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Tradição e Modernidade na obra de Raul Chorão Ramalho na Madeira

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TRADIÇÃO E MODERNIDADE

NA OBRA DE RAÚL CHORÃO RAMALHO NA MADEIRA

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Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura

FAUP 2011 / 2012

Jani Anjo Travassos Freitas

Orientadora:

Professora Doutora Clara Pimenta do Vale

TRADIÇÃO E MODERNIDADE

NA OBRA DE RAÚL CHORÃO RAMALHO NA MADEIRA

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Foto de capa:

Habitações para operários no Conjunto Hidroeléctrico da Fajã da Nogueira, arquitecto Raúl Chorão Ramalho

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Agradecimentos

Agradeço à professora Clara Vale, pelo acompanhamento, dedicação e, sobretudo, pela paciência. Aos meus pais, pelo interesse e pela companhia nas visitas a muitas das obras, tornando esse trabalho em mais um simples passeio pela Ilha da Madeira, como tantos outros que já fizemos ao longo da vida. A eles devo a realização do curso. E, finalmente, ao Hugo, ao meu irmão, e a todas as pessoas importantes na minha vida (elas sabem quem são). Também eles foram companhia (e motivo de distracção, também necessário), não só nas visitas a muitas obras, como em todo o desenvolvimento do trabalho.

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ÍNDICE

[011] RESUMO [013] ABSTRACT [015] INTRODUÇÃO [015] Objecto e Objectivo [015] Método [016] Estrutura

Capítulo I: O LUGAR

Ilha da Madeira: «A Pérola do Atlântico»

[021] Breve descrição do Arquipélago da Madeira [021] Situação geográfica

[023] Geologia e Orografia [025] Clima e Precipitação

[027] A acção do Homem no território madeirense: a arquitectura e os engenhos populares

[027] Humanização da Paisagem

[031] Arquitectura Popular da Madeira: a casa rural [033] A Arquitectura Popular Madeirense:

aspectos genéticos

[033] Identificação das Tipologias Habitacionais [037] Materiais e Elementos Formais

[039] Novas realidades

[039] A Perda da Tradição e da Cultura Popular [041] O Ressurgir das Arquitecturas de Tradição na Madeira

Capítulo II: O ARQUITECTO

Raúl Chorão Ramalho

[045] Raúl Chorão Ramalho: Vida e Obra

[045] Percurso Académico e Profissional:

Aproximações ao Tema da Arquitectura Popular em Portugal [051] A Chegada à Ilha

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Capítulo III: A OBRA

Três casos de estudo

[059] Escolha dos casos de estudo

IGREJA DO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA

[061] Por uma Nova Arquitectura Religiosa

[061] Igreja Paroquial do Porto da Cruz

[063] Capela- Ossário de Nossa Senhora das Angústias [067] Igreja do Imaculado Coração de Maria: uma primeira leitura

[067] Localização / Implantação [067] O Templo

[071] Torre Sineira [073] Casa Paroquial

[073] Adro e jardins exteriores [075] Processo Criativo

[079] Tradição e Modernidade na Igreja do Imaculado Coração de Maria [079] Linguagem Arquitectónica

[081] Materiais [082] A Cor

[084] O Carácter e a Memória [084] Relação Interior / Exterior

CASA BIANCHI

[087] A Moradia Unifamiliar

[087] Moradia Coronel Homem da Costa [091] Casa Bianchi: uma primeira leitura

[091] Localização / Implantação [091] Volumetria

[093] Organização Espacial e Relação com o Exterior [097] Tradição e Modernidade na Casa Bianchi

[097] Linguagem Arquitectónica [099] Materiais e Aspectos Formais [101] O Carácter e a Memória [103] Relação Interior / Exterior

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ASSEMBLEIA LEGISLATIVA REGIONAL

[105] Intervir em Património Edificado

[107] Edifício Henrique Gouveia [107] Hotel Quinta de São João

[006] Assembleia Legislativa Regional: uma primeira leitura [109] Localização / Implantação

[109] O Edifício Antigo [111] Intervenção [115] O Novo Volume

[117] Tradição e Modernidade na Assembleia Legislativa Regional [117] Linguagem Arquitectónica

[118] Materiais e Aspectos Formais [118] O Carácter e a Memória [119] Relação Interior e Exterior

Capítulo IV: O LEGADO

Uma herança com futuro

[123] A Marca de Chorão Ramalho na Ilha da Madeira [123] Em Meio Urbano: Centro do Funchal [127] Em Meio Rural

[129] Uma herança com futuro: Considerações Finais

[135] REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [137] Referências Bibliográficas [141] Bibliografia Consultada [147] Proveniência das Figuras

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RESUMO

Com vasta obra em Portugal Continental e Regiões Insulares, em Macau e em Brasília, Raúl Chorão Ramalho é seguramente uma figura incontornável da Arquitectura Portuguesa e Internacional.

É, no entanto, na Madeira, que a sua obra se afirma em maior escala, tendo projectado mais de meia centena de obras destinadas às mais diversas funções programáticas, desde igrejas, hotéis, edifícios de habitação uni e plurifamiliar, a outros tantos edifícios de equipamento, de escritórios e serviços.

Deparando-se com uma paisagem fortemente humanizada, marca da herança cultural de uma Ilha que, povoada de raiz, ostenta grandioso valor patrimonial, Chorão Ramalho desde cedo se apaixona pela “Pérola do Atlântico». Uma Ilha que, detentora de grande multiplicidade, com uma extensa frente de mar e, a poucos quilómetros de distância, serras integralmente arborizadas; diversas especificidades territoriais, com meios completamente urbanizados, meios rurais e ainda paisagens no seu estado mais puro, intocadas pelo Homem; e uma orografia bastante acidentada, largo desafio para a construção; constituía o sonho de qualquer arquitecto.

Ora, com intenções paralelas às dos percursores do Inquérito à Arquitectura Popular, tendo inclusivamente chegado a trabalhar com alguns dos seus nomes mais importantes, como por exemplo Keil do Amaral e Nuno Teotónio Pereira, Chorão Ramalho viu na Ilha da Madeira o local ideal para explorar e aprofundar as suas convicções. Para isso, terá elaborado a sua própria inquirição à Ilha, visando compreender a sua topografia e condições climatéricas, os materiais e as técnicas construtivas utilizadas na sua arquitectura popular, vernacular e erudita, e mesmo os costumes do povo madeirense, manifestos na sua maneira peculiar de apropriação do território.

Todos estes aspectos encontram-se bem presentes em toda a sua produção arquitectónica na Madeira, uma obra de linguagem moderna, perfeitamente integrada no seu tempo, mas aceitando aspectos das tradições locais. É este o arquitecto que, numa época com um desenvolvimento urbano e industrial emergente, cada vez mais desligado dos valores da terra, vai retomar as formas vernáculas e populares da Ilha, interpretadas em composições verdadeiramente modernas. Para isso, utiliza abundantemente os materiais pétreos insulares e as suas técnicas construtivas manipuladas em composições plásticas modernas (Igreja do Imaculado Coração de Maria); recorre aos aspectos formais da arquitectura popular vernácula da Ilha incorporando exaustivamente os típicos tapa-sóis verde-garrafa e ainda as tradicionais casas de fresco nas suas obras (casa Bianchi); e introduz a memória de uma era apoiada na produção agrícola com a interpretação de elementos emblemáticos e caracterizadores da paisagem como os socalcos e as levadas madeirenses, símbolos do árduo trabalho que o povo madeirense teve na arte de “moldar” a terra (Assembleia Legislativa Regional).

Como resultado, Chorão Ramalho deixa largo legado na Ilha, influenciando gerações futuras que hoje dão continuidade ao seu trabalho, produzindo obras assentes nos princípios que há meio século atrás o arquitecto defendia. É o sinal de uma obra de carácter, uma herança de referência no presente, e que certamente se prolongará pelo futuro.

