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ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS PRO SOCIETATE NO PROCESSO PENAL: ESPECIAL PROTEÇÃO AOS DIREITOS INFANTO-JUVENIS E PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO À INFRAPROTEÇÃO - DOI: 10.12818/P.0304-2340.2013v62p629

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* Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia. Doutora em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em direito pelo Instituto Toledo de Ensino;

Email: simoneprudencio@yahoo.com.br;

** Graduando em direito pela Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: pedroalvessimoes@hotmail.com;

ABSTRACT

This paper aims to demonstrate that evidence obtained by illegal means, in criminal proceedings may be used by the prosecution in exceptional and peculiar circumstances. It will argue that the same doctrinal and jurisprudential construction that allows the use of such evidence pro reo already crystalized in the Brazilian jurisprudence can be extended to cases involving violations of rights of children and adolescents in favour of the society. It will expose the conjunctures in which this reasoning, by employing the

ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS

POR MEIOS ILÍCITOS PRO SOCIETATE NO

PROCESSO PENAL:

ESPECIAL PROTEÇÃO AOS DIREITOS

INFANTO-JUVENIS E PRINCÍPIO DA

PROIBIÇÃO À INFRAPROTEÇÃO

ADMISSIBILITY OF EVIDENCE OBTAINED BY ILLEGAL

MEANS PRO SOCIETATE IN CRIMINAL PROCEEDINGS:

SPECIAL PROTECTION TO THE JUVENILES’ RIGHTS

AND THE PROHIBITION OF INSUFFICIENT

PROTECTION PRINCIPLE

Simone Silva Prudêncio* Pedro Alves Simões** RESUMO

Por meio deste artigo pretende-se demonstrar que as provas obtidas por meios ilícitos, no âmbito do processo penal, podem ser utilizadas pela acusação em circunstâncias excepcionais e peculiares. Argumentar-se-á que a mesma construção doutrinária e jurisprudencial já sedimentada no pensamento jurídico pátrio, permissiva do emprego das referidas provas pro

reo, pode ser estendida, em casos que versem

sobre transgressões aos direitos de crianças e adolescentes, aos interesses da sociedade. Serão expostas as conjunturas em que este raciocínio,

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mediante o emprego do método hermenêutico da proporcionalidade, se harmoniza com os princípios constitucionais consagradores dos direitos e garantias fundamentais que norteiam a sistemática processual penal brasileira. Por fim, será demonstrado que a não aplicação desta construção resulta em violação ao princípio da proibição de infraproteção.

PALAVRAS-CHAVE: Constituição. Processo Penal. Inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. Especial proteção constitucional dos direitos das crianças e adolescentes. Proibição de infraproteção. Proporcionalidade.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. PERSECUTIO

CRIMINIS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

3. ÔNUS DA PROVA: PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILICITAMENTE OBTIDAS. 4. PRINCÍPIOS JURÍDICOS. 5. COTEJO ENTRE PRINCÍPIOS: APLICAÇÃO DO POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE. 6. FINALIDADE PRECÍPUA DA VEDAÇÃO AO USO DE PROVAS OBTIDAS ILICITAMENTE E A ESPECIAL P ROT E ÇÃO AO S D I R E I TO S I N FA N TO -JUVENIS. PONDERAÇÃO ENTRE BENS E VALORES ENVOLVIDOS. 7. PROIBIÇÃO DE INFRAPROTEÇÃO. 8. CONCLUSÃO. REFÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

O Estado, detentor do ius puniendi, diante de indícios de autoria e materialidade de infração penal tem o poder-dever de investigar, processar e julgar o suposto transgressor da ordem jurídica.

Não obstante, a persecução penal só pode ser deflagrada mediante estrita observância às normas constitucionais e legais,

practice agreement hermeneutic method in the field of the postulate of proportionality, which harmonizes with the constitutional principles of fundamental rights and guarantees that guide the Brazilian criminal procedure. It will demonstrate that the non-application of this construction, in certain circumstances, could result in violation of the prohibition of insufficient protection principle.

KEYWORDS: Constitution. Criminal proceedings. Inadmissibility of evidence obtained by illegal means. Special constitucional protection of children and adolescents rights. Prohibition of infraprotection. Proportionality.

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pois o indiciado ou acusado está amparado por várias regras e princípios de cunho garantista que visam ao alcance do devido processo legal.

Nesse sentido, direito de grande importância é a inadmissibilidade da utilização de provas obtidas por meios ilícitos, consagrada no inc. LVI do art. 5º da Constituição da República.

Neste trabalho, buscar-se-á evidenciar que em casos excepcionais, consubstanciados em violações aos direitos das crianças e adolescentes (sujeitos de direito dotados de especial amparo pela ordem constitucional), o referido grupo de elementos probatórios poderá, de forma harmônica com os princípios norteadores da ordem jurídica, ser aproveitado. E mais.

Defender-se-á sua utilização justamente em prejuízo ao réu, quando, nos casos citados, a prova ilicitamente obtida, diante da ausência de outros elementos de convicção, for o único meio capaz de garantir a plena aplicação da lei penal.

Para tanto, será feito arrazoado demonstrando-se que pensamento em sentido inverso, além de chancelar a indiferença a mandamentos constitucionais específicos, resulta na violação ao princípio da proibição de infraproteção.

2 PERSECUTIO CRIMINIS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Quando um indivíduo pratica determinada conduta descrita em um tipo penal e lesa os mais importantes bens tutelados pelo direito, os órgãos incumbidos de apurar as circunstâncias em que o delito ocorreu e as instituições encarregadas de acusar e julgar o infrator deverão, inexoravelmente, iniciar os procedimentos administrativos e processuais destinados à apuraçãoda responsabilidade penal do suposto transgressor da ordem jurídica.

