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GÊNERO E BEM-ESTAR SOCIAL

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GÊNERO E BEM-ESTAR SOCIAL

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Mariana Eugenio Almeida†

Franklin Bruno da Silva‡

Palavras-chave: Gênero; bem-estar social; família; trabalho.

* Trabalho apresentado no XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Águas de

Lindóia/SP – Brasil, de 19 a 23 de novembro de 2012.

Mestranda em Administração Pública, pela Fundação João Pinheiro.

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GÊNERO E BEM-ESTAR SOCIAL4

1. INTRODUÇÃO

As sociedades contemporâneas nas últimas décadas foram marcadas por profundas transformações, sejam estas relacionadas a fatores de ordem econômica ou política. Uma das grandes consequências dessas mudanças foi o atual desmoronamento das formas tradicionais de Welfare State erguidos desde fins do século XIX nas nações da vanguarda do capitalismo industrial. A diversidade e multidimensionalidade das novas demandas socioculturais surgidas neste momento histórico vêm coagindo não só a reinvenção do Estado, como paralelamente, vêm produzindo também alterações estruturais na construção da dinâmica da realidade social. As relações de gênero, por exemplo, podem ser consideradas tema conspícuo para se pensar estas novas inflexões. Em todo o mundo passamos a testemunhar mudanças significativas nos padrões tradicionais das famílias e nas relações entre homens e mulheres, assim como um elevado protagonismo feminino no mercado de trabalho e na condução do rumo de suas vidas e, sobretudo, de suas famílias.

Portanto, essas transformações vêm causando por um lado, impactos diversos nas sociedades, como baixa taxa de fecundidade; e por outro, vem exigindo que Estado forneça renovadas políticas públicas para mitigar um novo espectro de problemas socioeconômicos. Assim, observa-se que a implementação das políticas sociais pode ser vista como uma resposta às transformações da sociedade. Por outro lado, há indícios de que estas políticas podem influenciar de maneira significativa as relações de gênero, trabalho e família.

Desta forma, o presente estudo possui como objetivo primordial analisar as transformações ocorridas na estrutura familiar e nas relações de gênero nos países desenvolvidos e no Brasil e os principais impactos causados na realidade social do país, tendo como perspectiva o papel do Estado e o novo desenho das políticas sociais. Ou seja, sob um olhar de gênero, procura-se discutir como a institucionalização de políticas sociais pode afetar de maneira distinta as condições de vida de homens e mulheres, nos diferentes regimes de bem-estar social; em especial, os efeitos de políticas de proteção às crianças e políticas de trabalho.

Trata-se de um trabalho bibliográfico e descritivo. Foram utilizados dados provenientes do Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat); dos Censos Domgráficos, realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Ministério da Previdência Social e dos Censos Escolares, realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Procurou-se apresentar dados descritivos das mudanças na estrutura familiar e no mercado de trabalho, bem como das políticas sociais analisadas, de modo a subsidiar a análise bibliográfica apresentada.

O artigo está organizado em cinco seções, a contar com esta introdução. A segunda seção traz uma discussão teórica sobre a relação entre gênero e os Estados de Bem-Estar Social nos países desenvolvidos. A seção três discute as relações existentes entre as dimensões de gênero, família e trabalho no Brasil. Já a seção quatro procura analisar a especificidade do “Estado de Bem-Estar Social” brasileiro, discutindo como o Estado brasileiro tem respondido às transformações recentes na sociedade, e suas implicações para as relações de gênero. Optou-se por analisar duas políticas específicas: a de licença-maternidade e a de educação infantil. Finalmente, a seção cinco traz algumas considerações finais.

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2. BEM-ESTAR SOCIAL E GÊNERO

2.1. Como as dimensões de gênero e família se relacionam com o Estado de Bem-Estar Social

Os regimes de bem-estar social refletem uma dada interação entre o Estado, o mercado e a família, no que diz respeito à provisão de bem-estar. Nesse contexto, as dimensões de família e gênero são essenciais para a construção de um Estado de Bem-Estar Social. Além de definirem suas estruturas, interferem em seus impactos e são, também, afetadas por tais instituições (DRAIBE, 2007). Uma perspectiva de gênero sobre os diferentes regimes de Bem-Estar Social sugere que tais instituições podem causar efeitos diversos sobre homens e mulheres. Ao deixar de lado as dimensões de família e gênero, os estudos sobre os Estados de Bem-Estar Social teriam negligenciado fatores de grande importância para a explicação da evolução, das transformações e das variações dos Welfare States (DRAIBE, 2007). Tais estudos foram bem sucedidos em analisar um único tipo de Estado de Bem-Estar, notadamente aquele caracterizado pelo modelo homem provedor/mulher cuidadora. Desta forma, deixaram de analisar outros modelos e considerar as transformações que ocorreram nos padrões dominantes.

As análises prevalecentes sobre os Estados de Bem-Estar Social presumem que o seu desenvolvimento tinha como objetivo central “tornar a sociedade mais igualitária” (FARIA, 2007: 73). No entanto, uma ótica mais centrada na mulher, desenvolvida em especial pelas teóricas feministas, enfatiza que a institucionalização das políticas sociais “reflete e reforça

padrões de dominação e exploração” (FARIA, 2007:74).

Um olhar de gênero sobre o Welfare State significa, portanto, analisar em que medida as diferentes instituições do Estado podem moldar os interesses de gênero, as atividades políticas de homens e mulheres e influenciar o caráter das políticas sociais (ORLOFF, 1996). Nesse sentido, observa-se um processo dual. Ou seja, as políticas públicas tanto podem ser influenciadas pelas relações de gênero, como podem afetar as relações de gênero. Dessa forma, há duas grandes correntes que buscam analisar a relação entre o Estado e gênero. Uma primeira visão é a de que os estados contribuem para a reprodução social das hierarquias de gênero. Já uma segunda visão defende que as variações das instituições públicas podem contribuir para amenizar o impacto sobre a desigualdade social, incluindo a desigualdade de gênero (ORLOFF, 1996).

Pode-se dizer que o enfoque de gênero sobre o Estado de Bem-Estar Social começa a

ganhar força em especial a partir da crítica feminista à tipologia de Esping-Andersen (1990)5.

O argumento central das feministas se baseia na ideia de que no contexto do capitalismo, as atividades domésticas constituem trabalho não remunerado. Nesse sentido, a oferta de bens e serviços do Estado de Bem-Estar Social se apoia em uma dada composição do trabalho remunerado e não remunerado, sendo a mulher quem realiza este último (DRAIBE, 2007). A tipologia de Esping-Andersen privilegiou os processos de estratificação social e desmercantilização dos bens e serviços sociais, deixando de lado as dimensões familiares e de gênero.

Em um trabalho posterior, Esping-Andersen responde às críticas feitas à sua tipologia, agregando à sua análise o conceito de “desfamiliarização” (defamiliarisation), enquanto o grau de redução da dependência do indivíduo em relação à família ou a capacidade de maximizar o comando do indivíduo sobre os recursos econômicos, independente das reciprocidades familiares ou conjugais (ESPING-ANDERSEN, 1999). Tal conceito nos ajuda

5 O autor define três “tipos ideais” de regimes de bem-estar social: liberal, conservador e social democrata. Para

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a perceber como determinados modelos de bem-estar, como, por exemplo, nos países escandinavos, favorecem a inserção da mulher no mercado de trabalho e, consequentemente, relações de gênero mais igualitárias.

A despeito das críticas, algumas autoras feministas reconhecem que os regimes sugeridos por Esping-Andersen podem ser utilizados no sentido de investigar como diferentes regimes de bem-estar social podem afetar a participação das mulheres no mercado de trabalho, sua posição na família e sua mobilidade social (FARIA, 2007). Entretanto, essas autoras ressaltam que nenhum dos regimes de Esping-Andersen reflete de maneira satisfatória os papeis das mulheres como trabalhadoras, mães ou donas de casa (apud FARIA, 2007).