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ABSTRACT

With extensive work in Portugal and Insular Regions, in Macau and in Brasilia, Chorão Ramalho is undoubtely an unavoidable figure of Portuguese and International Architecture.

It is, however, in Madeira, that his work is stated on a larger scale, having designed more than fifty works for the most diverse programmatic functions, from churches, hotels, single and multi-family buildings, to many other equipments, offices and services buildings.

Faced with a heavily humanized landscape, mark of a cultural heritage from an Island populated from scratch sustaining a monumental asset value, Chorão Ramalho soon falls for “The Atlantic Pearl”. An Island that holds great multitude, with extensive sea front and fully wooded hills just a few kilometers away; several territorial specificities, with completely urbanized and rural areas, and even landscapes in its purest form, untouched by man; and a pretty rugged orography, wich is wide challenge for building. That’s every architect’s dream.

With parallel intentions to the creators of “Inquérito à Arquitectura Portuguesa”, and even working with some of its greatest names such as Keil do Amaral and Nuno Teotónio Pereira, Chorão Ramalho saw Madeira as an ideal place to explore his beliefs. For that matter, he developed his own investigation in the Island in order to understand its topography and climate, the materials and construction techniques used in its popular, vernacular and erudite architecture, and even the customs of the Madeirian People, manifested in their peculiar way of adapting to the territory. All these aspects are clearly demonstrated in his Work in Madeira. A modern work, perfectly integrated at his time, but accepting local traditions’ aspects. At a time featured with an emerging urban and industrial development, increasingly disconnected from land values, the architect will reintroduce the vernacular and popular forms of madeiran architecture, interpreted in truly modern compositions. To this end, Chorão Ramalho profusely utilizes the Island’s stone materials and its construction techniques, manipulated in modern plastic compositions (Imaculado Coração de Maria’s Church); uses the popular and vernacular architecture’s formal aspects, incorporating the typical green blinds and traditional “pleasure houses” in his works (Bianchi’s House); and finally, introduces the era’s memory, supported in agricultural production, by interpreting iconic elements that characterizes madeirian landscapes, like the typical terraced fields and

levadas

, symbols of the hard work of Madeirian people in the art of “shaping” the land (Regional Legislative Assembly). As a result, Chorão Ramalho leaves a grand legacy on the Island, influencing future generations whose works are presently based on the same principles. It is a work of character’s sign, an inheritance that certainly will go on for future times.

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INTRODUÇÃO

Objecto e Objectivo

O Objecto deste trabalho, como o título indica, é o estudo do contributo da dimensão popular na arquitectura moderna de Raúl Chorão Ramalho na Ilha da Madeira. A escolha do título evidencia a aparente dicotomia que se pretende tratar em todo o trabalho – tradição e modernidade –, que está presente na extensa obra do Chorão Ramalho no território madeirense.

O trabalho desenvolve-se essencialmente em dois pontos - a arquitectura popular da Madeira, e a sua interpretação na arquitectura moderna de Chorão Ramalho -, e tem como principais objectivos compreender o carácter da arquitectura e engenhos madeirenses; e perceber quais foram os cuidados tidos pelo arquitecto que garantiram à sua arquitectura, tal como à de origem, relação tao harmoniosa com o local onde se encontra inserida.

Desta forma, todos os temas abordados no desenvolvimento do trabalho que não foram mencionados atrás funcionam como complemento para atingir estes objectivos. A análise e descrição da Ilha da Madeira e o estudo das tradições e costumes do povo madeirense são fundamentais para a compreensão da arquitectura e engenhos que nela se produziram. O estudo da problemática em torno da arquitectura popular que se foi fazendo em Portugal desde os finais do século XIX – sobretudo na década de 50 já no século XX, com o Inquérito à Arquitectura Portuguesa e acontecimentos que o antecederam – é indispensável para a contextualização da arquitectura de Chorão Ramalho na Ilha, fortemente influenciada pelos pressupostos do Inquérito.

Método

Para o desenvolvimento deste trabalho é feita, inicialmente, uma pesquisa sobre a generalidade da obra de Raúl Chorão Ramalho, não só na Ilha da Madeira, mas também em Portugal Continental e fora do país. Esta pesquisa centra-se, obviamente, em obras localizadas na Ilha; porém, o estudo da obra do Chorão Ramalho fora do território madeirense foi determinante para o desenvolvimento do presente trabalho, tanto para conhecer o arquitecto em questão e a sua obra na totalidade, como para perceber o que difere na sua arquitectura duma região para as outras - o que vai buscar especificamente à Ilha, que garante à sua arquitectura um “sentir madeirense”.

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Em conjunto com esta pesquisa, é feita uma análise da Ilha da Madeira que, com a sua topografia acidentada, condicionou toda a arquitectura e engenhos que caracterizam o território, também estes objectos de estudo. A análise vai incidir um pouco sobre todas as formas de arquitectura que se fixaram na Ilha, mas aprofunda-se nas formas de apropriação e modelação do território, nos engenhos, e nos elementos formais da arquitectura da Ilha, que, como veremos ao longo do trabalho, são os aspectos que Chorão Ramalho evidencia nas suas obras, numa busca pela memória e tradição madeirense. Também de grande relevo nesta fase é o estudo dos costumes e tradições madeirenses, muitos deles ainda hoje salvaguardados, base fundamental para a total compreensão do modo singular como este povo se fixou e apropriou do território.

Nesta fase são realizadas visitas às obras espalhadas pela Ilha, consideradas uma mais-valia para o real conhecimento da arquitectura de Chorão Ramalho. Ainda nesta busca pelas obras a estudar fez-se uma viagem por toda a Ilha, conhecendo assim vários aspectos da tradição madeirense, seja a nível dos inúmeros exemplos de arquitectura popular que se preservaram, seja a nível de certos costumes que, no meio rural, ainda hoje se praticam.

De seguida, esta análise alarga-se a Portugal Continental, abordando as discussões em torno da arquitectura popular portuguesa que se foram fazendo desde os finais do século XIX, com especial atenção para as décadas de 40 e 50 já no século XX, focando os vários movimentos que tiveram a sua expressão no Congresso de 48. Consequências directas do Congresso terão sido o Movimento de Renovação de Arte Religiosa e o Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa, como veremos, influências determinantes para o desenvolvimento do trabalho de Chorão Ramalho. O objectivo desta análise é compreender as repercussões para o caso específico da Madeira, com Raúl Chorão Ramalho como o primeiro, senão o único na época, seguidor dos ideais do Inquérito na Ilha.

Desta forma, acaba por ser feito um estudo sobre a evolução da arquitectura na Ilha da Madeira, desde os primordiais tempos da colonização, até aos primeiros indícios da modernização e suas consequências para a actualidade.

No estudo da actualidade, última parte do trabalho e conclusão, foram abordados exemplos que se pudessem relacionar, directa ou indirectamente, com o trabalho de Chorão Ramalho na Ilha da Madeira, na medida em que procuram igualmente um diálogo entre a tradição e a contemporaneidade.

Estrutura

O trabalho divide-se em quatro partes.

A primeira parte do trabalho começa com uma breve descrição da Ilha da Madeira, focando os aspectos geográficos, topográficos e paisagísticos. Esta descrição é essencial na medida em que nos fornece os dados para a melhor compreensão do tema que se quer explorar nesta fase do trabalho, as arquitecturas e os engenhos populares que se utilizaram desde os primeiros tempos da apropriação do território na Ilha. Esta primeira aproximação ao território e aos engenhos da Ilha é ainda imprescindível para uma melhor compreensão dos temas que se irão abordar de seguida.

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A segunda parte foca a vida Raúl Chorão Ramalho e o seu percurso académico e profissional, tendo em vista o papel que desempenha no espírito contestatário das décadas de 40 e 50, e os primeiros contactos com a discussão em torno da arquitectura popular portuguesa e da dicotomia tradição e modernidade. De seguida, analisa-se a chegada do arquitecto à Ilha, e a situação em que esta se encontrava em termos de arquitectura, desde os primeiros indícios de um modernismo incipiente, interrompido pelas imposições do Regime.