A persecutio criminis, entretanto, não pode ser deflagrada de forma absoluta e totalitária. O sistema jurídico brasileiro

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assenta-se sob um genuíno Estado de Direito, consagrador de normas protetivas das liberdades públicas ante o arbítrio do Estado. A Constituição, lei fundamental que juridicamente concebe o organismo estatal e se impõe como norma suprema da ordem jurídica, é verdadeiro “instrumento orientado para conter o poder, em favor das liberdades, num contexto de sentida necessidade de preservação da dignidade da pessoa humana” (MENDES; BRANCO, 2011, p. 46).

A jurisdição penal deve ser exercida mediante rigorosa observância às regras e princípios consagrados na Constituição e nas leis. O processo penal condenatório foi concebido a partir de uma perspectiva acusatória e voltada a segurança pública num panorama marcado pela ditadura do Estado Novo de Vargas. Entretanto, diante do atual contexto constitucional, nenhuma interpretação alicerçada neste cenário é possível.

Assim sendo, sob a égide da vigente Lei Fundamental, as normas instrumentais tornaram-se não só meios de viabilizar a aplicação do direito penal material, mas, precipuamente, instrumentos de salvaguarda do jus libertatis do indivíduo, para conter e balizar o poderio estatal. Já asseverou o Supremo Tribunal Federal 1:

(...) Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu - que jamais se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória -, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe, ao órgão acusador, o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público.

1 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 107795 MC/SP, Rel. Min. Celso

de Mello. Brasília, DF, 28 /10 /2011, Diário da Justiça, Brasília, DF, 07 /11 /2011.

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Esse conjunto de princípios fundamentais encontra-se majoritariamente positivado sob a forma de rol exemplificativo no art. 5º da Constituição de 1988, sobretudo nos incs. XXXVII a LXIX. Os postulados normatizam diferentes situações recorrentes no curso da persecução penal e regulam desde atos típicos da investigação, como a identificação criminal do indiciado (inc. LVIII) e o caráter excepcional da prisão antecedente ao trânsito em julgado (inc. LXI) até elementos eminentemente concernentes à relação processual, como a garantia ao promotor e juiz natural (inc. LIII) e os direitos ao contraditório e ampla defesa (inc. LV).

3 ÔNUS DA PROVA: PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E INADMISSIBILIDADE DE PROVAS ILICITAMENTE OBTIDAS

Dentre os princípios constitucionais relevantes para o processo penal, dois merecem amplo destaque neste artigo: trata-se da presunção de inocência (estado de inocência), inscrito na Constituição Federal no art. 5º, inc. XVII, e da inadmissibilidade das provas ilicitamente obtidas, contido no inc. XLI do mesmo artigo.

O primeiro postulado, em essência, garante a todos aqueles formalmente acusados em processo penal o gozo do

status de inocente até definitiva decisão judicial e tem o condão

de assegurar ao imputado que não lhe recaia qualquer restrição indevida sobre sua liberdade. Simultaneamente, tem fundo probatório, pois institui que todo onus probandi acerca da materialidade e autoria do delito deve recair exclusivamente à acusação, sendo que “à defesa restaria apenas demonstrar a eventual presença de fato caracterizador de excludente de ilicitude e culpabilidade, cuja presença fosse por ela alegada” (PACELLI, 2008, p. 35).

Na mesma linha de raciocínio apresentamos o pensamento Guilherme Nucci (2012, pág. 266)

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no processo criminal, o órgão acusatório deve demonstrar ao magistrado a verdade do alegado na inicial, o que servirá de lastro para alterar o estado constitucional de inocência do acusado. Este, por sua vez, detendo em seu favor a presunção de não-culpabilidade precisa apenas refutar o alegado e produzir contraprova para facilitar a improcedência da ação.

Evidencia-se, assim, que a lógica do sistema jurídico brasileiro incumbe ao Estado, mediante suas instituições especializadas, a colheita e produção das provas da ocorrência do fato criminoso e de sua autoria. Cabe à Polícia Judiciária e ao Ministério Público angariar elementos de convicção determinantes acerca da responsabilidade penal do acusado; sem eles, o aplicador do direito não poderá sancionar o réu, uma vez que o postulado em tela impõe ao julgador que a prova penal seja valorada em favor do acusado quando houver dúvidas sobre a existência de responsabilidade sobre o fato imputado.

O princípio da inadmissibilidade das provas colhidas por meios ilícitos também tem enorme peso na sistemática processual brasileira.

A supramencionada norma tem como escopo conter as diligências persecutórias do Estado ao limitar o âmbito de atuação dos órgãos investigativos e acusatórios às disposições legais pertinentes à matéria. Busca, destarte, evitar que a persecutio

criminis seja exercida de forma arbitrária e, assim, impedir que

os indivíduos tenham suas vidas devassadas indevidamente pelo Estado.

Consagra, a um só tempo, a imposição de idoneidade dos elementos probatórios colhidos pelo Estado e os direitos essenciais do acusado. Assim, o âmbito de proteção da garantia quanto à inadmissibilidade da prova ilícita “está em estreita conexão com outros direitos e garantias fundamentais, como o direito à intimidade e à privacidade [...]” (MENDES; BRANCO, 2011, p. 594).

Cite-se, ainda, o direito à inviolabilidade do domicílio (CF, art. 5º, XI), o sigilo da correspondência e das comunicações

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telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (CF, art. 5º, XII) e o direito ao sigilo profissional (CF, art. 5º, XIII e XIV), dentre outros.

A ideia de uma persecução criminal incondicionada é absolutamente contrastante com uma ordem jurídica que tem como baluarte a dignidade da pessoa humana. Se o Estado viola a lei, além da decretação de imprestabilidade das provas obtidas com desrespeito à ordem jurídica, é necessário sancioná-lo pela blindagem das garantias constitucionais do imputado.

