciosas so- bre os nativos da capitania do Rio Grande que habitavam o lito- ral à época da chegada dos europeus, já que são poucos os escri- tos sobre os Potiguara nesse período. Supõe-se que para isso haja duas explicações: a primeira é relativa ao quase abandono da região pelos portugueses que nela não encontraram atrativos econômicos além do fortuito extrativismo de pau-brasil; a se- gunda explicação, que não deixa de estar vinculada à primeira, é o privilegiamento da exploração das áreas mais propícias à ren- tabilidade econômica imediata (Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro), que demandava a fixação populacional e conseqüente estudo do povo daquela região. Esta preocupação é encontrada já na carta de Caminha ao Rei, dando notícias da “nova terra” e das providências tomadas, dentre as quais estava a de deixarem dois degredados para aprenderem a “língua e a terra” a fim de melhor terem informações na ocasião do retorno.11 Além disso, os franceses que aportavam na costa do Rio Grande à procura de pau-brasil também não deixaram relatos sobre esse período ini- cial, principalmente porque aqui estavam como corsários, flibus-

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teiros autorizados pela Coroa Francesa, mas não legais do ponto de vista das relações políticas européias.

Dessa forma, utilizando-se os relatos de religiosos, de funcionários reais e de cronistas portugueses e franceses qui- nhentistas sobre os indígenas Tupinambá das regiões litorâneas que se estendiam da Bahia ao Rio de Janeiro, pode-se ter uma idéia de como eram os Potiguar em seus “jeitos e formas”, par- tindo-se do princípio que pertencendo ao mesmo tronco Tupi as semelhanças culturais estariam presentes, de acordo com a idéia de Gabriel Soares de Souza, contemporâneo destes, com o que concorda Florestan Fernandes,12 que estudou a organização sócio-cultural dos Tupinambá.

Os indígenas Tupi-Guarani falavam diversos dialetos da língua-tronco Tupi-guarani, de acordo com cada família,13 mas, a partir do contato com os europeus, e da necessidade destes de comunicarem-se com os nativos, os dialetos foram estudados, tendo o Padre Anchieta, já em 1595, conseguido elaborar a pri- meira gramática e vocabulário em Tupi. Esta não era, porém a gramática do Tupi falado pelos indígenas, era uma uniformiza- ção dos vários dialetos tupis, com a finalidade de facilitar os trabalhos dos missionários de contactar os nativos por toda a costa brasileira, do Maranhão a São Paulo. Aos poucos essa no-

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va língua uniformizada foi tomando lugar dos dialetos diversos, originando uma língua nova: o “nheengatu” ou Língua Geral.14

Certamente, falar o Tupi foi um dos fatores que facilitou o contato dos europeus com os índios Potiguar, já que a língua já vinha sendo estudada e falada por “línguas”15 que sempre parti- cipavam nas expedições, principalmente missionários e mame- lucos, mas, por outro lado, também permitiu o conhecimento prévio pelos Potiguara do tipo de ações que os portugueses vi- nham praticando no processo de colonização contra seus aparen- tados mais ao Sul, o que sem dúvida contribuiu para uma resis- tência acirrada à presença lusa, quando não a sua fuga.16

Os homens Potiguara costumavam perfurar o lábio inferi- or, durante a puberdade, por onde transpassavam ossos, pedras ou madeiras, às vezes também perfuravam as faces e orelhas para o mesmo fim. Pintavam várias partes do corpo com desenhos e cores diversas, predominando porém o negro, do suco de jenipa- po, e o vermelho, extraído do urucum. Utilizavam enfeites de plu- mas coloridas pelo corpo e cabelos, cordões de contas naturais e braceletes. Sua boa disposição física, com pouca sujeição às suas doenças e defeitos físicos, sempre foi visto com interesse pelos

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cronistas que ressaltavam a vivacidade das crianças, a “formosura” das mulheres e a “longevidade” dos homens.17

Habitavam a proximidade do litoral e as ribeiras de rios, fabricando canoas e apetrechos para a pesca, que era feita com flechas e pequenos anzóis feitos de espinhas de peixe ligados a fios de algodão ou espécie de cânhamo. Moravam em aldeias, sua principal unidade da organização social, cuja localização era escolhida num lugar alto, ventilado, próximo a água e adequado às plantações que se faziam ao seu redor. Suas habitações, feitas com toras de madeira, cobertura de folhas e sem divisões inter- nas, tinham duas ou três entradas apenas, e eram compridas e arrumadas em volta de um terreiro quadrado que ficava vazio. Num lugar permaneciam apenas três ou quatro anos, quando, por desfazerem-se as casas, tinham que mudar. Em cada casa moravam cerca de duzentas pessoas aparentadas entre si.18