A terceira parte constitui uma análise da sua obra na Ilha da Madeira, sempre que associada ao recurso e à interpretação da arquitectura popular e vernacular madeirense. São inicialmente escolhidas três obras – a Igreja do Imaculado Coração de Maria, a Casa Bianchi, e a Assembleia Legislativa Regional – para um estudo mais aprofundado. Ao escolhermos estas três obras específicas tentou-se apreender as diversas maneiras e soluções variadas com que o arquitecto responde ao mesmo problema: a integração no local e contextualização na Ilha da Madeira.

A quarta parte assume-se como uma conclusão preliminar de todo o trabalho e pretende, a modo de “homenagem”, testemunhar o contributo de Chorão Ramalho para a Arquitectura Contemporânea Portuguesa e, principalmente, para a Madeira. Pretendeu-se igualmente analisar a situação actual da arquitectura na Madeira, procurando mostrar exemplos recentes da arquitectura madeirense que se possam relacionar e que se revejam no trabalho do arquitecto Chorão Ramalho – obras que aceitam, na sua contemporaneidade, memórias da tradição arquitectónica local.

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O LUGAR

«A Pérola do Atlântico»

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1. Formação rochosa em Câmara de Lobos

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O LUGAR

Breve descrição do Arquipélago da Madeira

“Todos os viajantes trazem da Madeira a recordação de um relevo contrastado como o das altas montanhas: vales profundos, desaparecendo sob a cobertura de antigas florestas, picos elevando acima das nuvens a sua orgulhosa silhueta, precipícios que as estradas e os velhos caminhos são obrigados a contornar, gargantas sombrias onde se ouve o bramir das torrentes.” (Ribeiro, 1985: 21)

Situação geográfica

O Arquipélago da Madeira, situado no Atlântico Norte, encontra-se sensivelmente à mesma distância entre os Açores (Santa Maria) e o Continente Europeu (Cabo de São Vicente), aproximadamente a 850 km de ambos. Mais perto, encontra-se a costa Africana, a uma distância aproximada de 700 km. O Arquipélago é constituído por duas Ilhas – Madeira e Porto Santo -, e por dois grupos de ilhotas desabitadas, reservas naturais - as Desertas e as Selvagens.

Do ponto de vista administrativo, o Arquipélago constitui uma das regiões autónomas de Portugal, a Região Autónoma da Madeira, e é composto por 11 concelhos: Calheta, Câmara de Lobos, Funchal, Machico, Ponta do Sol, Porto Moniz, Porto Santo, Ribeira Brava, Santa Cruz, Santana e São Vicente, estando a capital localizada no Funchal.

A Ilha da Madeira, compreendida entre os meridianos 16° 39’ 19’’ W e 17° 15’ 54’’ W, e entre os paralelos 32° 37’ 52’’ N e 32° 52’ 08’ N, é a maior do Arquipélago. Possui uma área total de 737 km², com medidas máximas de 58 km de comprimento, desde a Ponta do Pargo, a Noroeste, até à Ponta de São Lourenço, a Sudeste; e 23 km de largura, desde a Ponta de São Jorge, a Norte, até à Ponta da Cruz, a Sul. A sua linha de costa, que corresponde ao perímetro da Ilha, atinge um comprimento de 153 km. O Porto Santo localiza-se a aproximadamente 50 km da Madeira, separado desta através de profundidades superiores a 2500 m, e encontra-se situado, em conjunto com os ilhéus adjacentes, entre os meridianos 16° 16’ 35’’ W e 16° 24’ 35’’ W, e os paralelos 32° 59’ 40’’ N. De dimensões bem mais pequenas que a Madeira, compreende uma área de 41 km², atingindo o comprimento máximo de 11 km na extensão desenvolvida entre Nordeste e noroeste, e a largura máxima de 6 km, com uma linha de costa de 38km.

O arquipélago da Madeira, em conjunto com o dos Açores, Canárias e Cabo Verde, faz parte da região biogeográfica da Macaronésia. O termo Macaronésia provém do grego para “Ilhas afortunadas” e designa este conjunto de ilhas que partilham certas características em comum: a origem vulcânica; a influência de ventos alísios de Nordeste que sopram em direcção ao equador; e, um dos aspectos mais importantes, a existência da Laurissilva, floresta húmida subtropical e húmida que habitava a Europa durante o Terciário e que actualmente é exclusiva dos arquipélagos da Madeira, Açores e Canárias. Na Ilha da Madeira, “esta floresta é responsável pelo abastecimento de água da população da Ilha e garante a estabilidade dos solos das suas declivosas encostas”, (Neves, 2000: 12) representando actualmente a mais extensa e bem conservada Laurissilva do Mundo.

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2 3 4 2. Arquipélago da Madeira 3. Idem. 4. Ilha da Madeira 9

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23 Geologia e Orografia

O Arquipélago da Madeira, de origem vulcânica, formou-se durante a criação do Atlântico Norte, começando a desenvolver-se durante o período Cretácico, há aproximadamente 130 milhões de anos. A Ilha do Porto Santo terá sido a primeira a formar-se, há 19 milhões de anos, emergindo 11 milhões de anos depois. A Ilha da Madeira terá sido a mais recente, formada na mesma altura mas emergindo 3 milhões de anos depois que a anterior, apresentando, por isso, um terreno menos afectado pela acção da erosão.

A Ilha da Madeira possui um relevo bastante acentuado, resultante da acumulação das lavas provenientes dos vários focos de erupção. Os vulcões que formavam as paisagens, extintos há aproximadamente 6500 anos, foram sendo progressivamente preenchidos pelo magma, “agora visível nas arribas cortadas a pique, onde a rocha basáltica de cor escura intercala com os tufos alaranjados e avermelhados, as escórias de «pedra mole alaranjada» e as bombas vulcânicas que ainda se podem observar.” (Mestre, 2002: 52) É no entanto o magma basáltico o mais abundante na região, constituindo, como veremos, a principal matéria-prima utilizada na arquitectura e nos engenhos madeirenses.

O relevo acidentado é, assim, a característica mais marcante da Ilha: 65% do território tem um declive superior a 25% e apenas 12% da superfície total tem um declive inferior a 16%. No alinhamento central da Ilha distinguem-se dois grandes maciços que constituem uma barreira física entre a costa Sul e Norte, interrompidos apenas pelos vales da Ribeira Brava e São Vicente, por onde se fazem as ligações naturais entre as duas costas. Os pontos culminantes ultrapassam os 1800 metros de altitude, sendo o mais alto o Pico Ruivo com 1863 metros de altitude, o terceiro ponto mais alto do país, seguindo-se a este o Pico das Torres com 1851 metros e o Pico do Areeiro com 1818 metros de altitude. É ainda nos pontos mais altos que, apesar destas formas, se encontram os planaltos mais extensos, como é o caso do Paúl da Serra que, com uma altitude média de 1500 m e área aproximada de 24 km², constitui uma das mais importantes áreas de recarga de águas subterrâneas da Ilha. Podemos considerar ainda que a Madeira é uma Ilha “desprovida de litoral”, (Hartnack cit. in Ribeiro, 1985: 24) levantando-se abruptamente acima do nível do mar. As altitudes acima dos 1000 m ocupam cerca de um terço da Ilha, prolongando-se até à costa através de lombadas e achadas ou, sobretudo na costa Norte, através de arribas com centenas de metros. É, no entanto, na costa Sul que se encontra a mais alta arriba: erguendo-se a 580 m acima do nível do mar, o Cabo Girão constitui o segundo promontório mais alto da Europa. No geral, as arribas ocupam cerca de 80% da costa, sendo apenas interrompidas pelos vales onde desaguam as pequenas ribeiras. Foram estas as zonas estratégicas escolhidas para a implantação das principais vilas e cidades da Ilha, não só pelo contacto directo com o mar e relativa facilidade de implantação do povoamento, mas também pela qualidade dos terrenos férteis de aluvião.