Não é objetivo deste trabalho fazer uma revisão extensa sobre a crítica feminista aos estudos de bem estar social, mas apenas levantar algumas questões relevantes para se pensar na relação entre Welfare State e gênero. Sainsbury (1994 apud FARIA, 2007: 75-76), aponta que os estudos recentes apresentam pelo menos cinco preocupações em comum:

(a) (...) de que tanto o trabalho remunerado quando o doméstico, não remunerado, sejam incluídos nas análises sobre o Estado de Bem-Estar Social; (b) o conceito de desmercantilização de Esping-Andersen deve ser reformulado para que ele possa ser adequadamente aplicado tanto ao homens quanto às mulheres; (c) (...) ainda são pouco desenvolvidas as pesquisas comparativas sistemáticas acerca do impacto de diferentes Welfare States sobre a condição da mulher; (d) (...) as tipologias propostas por Esping-Andersen e por outros analistas considerados do mainstream tanto podem se assemelhar ao ‘regimes de gênero’ quanto apresentar importantes divergências; e, por último, (e) os estudos feministas mostram que a divisão do trabalho entre os sexos e as ideologias de gênero influenciam a provisão de proteção social e que, inversamente, as políticas sociais afetam de maneira distinta as condições de vida de homens e mulheres nos diferentes tipos de Estado de Bem-Estar Social.

Observa-se que a literatura feminista traz uma grande contribuição para o debate acerca dos Welfare States, uma vez que revela como a ideologia pode permear as políticas sociais (DALY; RAKE, 2003). Nesse contexto, as normas de gênero podem ser vistas através da análise de como os programas sociais podem assumir ou reforçar o papel de provedor familiar para o homem e o papel de mãe, esposa para a mulher (SHAVER, 1991 apud DALY; RAKE, 2003). Assim, a crítica feminista, em linhas gerais, sugere que o Welfare

State deveria ser analisado de uma perspectiva mais micro. O conteúdo dos programas de

proteção social, como as condições de governo e as unidades as quais os benefícios e serviços são destinados, parecem exercer grande impacto no bem-estar dos indivíduos e nas relações de poder entre as famílias e a sociedade (DALY; RAKE, 2003). O Welfare State pode envolver, ainda, uma série de interesses, sejam eles dos homens, do estado nação ou de atores associados ao capitalismo (DALY; RAKE, 2003).

A crítica feminista nos leva, também, a reconsiderar dimensão da família (ESPING-ANDERSEN, 1999: 48). Nesse contexto, ressalta-se a importância do trabalho doméstico feminino não remunerado enquanto fonte de bem-estar. Dessa forma, a família constitui um ator importante, cujas decisões e comportamentos influenciam e são influenciados pelos

Welfare States e pelo mercado de trabalho. Segundo Esping-Andersen (1999), os três pilares

de bem-estar – Estado, mercado e família – não são equivalentes, ou seja, não podem ser substituídos. Em uma perspectiva macro, a produção de bem-estar de uma dada instituição influencia as demais. No nível micro, o bem-estar individual depende de como estas instituições absorvem os resultados das demais. Nesse sentido, uma família tradicional, marcada pelo modelo do homem provedor, terá uma menor demanda por serviços sociais

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públicos ou privados, quando comparada com uma família, na qual tanto o homem, quanto a mulher trabalham. Da mesma forma, se as famílias oferecem bem-estar, o mercado é afetado, pois há menor oferta de mão de obra. Por outro lado, se o Estado oferece serviços sociais amplos, notadamente de creches e pré-escolas, tanto as famílias, quanto o mercado são afetados, pois as mulheres são estimuladas a trabalhar.

As últimas décadas foram marcadas por transformações, sejam relacionadas a fatores econômicos ou políticos, que alteraram de forma significativa as sociedades modernas. Nesse contexto, ressaltam-se as mudanças observadas no âmbito familiar, nas relações de gênero e no mercado de trabalho. Tais transformações trazem novos desafios aos Estados de Bem-Estar Social, que são pressionados a se adaptar. Desta forma, é importante observar como as mudanças nas estruturas familiares e no papel da mulher na sociedade podem se relacionar com a dinâmica do Estado de Bem-Estar Social.

De maneira geral, observa-se uma tendência nos países desenvolvidos no sentido de que o modelo de homem provedor tem sido cada vez mais deixado para trás, as mulheres tem tido cada vez menos filhos e prolongado a idade com que tem o primeiro filho. Além disso, as estruturas familiares têm se alterado, ou seja, cada vez menos casamentos e mais divórcios. Segundo Esping-Andersen (2009), tais transformações estariam relacionadas à nova posição da mulher da sociedade. Assim, estaríamos enfrentando uma revolução, ainda inacabada, dos papeis das mulheres. O principal argumento do autor é de que essa revolução incompleta estaria causando um sério desiquilíbrio na sociedade. Observam-se fatores tais como: menos filhos do que o desejado, menos investimentos para essas crianças e envelhecimento populacional (ESPING-ANDERSEN, 2009). Nesse contexto, os estudos sobre os Estados de Bem-Estar social ganham relevância, uma vez que há a necessidade de reforma das políticas sociais, de modo a responder a tais transformações.

No que se refere ao número médio de filhos por mulher, observam-se variações entre os países europeus. Na Europa do Leste, houve uma diminuição significativa na taxa de fecundidade na década de 1990. Esse fenômeno pode estar associado às transformações políticas que ocorreram nesses países neste período, que levaram à retração dos serviços públicos. Já a partir dos anos 2000, observa-se um aumento dessas estimativas, que pode estar relacionado às transformações econômicas e sociais no contexto de integração europeia, que vêm ocorrendo recentemente (WORK CARE SYNERGIES, 2011).

Na Europa Central, destaca-se o caso da França, onde houve um crescimento significativo da taxa de fecundidade na última década, o que pode ser relacionado à implementação de políticas diversas de apoio a natalidade. Os países nórdicos, por sua vez, apresentam as mais elevadas taxas de fecundidade da Europa (WORK CARE SYNERGIES, 2011). Nestes países, há uma grande oferta de políticas de apoio à família e de igualdade de gênero. Estas políticas podem estar contribuindo para a manutenção das altas taxas de fecundidade ao longo dos anos.

Por fim, nos países da Europa do Sul, as taxas de fecundidade são as mais baixas de toda a Europa (WORK CARE SYNERGIES, 2011). Tais estimativas podem estar relacionadas à imaturidade das políticas de apoio à família e à natalidade nestes países. Enquanto na Grécia, Espanha e Itália, as taxas de fecundidade têm aumentado na última década, em Portugal, essa estimativa vem diminuindo.

Já em relação à idade das mães no momento de nascimento do primeiro filho, observa-se que ela vem aumentando, de maneira contínua em todos os países analisados. Em 2009, em todos os países a idade média estava em torno de 30 anos, sendo mais elevada em países como a Irlanda, Dinamarca, Holanda e Suécia (EUROSTAT, 2011). Desta forma verifica-se uma tendência em se postergar o primeiro filho, uma transformação importante no âmbito das políticas sociais.

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Outro dado importante, diz respeito ao estado civil das mães, no momento do nascimento dos filhos. De acordo com a Tabela 2, cada vez mais as mulheres estão tendo filhos sem estarem casadas. A proporção dessas mulheres é ainda maior em países como a França, Reino Unido, Dinamarca e Suécia. Neste último, em 2010, 54% das mulheres não eram casadas quando tiveram filhos. Este dado é extremamente importante, pois revela as transformações que vêm ocorrendo nas famílias nas últimas décadas e que podem afetar de maneira significativa as políticas sociais (e vice-versa).