Evidencia-se, assim, a ratio essendi dúplice do referido princípio constitucional, apto a, simultaneamente, regular o controle da atividade persecutória dos órgãos estatais e tutelar os direitos essenciais do indivíduo. A citada vedação é de grande repercussão na ordem jurídica pós-1988 e, juntamente com o postulado da presunção de inocência, passou a desempenhar o papel de verdadeira diretriz da persecução criminal, com grande impacto tanto em âmbito jurisprudencial quanto na própria legislação processual penal, considerada de inestimável contribuição para a evolução do processo penal brasileiro, embrionariamente inquisitório, para o status de persecução penal acusatória, desta feita, mais harmônico com os ditames constitucionais.

Consagra essa sistemática a Lei n. 11.690 de 09/06/2008, que altera o sistema de provas no processo penal brasileiro e institui o art. 157 no Código de Processo Penal, cujo caput determina que são inadmissíveis as provas obtidas mediante ilicitudes, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, as quais devem ser desentranhadas dos autos do processo.

Não obstante o cunho garantista dessas normas vigora há certo tempo no Brasil entendimento no sentido de que as provas obtidas ilicitamente, ou aquelas derivadas de meios ilícitos, podem ser utilizadas no processo penal quando em benefício do réu.

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A despeito da garantia inscrita no inc. LVI, assegurada como direito fundamental no art. 5º própria Constituição, a doutrina e jurisprudência majoritárias, conforme explicita Norberto Avena (2012, p. 468), “têm considerado possível a utilização das provas ilícitas em favor do réu quando se tratar da única forma de absolvê-lo ou, então, de comprovar um fato importante à sua defesa”.

Para tanto, parte-se da ideia de que a ordem jurídica é composta por princípios passíveis de entrechoque, pois não há valor incondicional no direito, todos os mandamentos nucleares materializados sob a forma de postulados normativos são passíveis de colisão. Não é outro o entendimento de Celso Ribeiro de Bastos (2010, p. 228), para quem “nenhum direito reconhecido na Constituição pode revestir-se de caráter absoluto”.

Os eventuais cotejos entre princípios são resolvidos mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, realizando-se a devida ponderação, segundo as exigências do caso concreto, entre os direitos em dissonância.

Todavia, a referida aplicação do postulado da proporcionalidade, no âmbito do atual entendimento vigente no Brasil, fica adstrita às hipóteses que beneficiem o réu. Permite-se que Permite-seja realizada a ponderação entre os valores em choque para que se enseje uma absolvição, sob o argumento de que o Estado de Direito não pode tolerar uma condenação injusta quando houver prova, ainda que ilícita, capaz de demonstrar a inocência do acusado.

Norberto Avena (2012, p. 469) apregoa que “o texto constitucional não se coaduna com o erro judiciário, razão pela qual é inaceitável que um inocente seja condenado apenas porque a prova que o inocenta não foi obtida por meios lícitos [...]”. Não é admissível, por outro lado, que as provas obtidas com desrespeito ao ordenamento jurídico sejam utilizadas para embasar uma condenação.

Com a devida vênia das opiniões em sentido contrário, reunir-se-á esforços neste trabalho para demonstrar que o

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raciocínio inverso, consistente na utilização do mesmo método harmonizador de princípios é, em casos excepcionais, igualmente viável. Ademais, aduzir-se-á que nas situações que envolvem transgressões aos direitos infanto-juvenis, a ausência de sua aplicação pode conduzir à violação ao princípio da proibição de infraproteção, lesando, por conseguinte, o postulado da proporcionalidade.

4 PRINCÍPIOS JURÍDICOS

Princípios são normas dotadas de cunho finalístico que estatuem objetivos a serem alcançados, consubstanciados num estado ideal de coisas concebido pela ordem jurídica como indispensável à comunidade política. Segundo Humberto Ávila (2005, p. 72), os princípios instituem o “dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas ou, inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de comportamentos a ele necessários”.

Ao apregoarem determinado fim, os princípios estatuem orientações práticas (condutas e comportamentos) a serem realizadas pelos destinatários de seus comandos normativos. Mediante a adoção de tais (imprescindíveis) comportamentos a finalidade tida como escopo da norma é atingida.

A realização de um princípio se torna possível na medida em que seu conteúdo é esclarecido, delineando-se, consequentemente, os comportamentos necessários à sua consecução; revela-se necessário, para tanto, interpretar global e sistematicamente os dispositivos constitucionais atinentes a ele, concatenando-os. Prediz Humberto Ávila (2005, p. 73) que “o início da progressiva delimitação do fim se faz pela construção de relações entre as próprias normas constitucionais, de modo a estruturar uma cadeia de fundamentação, centrada nos princípios aglutinadores”.

Possuem conteúdo discricionário e abrangente. Foram definidos como mandados de otimização (ALEXY, 2008, passim),

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uma vez que admitem diferentes graus de incidência, ou seja, um mesmo princípio pode ser veementemente aplicado a um determinado caso concreto, enquanto, diante de situação diversa, pode apresentar aplicabilidade reduzida. Sua amplitude, o grau de incidência que possui em relação a uma situação real, é sempre determinado pelas possibilidades fáticas e jurídicas, analisando-se os limites de sua força normativa por meio das normas que a ele se contrapõe (ALEXY, 2008, passim).

5 COTEJO ENTRE PRINCÍPIOS: APLICAÇÃO DO POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE

Assim sendo, é possível que direitos fundamentais igualmente dotados de abrigo na Lei Fundamental entrem em choque num determinado caso concreto. Típico exemplo de tal cotejo se dá quando a liberdade artística, intelectual, científica ou de comunicação (CF, art. 5º, inc. IX) se colide com o direito a intimidade ou a vida privada (CF, art.5º, inc. X). Ou nos casos em que a liberdade interna de imprensa (art. 38º, 2º, da Constituição Portuguesa), que tem como pressuposto a liberdade de expressão e criação dos jornalistas, pode se chocar com o direito de propriedade das empresas de comunicação.