O Porto Santo, ao contrário da Madeira, é uma Ilha essencialmente plana, apresentando os picos mais altos em cada uma das extremidades. O Pico do Facho é o mais alto, com 517 metros de altitude, e no extremo oposto, a Poente, encontra-se o Pico Ana Ferreira com 283 metros de altitude. Nestes pontos verifica-se a existência de basalto, porém, os materiais predominantes serão as cinzas, tufos vulcânicos e terras ou areias de origem calcária, conferindo à Ilha o tom claro que lhe garantiu a designação de “Ilha Dourada”.

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. 10 9 7 8 6 5 5. Funchal

6. Ponta de São Lourenço 7. Curral das freiras 8. Cabo Girão 9. Encumeada 10. Pico do Areeiro

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25 Clima e Precipitação

Devido à sua latitude e situação geográfica, a Ilha da Madeira apresenta todas as características de Ilha subtropical, com aspectos das Ilhas tropicais na costa Sul e das Ilhas temperadas na costa Norte. O seu relevo, como vimos, bastante acidentado com um alinhamento de grandes maciços montanhosos centrais, faz com que na Ilha existam diversos micro-climas.

Para além da contrastante diferença entre a costa Norte e a costa Sul, a primeira exposta aos ventos de Noroeste no Inverno e os ventos alíseos de Nordeste no Verão; e a segunda protegida pelos maciços centrais e por isso de temperatura amena, verificam-se significativas alterações de temperatura conforme a altitude. Nas zonas de mais baixa altitude, a temperatura mantem-se amena o ano inteiro, com temperaturas médias a rondar os 22°C no Verão e os 16°C no Inverno. Nos pontos mais altos da Ilha, com constantes neblinas cerradas, as temperaturas são mais baixas, chegando a nevar durante o Inverno. As nuvens e os nevoeiros encontram-se geralmente a uma altitude de 500 m, “rasgados” pelas montanhas.

A temperatura da água do mar, devido à influência da corrente quente do Golfo, mantém-se nos 22°C no Verão, chegando por vezes a atingir os 26°C, e arrefece gradualmente até atingir os 17°C no Inverno. Durante o Verão surgem ocasionalmente os ventos de Leste provenientes da costa africana, que aumentam repentinamente a temperatura e reduzem a humidade do ar até atingir os 13%, proporcionando dias de calor abafado, quase insuportável.

A precipitação abundante na Ilha da Madeira é determinada pelo seu relevo, pelos ventos dominantes e pela influência da costa africana. Na encosta Norte, onde se formam matinalmente as nuvens, verificam-se os maiores níveis de precipitação. Com o decorrer do dia, pela acção dos ventos de Nordeste, as nuvens descem até à costa Sul, fazendo lembrar grandes avalanches brancas que “escorrem” pelos maciços montanhosos abaixo. Os valores mais elevados de precipitação ocorrem nos meses de Novembro e Dezembro, e os mais baixos em Julho e Agosto. Excepcionalmente, ocorrem fortes precipitações com grandes massas de água que enchem as ribeiras, provocando estragos nas cotas mais baixas. “Desde o século XVIII, conhecem-se treze inundações catastróficas [denominadas localmente por aluviões], das quais sete tiveram lugar em Outubro ou em Novembro.” (Ribeiro, 1985: 33) A última ocorreu recentemente a 20 de Fevereiro de 2010, registando-se os valores mais elevados de precipitação em Portugal até à data (no Pico do Areeiro foram registados 185 litros por metro quadrado, sendo que os valores mais altos verificados em Portugal até à altura não chegavam aos 120). O temporal provocou inundações e derrocadas, principalmente na vertente sul, intensificadas pelo acentuado declive da encosta, com consequências desastrosas: confirmaram-se 47 mortos, 250 feridos e 600 desalojados.

No Porto Santo, pelo contrário, a precipitação é escassa, fazendo-se sentir longos períodos de secas e temperaturas elevadas. A falta de água torna o solo árido, “e somente através de poços ou nascentes de caudal muito fraco se conseguem manter algumas culturas de regadio, as hortas e as árvores de fruto.” (Mestre, 2002: 62) A Fonte da Areia, assim chamada pela quantidade de areia e arenitos (denominados localmente por “pedras de areia”) existentes, é a única que corre durante todo o ano. A costa Norte, rochosa e com margens declivosas, encontra-se exposta aos ventos de Nordeste e de Norte. É na costa Sul, mais abrigada, que se localiza o extenso areal com 9km de comprimento, classificado recentemente como uma das Sete Maravilhas das Praias de Portugal.

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11. Tradicionais poios madeirenses

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A acção do Homem no território Madeirense:

A arquitectura e os engenhos populares

Humanização da Paisagem

A primeira Ilha do arquipélago a ser descoberta foi o Porto Santo em 1418. Um ano depois chegava-se à Ilha da Madeira “toda coberta de formoso arvoredo, tão igual por cima, que parecia feita à mão, sem árvore mais alta que outra, e, além de ser muito alegre à vista, vinha beber toda na água, que parecia a Natureza meter todo o seu cabedal em aperfeiçoar obra tão acabada.” (Gaspar Frutuoso, 1580, cit. in Neves, 2000: 10)

Analisadas as potencialidades da Ilha e a sua localização estratégica na rota dos descobrimentos, iniciou-se em 1425 a sua colonização, destruindo-se grande parte da floresta indígena, principalmente na vertente sul. As primeiras povoações surgiram, como já vimos, nos terrenos férteis de aluvião junto aos leitos das ribeiras e, com o aumento da população e da produção agrícola, foram gradualmente alcançando cotas mais altas.

“A partir desta nova realidade, surgem as plataformas em socalcos [conhecidos localmente por “poios”], em locais cada vez mais ousados, fixando as terras que garantiam a exploração agrícola possível. Paredões sabiamente construídos, segundo soluções que vão das escadas integradas entre muros, ou dos graciosos degraus dependurados em consola, até à forma delicada de adossar as plataformas suavemente às linhas de cota, serpenteando nas encostas numa conhecida manta de retalhos de diversos tons.” (Mestre, 2002: 38) Esta solução engenhosa constitui uma primeira resposta do Homem face às dificuldades impostas pelo relevo acidentado da Ilha. É uma solução que permitiu “domar” e moldar a terra, implantando terrenos agrícolas pelas encostas declivosas da Ilha, e prolongando-se no tempo até aos dias de hoje. Não são mais do que trechos de terrenos contidos através de muros de suporte emparelhados em pedra basáltica da região, marcando uma paisagem fortemente humanizada, “uma paisagem cultural, profundamente identificadora deste «lugar do mundo».” (Mestre, 2002: 38)

A água foi outro elemento que o Homem teve de “domar” para a exploração agrícola da Ilha. De forma a transportar a água que cai abundantemente na costa Norte para a costa sul, os madeirenses construíram as tão famosas levadas, sistemas de irrigação que cruzam todo o comprimento e largura da Ilha, constituídas por cerca de 2000 km de canais e 50 km de túneis.“Sinal maior da acção do Homem sobre a adversidade do território, as levadas, esculpidas na rocha virgem, definem o percurso do seu desvio, a partir da Costa Norte, constituindo com as veredas os primeiros caminhos de contacto por terras locais de difícil acesso, principalmente entre o Sul e o Norte. Por elas passa a maior riqueza desta Ilha.” (Mestre, 2002: 38)

Estas construções prolongaram-se durante séculos, ainda hoje cumprindo a sua função. As comunicações entre os vários povoamentos da Ilha foram sendo feitas através dos percursos que as acompanham, não tendo sido construídas estradas adequadas até o início do século XX. Sem a possibilidade do auxílio dos animais nestas caminhadas, o homem rural (conhecido localmente por “vilão”) passou “uma vida inteira a «carregar a Ilha» aos ombros. […] À força de longas caminhadas, tudo se carregou às costas, ao ombro ou numa rede.” (Mestre, 2002:43)

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12 13 14 15 16 12. Construção das levadas – cabotagem 13. Idem. 14. Levada da Ponta do Sol 15. Levada do Norte (Quinta Grande) 16. Poço de reserva no Campanário Na página ao lado:

17. Rede – antigo meio de transporte

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29

Estes elementos, ainda que de forma mais subtil que os referidos poios, definem, em conjunto com os tanques de retenção de água (chamados localmente por “poços”), a paisagem humanizada da Madeira, demonstrando dignamente “o trabalho duro e arriscado só possível de realizar por homens robustos e corajosos, e, também, a técnica que denotam pelo entendimento do território, pelo acerto das cotas altimétricas e dos percursos traçados”. (Mestre, 2002: 228) A levada mais antiga de que

se tem informação será a dos Piornais, com 11 km de extensão e com registos escritos desde 1562.