TABELA 2

Percentual de mães que não eram casadas quando tiveram filhos 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2010 Itália 9,24 9,87 12,97 15,18 17,69 21,09 25,41 Irlanda 31,14 31,31 31,22 31,78 32,81 33,27 33,62 França 42,75 44,71 46,19 48,41 51,69 53,74 - Reino Unido 38,8 40,05 41,48 42,94 44,44 46,29 46,89 Alemanha 22,14 25,03 26,98 29,18 30,82 32,74 33,26 Dinamarca 44,86 44,62 44,86 45,68 46,1 46,79 46,99 Holanda 22,75 27,2 30,67 34,89 39,46 43,28 - Suécia 55,29 55,49 56 55,45 54,76 54,41 54,09 Fonte: Eurostat, 2011.

Assim, o que se observa é um processo dual. De um lado, os Welfare States precisam se adaptar a essa nova realidade, em especial no que se refere às políticas destinadas às famílias. Por outro lado, há evidências de que os arranjos de Welfare State podem influenciar as relações de gênero. Apenas para citar alguns exemplos, verifica-se que as políticas de proteção à criança ou de licença maternidade podem contribuir para o aumento da fertilidade (KRAVDAL, 1996; KNUDSEN, 1999 apud ESPING-ANDERSEN, 2009). Paralelamente, essas políticas também contribuem para o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho. Desta forma, um olhar de gênero sobre o Welfare State significa analisar de que forma a institucionalização de políticas sociais pode alterar de maneira diferenciada as vidas de homens e mulheres. Para além dessa análise, a literatura feminista aponta que tais instituições podem refletir ou reforçar padrões de dominação e exploração (FARIA, 2007).

As políticas sociais que afetam as mulheres e as famílias apresentam duas lógicas distintas: de um lado, são políticas enfatizam a equidade, ao favorecer a inserção da mulher no mercado de trabalho; por outro, pressupõem a diferença, ao facilitar a permanência da mulher no âmbito familiar e doméstico (DRAIBE, 2007). Nesse contexto, as políticas chamadas conciliatórias podem minimizar tais contradições. Dentre as políticas conciliatórias destacam-se aquelas relacionadas à proteção ou cuidado. A ideia de proteção é central no âmbito dos estudos sobre Estados de Bem Estar Social. Esse conceito pode se referir à proteção para com os idosos, doentes e os jovens dependentes (DALY; RAKE, 2003). Nesse contexto, é importante compreender como a política social lida com a demanda e a oferta de proteção, estabelecendo-se conexões entre família, Estado e gênero. Se assumirmos que os

Welfare States respondem às necessidades relacionadas com proteção, observa-se que estas

instituições podem estar contribuindo para a alteração da divisão do trabalho, custo e responsabilidade do Estado, mercado e família (DALY; RAKE, 2003). De maneira geral, os

Welfare States podem oferecer proteção de forma direta ou recursos para que os indivíduos

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2.2. Bem-Estar, gênero e proteção

Em muitos países, as políticas sociais ainda não se adaptaram à nova realidade social discutida anteriormente, o que pode estar resultando na queda das taxas de fecundidade, especialmente entre mulheres com maior escolaridade (ESPING-ANDERSEN, 2009). Isso ocorre, pois uma das grandes tensões na sociedade moderna é a conciliação entre carreira e maternidade (ESPING-ANDERSEN, 2009). De fato, a correlação entre fecundidade e participação feminina no mercado de trabalho é hoje oposta do que o esperado. Quanto maior a taxa de participação feminina, maior o nível de fecundidade. Isso ocorre, pois em alguns contextos, a carreira feminina e a maternidade se tornaram compatíveis, em outros não (ESPING-ANDERSEN, 1999).

Desta forma, a provisão de proteção, em especial para as crianças, assume um papel central. A queda das taxas de fecundidade em muitos países da Europa pode estar relacionada com a ausência de serviços de proteção às crianças, como subsídios, creches, etc. (ESPING-ANDERSEN, 2009). Por outro lado, nos países escandinavos, onde há uma extensa estrutura de provisão pública de proteção às crianças, as taxas de fecundidade são mais elevadas. Além disso, é justamente nestes países, onde há maior participação das mulheres no mercado de trabalho.

No que se refere aos serviços de proteção à criança, pode-se dizer que eles minimizam as interrupções causadas pelo nascimento e constituem uma maneira importante de se reduzir os custos de oportunidade (ESPING-ANDERSEN, 2009). Como já dito anteriormente, há evidências de que políticas como subsídios ou serviços de creche podem contribuir para o aumento da fecundidade e da inserção da mulher no mercado de trabalho.

Uma importante política de proteção à criança é o estabelecimento de um sistema de creches e escolas públicas. Como pode ser observado na Tabela 3, há uma diferença significativa entre os países analisados, no que se refere à participação da população em serviços formais de proteção à criança.

TABELA 3

Percentual da população por grupo de idade, que participa de algum serviço formal de proteção à criança

Menos de 3 anos

De 3 anos até a idade mínima para a escola compulsória

Da idade mínima para a escola compulsória até 12 anos

Itália 16% 73% 88% Irlanda 5% 13% 44% França 25% 47% 56% Reino Unido 4% 21% 70% Alemanha 12% 40% 39% Dinamarca 63% 72% 64% Holanda 6% 12% 19% Suécia 37% 65% 99% Fonte: Eurostat, 2011.

Em países com tradição de Welfare State do tipo conservador (Itália, França e Alemanha), nos quais a família é vista como a principal responsável por proteção, há menor participação das crianças nos serviços formais, em especial no grupo menor de três anos. Esse percentual é ainda menor nos países com Welfare State mais próximos do modelo liberal, como Irlanda e Reino Unido. Por outro lado, os países sociais democratas (Dinamarca e Suécia) apresentam grande participação das crianças nos serviços públicos de proteção. Desta

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forma, observa-se neste último grupo de países, o Estado cumpre um papel central no que se refere à proteção às crianças. Este tipo de política pode ser fundamental para a decisão das famílias de ter filhos ou não. Além disso, esta política pode, também, influenciar a inserção da mulher no mercado de trabalho.

Outra política fundamental para se pensar as relações de gênero é a licença maternidade. Como pode ser visto na Tabela 4, quando combinadas licença maternidade e paternidade, havia uma grande variação entre os países analisados em termos de duração do benefício na década de 1990. França e Alemanha apresentavam longos períodos de licença, com 162 semanas. Já os Estados Unidos não tinham nenhum programa público obrigatório de licença maternidade ou paternidade. Irlanda e Itália apresentavam menos semanas consecutivas de licença, com 18 e 25, respectivamente.

Entretanto, para além do número de semanas de licença, é preciso analisar quantas semanas são pagas com o salário integral. A terceira coluna da Tabela 4 indica que, deste ponto de vista, Alemanha e Suécia eram os países com o maior número de semanas de licença, com o pagamento do salário integral, sendo 32 e 43 semanas, respectivamente. Já Irlanda e Reino Unido foram os países que se mostraram menos intervencionistas, com o menor número de semanas pagas com o salário integral.

TABELA 4

Proteção para crianças – Década de 1990

Semanas consecutivas de licença materna e paterna

Equivalente de semanas de licença (materna ou paterna), pagas com salário

integral

Itália 25 Médio (25,1)

Irlanda 18 Baixo (9,8)

França 162 Médio (13,5)

Reino Unido 40 Baixo (8,6)

Alemanha 162 Alto (31,7)

Dinamarca - -

Holanda 42 Médio (16,0)

Suécia 64 Alto (42,6)

USA 12 0

Fonte: Adaptado de BETTIO e PRECHAL, 1998 apud DALY e RAKE, 2003: 52.