Quando situação dessa espécie se afigura, é necessário que o operador do direito recorra ao princípio da proporcionalidade para que, baseado na ponderação entre os direitos dissonantes, de acordo com o método hermenêutico da concordância prática, visualize qual dos valores em choque merece prevalência no caso concreto.

Por proporcionalidade entende-se a necessidade de conciliar os direitos em dissonância da forma que melhor otimize as normas em conflito, de acordo com as circunstâncias do caso concreto; parte-se do pressuposto, para tanto, de que os princípios têm pesos variados.

O referido postulado não foi expressamente consagrado pela Lei Fundamental. Sua presença na sistemática constitucional

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se dá de forma implícita; seu conteúdo é revelado mediante a apreciação dos demais postulados presentes na Carta Constitucional.

Assim, a sede constitucional da proporcionalidade é controversa. Há quem advogue, com sustentação na doutrina alemã, que o postulado está contido no princípio do Estado de Direito (art. 1º, CF /88). Outros, amparados em juristas norte-americanos, identificam-no na cláusula do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV). Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Branco (2011, p. 254) identificam que o referido postulado “teria sua sede na disposição constitucional sobre o devido processo legal”.

Saliente-se que, conforme lição de Humberto Ávila (2005: p.116), “o postulado da proporcionalidade exige adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito de uma medida havida como meio para atingir um fim empiricamente controlável”.

A proporcionalidade, também segundo lição de Gomes Canotilho (1998, passim), se subdivide em três subprincípios, a saber: necessidade, adequação (idoneidade) e proporcionalidade em sentido estrito (razoabilidade).

Por necessidade, entende-se a inexistência de outro meio menos danoso para solucionar a controvérsia constitucional; a supremacia do princípio que tende a ser preferido é justificada pela ausência de solução alternativa dotada de menor gravidade. A adequação, por sua vez, corresponde à viabilidade téc-nica do meio escolhido (a supremacia do princípio consagrado) alcançar o fim pretendido, ou seja: a restrição do princípio prete-rido tem de ser idônea para oferecer solução equânime ao caso.

Por proporcionalidade em sentido estrito, ou razoabilidade, considera-se que o grau de satisfação alcançado com o princípio prevalente tem de ser maior que o sacrifício imposto ao direito oposto.

Em outras palavras, na lição de Humberto Ávila (2005: p.131) “o meio será desproporcional se a importância do fim não justificar a intensidade da restrição dos direitos fundamentais.”

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A ponderação consiste no sopesamento realizado entre os valores dissonantes. É o último teste da proporcionalidade. Os princípios são “colocados em uma balança”; aquele que apresentar maior peso prevalecerá, delineando os contornos do caso concreto. O exercício da ponderação parte do pressuposto de que no sistema constitucional, a despeito de inexistirem normas de diferentes valores hierárquicos, é possível que haja princípios com “pesos abstratos” distintos.

O postulado hermenêutico da concordância prática2, a seu turno, é o instrumento exegético que guiará o operador do direito durante a realização da ponderação. Após decifrar, mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, qual o direito detém maior peso na situação fática, caberá ao exegeta comprimir o alcance dos postulados colidentes, conferindo maior prevalência a um deles; a harmonia (concordância) entre os princípios é alcançada na situação concreta (prática), partindo-se da ideia de que a Constituição deve ser interpretada de forma global. Coaduna-se, assim, com o princípio da unidade constitucional3.

O uso do princípio da proporcionalidade (juntamente com os expedientes da ponderação e da concordância prática)4 tornou-se recorrente no Supremo Tribunal Federal em casos de

2 O princípio da concordância prática é aplicado nos casos em que normas constitucionais se chocam. Nestas situações, os programas normativos das disposições conflitantes têm de ser comprimidos até que se encontre o ponto de ajuste de cada qual de acordo com a relevância que possuem no caso concreto. Ver MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, págs. 109-110.

3 Ante o exposto, evidencia-se que a exigência de conciliação prática é decorrência do postulado de coerência e racionalidade do sistema constitucional. Este, por sua vez, é ínsito ao próprio princípio da unidade da Constituição. Ver MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 109-110.

4 Interessante distinção entre proporcionalidade, ponderação e concordância prática pode ser encontrada na obra de Humberto Ávila, Teoria dos Princípios: da definição

à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, pág.

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alta complexidade (hard cases). Cite-se, a título de ilustração, o caso da “farra do boi5”.

Discutiu-se, in casu, se a tradição vigente no estado de Santa Catarina, consubstanciada no costume da população em perseguir um boi, deveria ser mantida, entendendo-se que se trata de verdadeira manifestação cultural, incumbindo, portanto, ao Estado protegê-la (art. 215, §1º, da CF). Ou, noutro sentido, se com fundamento no art. 225 da Carta, a Corte deveria fazer prevalecer o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, vedando-se a crueldade aos animais.

Como se vê, o caso atraiu a aplicação de dois princípios dissonantes. No embate entre a proteção às manifestações culturais e a vedação à crueldade contra os animais (art. 215, inc. VII, da CF), concluiu o Pretório Excelso que a prática da população do estado de Santa Catarina desbordava-se dos limites de uma típica manifestação cultural6.

Destarte, resta claro que a Corte Suprema utilizou-se da ponderação entre os valores antagônicos (manifestação cultural

versus meio ambiente ecologicamente equilibrado /vedação à

crueldade contra os animais) para, nos termos do caso concreto, identificar aquele que merecia prevalência.

Outra situação, já na seara penal, é o caso de respaldo nacional que aportou na Suprema Corte em 2002, em que agentes da Polícia Federal eram acusados de cometer estupro carcerário

5 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE nº 153.531/SC, Rel. Min. Marco Aurélio. Brasília, DF, 3/6/1997, Diário da Justiça, Brasília, DF, 13 /03 /1998.

