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Exigibilidade dos direitos sociais e legitimação ordinária na Ação Civil Pública

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO. LINO JOSÉ DE SOUZA CHÍXARO. EXIGIBILIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS E LEGITIMAÇÃO ORDINÁRIA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Recife – PE 2006.

(2) LINO JOSÉ DE SOUZA CHÍXARO. EXIGIBILIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS E LEGITIMAÇÃO ORDINÁRIA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife / Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco como requisito para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Direito Público Linha de Pesquisa: Neoconstitucionalismo: Direitos Fundamentais. Justiça e Processos Constitucionais. Orientador: Prof. Dr. João Maurício Leitão Adeodato.. Recife – PE 2006.

(3) Ficha Catalográfica (Catalogação na fonte realizada pela Biblioteca Central / UFAM). C543e. Chíxaro, Lino José de Souza Exigibilidade dos direitos sociais e legitimação ordinária na Ação Civil Pública / Lino José de Souza Chíxaro. - Recife: UFPE, 2006. 101 F. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006. 1. Judicialidade 2. Legitimidade 3. Direito 4. Justiça I.Título CDU 342.7(043.3).

(4)

(5) Para Denise, Bruna e Júlia..

(6) BOBBIO, NORBERTO. A Era dos Direitos. São Paulo: Campus, 1992..

(7) RESUMO. CHÍXARO, Lino José de Souza. Exigibilidade dos direitos sociais e legitimação ordinária na Ação Civil Pública. 2006. 101 fls. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.. Este trabalho tem por objetivo, em primeiro plano, reforçar o argumento acerca da efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais na ordem jurídica brasileira. A partir de uma retrospectiva dos direitos humanos na ordem jurídica nacional e internacional, evidencia-se que a consagração desses direitos constitui uma etapa evolutiva do constitucionalismo clássico, de cunho liberal, para o constitucionalismo moderno, de perfil nitidamente socializante. Passo seguinte, o estudo aborda a questão da exigibilidade dos direitos sociais, haja vista a força normativa e a auto-aplicabilidade da Constituição Federal, inclusive pela recepção dos documentos jurídicos internacionais de que o Brasil é signatário. Definindo os direitos sociais, econômicos e culturais como interesses individuais homogêneos indisponíveis, a questão da sua judicialidade é tratada no âmbito da legislação instrumental que disciplina o processo coletivo, a Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), em cuja abordagem se fazem críticas ao critério por ela adotado no tocante à legitimidade, pois torna exclusiva a legitimação extraordinária ou autônoma de instituições e associações civis e exclui a postulação ordinária inerente aos próprios titulares do direito. Sustenta-se que a legitimação extraordinária exclusiva é injurídica, uma vez que não encontra respaldo na teoria da personalidade, que confere inalienabilidade ao direito subjetivo do titular do direito material. Também é sustentada a tese da inconstitucionalidade da exclusão dos legitimados ordinários, posto que, no caso dos direitos homogêneos indisponíveis, há uma nítida coincidência do interesse coletivo e do individual, não havendo razão jurídica plausível para afastar o direito à jurisdição dos seus próprios titulares, especialmente porque o acesso à justiça constitui direito fundamental da pessoa humana. Por essas razões, o trabalho propugna pelo acesso à justiça de pessoas e grupos de indivíduos que, mesmo não reunidos em organizações formais, tenham eventualmente interesses e necessidades sociais convergentes. Palavras-chave: Judicialidade. Justiça. Direito. Legitimidade..