O efeito desta política sobre a participação feminina no mercado pode ser ambíguo. De um lado, espera-se que o aumento do período de licença maternidade exerça um efeito negativo sobre a demanda por trabalho, uma vez que eleva os custos para os empregadores. Por outro lado, tal política pode contribuir para o aumento da oferta de trabalho feminino e exercer efeito positivo sobre os salários, uma vez que evita que as mulheres saiam do mercado de trabalho ao terem filhos (CARVALHO et al., 2006).

A dimensão de proteção é marcante em todas as sociedades e pode assumir formas distintas. Os diferentes regimes de Bem-Estar Social atribuem importância distinta para o mercado, o Estado e a família, no que diz respeito à proteção social. Os dados apresentados nesta seção sugerem que a provisão de proteção se insere em arranjos distintos de Welfare

State, que podem exercer efeitos sobre as mulheres, os homens e as relações de gênero

(DALY; RAKE, 2003). Desta forma, os diferentes arranjos de proteção (em especial às crianças) podem afetar a participação da mulher no mercado de trabalho, bem como a sua situação financeira. Em países como a Alemanha, Irlanda, Holanda e o Reino Unido, onde a provisão de serviços é relativamente escassa, a proteção afeta muito mais as mulheres, do que em países como a Suécia e a França, onde a provisão de serviços públicos é mais extensa

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(DALY; RAKE, 2003). As consequências da provisão de serviços de proteção para a relação entre a mulher e o trabalho serão analisadas na próxima seção.

2.3. Bem-Estar, gênero e trabalho

O movimento de inserção das mulheres no mercado de trabalho e sua relação com a vida familiar e com a organização social da produção são fatores fundamentais para entender as mudanças de gênero que ocorreram no diversos países (DALY; RAKE, 2003). De maneira geral, a introdução da mulher ao trabalho remunerado tem sido associada a uma reestruturação do emprego, incluindo o aumento dos serviços de emprego, horas de trabalho mais flexíveis e novos padrões relações industriais (RUBERY et al. 1999: 13 apud DALY; RAKE, 2003). Para além dos fatores apresentados, há uma perspectiva que enfatiza a relação das mudanças no mercado de trabalho com as variações de arranjos de sistemas de bem-estar. Assim, nesta seção, pretende-se analisar evidências que apontem para o papel central do

Welfare State nas diferenças de gênero observadas no mercado de trabalho.

A análise dos Welfare States de maneira geral, em especial na Europa, revela que o emprego se configura enquanto uma preocupação importante no âmbito das políticas sociais. A relação entre trabalho e Welfare State é usualmente traduzida na ideia de seguro social. O seguro social é baseado em uma série de riscos (doença, acidentes, desemprego, maternidade e idade elevada) aos quais os trabalhadores estão sujeitos, devido a uma situação de perda de renda do trabalho remunerado. Assim, o seguro social possibilita que os indivíduos sejam encorajados a trabalhar, uma vez que garante um padrão de vida em caso de ausência de renda (DALY; RAKE, 2003). Sob a perspectiva de gênero, as políticas sociais voltadas para o trabalho afetam de maneira distinta a homens e mulheres.

Daly e Rake (2003) apontam três possíveis relações existentes entre gênero, trabalho e

Welfare State. Primeiramente, o papel de proteção das mulheres, bem como sua capacidade

de realizar trabalho remunerado ou não remunerado, dependem do que é visto como uma política social apropriada, tanto em termos de onde as fronteiras da política pública são desenhadas, quanto do conteúdo da provisão social. Em segundo lugar, uma vez que estabelece a proteção, o Welfare State molda a demanda e o fornecimento de mão de obra feminina. Verifica-se que os serviços públicos de proteção dependem da força de trabalho feminina. Por outro lado, onde esses serviços são mais extensos, a inserção da mulher no mercado de trabalho é maior. Por fim, as autoras ressaltam que os componentes da provisão de apoio de renda afetam significativamente a participação no mercado de trabalho. No caso de mães e mulheres casadas, eles influenciam sua capacidade de obter renda independente.

Em relação à taxa de ocupação de homens e mulheres nos países analisados, observam-se, na Tabela 5, grandes diferenças em países como a Itália e Irlanda. Já na Suécia e na Dinamarca, essa diferença é menor. Esses dados podem indicar que há maiores possibilidades de inserção das mulheres no mercado de trabalho nestes últimos países e, possivelmente maior igualdade de gênero, em termos de mercado de trabalho. Como dito anteriormente, os sistemas de creches e escolas públicas abrangentes, bem como as políticas de licença maternidade extensas, podem contribuir para este quadro.

Já no que se refere às taxas de desemprego, observa-se que na Itália, França e Holanda, o desemprego é maior entre as mulheres do que entre os homens. No restante dos países analisados, a situação é inversa, ou seja, o desemprego é maior entre os homens.

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TABELA 5

Percentual de ocupação e desemprego - 2009

Taxa de Ocupação Taxa de Desemprego

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

Itália 57,5 68,6 46,4 7,8 6,8 9,3 Irlanda 61,8 66,3 57,4 11,9 14,9 8,0 França 64,1 68,4 60,0 9,5 9,3 9,8 Reino Unido 69,9 74,8 65,0 7,6 8,6 6,4 Alemanha 70,9 75,6 66,2 7,8 8,1 7,3 Dinamarca 75,7 78,3 73,1 6,0 6,5 5,4 Holanda 77,0 82,4 71,5 3,7 3,7 3,8 Suécia 72,2 74,2 70,2 8,3 8,6 8,0 Fonte: Eurostat, 2011.

Entretanto, ressalta-se que a análise da mulher no mercado de trabalho, não pode se restringir às taxas de ocupação e desemprego. Nesse contexto, faz-se necessário realizar uma análise mais qualitativa sobre a participação das mulheres no mercado de trabalho, levando em conta a intensidade dessa participação. Um dos fatores importantes para esta análise é a possibilidade de se trabalhar apenas meio período. Como podemos observar na Tabela 6, em todos os países analisados os trabalhos de meio período são realizados, predominantemente, por mulheres. É importante ressaltar o caso da Holanda, onde 76% das mulheres trabalham em meio período. Itália e França são os países onde há o menor percentual de mulheres trabalhando em meio período. Já Irlanda, Reino Unido, Alemanha e Suécia ocupam posições intermediárias.

Observa-se que há uma relação entre trabalho feminino e trabalho de meio período. Pode-se dizer que, em certa medida, a participação da mulher no mercado de trabalho foi favorecida pela possibilidade de se trabalhar apenas meio período. Em países como a Suécia e a Dinamarca, a inserção das mulheres no mercado de trabalho é ainda maior. Nesses países o Estado de Bem Estar Social é mais generoso, em especial no que se refere aos serviços de proteção às crianças, como visto anteriormente. Assim, além da flexibilidade observada no mercado de trabalho, os arranjos de Welfare State nesses países podem, também, contribuir para o aumento das taxas de ocupação das mulheres.

TABELA 6

Percentual de emprego de meio período - 2010 Total Homens Mulheres Itália 14,8 5,1 29,0 Irlanda 21,9 11,1 34,2 França 17,5 6,4 29,8 Reino Unido 25,7 11,0 42,4 Alemanha 25,5 8,7 45,0 Dinamarca 25,8 14,1 38,6 Holanda 48,3 24,2 76,2 Suécia 25,3 12,2 39,7 Fonte: Eurostat, 2011.