Sobre as aldeias dos Potiguara do Rio Grande, Cascudo diz que “... ardiam 164 fogueiras quando do momento da conquista ...pessimisticamente seis mil almas.”19 Essa população foi, ao iní- cio da colonização portuguesa, pouco acrescida de brancos, mas muito diminuída de indígenas, que fugiam para o interior e para a

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região do Ceará, como indicou Carlos Studart Filho que datou a chegada dessa leva migratória ao Ceará por volta de 1603.20

Há também outras citações deste processo de esvaziamen- to do Rio Grande em diversas cartas de jesuítas contidas na obra do Padre Serafim Leite, historiador da Companhia de Jesus: em uma de 17 de janeiro de 1600, o Padre Francisco Pinto dizia que haveria 150 aldeias no Rio Grande, que já estavam desfalcadas pela ação da varíola; em outra carta, esta do Padre Pero de Casti- lho, datada de 16 de junho de 1614, relatou-se que, em 1603, haveriam 64 aldeias e em 1613 somente “... oito aldeotas, que já lhes não quadra outro nome ... [por] serem pequenas...”21 A razão desta diminuição populacional foi sem dúvida a morte, por doenças e pela guerra, mas também o medo à escravidão que forçava a interiorização dos índios. Ainda no livro de Serafim Leite, encontra-se relatos de dois outros missionários jesuítas sobre a sua chegada no Forte dos Reis em 1606, quando foram muito bem recebidos pelo Capitão do Forte por garantirem ali a permanência dos índios que ameaçavam interiorizarem-se, te- mendo pela perda da sua liberdade entre os colonos portugue- ses.22 O viajante Domingos da Veiga dizia, em 1621, não haver

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na Capitania mais de 300 moradores e escravos, e 300 índios flecheiros repartidos em quatro aldeias.23

Percebe-se que o processo da ocupação branca foi lento, o que, no entanto, não impediu a constante e imensa evasão indí- gena da Capitania. O próprio Domingos da Veiga explicou: “... havia antes tantas quantidades delas que lhe não sabia o núme- ro e ainda êstes cada dia vão fugindo para o Seará pelo ruim trato que aqui lhe fazem os capitões.”24

A migração destes indígenas, no entanto, não foi uma prá- tica iniciada com a conquista, pois, outra característica cultural bem definida dos povos Tupi era a sua grande mobilidade espa- cial, promovendo constantes mudanças de locais de moradia provocadas pela necessidade de buscar novas terras para o culti- vo, identificadas com a busca da lendária “terra sem males”: “... paraíso terrestre onde as plantas crescem por si, há fartura pa- ra todos, todos são felizes e ninguém sofre, os homens são eter- nos.” 25 Além disso, na época do contato com os europeus tal idéia da busca do “paraíso” ficou mais forte pelo medo da escra- vidão, das doenças e da morte. Em dois relatos seiscentistas de viajantes pela Amazônia encontra-se o registro da existência de uma ilha povoada por um povo que falava a língua geral que, através da tradição oral, afirmavam terem partido das terras de

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Pernambuco onde os portugueses os subjugavam, por volta de 1600, em número de 60 mil, esvaziando ao mesmo tempo 84 aldeias. A ilha ainda hoje se chama Tupinambarana, assim como os índios que lá foram encontrados.26

Essas migrações em fuga à colonização foram também fa- cilitadas porque cada uma das aldeias eram independentes entre si, havendo no comando político um principal, geralmente ho- mem velho, cuja autoridade só era realmente forte no caso de guerra: “...no tempo de paz cada um faz o que o obriga seu ape- tite.”27 Além disso, eram nas reuniões do conselho de indíge- nas, composto pelo seu principal e pelos mais velhos e conceitu- ados da aldeia, que se resolviam os assuntos de importância co- letiva, sendo costume, também, os chefes determinarem à ma- drugada, o trabalho a ser feito e a distribuição do tempo de ser- viço.28 Era também obrigação dos principais o estabelecimento dos tratados de paz e a orientação de seu grupo nesse sentido. No Rio Grande vemos a importância dos principais na sua atua- ção quando do processo de conquista portuguesa.

Comentando a conquista do Rio Grande em 1598, Frei Vi- cente do Salvador, em 1627, relatou que os portugueses “con- venceram” o Principal Ilha Grande, que estava preso no Forte dos Reis Magos, a levar o convite dos portugueses aos outros

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principais, para tratarem da paz. Tendo sido “bem instruído”, deveria falar aos outros, entre outras coisas:

“... se quereis ter vida e quietação e estar em vossas casas e terras com vossos filhos e mulheres, é necessário ... fazer com êles pazes, as quais serão sempre fixas, como foram as que fizeram com o Braço de Peixe e com os tobajaras, e o costumam fazer em todo o Brasil, que os que se metem na igre- ja não os cativam, antes os doutrinam e defendem, o que os franceses nunca fizeram e menos o farão a- gora, que têm o porto impedido com a fortaleza, donde não podem entrar sem que os matem e lhes metam com a artilharia no fundo os navios.”29 Assim, os principais Zorobabé e Pau-Seco e também o Camarão Grande (Potiguaçu) entre outros, fizeram a “paz” no Forte, sendo a mesma ratificada, juntamente com os Potiguar da Paraíba, em 11 de Junho de 1599 na cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves (hoje João Pessoa), em cerimônia que além das autoridades coloniais das três capitanias (Pernambuco, Para- íba e Rio Grande), compareceram os chefes indígenas da Paraí-