6 Disseo Ministro Marco Aurélio: “Entendo que a prática chegou a um ponto a atrair, realmente, a incidência do disposto no inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal. Não se trata, no caso, de uma manifestação cultural que mereça o agasalho da Carta da República. Como disse no início de meu voto, cuida-se de uma prática cuja crueldade é ímpar e decorre das circunstâncias de pessoas envolvidas por paixões condenáveis buscarem, a todo custo, o próprio sacrifício do animal”. Ver BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE nº 153.531/SC, Rel. Min. Marco Aurélio. Brasília, DF, 3/6/1997, Diário da Justiça, Brasília, DF, 13 /03 /1998.

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contra extraditanda nas dependências da própria instituição (caso Glória Treviño7).

O Ministério Público Federal, objetivando reunir elementos que fundamentassem a acusação, requereu a realização de exame de DNA por meio da placenta da suposta vítima, a fim de atestar a paternidade do nascituro para angariar elementos de acusação.

Conforme o entendimento de Eugênio Pacelli (2008, p. 325), a prova em questão é considerada ilícita porque “não há lei brasileira autorizando o exame de DNA contra a vontade do titular do material recolhido”.

Na situação em tela, portanto, afigurava-se necessário proceder à ponderação entre os valores constitucionais envolvidos.

Em relação à extraditanda, invocava-se o direito à intimidade e vida privada (art. 5º, inc. X, CF). Opostamente, estavam em jogo os valores da moralidade administrativa (art. 37, caput, CF) e honra dos agentes (art. 5º, inc. X, CF).

O Pretório Excelso definiu que o exame hematológico deveria ser realizado, mesmo contra a vontade da vítima: os valores contrapostos à intimidade e vida privada, no âmbito da proporcionalidade, prevaleciam no caso concreto.

Observe-se, assim, que o Supremo Tribunal Federal utilizou-se claramente do postulado da proporcionalidade como critério de resolução de choque entre princípios. E mais: o fez a favor da acusação.

7 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RCL nº 2040/DF, Rel. Min. Néri da Silveira. Brasília, DF, 21/02/2002, Diário da Justiça, Brasíla, DF, 27/06/2003.

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6 FINALIDADE PRECÍPUA DA VEDAÇÃO AO USO DE PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS E A ESPECIAL PROTEÇÃO AOS DIREITOS INFANTO-JUVENIS; PONDERAÇÃO ENTRE BENS E VALORES ENVOLVIDOS

O direito fundamental à inadmissibilidade das provas ilicitamente obtidas, conforme já foi afirmado, tem como destinatário imediato o Estado. E isso porque é a referida instituição que recebeu do sistema jurídico a incumbência de produzir provas. É o Estado, por meio da polícia judiciária, que procede à colheita de elementos de convicção para a instrução da exordial acusatória e, outrossim, pela atuação do Ministério Público, postula a condenação do acusado em juízo.

Frise-se que a vedação das provas colhidas mediante transgressão ao direito foi consagrada na Constituição em forma de princípio. O inc. LVI do art. 5º da Carta Magna é norma de caráter amplamente discricionário e abrangente, a qual apregoa um fim a ser alcançado mediante a adoção de determinados comportamentos.

O escopo da referida proibição é estatuir um Estado em que a persecutio criminis seja controlada e obediente à lei e nenhuma investigação criminal poderá transgredir os parâmetros explícita ou implicitamente trazidos pela ordem jurídica, sob pena de sua inexorável invalidação. O estado de coisas almejado pela norma em tela é a garantia, notadamente no âmbito processual penal, da obediência aos preceitos essenciais do Estado de Direito. Em outras palavras, significa dizer que quando determinado indivíduo é investigado ou processado, suas garantias fundamentais devem permanecer incólumes.

Os comportamentos delineados pelo constituinte para que o supracitado fim seja atingido são passíveis de identificação na própria Constituição. Em vários dispositivos contidos no art. 5º encontram-se verdadeiros limites à colheita de provas. A investigação criminal, v.g., não pode arbitrariamente interceptar

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as comunicações telefônicas dos indiciados, nem realizar devassas generalizadas em suas correspondências, dados ou comunicações telegráficas8. Ademais, são vedadas invasões policiais forçadas nas residências dos investigados9.

Por outro lado, a Lei Fundamental também se ocupou de conferir especial proteção aos direitos das crianças e adolescentes. Nos artigos 227 e 22810 fica claro que o Estado assegurará com “absoluta prioridade” os direitos gerais e exclusivos dos menores, ao colocar em evidência seu dever de ampará-los com ações especiais. A Constituição destinou um sistema de prioridade absoluta em relação a estes sujeitos de direitos.

O fim a ser concretizado por essa sistemática é a consolidação de um conjunto de medidas que garantam a essas pessoas, ainda em estágio de desenvolvimento de suas personalidades e, portanto, dotadas de maior vulnerabilidade, condições plenas de atingirem a maturidade de forma livre e íntegra, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Os comportamentos indispensáveis à consecução dessa finalidade são também identificáveis na própria Lei Fundamental. Prerrogativas especiais e exclusivas são conferidas às crianças e aos adolescentes, como os direitos à convivência familiar, à alimentação, ao trabalho protegido e à inimputabilidade penal. A ordem jurídica assegura-lhes direitos específicos para protegê-los em suas fragilidades e dar-lhes condições de livremente desenvolverem suas potencialidades. O respeito a essa sistemática

8 Art. 5º, inc. XII, da CF. 9 Art. 5º, inc. XI, da CF.

10 Determina o art. 227, caput, da Carta: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O art. 228 institui: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

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de forma prioritária pelo Estado conduz à consagração do fim inscrito na norma do art. 227 da Constituição Federal.

É imperioso evidenciar que esses direitos especiais das crianças e dos adolescentes constituem-se em mandamentos que obrigam o Estado, em âmbito legislativo, executivo e judiciário a realizar prestações positivas (comportamentos indispensáveis) para tutelá-los.