(8) ABSTRACT. CHÍXARO, Lino José de Souza. The exigibility of social rights and ordinary legitimation in the public civil action. 2006. 101 fls. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.. This work has for objective, in the foreground, to reforce the effectiveness of the social, economic and cultural rights in the Brazilian legal order. From a retrospective of the human rights in the national and international legal order, it is proven that the establishment of these rights constitutes an evaluative stage from the classic constitutionalism, of liberal nature, to the modern constitutionalism, of clear socialization profile. The study also approaches the question of the liability of the social rights, in the view of the normative force and the auto-applicability of the Federal Constitution, including the reception of international legal documents of which Brazil is signatory. Defining the social, economic and cultural rights as unavailable homogeneous individual interests, the question of its judicial Dade is treated in the scope of the instrumental legislation that disciplines the collective process, Law 7,347/85 (Law of the Public Civil action), whose approach is criticized here concerning its legitimacy, for it turns exclusive the extraordinary or independent legitimation of institutions and civil associations and excludes the inherent usual postulation to the own holders of the right. It is also supported that the exclusive extraordinary legitimation thesis is not legal, once it doesn’t find endorsement in the theory of the personality, which confers inalienability to the subjective right, of the citizen who holds the material right. Also the thesis of the unconstitutionality of the ordinary legitimated exclusion is supported, although, in the case of the unavailable homogeneous rights, there is a clear coincidence between the collective and the individual interests, existing no reasonable legal motive to the right to remove jurisdiction from its own holders, especially because the access to justice constitutes a basic right of the human being. For these reasons, the work advocates the access to justice of people and groups of individuals that, even if not congregated in formal organizations, have eventual convergent interests and social necessities. Key-word: Judiciality. Justice. Right. Legitimation..

(9) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO................................................................................................................... 01. 1 AS GARANTIAS SOCIAIS NO CONTEXTO DO DIREITO INTERNACIONAL. 08 1.1 Síntese da evolução histórica dos Direitos Humanos...................................................... 08 1.2 O Garantismo Social como nova tendência do Constitucionalismo............................... 10 1.3 A crise do positivismo: os Direitos Sociais na dimensão da dignidade humana e a necessidade de sua proteção efetiva..................................................................................... 14 2 OS DIREITOS SOCIAIS NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO.............. 21 2.1 Direitos Sociais: da marginalidade à normatividade formal........................................... 21 2.2 Os Direitos Sociais coletivos na Constituição Federal: o salto axiológico.................... 26 2.3 A Questão da incorporação à ordem jurídica nacional dos Direitos Sociais tutelados internacionalmente: reforço ao argumento da sua exigibilidade......................................... 28 3 PRESSUPOSTOS DE EXIGIBILIDADE DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO.................................................................................. 30 3.1 Pressuposto sociológico: a massificação da exclusão social.......................................... 30 3.2 Pressuposto político: a erradicação da pobreza como devir da República.................... 33 3.3 Pressupostos jurídico-filosóficos: a perspectiva meta-individual do direito contemporâneo.................................................................................................................... 38 3.4 Pressuposto jurídico: a efetividade dos direitos fundamentais sociais.......................... 40 4 TUTELA DOS DIREITOS SOCIAIS.......................................................................... 45 4.1 A classificação dos Direitos Sociais segundo a sua exigibilidade................................ 45.

(10) 4.2 A proteção dos Direitos Sociais pelo Judiciário: a separação dos poderes, a reserva do possível e o mínimo existencial...................................................................................... 46 4.3 A heterovinculação dos poderes e o papel do Judiciário na proteção dos Direitos Sociais.................................................................................................................................. 52 4.4 A tarefa do Judiciário na proteção do conceito substancial de Democracia.................. 56 5 A POSTULAÇÃO METAINDIVIDUAL DOS DIREITOS SOCIAIS....................... 63 5.1 A classificação dos Direitos Sociais como interesses individuais homogêneos indisponíveis......................................................................................................................... 63 5.2 Exigibilidade-legitimidade dos Direitos Sociais: análise crítica dos critérios de legitimação vigentes............................................................................................................. 64 5.3 A representatividade adequada no Direito Comparado: a Class Action e o litígio de interesse público................................................................................................................... 70 5.4 A dimensão substancial do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição: o acesso à justiça como Direito Fundamental inalienável.................................................................... 73 5.5 A questão do conceito de sujeitos de Direitos: por uma legitimação individual ou litisconsorcial nas ações coletivas........................................................................................ 78 CONCLUSÃO: OS TITULARES DE DIREITO COMO SUJEITOS DE DIREITO. 81 REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 86.