Actualmente, preferencialmente no Verão, os madeirenses acompanham os turistas em caminhadas pelas levadas, principal motivo de atracção do turismo, apreciando com orgulho as magníficas paisagens da Ilha. Fruto do trabalho árduo e persistência do povo madeirense na arte de moldar a terra, esta humanização da paisagem deu voz ao Hino Regional, instaurado em 1980 com letra de Ornelas Teixeira e música de João Victor Costa:

Do vale à montanha e do mar à serra, Teu povo humilde, estóico e valente Entre a rocha dura te lavrou a terra, Para lançar, do pão, a semente:

Herói do trabalho na montanha agreste, Que se fez ao mar em vagas procelosas: Os louros da vitória, em tuas mãos calosas Foram a herança que a teus filhos deste. Por esse Mundo além

Madeira teu nome continua Em teus filhos saudosos Que além fronteiras

De ti se mostram orgulhosos. Por esse Mundo além,

Madeira, honraremos tua História Na senda do trabalho

Nós lutaremos Alcançaremos

Teu bem-estar e glória.

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18 19 20 18. Organização do território – vista do Cabo Girão 19. Idem. 20. Organização territorial do núcleo urbano de Câmara de Lobos

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31 A Arquitectura Popular da Madeira: a casa rural

“A casa é um elemento essencial na paisagem da Madeira. Quando se aborda a Ilha, assim que a proximidade permite distinguir as formas e as cores, fica-se surpreendido pelo seu número e extrema dispersão. Com as paredes cuidadosamente caiadas e o telhado vermelho-vivo, destacando-se na tela de uma paisagem que o homem organizou inteiramente, são mais uma marca, quão característica, da presença deste.” (Ribeiro, 1985: 116-117) Na Ilha da Madeira, a casa rural encontra-se

essencialmente dispersa no território, frequentemente isolada numa situação de domínio sobre a paisagem e quando possível sobre o mar, muitas vezes em locais hostis e perigosos. É extremamente raro, exceptuando nos núcleos urbanos, depararmo-nos com duas casas a fazerem frente de rua; estas encontram-se na maior parte das vezes implantadas perpendicularmente à rua, envoltas por terrenos destinados à exploração agrícola, seu sustento. E será este o principal factor de ordenamento e da constituição da casa rural – a agricultura. Esta foi durante séculos fruto do sustento do madeirense, atravessando diversos ciclos económicos que marcaram a vida nos campos, – o açúcar, os cereais, o vinho, o vime, e mais tarde, a banana –, até já aos finais do século XIX, altura em que a economia da Ilha passa a assentar no turismo, não dependente da agricultura. As habitações, muito primárias, atendem às necessidades da lavoura, antes do próprio Homem, e encontram-se geralmente associadas a outros espaços e/ou edifícios complementares ligados ao sistema produtivo, como por exemplo os palheiros e as adegas. “Frequentemente não é possível fazer a distinção entre a habitação humana e os estábulos, tão numerosos quanto as casas dos homens. Não é raro que o mesmo telhado cubra animais e pessoas. A casa, aliás, não é mais do que um abrigo para passar a noite.” (Ribeiro, 1985: 116-117)

Encontramos na Ilha, como veremos adiante, diversos modelos e formas de construir, porém, um aspecto mantém-se constante em praticamente todas as casas madeirenses, ainda mesmo nos tempos que correm: a íntima relação com a Natureza (o exterior). Possibilitado pelo clima ameno, quase paradisíaco, da Ilha, o homem rural passa muito tempo fora de casa, fortalecendo os laços com a terra. Este hábito terá certamente a ver com formas de vivência impregnadas desde os primordiais tempos da colonização quando o Homem se deparou com uma Ilha “virgem”, onde a Natureza predominava no seu mais puro estado. Este facto ter-lhe-á certamente inspirado nas íntimas relações que estabelece com a Natureza, contribuindo, juntamente com a geografia da Ilha, para a formação de uma cultura muito própria e, com ela, a reinvenção da arquitectura trazida do continente. “Nestas circunstâncias terão também surgido as tipologias «inventadas» na Ilha, mantendo-se estas inalteráveis ao longo de séculos, algumas circunscritas a sub-regiões, tornando-se verdadeiros tesouros da cultura regional. E é esta individualidade que permite, hoje, reforçar o carácter local destas arquitecturas enquanto valia incontornável face a outras regiões.” (Mestre, 2002: 271)

Outro aspecto a ter em conta na Ilha da Madeira é a relação entre a arquitectura rural e a das vilas e cidades, ou seja a urbana, que, muitas vezes coexistindo lado a lado num mesmo contexto, não permite uma clara distinção, “até porque os aglomerados e as construções, dispersos em “unidades” de vizinhança no início do povoamento, terão tido bases de construção e mesmo de tipologias muito próximas, quando não mesmo equivalentes, assim como provavelmente partilharam os mesmos mestres construtores.” (Mestre, 2002: 65-66) Estes contágios terão contribuído para a implantação de uma certa imagem tipificada da arquitectura madeirense que se associa à tradição, determinada pela utilização de materiais regionais que, conjugados com as próprias técnicas construtivas, emprestam as suas qualidades plásticas à composição arquitectónica.

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21 22 23 24 25 21. Furna na Ribeira da Janela 22. Idem. 23. Casa elementar de cobertura de colmo e paredes de alvenaria de pedra, Camacha 24. Casa elementar de cobertura de colmo e paredes de madeira, São Jorge 25. Idem.

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33

A Arquitectura Popular Madeirense:

aspectos genéricos

Identificação das Tipologias Habitacionais

Na Madeira é possível observar ainda hoje a evolução das várias tipologias habitacionais, desde a primeira habitação primitiva, hoje praticamente extinta – as furnas escavadas na rocha –, às casas modernas construídas já durante o século XX. Victor Mestre, em “A Arquitectura Popular da Madeira” (2002), agrupa-as essencialmente em duas tipologias – a casa elementar e a casa complexa -, com diversas variantes espalhadas por toda a Ilha.

A mais significativa, a “tipologia-mãe”, será a casa elementar, solução mais básica de um compartimento onde se desenvolvem as várias actividades do habitar, quer pela sua quantidade, quer pelo número de variantes que apresenta. Desde as casas com paredes de madeira ou alvenaria e cobertura de palha, às casas de um ou dois pisos com cobertura de telha cerâmica, estas apresentam sempre a mesma elementaridade no que diz respeito à organização espacial: a cozinha, quando não se encontra num volume isolado, é a “casa-mãe”, existindo por vezes apenas um tabique improvisado a separar o compartimento de dormir.