Nesse sentido, como exemplo desses comportamentos indispensáveis, cabe ao Poder Legislativo editar normas que regulem o trabalho protegido dos menores aprendizes, sob pena de caracterizar inconstitucionalidade por omissão. O Poder Executivo, a seu turno, deve implantar políticas públicas que materializem com especial cuidado os direitos dos hipossuficientes, conferindo concretude aos preceitos legislativos. Ao poder judiciário, enfim, é dada a importante função de, nos casos concretos postos à sua apreciação, aplicar o direito de forma a privilegiar os interesses infanto-juvenis violados, em obediência aos parâmetros constitucionais.

Como a própria Constituição deu prevalência aos direitos das crianças e dos adolescentes, estatuindo que o Estado deve agir positivamente para concretizá-los, infere-se que em âmbito processual – pois o Poder Judiciário deve garantir proteção suficiente a estes direitos – a Lei Fundamental criou uma exceção à inadmissibilidade das provas ilicitamente obtidas.

Se o órgão julgador, apreciando, v.g., um caso de violência sexual contra criança, encontra nos autos apenas uma prova, eivada de ilicitude, apta a condenar o acusado deve, em respeito à sistemática constitucional, admiti-la. Ao contrário, estaria perpetuando verdadeira transgressão aos mandamentos positivados pelo poder constituinte originário.

Nesse diapasão, a Lei Fundamental, conforme se expôs, expressamente conferiu relevância especial aos direitos da criança e do adolescente, colocando-os em posição de destaque em relação às prerrogativas dos demais indivíduos. Observa-se, portanto, que devido à sua condição de vulnerabilidade, as

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crianças e os adolescentes devem ser cuidadosamente protegidos pelas instituições estatais.

Assim sendo, afigura-se evidente que no embate entre os direitos do acusado eventualmente violados pela obtenção da prova e os valores constitucionais protetores da infância e da adolescência, estes, ab initio, já portam maior relevância abstrata do que os primeiros, devido ao destaque constitucional a eles conferido. Mas a problemática não se esgota aqui.

Para que as provas obtidas por meios ilícitos possam ser utilizadas contra o réu é necessário que a ratio essendi da vedação constitucional permaneça intacta e, sobretudo, é imprescindível que sua aceitação não se afigure como verdadeiro beneplácito judicial a permitir abusos de poder por parte das autoridades públicas, sob pena de criar precedentes para que a inquisição penal possa, de forma recorrente, ser lugar comum de expedientes antijurídicos.

Assim, sustenta-se que naqueles casos em que o Estado não participe da colheita ilícita da prova torna-se possível a sua utilização para fundamentar o oferecimento de denúncia, desde que seja o único meio capaz de demonstrar a violação dos direitos da criança e do adolescente.

Se um particular, destituído de qualquer vínculo funcional com a polícia judiciária ou com o Parquet obtém a prova da ofensa à criança ou ao adolescente, apresentando-a ulteriormente às referidas instituições, não há que se falar em lesão à vedação das provas ilicitamente obtidas. O Estado, destinatário da proibição, não incorreu em ilegalidade alguma. A prova do fato criminoso foi-lhe fornecida por terceiro.

Convém destacar que, segundo ensina Eugênio Pacelli (2005, p. 324), “o direito norte-americano, exatamente a fonte de nossa vedação das provas ilícitas, aceita, sem maiores problemas, a prova ilicitamente obtida por particulares”.

Outrossim, não há que se falar, prima facie, em impossibilidade de aceitação da prova devido à violação dos direitos do acusado no caso em discussão. Conforme se expôs,

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quando os princípios colidirem em um caso concreto, sofrem modificações em suas forças normativas; aquele que se apresenta mais determinante para a solução do conflito deve prevalecer. A Constituição indicou o caminho a ser trilhado ao conferir especial atenção aos direitos da juventude, ao atribuir-lhes posição de prevalência frente aos demais.

Destarte, sempre que os direitos dos menores, inscritos no art. 227 da Carta Magna, se entrechocarem com direitos violados do acusado (privacidade, inviolabilidade do domicílio, sigilo profissional, inviolabilidade das comunicações telefônicas etc.) aqueles deverão prevalecer.

Advogar tese contrária seria o mesmo que permitir a infraproteçaõ da criança e do adolescente, pois a Lei Fundamental determina que sejam colocados a salvo de toda forma de negligência, crueldade e opressão. A fim de preservar esses mandamentos, revestidos de posição de destaque na sistemática constitucional, é proporcional e harmônico que elementos de convicção, angariados por terceiros, capazes de demonstrar a prática de atos atentatórios contra os direitos referidos sejam validados. A própria Carta Magna, nos dispositivos do art. 227, viabilizou a mitigação do inc. LVI do art. 5º.

As lesões aos direitos infanto-juvenis devem ser prevenidas com especial firmeza pelo legislador11. Interpretando-se simetricamente essa norma, conclui-se que as transgressões a esses direitos devem ser reprimidas também com especial consistência pelo Poder Judiciário.

O Supremo Tribunal Federal já teve grandiosa oportunidade de sedimentar jurisprudência nesse sentido. No RE 251445/GO12 a Corte constitucional se debruçou sobre um caso que envolvia violência sexual de menores.

11 Art. 227, §4º, CF /88.

12 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 251445/GO, Rel. Min. Celso de Mello. Brasília, DF, 21/06/2000, Diário da Justiça, Brasília, DF, 03 /08 /2000.

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Determinado sujeito foi acusado de praticar crimes contra a incolumidade sexual de crianças e adolescentes de forma reitera-da. Uma das vítimas, acompanhada de outro menor, adentrou o consultório odontológico e subtraiu fotos que continham imagens de crianças mantendo relações sexuais com o réu.

Diante de verdadeiro choque entre princípios: de um lado, o direito do acusado à inviolabilidade do domicílio (art. 5º, inc. XI, da CF /88) e, do outro, figuravam os direitos .à segurança, intimidade e proteção à incapacidade das crianças (art. 227, CF/88).