(11) INTRODUÇÃO. Na abertura do Simpósio Nacional sobre os Direitos do Homem, realizado em 1967, em Turim, Norberto Bobbio anteviu um dos grandes dilemas do Direito contemporâneo, ao afirmar que o “problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais de fundamentá-los, e sim de protegê-los”. Sem meias palavras, o pensador italiano foi ao cerne da questão, ao declarar que:. [...] o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los.1. A presente dissertação insere-se nessa linha de preocupação, pois, além de reforçar o argumento acerca da exigibilidade dos direitos sociais, econômicos e culturais, tem por objeto específico refletir sobre a legitimação da sociedade para o procedimento coletivo instituído pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP), posto que a atual sistemática estabelece óbices processuais para que os cidadãos possam acionar a jurisdição na defesa daqueles direitos. O ponto central, portanto, é refletir sobre o modelo atual. A crítica dá-se basicamente sobre o critério que a LACP adotou para definir a representatividade adequada da sociedade, que, nesse caso, incide apenas sobre instituições ou pessoas jurídicas que atuam autonomamente ou por substituição processual.. 1. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. São Paulo: Campus, 1992. p. 25..

(12) O trabalho demonstrará que a adoção desse critério em caráter exclusivo é 1) inconstitucional, porque fere o princípio da inafastabilidade da jurisdição, aqui compreendido como uma garantia fundamental; e 2) injurídico, na medida em que desconsidera a teoria da personalidade, que assegura aos titulares de direitos a legitimação ordinária (e originária) para a defesa dos seus interesses, independentemente dos legitimados extraordinários. O ponto de vista defendido neste trabalho tem, portanto, uma clareza lógica, no sentido de se contrapor ao critério de legitimação rigorosamente estabelecido na LACP, a qual, ao definir os legitimados não ordinários como únicos detentores da via postulatória, veda que a pessoa natural ou o litisconsórcio destas possam propor ação coletiva reivindicatória de direitos sociais. O presente estudo tem uma razão de ser concreta. Hoje, quase cem por cento das ações coletivas relacionadas à proteção dos direitos sociais são viabilizadas pelo Ministério Público e, embora essa estatística reflita a ascensão institucional do MP após a redemocratização, traduz também a inibição da sociedade para ela própria manejar o espaço judicial. Um dos empecilhos é exatamente a exclusão das pessoas naturais do rol dos legitimados para a ação coletiva, cuja proposição depende da existência dos chamados grupos intermediários2 formais, organizações não governamentais que demandam farta burocracia e elevados custos para existirem juridicamente3. Inicialmente e com o objetivo de permitir ao leitor melhor compreensão do tema, convém esclarecer que não se abordarão os direitos sociais relativos ao trabalhador, tendo em vista que o controle judicial de tais garantias se dá por meio do processo trabalhista individual ou coletivo, ou, ainda, pelas instâncias corporativas.. 2. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais e ação civil pública. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 92. 3 A estatística mencionada neste parágrafo foi constatada mediante pesquisa realizada por Paulo Cezar Pinheiro Carneiro e é abordada na obra de que trata a nota de rodapé n. 2..

(13) O ponto de reflexão será sobre os direitos sociais relativos à educação, à saúde e à assistência social (as garantias previdenciárias têm regime jurídico próprio), estes últimos tratados pela Constituição Federal como direitos relativos à seguridade social. Como parte da doutrina e da jurisprudência4 ainda resiste à idéia da efetividade, da exigibilidade e da judicialidade dos direitos sociais constitucionais, entendeu-se oportuna e necessária uma digressão histórica acerca desses direitos, de modo a facilitar a compreensão de que esses pressupostos – sem os quais não se poderia falar de titularidade de direito e de legitimação – decorrem da assimilação, pelo novo pacto constituinte de 1988, de conteúdos normativos internacionais, sobretudo os contemporâneos ao pós-guerra. Para tanto, iniciar-se-á a abordagem com uma retrospectiva dos direitos humanos na ordem jurídica internacional, para evidenciar que a consagração dos direitos econômicos, sociais e culturais constitui uma etapa evolutiva do constitucionalismo clássico, de cunho liberal, para o constitucionalismo moderno, de perfil nitidamente socializante. O passo seguinte será sobre os direitos sociais na concepção jurídica contemporânea, fortemente influenciada pelas conseqüências do pós-guerra e do neocolonialismo, quando as mais absurdas violações à dignidade humana influenciaram no discurso de negação do racionalismo positivista e quando também os direitos humanos são concebidos com base na noção de integralidade, indivisibilidade, inalienabilidade e progressividade. Como não poderia deixar de ser, o trabalho abordará a evolução das garantias sociais no constitucionalismo brasileiro, explicitando que, na perspectiva histórica e sociológica, a herança escravocrata e latifundiária influenciou no pensamento jurídico do Império e da. 4. Refiro-me genericamente aos doutrinadores mais dogmáticos que justificam a não eficácia das normas constitucionais através de institutos auto-referentes, de que são exemplos clássicos os conceitos de “normas constitucionais programáticas”, “normas constitucionais de eficácia contida” etc., como também à forte tendência que ainda existe no judiciário, que resistem à exigibilidade dos direitos sociais, sob o argumento da não auto-aplicabilidade dos preceitos constitucionais correlatos, em detrimento às novas concepções hermenêuticas, que defendem o princípio da normatividade constitucional..