A casa elementar de cobertura de palha aparece em modelos distintos, seja construída com paredes de alvenaria de pedra, seja em madeira. No caso da estruturada em pedra, o pormenor mais marcante “é sem dúvida a cobertura de três águas com uma empena para receber o forno exterior e a respectiva saída de fumo, situação inovadora, tanto mais que interiormente a parede de pedra entre a boca do forno e a cumeeira evita (um pouco mais) que uma fagulha extraviada proveniente da queima da lenha durante o aquecimento atinja, ainda incandescente, a palha da cobertura.” (Mestre, 2002: 99) O modelo mais corrente é constituído por dois volumes

de quatro águas, um para a cozinha e outro para os quartos, ou independentes ou encostados mas com uma parede mestra a dividi-los. As casas construídas em madeira representam as actualmente conhecidas por “casinhas de Santana”, assim denominadas pela sua localização, aparecendo em praticamente todos os guias turísticos como sendo a típica casa madeirense. “Estas caracterizam-se pela cobertura de três águas que terminam junto ao chão, no caso das casas de fio, e elevadas nas casas de meio-fio. Ambas dispõem de uma única fachada/empena, onde se localizam a porta e as pequenas janelas com os respectivos tapa-sóis [denominação local para as persianas em ripas de madeira] coloridos, que conferem uma imagem de alegria a esta tipologia.” (Mestre, 2002: 110) Ainda de madeira, aparece na Ilha uma tipologia única – a casa redonda. A casa, apesar do nome local que lhe é dado, apresenta planta rectangular, quase quadrada, que, juntamente com a cobertura de palha de quatro águas extremamente inclinada e com cantos arredondados, poderá dar uma impressão de ser redonda. “Uma das características fundamentais destas casas será a sua excepcional carpintaria, expressa na elevação das paredes e respectivas assamblagens, e nas janelas de correr exteriores e portadas de correr.” (Mestre, 2002: 114)

De acordo com o levantamento efectuado por Victor Mestre em “A Arquitectura Popular da Madeira” (2002)

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26 27 28 29 30 31 32 33 26. Estrutura da cobertura de colmo de uma casa redonda 27. Construção de uma cobertura de colmo 28. Variedade de coberturas de telha 29. Pedras para segurar as telhas contra a acção do vento 30. Casa elementar de cobertura de telha na Fajã da Ovelha 31. Casa complexa na Serra de Água 32. Casa salão no Porto Santo

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Já a casa elementar de cobertura de telha cerâmica, provavelmente a mais vulgar na Ilha, é geralmente caracterizada por um volume baixo, ou, quando tem dois pisos, mais robusto, “rectangular, com telhado «abatido» de quatro águas, porta, janela e porta, por vezes duas janelas e duas portas; caiação branca com pigmento cinzento no soco e nas molduras dos vãos ou com um tom ocre esbatido e molduras caiadas com pigmento cinzento ou vermelho de óxido de ferro; molduras de tufo alaranjado, ou de basalto; chaminés antigas de proporções generosas, lembrando as do Sul do Continente, ou ainda as mais modernas, de forma prismática e esbeltas, erguidas sobre o forno, alternando este interior ou exteriormente.” (Mestre, 2002: 124) Apresenta frequentemente a cozinha separada dos quartos, na maioria dos casos com comunicação pelo exterior.

A casa complexa, como o nome indica, opõe-se à anterior pela complexidade, evolução e inovação espacial que apresenta, constituindo-se por vários compartimentos individuais acessíveis por um corredor, o eixo estruturante da casa. O seu surgimento vai influenciar alguns modelos de casas elementares – casa em esquadria e casa duplicada – que, ao associarem ao corpo principal novos compartimentos, vão também introduzir o espaço de circulação, porém aqui sempre reduzido ao indispensável. Trata-se já de uma “construção que não aceita o improviso ou a solução de recurso, quer na identidade tipológica, quer na solução construtiva.”

(Mestre, 2002: 147)

Para além destas, existem diversas tipologias que se aproximam mais aos modelos do continente, porém, sempre marcadas por um sentir madeirense, seja pela utilização dos materiais da Ilha, associados às próprias técnicas de construção, seja por alterações espaciais que propõem, mais adequadas aos seus hábitos. Temos como exemplo a casa torreada, que se associa à casa saloia de Lisboa, e ainda, mais significativa, a casa antiga ou secular, que inclui os grandes solares, casas rurais de grandes dimensões, e as quintas, apresentando-se, pela sua condição abastada e “nobre”, como “a possível charneira entre a Arquitectura Popular Madeirense e a arquitectura erudita, com forte incidência logo a partir do século XV.” (Mestre, 2002: 83)

Em relação aos modelos do continente, estas apresentam-se mais sóbrias, dispensando a ostentação de elementos decorativos que caracteriza as casas senhoriais do Norte de Portugal, com fachadas marcadas pelas espessas molduras de cantaria regional. Desta tipologia destacamos o Solar das Mudas, antiga casa senhorial datada do século XVI e actual Casa da Cultura da Calheta, à qual se juntou o Centro das Artes “Casa das Mudas” de Paulo David.

No Porto Santo, em semelhança ao que acontece na Madeira, predomina a casa elementar, embora neste caso geralmente de um só piso. Destas construções destaca-se a cobertura em salão – técnica tradicional de cobertura em barro – que foi progressivamente substituída pela telha de marselha, portuguesa ou de cimento. “Este barro local [formado por materiais vulcânicos de cor amarelada decompostos] apresenta um apreciável grau de “goma natural”, o que lhe permite agregar-se com facilidade quando em contacto com a água. É precisamente nesta característica que reside a vantagem da sua aplicação, uma vez que, devido aos factores climatéricos locais (clima seco, temperaturas elevadas e ainda a fraca pluviosidade), apresenta um comportamento ideal pela sua plasticidade. Assim, verifica-se que, na maior parte do ano, as coberturas estão secas, abrindo-se fendas por toda a superfície, permitindo deste modo uma circulação de ar entre o interior e o exterior da casa.” (Mestre, 2002: 216) Já a casa complexa, em menor número, encontra-se concentrada essencialmente no núcleo urbano, a Vila Baleira, e distingue-se da Madeira pela combinação de telhados múltiplos.

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34 35 36 37 38 39 34. Latada em Machico 35. Chaminé datada de 1948, Ponta do Sol 36. Pombinha, Faial 37. Pavimento em calhau rolado do mar com desenho em escamas de peixe

38. Construção do empedrado em calhau rolado do mar 39. Construção dos muros em aparelho de pedra basáltica

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37 Materiais e Elementos Formais

Todas as tipologias, apesar de espacialmente distintas, apresentam uma certa imagem que lhes garante um carácter individual, um “sentir madeirense”. Comum a todas será a íntima relação com a Natureza, explícita na existência do espaço exterior vivencial das latadas, jardins, hortas, pomares, bananeiras, e ainda a vinha, que na Madeira se produz elevada do chão em pérgolas (denominadas localmente por “corredores”); e, para além das tipologias que apresentam cobertura de palha, sempre extremamente inclinadas terminando em alguns casos junto ao chão, “a imagem dos delicados telhados de quatro águas, afirmando-se como uma característica constante na Arquitectura Popular Madeirense, e também na vernacular e erudita.” (Mestre, 2002: 85-86) A arquitectura madeirense é assim geralmente despojada de ornamentos. “O uso de alguns materiais, associados às próprias técnicas de construção, fixou uma imagem tipificada que se associa à tradição. […] Os elementos formais que dependem da construção são sobretudo materiais no seu «estado puro»; referimo-nos ao beiral e à sub-beira em cerâmica vermelha, ou à palha (onde, em casos especiais surgem os bonecos na zona de amarração superior da cobertura), às cantarias de molduras de vãos, socos, cunhais (no caso madeirense, com especial destaque para o uso do tufo avermelhado) e à própria cal, cuja brancura tanto caracteriza a nossa arquitectura.” (Mestre, 2002: 182)