Como já se afirmou, o princípio da proporcionalidade é passível de aplicação em situações deste tipo, em que há cotejo de dois ou mais valores constitucionais. Passemos, assim, à análise da possibilidade de, nas circunstâncias apresentadas, o jus puniendi estatal poder ser aplicado.

O primeiro teste a ser realizado consiste na averiguação da necessidade da medida; é imprescindível que a não satisfação do direito à inviolabilidade do domicílio se mostre como o único meio apto a atingir o escopo buscado naquele processo, qual seja: a aplicação da lei penal, consagrando-se, assim, os direitos violados dos menores.

No caso em tela, a mitigação do direito à inviolabilidade do domicílio do imputado é o único modo de consagrar a proteção dos direitos infanto-juvenis. Não há solução alternativa na ordem jurídica para o tratamento processual penal da comprovada agressão sexual de menores, pois a proibição de infraproteção faz com que os direitos da criança e do adolescente preponderem sobre os interesses individuais do imputado.

O segundo teste refere-se à análise da adequação. Só pode-rá haver prevalência dos direitos das crianças e adolescentes se a não satisfação do direito à inviolabilidade domiciliar do acusado for meio apto (idôneo) à consagração dos primeiros. Isso porque, com base neste subprincípio, o meio só é considerado proporcio-nal se alcançar a proteção constitucioproporcio-nal por ele perquirida, que é, in casu, a proteção do bem jurídico infanto-juvenil.

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O processo é uma sequência de atos delineados de forma teleológica para que, no fim, seja o acusado condenado ou absolvido. As provas ilicitamente obtidas trazidas aos autos do caso sub examine, caso aceitas, possibilitariam a prolação de sentença penal condenatória. A reprimenda aos atos criminosos, comprovados pelas fotografias, ocorreria e, consequentemente, estar-se-ia consagrando os direitos infanto-juvenis transgredidos pelo imputado. Dessa forma, atingir-se-ia a devida proteção ao bem jurídico violado, em consonância com a ordem constitucional. Isto é: o meio – a supremacia dos direitos infanto-juvenis em relação aos direitos do acusado – é idôneo para que o fim perquirido no processo (a busca de elementos de convicção e a consagração dos direitos dos menores) seja atingido, evitando-se que novos atentados a ele sejam cometidos (função preventiva da pena).

Por fim, passa-se ao exame da proporcionalidade em sentido estrito. Aqui, é imperioso que o grau de satisfação obtido com a prevalência dos direitos dos incapazes seja maior do que os prejuízos ocasionados aos direitos do acusado. Como a Constituição concede proteção especial aos direitos das crianças e adolescentes e, in casu, por reiteradas vezes houve a prática de graves crimes contra a dignidade sexual dos menores, a adequação e a necessidade de punir o infrator são proporcionais ao fim perseguido pela Constituição Federal de 1988.

No caso em comento, a prova obtida por meio ilícito poderia ter sido aceita pois não fora produzida pelo Estado, mas por um particular, que no caso, era uma das tantas vítimas do imputado. A ratio essendi da vedação às provas ilicitamente obtidas permaneceu preservada, pois inexiste transgressão ao conteúdo da norma, uma vez que não houve desvio ou abuso de poder pelas autoridades públicas13 e, em especial, porque a 13 Conforme ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci “os agentes do Estado não podem delinquir para obter provas, ainda que voltadas para a apuração de crimes graves.” In: NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e

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própria Constituição Federal concede prioridade absoluta aos interesses da criança e do adolescente.

7 PROIBIÇÃO DE INFRAPROTEÇÃO

O Direito só pode ser substancialmente apreendido se visualizado de forma global e sistêmica. O exercício da hermenêutica jurídica não se dá em relação a normas individualmente consideradas e isoladamente interpretadas. É imperioso que a interpretação parta do todo para a parte e da parte para o todo, num verdadeiro círculo hermenêutico.

O princípio inscrito no inc. LVI do art. 5º da Carta Magna deve ter seu conteúdo revelado e sua extensão delimitada por meio de sua concatenação com as demais disposições constitucionais que, nas peculiaridades de cada caso concreto, com ele se relacionem. De forma idêntica, as normas que tutelam os direitos infanto-juvenis devem ser interpretadas a partir de seu encadeamento com os princípios que lhe sejam conexos. Nos casos de violência sexual a crianças e adolescentes é imperioso que os dispositivos supracitados sejam sistematicamente interpretados para que a solução harmônica com a ordem constitucional seja alcançada.

Nesse sentido, observe-se que o caput do art. 227 prediz que o Estado, a sociedade e a família têm o dever de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, determinados direitos exclusivos, dentre os quais se incluem a proteção a toda e qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Prosseguindo-se na leitura dos dispositivos do artigo, encontra-se inscrito em seu §4º que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.

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Assim sendo, quando o precitado parágrafo institui que a lei deverá punir o abuso e a violência sexual praticados contra os vulneráveis não está a se referir, exclusivamente, ao Poder Legislativo.

Afinal, o sentido da norma não é o de impor apenas ao legislador a proteção dos menores. A lei é editada pelo Poder Legislativo, mas é aplicada pelo Poder Judiciário, que deve viabilizar efetividade e concretude aos comandos normativos nos casos concretos. Ao Judiciário, portanto, compete ao Estado o dever de garantir posição de relevo aos direitos infanto-juvenis quando transgredidos. E esta especial proteção se revela ainda mais necessária em âmbito penal, pois é nesta seara que as mais graves violações aos direitos dos menores acontecem.

Observa-se, assim, que a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos quando confrontada com o dever de conferir especial proteção aos menores deixa de ser absoluta.

É necessário que o órgão julgador admita a prova ilicitamente obtida pelo particular quando se deparar com a violação dos interesses da criança e do adolescente, se verificar a ausência de outros elementos probatórios capazes de embasar o recebimento da denúncia ou a prolação de sentença penal condenatória. Dessa forma, o Poder Judiciário tutelará suficientemente os direitos fundamentais dos menores, nos termos da prioridade absoluta a eles conferida pela Constituição Federal.