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ba, Braço de Peixe (Piragibe), Braço Preto e Pedra Verde, e os Potiguara Pau-Seco e Mar Grande.30

Após o acordo de paz na Paraíba, o Padre Pinto retornou ao Rio Grande para confirmar as pazes e logo erigiu uma cruz em uma aldeia indígena potiguar da Capitania. Relatou o próprio padre: “Depois de tornarmos ao Forte do Rio Grande, por assim o querer um grande principal, que foi o princípio das pazes, lhes fomos a pôr uma crus em um lugar onde ele queria juntar sua gente, que estava espalhada por causa das guerras passa- das.” 31 Segundo a carta do Padre Pero Rodrigues esse “grande principal” seria o Camarão Grande (Potiguaçu): “...o maior de toda aquela comarca...”32 que havia tratado a paz com o Go- vernador de Pernambuco Mascarenhas Homem. Portanto, a pri- meira aldeia a ter uma cruz foi a aldeia do Camarão Grande que ficava à esquerda do Rio Potengi. A cruz seria o símbolo da paz entre índios e portugueses, e que sob a sua sombra estariam “protegidos” da morte e escravidão impostas pelos portugueses, podendo retornar às suas aldeias até então abandonadas. Segun- do esta hipótese, outros principais dispuseram-se também a acei- tá-la em suas aldeias, sendo erigidas mais oito cruzes ao sul do Forte, cinco ao Norte, e mais algumas uma distância de 9 a 19 léguas ao Norte. (Ver Gravura 2)

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Percebe-se, então, que o assentimento dos principais era crucial para a aproximação com os europeus, no entanto, pela existência da independência política entre as aldeias, era neces- sário o convencimento de cada principal em separado, o que, sem dúvida, dificultou o domínio português que deveria ser “ne- gociado”, com base nas alianças e trocas de favores.33

O trabalho destes indígenas era dividido sexualmente e também pela idade, sendo alguns proibidos ao sexo oposto, co- mo a fabricação de bebida de fermentação de raízes, o “cauim”, feita pelas jovens das tribos. Os homens dedicavam-se à caça, à pesca, à preparação da terra para o plantio, à construção de ocas e canoas, confecção de armas e instrumentos, à cata de lenha e à guerra contra os inimigos. As mulheres cuidavam das planta- ções, desde a semeadura à colheita de suas principais roças: mandioca e milho, com os quais se faziam as farinhas e também as bebidas; cuidavam também das caças e peixes para a alimen- tação de todos, assim como teciam fios para confeccionar as redes onde dormiam; moldavam o barro para fazer potes e pane- las; cuidavam das crianças e animais domésticos; faziam cestos de fibras vegetais; coletavam os frutos, raízes e mel; e carrega- vam os utensílios quando da mudança de local da aldeia.34

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O trabalho indígena era, em sua essência, comunal. Apesar de haver entre os Tupi a posse de instrumentos e utensílios, não havia a apropriação da terra nem do seu produto por grupos pri- vilegiados. Os alimentos conseguidos em comum, tanto na caça e coleta quanto nas roças, garantiam a alimentação de todos da comunidade e parece não ter havido dificuldades em obtê-los, tanto que é o “excedente” dessa “produção” que vai alimentar os primeiros colonos que chegaram, até que as roças coloniais fos- sem estabelecidas.

Longe da idéia preconcebida da “preguiça” indígena, na reali- dade, o trabalho que existia na sociedade Tupi era adequado à neces- sidade de alimentos que havia. Pela inexistência da prática de acú- mulo de excedentes, não se justificava trabalho que o produzisse, daí os portugueses ressaltarem a “imprevidência” dos nativos.

Como foi visto, as mulheres dentro da organização social Tupi tinham uma função produtiva bem definida, no entanto, a sua participação na sociedade também estava relacionada à per- petuação das comunidades não apenas no aspecto biológico, mas também no social, visto que era através dos casamentos que se estabeleciam as ligações entre guerreiros, isto é, relação entre sogros e genros, e entre cunhados. Essa relação pode ser enten- dida num trecho de Anchieta:

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“... há verdadeiros matrimônios ´in lege natu- rae`, e assim, muitos mancebos até que se casem, por ordem e conceito de seus pais servem ao sogro ou sogra que ha de ser, antes que lhe dêem a filha, e assim que tem muitas filhas é mais honrado pelos genros que com elas adquirem, que são sempre mui-

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