Em madeira surgem os tapa-sóis em ripas sutadas, com algumas delas rotativas comandadas por uma ripa vertical interior denominada localmente por “bilhardeira”, o mesmo nome dado às “coscuvilheiras” que “escondidas” pelos tapa-sóis observavam a vizinhança. Nos cantos dos beirais dos telhados, normalmente nas tipologias mais modernas, aparecem por vezes as chamadas “pombinhas” ligadas à espiritualidade, assim chamadas pela sua forma inicial de pomba, evoluindo com o passar do tempo para formas fitomórficas e antropomórficas. Também as chaminés recebem grande destaque sendo, nos casos mais antigos, robustas, de forma prismática com aberturas rectas. Com o passar dos anos, a sua forma foi-se tornando progressivamente mais esbelta, sendo por vezes decoradas com motivos geométricos pintados com cores fortes. Só a partir da década de 40, nas casas modernas, é que surgiram as chaminés pré-fabricadas em cimento que, contrastando com as antigas de alvenaria sobre vergas de castanho ou basalto, constituem o seu elemento de referência. Foi ainda só nas casas modernas que se regularizou a utilização da “escada interior como elemento de ligação, evitando a saída para o exterior, como na generalidade das tipologias antigas, solução de que apenas se detectaram excepções pontuais.” (Mestre, 2002: 155)

Os pavimentos exteriores das casas são normalmente empedrados em calhau rolado do mar, e os espaços ajardinados, mesmo quando de dimensões muito reduzidas, denotam preocupações em relação à vegetação, tão apreciada na Ilha. “Vasos, tachos antigos, alguidares, latas, tudo serve para colocar uma planta com cores vetustas. Por vezes, estão suspensas por toda a fachada, dispostas nas janelas, envolvendo o perímetro da cobertura, […] conferindo à casa um aspecto de conto de fadas onde se vive com a felicidade da cor das flores.” (Mestre, 2002: 120-121) A cor é assim uma característica marcante na arquitectura madeirense, referida como elemento com forte valor plástico. As cores alteram conforme a localização onde se implantam, predominando o ocre e o rosa: “os muros madeirenses ganham especial realce pela cor almagre, rosa ou ocre, com que emolduram grandes propriedades e caracterizam fortemente a paisagem, com especial destaque na encosta da cidade do Funchal.”

(Mestre, 2002: 188) Em locais de destaque no jardim, normalmente nas quintas mais

abastadas, surgem ainda as “casinhas de prazer”, uma vertente das casas de fresco comuns nos jardins dos séculos XVII e XVIII, tendo sido provavelmente introduzidas pelos Ingleses que se instalaram na Ilha aquando da comercialização do vinho madeira, e desde então aí permanecendo.

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40. Indústria do bordado [as bordadeiras}

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Novas Realidades

A Perda da Tradição e da Cultura Popular

“A casa madeirense de raiz popular terá conhecido três idades: uma idade primitiva, uma idade antiga e uma idade moderna.” (Mestre, 2002: 285) Estas três “idades”, ou fases, são, como vimos, ainda hoje observadas em alguns exemplares que se foram mantendo ao longo dos tempos nas zonas rurais. É-nos possível, assim, criar uma linha evolutiva a partir de um primeiro período de colonização – a idade primitiva –, quando se aportavam modelos vindos do Continente, introduzindo, porém, já certas diferenças, com a improvisação e experimentação de novas soluções na tentativa de se construir um “Novo Mundo”.

São estas características que vão determinar a evolução para a idade antiga, altura em que se fundaram as tipologias de carácter especificamente madeirenses, surgindo modelos inventados e reinventados, influenciados quer pelo relevo e clima peculiares da Ilha, quer pelos materiais naturais disponíveis para a construção, e ainda por uma forte identidade psicológica que surgia, fruto do encontro do “Novo Homem” com uma Ilha primitiva, dominada pela força da Natureza no seu estado bruto. Desta fase fazem parte as tipologias descritas anteriormente, desde as elementares, estabilizadas logo nos séculos XV e XVI, às complexas, com um maior desenvolvimento e apuramento de materiais e técnicas construtivas, fruto da influência da arquitectura erudita urbana e solarenga dos séculos XVII e XVIII. “A esta evolução estará naturalmente associado o fenómeno dos ciclos de maior riqueza económica, desde logo os do trigo, da madeira e do açúcar, seguindo-lhes o ciclo do vinho.” (Mestre, 2002: 285)

Por idade moderna entendemos o período iniciado já no final do século XIX e inícios do século XX, marcado pelo retorno dos emigrantes, pelas indústrias do bordado e do vime, e pela cultura da banana. Nesta fase, principalmente no período entre guerras, verifica-se uma forte expansão, “quase que um «repovoamento»” (Mestre, 2002: 285)

ocorrido principalmente na vertente Sul da Ilha. Quanto à habitação, “os modelos, curiosamente, apresentam-se como se fossem decalcados dos «modelos tradicionais», quase como suas réplicas.” (Mestre, 2002: 152) A sua particularidade verifica-se no abandono da utilização de técnicas e materiais tradicionais, substituindo-se progressivamente as paredes de alvenaria de pedra por paredes em blocos de cimento, as molduras em cantaria por argamassa, e as chaminés de alvenaria pelas pré-fabricadas em cimento. Apenas nas armações de cobertura se mantiveram, numa primeira fase, os processos construtivos e a métrica das armações tradicionais. Porém, com o passar do tempo também os telhados de quatro águas foram-se elevando, proporcionando o aparecimento do sótão para guardar os produtos da terra (e com ele a transportação das escadas para o interior da casa), acabando por, actualmente, reproduzirem a imagem mais comum da arquitectura rural da Ilha.

Após a Segunda Guerra Mundial – chamemos-lhe idade contemporânea –, com o desenvolvimento industrial e a ascensão do turismo a principal impulsionador económico da Ilha, vão ocorrer transformações sociais e económicas significantes, com consequências desastrosas para o território e paisagem cultural da Madeira, verificando-se uma gradual desarticulação da arquitectura popular.

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O turismo, que no início do século era praticado apenas por uma elite burguesa que procurava o repouso, uma fuga à vida agitada dos centros urbanos, aumenta significativamente depois da Guerra, sobrepondo-se à agricultura e ao artesanato, remetidos quase ao esquecimento.

Os campos começam assim a se desertificar, acentuando-se a migração interna para o Funchal que, enquanto detentor das áreas de turismo, de serviços e comércio, passa a ser o pólo de atracção para quem procura emprego. Não existindo capacidade habitacional para o elevado número de população que desejava instalar-se nas cidades, inicia-instalar-se uma expansão descontrolada para as zonas mais altas, surgindo novos aglomerados que se sobrepõem à paisagem até então harmoniosa da Ilha. O povoamento que, até à data, se mantinha essencialmente disperso, extremamente ligado à exploração agrícola, passa a ser sobrecarregado, impondo-se forçosamente na paisagem.

O Homem já não depende da agricultura para o seu sustento e, por isso, as novas casas aparecem cada vez mais desligadas da terra, rejeitando “a tradição em todos os domínios, respectivamente nos materiais, na escala, na tipologia, nas proporções e nos métodos construtivos.” (Mestre, 2002: 286) As casas duplicaram de dimensões e o mau uso dos materiais provocou um efeito devastador na paisagem. Surgiram as novas modas, trazidas pelos emigrantes, com os seus telhados característicos, os arcos nas fachadas e, mais recentemente, os azulejos como revestimento predominante nas fachadas.