Note-se que o raciocínio esposado neste trabalho permite compreender que o magistrado não pratica atos ilegais por violar direitos fundamentais do acusado, pois o modus operandi compatível com a Constituição é exatamente este. A pensar de outro modo, o Estado oferecerá menos segurança à infância e juventude, o que o afronta o princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição da infraproteção. Em acréscimo, vale lembrar que o legislador constituinte impôs um imperativo de tutela, não mera faculdade.

Os direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal apresentam viés subjetivo, pois qualquer pessoa pode

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invocá-los a seu favor para se proteger das indevidas ingerências do Estado na esfera íntima de sua liberdade, a qual deve ser exercida plenamente, pelo livre-arbítrio.

Os direitos fundamentais têm também dimensão objetiva, no sentido de que detém caráter institucional, vinculando os órgãos do Estado aos seus mandamentos e obrigando-o a criar condições que lhes garantam eficácia. Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Branco (2011, p. 189) aduzem que “a dimensão objetiva resulta do significado dos direitos fundamentais como princípios básicos da ordem constitucional”.

Nesse sentido, compreende-se que a função protetiva dos direitos fundamentais por parte do Estado não se exaure no seu mero reconhecimento ou concessão; exige-se que condições concretas, materializadas pelos três poderes, garantam que as prerrogativas essenciais sejam, de fato, protegidas e dotadas de concretude.

O princípio da proporcionalidade, tradicionalmente entendido como vedação de medidas autoritárias por parte do poder público, pela vertente da proibição do excesso, possui também outra faceta: a da proibição da proteção insuficiente. Assim, se o Estado se omite na sua função de garantidor dos direitos fundamentais, por desproteger ou por tutelar de forma insuficiente os valores essenciais à sociedade, violará o princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de infraproteção.

Transcreva-se, aqui, preciosa lição do professor Ingo Wolfgang Sarlet (2005, pág. 107) sobre o tema:

A noção de proporcionalidade não se esgota na categoria da proibição de excesso, já que vinculada igualmente, como ainda será desenvolvido, a um dever de proteção por parte do Estado, inclusive quanto a agressões contra direitos fundamentais provenientes de terceiros, de tal sorte que se está diante de dimensões que reclamam maior densificação, notadamente no que diz com os desdobramentos da assim chamada proibição de insuficiência no campo jurídico-penal e, por conseguinte, na esfera da política criminal, onde encontramos um elenco significativo de exemplos a serem explorados.

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O professor prossegue na explicação (SARLET: 2005, pág. 132):

A violação da proibição de insuficiência, portanto, encontra-se habitualmente representada por uma omissão (ainda que parcial) do poder público, no que diz com o cumprimento de um imperativo constitucional, no caso, um imperativo de tutela ou dever de proteção, mas não se esgota nesta dimensão (o que bem demonstra o exemplo da descriminalização de condutas já tipificadas pela legislação penal e onde não se trata, propriamente, duma omissão no sentido pelo menos habitual do termo).

Também Edilson Mougenot Bonfim (2004, p.358) em excelente tese defendida na Universidade Complutense de Madrid, com o título “El principio de proporcionalidad en el proceso penal” esclarece que no caso de idoneidade, necessidade e vencida a relação meio-fim do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, e não se efetue a medida, falar-se-á de uma violação do princípio da proporcionalidade, do tipo de proibição de infraproteçaõ.

Nesse compasso, diante das já citadas condições peculiares, o Estado-juiz não pode deixar de admitir uma prova obtida com violação a direito evidentemente dotado de menor relevância (como no caso da violação ao domicílio ou à intimidade) quando esta prova for trazida por particular quando, do outro lado da balança, estão os direitos das crianças e adolescentes, para os quais a Carta confere prioridade absoluta.

Como destaca Edilson Mougenot Bonfim (2012, p. 387), “o caso concreto apontará a preferência de valores: vale dizer, no Estado Democrático de Direito inexiste uma tabela a priori de valores, genérica, abstrata, em que se estabeleça qual deles possa invariavelmente preponderar sobre os demais.”

Os órgãos de todos os poderes do Estado devem implementar as diretrizes protetivas impostas pela Constituição, sempre com observância ao princípio da proporcionalidade, seja na vertente da proibição do excesso, seja na da proibição de

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infraproteçaõ, pois somente assim os níveis de proteção mínimos exigidos serão alcançados.

CONCLUSÃO

Após a apreciação da magnitude de direitos conferida à infância e à juventude torna-se compreensível a possibilidade de admissão da prova obtida por meio ilícito em favor da vítima menor.

A persecução criminal deve ser realizada mediante o atendimento dos dispositivos legais e constitucionais do sistema processual penal acusatório, a fim de que a prestação jurisdicional seja realizada com obediência ao devido processo legal.

Para tanto, nos casos em que a tutela dos interesses das crianças e dos adolescentes seja cotejada com os direitos fundamentais do acusado não se deve perder de vista o mandamento constitucional que confere àqueles prioridade absoluta e, exatamente por isso, autoriza-se a admissibilidade da prova obtida por meio ilícito pro societate, sem que isso signifique chancela ao Estado para intervir abusivamente na vida do acusado. Ao contrário, nesse caso, a adoção da referida prova - obtida pelo particular - como elemento de convicção no processo penal cumprirá os objetivos constitucionais de proteção delineados ao longo do art. 227 da Carta Magna.

REFERÊNCIAS

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BONFIM, Edilson Mougenot. Código de Processo Penal anotado. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. Ed. Coimbra: Almedina, 1988.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. São Paulo: RT, 2012.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre a proibição de excesso e de insuficiência. Revista da Ajuris, na o XXXII, nº 98, junho/2005.

Recebido em 13/10/2012. Aprovado em 26/02/2013.

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