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Considerações Finais

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preexistências dos imóveis e distinguindo o que faz parte da intervenção.

Queremos com esta análise de exemplos da arquitectura mais próxima do presente dar a entender que, se numa situação hipotética, todas as obras de Chorão Ramalho se perdessem, não deixaria de ter deixado largo legado, quanto mais não seja pelas noções de arquitectura que hoje em dia todos os arquitectos possuem, devedoras a este arquitecto e outros tantos da sua geração que lutaram por uma arquitectura mais contextualizada, integrada na envolvente próxima e no contexto alargado de uma região, atendendo aos materiais e às técnicas disponíveis no local, e procurando preservar e reabilitar o património edificado.

Na verdade, duas das suas obras já foram demolidas – a cervejaria Coral e o armazém e parque de materiais da antiga Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal – e outras tantas já foram sujeitas a intervenções que, felizmente, visaram dar continuidade aos pressupostos de Chorão Ramalho. A juntar aos projectos que não chegaram a ser construídos, constituem uma perda significativa para a arquitectura e para a Ilha, já que“passados 40 ou 50 anos sobre algumas das suas obras, podemos comprovar, na sua maior parte, um envelhecer com dignidade e um valor intemporal, próprios de uma arquitectura de carácter.” (Luís Vilhena, cit. in. Freitas, 2010: 114)

Aproveitamos estas últimas considerações para apelar a que, por respeito a um arquitecto que tanto contribuiu para a Ilha, se preserve e dê continuidade à sua obra. Ainda durante a concretização do presente trabalho, a Igreja do Imaculado Coração de Maria terá sido alvo de pichação, um acto de vandalismo que afectou uma grande parte da fachada Norte revestida a cantaria vermelha e da torre sineira. A única consequência favorável desse acto, se sequer pudermos colocar a questão nestes termos, terá sido o redobro da iluminação em torno do templo, agora ligada todas as noites, conferindo ao conjunto um ambiente inspirador, digno de ser visitado nas horas de escuridão.

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Ainda a respeito da continuidade, esperemos que este trabalho venha a contribuir para uma melhor compreensão do trabalho de Chorão Ramalho na Madeira para que se evite uma reprodução descontextualizada de certas soluções por si utilizadas, tal como o próprio arquitecto reprovou e contestou vigorosamente, na sua época, em relação à imitação de elementos do passado. É o que tem acontecido na Madeira em relação às coberturas planas que se têm espalhado, muitas vezes sem sentido, pela Ilha, chegando mesmo a existir casas que originalmente foram projectadas com coberturas constituídas por telhados inclinados, para mais tarde, numa tentativa de “actualização” por parte dos proprietários, serem retirados. O mesmo se passa em relação à utilização excessiva de cor que, como já vimos, desde sempre foi elemento caracterizador da paisagem da Madeira, mas nunca em tons de lilás ou cor de laranja, como ainda hoje se pode encontrar nas zonas mais recônditas, onde se ergue muita construção clandestina. Sem fundamento, esta imitação descontextualizada não passará de mais uma moda, como tantas outras que ameaçaram a paisagem da Ilha da Madeira ao longo deste último século: a dos chalés de influência britânica ainda no século XIX; a dos arcos de entrada trazidas nos anos 60 pelos emigrantes vindos dos Estados Unidos e do Canadá; ou ainda, a moda que causou mais impacto, trazida nos anos 80 por emigrantes influenciados por tendências apreendidas nos países de acolhimento, o revestimento em azulejos e substituição dos jardins por pavimentos totalmente permeáveis que, por não obrigarem a manutenção, tiveram larga utilização. “É altura, diz Elias Homem de Gouveia, [Presidente da Delegação da Madeira da Ordem dos Arquitectos] de se voltar à sensibilização já que, entre os cidadãos comuns, boa arquitectura é muito vulnerável às modas.” (Caires, 2012)

É que, repare-se, foi precisamente o contrário que Chorão Ramalho tentou demonstrar: uma casa não é “ultrapassada” por aceitar aspectos da tradição; e muito menos é moderna por renegá-los, em detrimento de elementos “aparentemente modernos”. E se essa é uma noção que todos os arquitectos actualmente possuem, o povo, durante muito tempo “o maior arquitecto” da Ilha e ainda hoje, como vimos, actuando activamente na paisagem através da construção clandestina, não a tem. Aproveite-se os tempos que correm em Portugal, em que não há lugar para a arquitectura (muito menos para a “má” arquitectura), para reflectir e elucidar a comunidade para que, quando ultrapassada a lamentável situação do país, não se tenha que corrigir erros passados e a arquitectura possa, por fim, prosperar.

“... aqui no estúdio, o estirador não tem nada em cima; cada dia é o mesmo nada... Pairo aqui como um arquitecto do imaginário”(Bruno Taut, cit. in Figueiredo: 70)

Raúl Chorão Ramalho constitui assim um dos nomes ligados à arquitectura com mais importância para a Ilha, quer pela obra deixada, quer pela influência que provocou em arquitectos de gerações futuras. Na Madeira permanece ainda hoje no topo dos nomes ligados à arquitectura, com o maior número de projectos assinados e construídos. O seu contributo valeu-lhe recentemente a atribuição do seu nome a um arruamento – Travessa Arquitecto Chorão Ramalho – na freguesia de S. Martinho, onde se localiza, como pudemos ver, a sua primeira obra construída de raiz na Ilha e provavelmente uma das mais conhecidas, a Capela e Ossário do Cemitério de Nossa Senhora das Angústias.

Quanto a mim, ter-me-á certamente inspirado, e continuará seguramente como referência no futuro, venha eu um dia a trabalhar na Madeira (é esse o meu desejo), ou não. A Chorão Ramalho devo ainda o aprofundamento dos conhecimentos que tinha da Ilha e da sua arquitectura, tendo-me obrigado a olhar para a minha terra natal com atenção redobrada, resultando como que numa “redescoberta” da “minha Madeira”, que, com saudades, carregarei “para a vida inteira”. *

Quando te deixei, Madeira Eu trouxe como bagagem Saudades p'rá vida inteira E um beijo teu p'rá viagem Agora moro ao abrigo Desta Lisboa encantada Que, quando sonho contigo, Parece cantar comigo Esta canção magoada Minha Madeira querida Tão pequenina e garrida Cheia de luz e de cor Ilha de encanto e beleza Linda terra portuguesa Por quem quis ser trovador Minha Madeira velhinha És um ninho de andorinha Vogando no mar sem fim No meu cantar de saudade Eu peço a Deus que te guarde Inteirinha para mim. * Fado “A Ilha da Madeira”, de Maximiano de Soua (Max)