Para agravar a situação, perderam-se muitos edifícios de elevado valor patrimonial, substituídos por novas casas de carácter urbano que não se relacionam com as anteriores. Os mestres construtores foram, também eles, substituídos pelos chamados construtores civis, encerrando-se “um longo de ciclo de cultura arquitectónica popular, de uma cultura coeva de autor.” (Mestre, 2002: 286) Perdeu-se assim, o saber do mestre construtor, um saber que era transmitido de geração em geração em jeito de herança, agora apenas observado em alguns instrumentos e engenhos ainda existentes, e no que se preservou da arquitectura popular da Ilha. Ainda hoje, após terem sido institucionalizadas regras contra as aberrações mais gritantes que ameaçavam a paisagem da Madeira, continua-se, nas zonas mais recônditas, a construir casas descontextualizadas que ferem o território. A única razão de tão rico património subsistir ainda na Madeira deve-se, não à vontade de na altura terem sido preservados, mas sim à falta de recursos económicos de quem os habitava, não tendo havido a possibilidade de os substituir.

Como justamente afirma Paulo David, “o maior arquitecto da Ilha da Madeira foi a escassez.” (David, 2012) Foi ela, e apenas ela, quem preservou a herança cultural da Ilha até porque, como veremos de seguida, o papel do arquitecto na interpretação da arquitectura popular enquanto memória cultural de uma região encontrava-se ainda em estado emergente.

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O Ressurgir das Arquitecturas de Tradição na Madeira

“As arquitecturas de tradição são hoje apreciadas como importantes legados culturais, indispensáveis para decifrar o longo caminho do Homem na arte de construir espaços para o seu abrigo, para o de animais, para arrumos e, também, para resguardos de alfaias destinadas à transformação dos produtos de lavoura e da natureza. […] Estas arquitecturas aparentemente espontâneas têm as suas raízes na própria fundação da tradição de uma comunidade, nos seus costumes, na acção desta sobre a terra de onde tira o seu sustento.” (Mestre, 2002: 33)

Estas arquitecturas de tradição, que constituem o que hoje em dia chamamos de arquitectura popular, são, como Victor Mestre afirma, reconhecidas actualmente como parte fundamental para o estudo e compreensão cultural de um território. Este reconhecimento da Arquitectura Popular, porém, é relativamente recente, se considerarmos que há pouco mais de meio século não existia ainda um significado unânime quanto ao tema – quanto muito, tal temática era alvo de discórdia, se não mesmo de polémica, nas diversas camadas intelectuais, e especialmente na arquitectura. Em Portugal, esta problemática tem sido estudada e questionada ao longo de mais de um século. Se hoje em dia temos uma noção quase imediata quando se pensa em arquitectura popular, isto foi devido a vários estudos e acontecimentos, directa ou indirectamente relacionados com o tema, que ocorreram durante mais de um século, principalmente entre o final do século XIX e os anos 50. De entre os vários acontecimentos ocorridos, João Leal destaca dois momentos da arquitectura portuguesa como sendo “os mais conhecidos e mais importantes na reflexão e pesquisa sobre a arquitectura popular em Portugal no século XX” (2009: 5)

o movimento da Casa Portuguesa, liderado por Raul Lino entre finais do século XIX e a década 50; e o Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal, ocorrido nas décadas de 50 e 60, promovido pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos. Para a presente abordagem, consideramos ser o Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal o acontecimento mais significativo, não descurando, porém, o Movimento da Casa Portuguesa, encarado como um impulsionador involuntário desse acontecimento. “O movimento da Casa Portuguesa articula-se em torno de duas ideias gémeas: a existência de um tipo específico de habitação popular que seria caracteristicamente português – designado justamente por casa portuguesa – e a defesa e institucionalização de um formulário arquitectónico – adequado às exigências da vida moderna – inspirado nesse tipo de habitação.” (Leal, 2009: 6) Ora, o Inquérito, como veremos de seguida, vem opor-se exactamente a este ideário que, adoptado pelo Regime de Salazar como uma espécie de regra para a produção arquitectónica no país, terá tido consequências desastrosas para o segundo quartel do século, promovendo-se uma arquitectura de tendência nacionalista, materializada em características estilísticas impostas, geralmente designadas por “Português Suave”. Nenhum destes estudos/acontecimentos envolveram, na época, as regiões insulares de Portugal, mas nem por isso se deixaram de lá sentir as suas repercussões. Numa época em que, na Madeira, rareavam os arquitectos, esta temática é introduzida essencialmente através de dois arquitectos: Edmundo Tavares, na mesma linha de Raul Lino, e Raúl Chorão Ramalho que, integrado na geração contestatária dos anos 50 com quem partilha entendimentos, vai desempenhar o papel de difusor do espírito do Inquérito na Ilha. É, assim, a partir de Chorão Ramalho que se vai retomar a aproximação às formas vernáculas na arquitectura madeirense, liberta de estilismos e neo-regionalismos, aceitando na sua modernidade aspectos da arquitectura popular.

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O ARQUITECTO

Raúl Chorão Ramalho

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O ARQUITECTO

Raúl Chorão Ramalho: Vida e Obra

Percurso Académico e Profissional:

Aproximações ao Tema da Arquitectura Popular em Portugal

Raúl Chorão Ramalho nasce no Fundão a 23 de Fevereiro de 1914.

O liceu é feito em Coimbra, onde vai formar um grupo composto apenas por artistas plásticos chamado “Os Divergentes” que se reunia “em tertúlias nos cafés da cidade, discordando da política do regime, do ambiente indolente coimbrão dos anos 30, da cultura sonolenta, amorfa e académica, e divergindo também da iconografia da arquitectura oficiosa.” (Freitas, 2010: 25) Aqui inicia o seu contacto com a comunidade de artistas plásticos, muitos dos quais vai chamar futuramente para colaborar nos seus projectos.

Em 1932 inscreve-se no curso de arquitectura na Escola de Belas Artes de Lisboa, “algo contrariado, já que o seu desejo era tirar o curso de pintura, mas aceitando a orientação paterna na convicção plena de que, depois de matriculado nesta escola iria transferir-se para o seu curso de eleição.” (Freitas, 2010: 25) Depressa toma o gosto

pela arquitectura, particularmente pela arquitectura moderna, transferindo-se em 1935 para a Escola de Belas Artes do Porto onde vai receber importantes lições do mestre Carlos Ramos [1897-1969] que, antecipando o regionalismo crítico dos anos 50, o vai influenciar posteriormente.

Em 1942, ainda antes de terminar o curso, vai trabalhar para os Serviços de Urbanização da Câmara Municipal de Lisboa, transitando dois anos mais tarde para a Direcção Geral dos Serviços de Urbanização do Ministério das Obras Públicas. É na Câmara de Lisboa que vai colaborar com Keil do Amaral [1910-1975], vindo mais tarde a tomar papel relevante na direcção do grupo Iniciativas Culturais de Arte e Técnica (ICAT).

O ICAT é formado em 1946 por Keil do Amaral que se vai tornar “no mentor, involuntário ou não, da referência profissional e ética da nova geração”(Tostões, 1997: 27) quando reúne um grupo de trinta arquitectos que, discordando dos modelos

arquitectónicos impostos pelo Regime, lutavam por uma arquitectura contemporânea, mais de acordo com os modelos protagonizados pela arquitectura moderna internacional. Inseridos no grupo estavam, para além de Keil do Amaral, Formosinho Sanches [1922-2004], Manuel Tainha [1922-2012], Nuno Teotónio Pereira [1922], Rafael Botelho [1923] e, claro está, Raúl Chorão Ramalho.

É, em 1947, na revista Arquitectura, e logo no segundo número (nº 14) após ter sido adquirida pelo grupo, que Keil do Amaral vai publicar o seu artigo Uma Iniciativa Necessária, já alertando para a necessidade da “recolha e classificação de elementos peculiares à arquitectura portuguesa nas diferentes regiões do País, com vista à publicação de um livro, larga e criteriosamente documentado, onde os estudantes e técnicos da construção pudessem vir a encontrar as bases para um regionalismo honesto, vivo e saudável.” (Amaral, 1947: 12) No artigo referia que “a nossa arquitectura regional encerra muitas e valiosas lições” que nunca tinham sido estudadas,

1932-1941

1942-1946 1914

Referências

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