Segundo Esping-Andersen (2009), a revolução feminina pode, também, ser considerada incompleta, pois ela é socialmente estratificada. As mulheres com menos

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escolaridade, geralmente têm menos acesso ao mercado de trabalho remunerado (ESPING-ANDERSEN, 2009). Entretanto, há grande variação entre os países. Nos países escandinavos, por exemplo, a diferença entre as mulheres com menor e maior escolaridade é mínima e quase não há mais mulheres “donas de casa” (ESPING-ANDERSEN, 2009). Já nos países da Europa continental e do sul, a situação é bem diferente. Na Itália, 27% das mulheres com baixa escolaridade estão trabalhando, enquanto na Suécia, esse percentual é de 60% (ESPING-ANDERSEN, 2009). O mesmo padrão é encontrado se analisarmos mães com filhos pequenos. Na Dinamarca e na Suécia, não há diferença significativa entre as taxas de emprego de mulheres sem filhos e mulheres com dois ou mais filhos. Já na França, a diferença é de 15 pontos percentuais (ESPING-ANDERSEN, 2009).

Em suma, esta seção procurou analisar a relação entre trabalho, gênero e a provisão pública de bem-estar. Longe de trazer resultados definitivos, procurou-se sugerir, através dos dados, que a institucionalização de políticas sociais pode afetar a participação das mulheres no mercado de trabalho. Nesse, contexto, observou-se grandes variações entre os países analisados. Todos os países apresentaram diferenças no que diz respeito ao trabalho feminino, sendo esta diferença menor nos países escandinavos, onde os Welfare States são mais generosos. Uma análise mais qualitativa revela que a possibilidade de se trabalhar em meio período favoreceu a inserção das mulheres no mercado de trabalho. Para além das mudanças no mercado de trabalho, o que se pretendeu mostrar foi que a provisão pública de bem estar pode, também, ter favorecido a inserção das mulheres no mercado de trabalho.

A análise da perspectiva de gênero sobre os Estados de Bem-Estar Social e os dados apresentados sobre os países desenvolvidos nos ajudam a compreender como diferentes arranjos de políticas sociais podem afetar as dimensões de gênero, família e trabalho. Nesse contexto, as próximas seções pretendem analisar como estas dimensões se relacionam no Brasil.

3. AS DIMENSÕES DE GÊNERO, FAMÍLIA E TRABALHO NO BRASIL 3.1. Mudanças recentes na estrutura familiar brasileira

O Brasil tem acompanhado a tendência mundial de diminuição da taxa de fecundidade e envelhecimento populacional. Como pode ser visto no Gráfico 1, a taxa de fecundidade total vem diminuindo continuamente desde a década de 1960, chegando ao valor de 1,90 filho por mulher em 2010. Somente na última década, houve uma queda de 20,1% nesse indicador.

GRÁFICO 1

Taxa de fecundidade total – Brasil – 1940/2010

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As famílias brasileiras, além de estarem se tornando menores, têm se alterado também em sua estrutura. Na última década, dados da pesquisa do Registro Civil apontam para um aumento significativo do número de divórcios (IBGE, 2010). Os dados do Censo de 2010 confirmam esta tendência, uma vez que de 2000 para 2010, o número de divorciados no Brasil quase dobrou, passando de 1,7%, para 3,1 % (Gráfico 2). O percentual de pessoas solteiras sofreu um pequeno aumento, passando de 54,8% em 2000, para 55,3% em 2010. Já o percentual de casados diminuiu de 37%, em 2000 para 34,8% em 2010. Desta forma, pode-se dizer que tem pode-se tornado cada vez mais comum no Brasil, famílias menores e monoparentais. Este dado é importante para a análise de políticas sociais, em especial aquelas que permitem a conciliação entre o trabalho e a família.

GRÁFICO 2

Distribuição das pessoas de 10 anos ou mais de idade, segundo os estados civis – Brasil – 2000/2010

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000/2010.

As mudanças que vem ocorrendo na organização familiar brasileira podem ser vistas também através da análise da natureza da união conjugal. Como pode ser visto no Gráfico 3, entre os que viviam em união conjugal, o percentual de casados no civil e no religioso passou de 49,4% para 42,9%. Já a união consensual, vem se tornando mais comum entre os casais. O percentual de pessoas que optou por esse tipo de união passou de 28,6% em 2000 para 36,4% em 2010. Desta forma, observa-se que as formas tradicionais de união conjugal vem ocorrendo com menos frequência.

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GRÁFICO 3

Distribuição das pessoas de 10 anos ou mais de idade que viviam em união conjugal, segundo a natureza da união conjugal – Brasil – 2000/2010

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000/2010.

Observa-se que a diminuição da taxa de fecundidade no Brasil, pode ser reflexo do fato de que a política social brasileira ainda não se adaptou à nova realidade social. Ou seja, a crescente inserção da mulher no mercado de trabalho, aliada às novas estruturas familiares e à ausência de políticas sociais adequadas pode estar influenciando a decisão de ter filhos. Para melhor compreender este fenômeno, a próxima seção apresenta a situação do mercado de trabalho brasileiro sob uma perspectiva de gênero.

3.2. Transformações no mercado de trabalho

Em relação ao mercado de trabalho, observa-se um aumento contínuo da participação das mulheres na última década. Ainda que o nível de ocupação feminino ainda seja muito inferior ao masculino no Brasil, a participação da mulher no mercado de trabalho vem crescendo continuamente, como pode ser visto no Gráfico 4. Esse dado traz inúmeras implicações para o sistema de proteção social brasileiro, uma vez que evidencia a necessidade em se criar estratégias de conciliação entre a família e o trabalho.

GRÁFICO 4

Nível de ocupação por gênero (em mil pessoas) – Brasil – 2003 a 2011

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Como pode ser visto no Gráfico 5, as mulheres sofrem mais com o desemprego do que os homens. Ainda que essa diferença tenha diminuído na última década, a taxa de desemprego para as mulheres é superior a dos homens.

GRÁFICO 5

Taxa de desemprego por gênero (em %) – Brasil – 2003 a 2011

Fonte: PME/IBGE apud IPEA, 2012.

Além disso, os dados recentes ainda apontam para uma desigualdade salarial entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Na tabela 7, observa-se que a diferença do rendimento médio mensal entre homens e mulheres diminuiu entre 2000 e 2010, mas ainda permanece significativa. Em 2010, o rendimento das mulheres representava 73,8% do rendimento dos homens.

TABELA 7

Rendimento real médio mensal de todos os trabalhos, por sexo, e percentual do rendimento real médio mensal de todos os trabalhos das mulheres, em relação ao dos

homens – Brasil – 2000/2010

Rendimento real médio mensal de todos os trabalhos (R$)* Percentual do rendimento real médio mensal de todos os trabalhos das mulheres*, em

relação ao dos homens (%)

2000 2010

Total

Sexo

Total

Sexo

Homens Mulheres Homens Mulheres 2000 2010

1.275 1.450 982 1.345 1.510 1.115 67,7 73,8

Fonte: PME/IBGE apud Boletim Mercado de Trabalho - Conjuntura e Análise nº 51, Maio de 2012 – IPEA.

Os dados sobre família e trabalho no Brasil apontam, de um lado, para as transformações que vem ocorrendo na estrutura familiar, que resultam em famílias menores e formas alternativas de união conjugal. No Brasil, tem crescido o número de famílias monoparentais, em especiais aquelas chefiadas por mulheres (IBGE, 2010). Por outro lado, observa-se um crescente inserção da mulher no mercado de trabalho, ainda que permaneçam dificuldades. A mulher está mais sujeita ao desemprego e ainda há diferencias de rendimentos entre homens e mulheres. Desta forma, observa-se que o Estado assume um papel fundamental frente às mudanças observadas recentemente. Sob uma perspectiva de gênero, evidencia-se a necessidade de políticas sociais que permitam a conciliação entre a família e o trabalho. Assim, a seção seguinte, primeiramente analisa alguns traços específicos da

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formação do sistema de proteção social brasileiro, fundamentais para compreender sua configuração atual, bem como suas implicações para a questão de gênero. Em um segundo momento são analisadas políticas específicas que permitem a conciliação entre o trabalho e a família.

4. A ESPECIFICIDADE DO “ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL” BRASILEIRO Segundo a literatura especializada e as próprias experiências empíricas, podem ser encontradas nos diversos modelos criados de Welfare States diferenças e particularidades em relação aos seus desenhos, modo de financiamento, cobertura, focalização, entre outros. Mas de toda maneira, a adoção de uma visão mais superficial, nos permite generalizar o fenômeno histórico do surgimento dos Estados de Bem-Estar Social como criadores de uma engenharia legal, capaz de garantir aos excluídos acesso fora da esfera privada aos bens e serviços que podem assegurar condições básicas e dignas de viver, e proteção contra os riscos provenientes dos ciclos do capitalismo (JACCOUD, 2005).

Todavia, a experiência brasileira reserva algumas idiossincrasias que torna seu modelo bastante discrepante da matriz fomentada, mormente, nos países da Europa central.

Devido à debilidade das nossas classes sociais6, a construção do capitalismo industrial se deu

quase que exclusivamente pelo esforço e ações do Estado nacional. Isto é, o processo de formação do Estado industrial capitalista no Brasil canalizou os esforços e recursos do governo em favor dos grandes empreendimentos empresarias e a acumulação capitalista, em detrimento dos benefícios e direitos sociais de grande parte da população (SANTOS, 2006; ROCHA, 2001). Diferentemente do exemplo dos países centrais, o Estado de Bem-Estar no Brasil caracteriza-se pela sua constante incompletude, com traços meritocráticos, corporativistas, seletivos e excludentes (MELO, 1999; SANTOS, 1979).

Os primeiros contatos da população nacional com algum benefício social proveniente do Estado foram acontecer a partir da década de 1930 com o governo de Getúlio Vargas. Dentro de um contexto de profunda crise internacional e um ambiente interno marcado pela decadência da oligarquia agrária no país, a meta procurada pelo governo neste lapso era abandonar uma economia baseada na exportação de bens primários agrícolas para inaugurar o capitalismo industrial no Brasil (DRAIBE, 1985). Desse modo, a modernidade industrial brasileira desdobrou-se, sobretudo, via Estado, o qual, como nos explica Santos (2006: 19), para realizar esta laboriosa empreitada se viu diante das três crises “fundamentais das

sociedades que ingressam na modernidade; a crise da integração, de participação e de redistribuição”. No entanto, a situação brasileira se tornaria mais complexa, pois segundo o

referido autor, enquanto os países centrais enfrentaram cada uma dessas crises em momentos diferentes do tempo, nossos governantes encararam as três simultaneamente.

Pôde-se assim testemunhar a tímida expansão das bases sociais do Estado brasileiro. As políticas sociais ofertadas transformaram-se em mecanismo institucional que permitiu a inclusão das massas no jogo político e no desenvolvimento econômico, em um baixo contexto de institucionalização liberal (MELO, 1999). Segundo Weffort (1978: 123), a emergência das classes trabalhadoras e populares no cenário político brasileiro no período analisado esteve sempre intermediada por uma “relação de manipulação”. Tais classes eram usadas apenas para legitimar a “República Populista” montada para viabilizar os interesses dos nichos de poder. De modo geral, os seus “interesses reais de classes” eram levados em consideração desde que pudessem ser afinados politicamente e “ajustados aos interesses

dominantes”.

6 Sobre a fragilidade das classes sociais brasileiras para assumirem o poder político no momento em que a

oligarquia agrária declinava e promover o desenvolvimento do capitalismo nacional, ver Draibe (1985) e Weffort (1978).

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Ao analisar o período populista dentro da política brasileira, Santos (1979) construiu uma interpretação teórica capaz de contemplar de maneira conspícua as características das políticas sociais e as balizas que enquadravam o fornecimento de benesses sociais pelo Estado brasileiro nesta época. De maneira bastante discrepante do acesso universalizado aos benefícios sociais ofertados pelo Estado, um dos traços fundamentais que marcou as experiências internacionais mais significativas, os direitos sociais no Brasil foram reservados apenas para os grupos ocupacionais mais valorizados e importantes para as metas da acumulação capitalista. De acordo com Santos (1979) era uma forma de “cidadania

regulada”, na qual eram considerados cidadãos e habilitados ao consumo dos bens sociais

somente a parcela da população que se encontrava inserida em alguma atividade laboral reconhecida e regulamentada pela lei. Ou seja, durante longo tempo os direitos e benesses sociais poderiam ser acessados tão somente pelos trabalhadores celetistas; portanto, era uma cidadania cujo alicerce se assentava em um sistema de “estratificação ocupacional” e não em um arcabouço de direitos e valores sociais e políticos (SANTOS, 1979: 74-75).

Passada a fase de domínio da chamada “República Populista”, as atitudes políticas no campo social não tiveram grandes transformações. Com a tomada do poder e a implementação de um governo despótico sobre a égide dos militares, mesmo sendo possível asseverar a ampliação das bases sociais do Estado brasileiro, a situação da população miserável não foi modificada. Além das mazelas sociais já existentes, a violência e a repressão marcaram a passagem das forças armadas no comando do Estado brasileiro.

Entre 1964 a 1967 as políticas passam por um período de autoritarismo burocrático e modernização conservadora e, entre 1967 a 1973, é o período de tempo que compreende o chamado crescimento sem redistribuição (MELO, 1999). As principais características destacadas pelo autor nesta fase das ações políticas lideradas pelos militares, é o de submeter as políticas públicas à lógica da acumulação, o reformismo conservador e a expansão dos grandes complexos industriais e empresarias de provimento de bens e serviços.

Neste sentido, o modelo de desenvolvimento adotado pelos governos no Brasil de 1930 até meados dos anos 1980, por um lado, conseguiu inaugurar o capitalismo no país e enquadrá-lo entre as nações mais industrializadas, por outro, contudo, cristalizaram no campo social desequilíbrios extremos, gerando em parte da parcela da população brasileira condições estruturais de miserabilidade através do fornecimento insuficiente e fragmentado de políticas públicas na área da saúde, educação, habitação, entre outros; criando desta maneira um círculo de reprodução da pobreza entre as classes populares.

Todavia, a promulgação da Carta Magna de 1988 renovou as esperanças na realização de uma reforma social no país. Considerada nossa primeira Constituição cidadã, a Constituição Federal de 1988 trouxe em seu arcabouço pontos de inflexões indubitáveis em comparação aos períodos anteriores no que tange a gestão e a oferta de políticas sociais. Os direitos sociais, antes parte de uma “cidadania regulada”, a partir de 1988 passaram a ser

tratados como universais e inalienáveis, ao menos no plano formal e normativo. A

Constituição de 1988 representa uma mudança de paradigma no campo da proteção social brasileira, pois introduz três paradigmas distintos: o universalista, o contributivo e o não contributivo/seletivo. É apenas neste período, que o sistema se expande e chega a segmentos da sociedade anteriormente excluídos de qualquer proteção social.

Desta forma, observa-se que a formação e o desenvolvimento do sistema de proteção social brasileiro, em vários aspectos contribuiu para a reprodução de uma estrutura social desigual, que ainda consiste em um grande desafio para o Brasil. Do ponto de vista de gênero, se este arranjo reproduz as desigualdades sociais, pode-se dizer que ele também pode contribuir para acentuar a desigualdade entre homens e mulheres. Observa-se que as relações de gênero constituem tema transversal no sistema de proteção social brasileiro. Nesse sentido,

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um olhar de gênero sobre as políticas sociais no Brasil nos permite compreender como a estruturação das mesmas pode contribuir para reforçar as desigualdades presentes em nossa sociedade. Assim, a seção seguinte analisa algumas políticas, que por permitirem a conciliação entre o trabalho e a família, podem influenciar a divisão sexual do trabalho no Brasil.

4.1. Políticas sociais e gênero no Brasil

O resgate histórico do processo de formação do sistema de proteção social brasileiro se faz essencial, na medida em que ele revela seu caráter perverso, no sentido de reforçar desigualdades. Tendo em vista a crescente inserção da mulher no mercado de trabalho e as transformações no âmbito familiar que vêm ocorrendo nas últimas décadas, o Estado assume um papel central, no sentido de responder a tais transformações.

No Brasil, observa-se um esforço recente em se tratar a questão de gênero, que é refletido na construção de mecanismos governamentais, tais como a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), em 2003, na realização das Conferências Nacionais de Políticas para Mulheres, e na elaboração do I e II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM). Nesse contexto, a demanda por políticas públicas focadas na cidadania das mulheres é reforçada pela crescente participação feminina nos espaços públicos e no mercado de trabalho, o que acaba criando novas demandas e desafios. Atualmente a SPM está estruturada em torno de três programas: Cidadania e Efetivação dos Direitos das Mulheres; Gestão da Transversalidade de Gênero nas Políticas Públicas e Prevenção e; Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.

A despeito da importância que tais mecanismos governamentais conferem à questão de gênero no Brasil, observa-se que um dos grandes desafios atuais é garantir a transversalidade deste tema. Ou seja, discute-se se a perspectiva de gênero deve ser adotada nos diversos setores governamentais e permear as diferentes políticas públicas implementadas. Como visto anteriormente, as políticas sociais podem afetar de maneira distinta as condições de vida de homens e mulheres, tendo em vista os diferentes arranjos de Estados de Bem-Estar Social. Assim, observa-se que os programas sociais em geral podem contribuir para reforçar determinadas normais sociais e desigualdades (DALY; RAKE, 2003; ORLOFF, 1996).

No atual sistema de proteção social brasileiro, é possível identificar duas políticas que não estão diretamente ligadas à SPM, mas que afetam as relações de gênero em nossa sociedade, em especial no que diz respeito à divisão sexual do trabalho. A primeira é a políticas de licença maternidade, ligada à Previdência Social. A segunda é a política de Educação Infantil, que inclui creches e pré-escolas, ligada à política educacional.

A licença-maternidade no Brasil

A licença-maternidade no Brasil é um direito garantido pela Constituição de 1988 às mulheres empregadas com contrato formal de trabalho. A licença concede 120 dias de afastamento da mãe, sem prejuízo ao emprego e ao salário. No que se refere ao pai, a lei garante cinco dias de licença, a partir do dia do nascimento do filho.

No âmbito federal, o projeto de lei (PL 2.513/07) que cria o Programa Empresa Cidadã foi transfigurado na Lei 11.770 de 09 de setembro de 2008. Após referendada pelo Presidente da República, esta lei passou a oferecer incentivos fiscais para as empresas que

passarem a permitir a prorrogação da licença maternidade de 120 para 180 dias7. Nesse

7 A lei foi sancionada em 09.09.08, mas conforme determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei

Complementar 101/00), o Executivo precisava analisar o impacto fiscal da renúncia dos impostos que deixariam de ser recolhidos por parte das empresas e regulamentar através de decreto. A regulamentação da Lei

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sentido, as empregadas das empresas que aderirem ao novo parâmetro jurídico poderão pedir a licença estendida, sendo indubitável fazê-lo até o final do primeiro mês após o parto. Ademais, a Lei determina que a mulher deve receber integralmente o seu ordenado. Fica vedada a participação em qualquer atividade laboral remunerada durante o período de vigência do benefício, assim como a permanência do recém-nascido em creches.

No caso do empregador, ao asseverar o cumprimento da referida Lei, por meio de um requerimento junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil, passará a receber os descontos fiscais e todas as empregadas da empresa passam a ser contempladas, sem ser necessário realizar requerimento, tornando-se um benefício tácito para todas. Segundo o texto da Lei, os quatro primeiros meses de licença-maternidade serão desdobrados como antes, sendo custeados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Os salários dos dois meses

seguintes deverão ser assumidos pelo empregador8.

Observa-se, portanto, que todas as brasileiras que contribuem para a previdência, as empregadas domésticas, as contribuintes individuais e facultativas, têm direito ao salário-maternidade. No entanto, ficam desprotegidas todas as trabalhadoras inseridas no mercado informal de trabalho. Tendo em vista que grande parte da informalidade no Brasil é constituída pela força de trabalho feminina, presume-se que a política de licença-maternidade ainda apresenta baixa cobertura no Brasil.

O Gráfico 6 apresenta a evolução da quantidade de salários-maternidade concedidos tanto pelo INSS, quanto pelas empresas no Brasil, entre 2008 e 2010. Observa-se que em todas as regiões o número de benefícios concedidos aumentou, com exceção do Nordeste. Na região Sudeste verifica-se a maior quantidade de benefícios concedidos, seguida da região Nordeste. Tal dado pode estar refletindo a alta taxa de fecundidade observada no Nordeste.

GRÁFICO 6

Quantidade de salários-maternidade concedidos, segundo Grandes Regiões – 2008/2010

Fonte: DATAPREV, SUB, SINTESE e DATAMART CNIS. In: MPS, 2010.

Pode-se dizer que o efeito desta política sobre a participação feminina no mercado é ambíguo. De um lado, espera-se que o aumento do período de licença maternidade exerça um efeito negativo sobre a demanda por trabalho, uma vez que eleva os custos para os

11.770/2008 ocorreu no final de dezembro de 2009 por meio do Decreto 7.052 de 23 de dezembro de 2009, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2010.

8A pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir do imposto devido, em cada período de

apuração, o total da remuneração integral da empregada pago nos 60 (sessenta) dias de prorrogação de sua licença-maternidade, vedada a dedução como despesa operacional.

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empregadores. Por outro lado, tal política pode contribuir para o aumento da oferta de trabalho feminino e exercer efeito positivo sobre os salários, uma vez que evita que as mulheres saiam do mercado de trabalho ao terem filhos (CARVALHO et al., 2006).

No Brasil, a estrutura do mercado de trabalho, ainda fortemente marcado pela informalidade, constitui um desafio em termos de cobertura da política de licença-maternidade. Desta forma, pode-se dizer que esta política, tal como esta estruturada no Brasil (ou seja, vinculada à contribuição previdenciária), enquanto parte de um sistema amplo de proteção social, contribui para reforçar as desigualdades de gênero. Isso ocorre, pois grande parte da força de trabalho feminina se encontra na informalidade e, portanto, estão descobertas de proteção no momento posterior ao parto. Em especial no Brasil, onde a informalidade é marcada por relações de trabalho precárias, a ausência de garantia de renda durante a maternidade contribui para reproduzir o cenário de pobreza e desigualdade no país. Outra questão relevante se refere ao tempo licença que é concedido. Se comparado a países como Suécia, Alemanha ou França, o Brasil apresenta um período de licença maternidade curto. Além disso, é importante discutir a questão da licença-paternidade. Uma política que confere apenas cinco dias de licença ao pai, pode estar contribuindo para reforçar o papel da mulher enquanto cuidadora do lar e da família.

Educação Infantil e relações de gênero no Brasil

Pode-se dizer que uma das políticas sociais que afeta diretamente a dimensão de gênero, é a política de creches e pré-escolas, uma vez que ela favorece a participação da mulher no mercado de trabalho. A política de Educação Infantil no Brasil compreende crianças de 0 a 6 anos. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – 1996), a educação infantil deve ser oferecida em creches para crianças de 0 a 3 anos de idade, e em pré-escolas para crianças de 4 a 6 anos. A educação infantil não é obrigatória no Brasil, mas constitui um direito público, e deve ser oferecida pelo município, com o apoio dos estados e da União.

Além das instituições públicas, tem crescido no Brasil o número de creches e pré-escolas privadas. Mas apesar de a oferta destes serviços ter aumentado nos últimos anos, o acesso à educação infantil ainda é problemático. O índice de matrículas em pré-escolas aumentou, em especial nas regiões pobres, mas as matrículas nas creches municipais têm diminuído (MEC, 2009). No que se refere ao setor particular, as matrículas têm crescido tanto nas regiões mais pobres, quanto nas regiões mais ricas.

Em relação à qualidade do serviço ofertado, é importante ressaltar que existem leis e diretrizes que regulamentam a pedagogia infantil, embora estas não sejam observadas em grande parte das instituições. Isso ocorre em parte, pois nem todos os equipamentos de educação infantil foram integrados ao sistema educacional brasileiro e reconhecidos enquanto instituições educacionais (MEC, 2009). Apesar de o nível de qualificação dos professores ter melhorado, aqueles responsáveis pela educação infantil ainda carecem de uma formação especializada para este público. Além disso, observam-se grandes disparidades em termos de qualidade nas diversas instituições, sejam elas públicas ou privadas (MEC, 2009).

A Tabela 7 apresenta as taxas de cobertura de creches e pré-escolas, bem como o número de creches e pré-escolas por criança observado no Brasil. É importante ressaltar que parte das creches no Brasil não está registrada nos sistemas públicos e, portanto, não são computadas no Censo Escolar, o que pode prejudicar a análise. No que se refere à taxa de cobertura de creches, observa-se que esta ainda é uma política pouco abrangente no Brasil, em especial na região Norte. A região Sul foi a que apresentou a maior cobertura de creches. Já no que se refere à taxa de cobertura de pré-escolas, chama a atenção o bom desempenho da região Nordeste. Este desempenho superior pode ser atribuído aos programas de assistência

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social na região, que têm como foco a redução da pobreza e acabaram permitindo a construção de várias entidades de educação infantil de baixo custo para as famílias mais pobres (MEC, 2009). No entanto, o avanço na oferta de tais serviços no Nordeste, não parece ter sido acompanhado de uma melhoria na qualidade. Os professores desta região são menos qualificados do que no Brasil em geral (MEC, 2009).

Em termos de oferta, observa-se que tais serviços ainda são muito incipientes no Brasil. O número de creches existentes por criança é muito baixo, o que pode também afetar a qualidade no serviço ofertado.

TABELA 7

Taxas de cobertura de creches e pré-escolas e nº de creches e pré-escolas por criança, segundo Grandes Regiões - 2010

Localidade Taxa de cobertura de creches (%)* Taxa de cobertura de pré-escolas (%)* Nº de creches por criança de 0 a 3 anos Nº de pré-escolas por criança de 4 a 6 anos Brasil 12,33% 40,86% 0,0042 0,012 Norte 5,68% 40,31% 0,0016 0,012 Nordeste 10,24% 43,80% 0,0044 0,019 Sudeste 14,45% 42,84% 0,0048 0,008 Sul 18,43% 33,77% 0,0053 0,011 Centro-Oeste 11,11% 32,18% 0,0026 0,007 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010; INEP, Censo Escolar 2010.

*Nº de matrículas em creches ou pré-escolas/População em idade escolar (0 a 3 anos para creches e 4 a 6 anos para pré-escolas).

Pode-se dizer que a política de educação infantil, apesar de não ser uma política específica da SPM, afeta diretamente as relações de gênero, uma vez que favorece a participação feminina no mercado de trabalho. Segundo Sorj (2004), é notável a eficácia das políticas de acesso a creches e pré-escolas no sentido de facilitar a conciliação entre as demandas do trabalho e da família. Como consequências de tais mecanismos, pode-se citar o aumento da força de trabalho feminino, da renda e da jornada de trabalho.

No entanto, os dados parecem apontar uma baixa cobertura e baixa oferta de serviços de creches e pré-escolas no Brasil. Desta forma, a conciliação entre o trabalho e a família torna-se problemática. Uma visão panorâmica destas práticas no Brasil revela que a questão da conciliação entre o trabalho e a família apresenta fraca legitimidade social e política (SORJ et al., 2007). Nesse sentido, a baixa oferta de serviços de creches e pré-escolas no Brasil pode constituir um desafio para a inserção e a permanência da mulher no mercado de trabalho. Nesse sentido, reforça-se o papel da mulher enquanto cuidadora do lar e da família. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os Estados de Bem Estar Social se desenvolveram de forma diferenciada em cada país, atribuindo funções distintas a estas instituições e resultando em sociedades com características distintas. Neste trabalho, buscou-se enfatizar a dimensão de gênero e analisar como a institucionalização de políticas sociais pode alterar de maneira diferenciada as vidas de homens e mulheres.

Os últimos anos foram marcados por profundas alterações na sociedade, que afetaram, também, a dimensão de gênero. Se de um lado, o Estado precisou se adaptar a este novo contexto e criar políticas sociais que atendessem às novas demandas sociais, por outro,

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sugere-se que as políticas sociais podem, também, provocar alterações no modo de vida, nas relações familiares e de gênero. A análise internacional realizada na segunda seção revela que naqueles países onde o Estado é mais generoso, ou seja, onde há políticas sociais mais abrangentes, a participação da mulher no mercado de trabalho é maior.

No caso do Brasil, observa-se o desenvolvimento de um sistema de proteção social marcado por traços conservadores, excludentes e meritocráticos, que contribuem para a reprodução de desigualdades. Ainda que a Constituição de 1988 represente um grande avanço em termos de cidadania, observa-se que a construção das políticas sociais não tem acompanhado de forma adequada as mudanças observadas no âmbito familiar e no mercado de trabalho. Ou seja, pode-se dizer que as políticas sociais brasileiras ainda não se adaptaram à nova realidade social discutida anteriormente, o que pode ter reflexos nas taxas de fecundidade, bem como na precarização do trabalho feminino.

Em um contexto de crescente inserção da mulher no mercado de trabalho e de surgimento de novas estruturas familiares, as políticas e práticas de conciliação entre o trabalho e a família tornam-se centrais. No Brasil, observa-se que as políticas consideradas conciliatórias não possuem grande legitimidade social e política, o que pode contribuir para reforçar a desigualdade de gênero.

No que se refere à licença-maternidade, um dos grandes entraves é o mercado de trabalho brasileiro, fortemente marcado pela informalidade feminina. Nesse sentido, observa-se que ainda há um grande número de brasileiras descobertas de auxilio durante a maternidade, o que contribui para reforçar a situação de pobreza e de desigualdade social. Em relação à política de educação infantil no Brasil, verificam-se deficiências no que se refere à oferta, cobertura e qualidade do serviço. Desta forma, na ausência de uma política eficiente, reforça-se o papel da mulher enquanto cuidadora do lar e da família. Além disso, este tipo de política pode ser fundamental para a decisão das famílias de ter filhos ou não e pode, também, influenciar a inserção da mulher no mercado de trabalho.

Pode-se dizer, portanto, que as políticas voltadas para a conciliação entre o trabalho e a família no Brasil revelam como a sociedade enxerga a relação entre essas duas dimensões. A insuficiência de tais políticas, bem como a baixa participação masculina no trabalho não remunerado afeta diretamente a inserção da mulher no mercado de trabalho e contribui para reforçar as desigualdades de gênero.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Referências

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