(14) República Velha, que negou reconhecimento e até marginalizou socialmente o exercício desses direitos. Nesse caminho evolutivo, verificar-se-á que os direitos sociais só passam a integrar a ordem jurídica, e ainda muito timidamente, na Constituição de 1934, muito menos como um pacto político pioneiro, e, sim, como um arranjo da antiga oligarquia para manter-se no poder. Este estudo evidencia, também, que as Constituições seguintes, não obstante terem recepcionado garantias sociais dos indivíduos, eram extremamente indolentes no sentido da sua efetividade, incrustando na cultura jurídica nacional a forte sensação de insinceridade constitucional, o que se explica pela impermeabilidade do patrimonialismo e do autoritarismo, muito marcantes na história da vida política nacional. Contudo, e até para servir de argumento central deste estudo, tratar-se-á da radicalidade democrática que inspirou a Constituição de 1988, para demonstrar que o seu texto é fortemente inspirado na teoria da justiça social, consagrada pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, e pela Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, ambos das Nações Unidas. Por motivos históricos, a teoria da justiça social consolidou-se internacionalmente como o pensamento constituinte de uma nova mentalidade de Estado, advinda da mitigação dos dogmas liberais, em cujo contexto o Direito assume papel preponderante na proteção e fruição dos direitos sociais, elevando-se o interesse social acima dos interesses individuais e até mesmo dos públicos (estatais), o que reforça consideravelmente o sentido da sua exigibilidade jurídica no plano interno das nações. Do exame da Constituição de 1988 em cotejo com esses documentos jurídicos internacionais, também é possível extrair a consagração dos critérios de imediatidade e progressividade na fruição dos direitos sociais pela via jurisdicional..

(15) A imediatidade nasce como um contraponto ao formalismo positivista, pois impõe que os Estados nacionais confiram efetividade imediata a certos direitos sociais, mitigando a hermenêutica dogmática que os tratava (e ainda os trata em certa parte) como fruições de natureza programática (?), de que é exemplo a teoria da eficácia das normas constitucionais. A progressividade, por seu turno, impõe-se como um princípio de realidade, de modo a adequar a norma às dificuldades orçamentárias dos países subdesenvolvidos e possibilitar que outras categorias de direitos sejam prestados progressivamente. Com a intenção de melhor contextualizar o tema e para evitar uma análise meramente doutrinária e dogmática, tomou-se à liberdade de apresentar pressupostos extralegais de exigibilidade dos direitos sociais. Recorre-se à questão da massificação da exclusão social como fenômeno sociológico e seu potencial lesivo em termos de desintegração da institucionalidade democrática, para discorrer sobre a ética da prioridade dos direitos sociais coletivos. Utiliza-se o objetivo político da República de promover o bem comum, para consagrar o compromisso político do País para com a ordem internacional, no sentido da proteção dos direitos humanos quanto à perspectiva da sua inalienabilidade e integralidade. Discorre-se. sobre. a. interdependência. social. nas. sociedades. complexas. contemporâneas, para justificar o deslocamento do ethos jurídico da perspectiva individual para a visão metaindividual, com o que se entende encontrar justificação filosófica para a exigibilidade dos direitos sociais. Enfim, já num sentido mais estrito, ressalta-se a efetividade dos direitos fundamentais sociais com base na teoria da normatividade dos princípios constitucionais, de modo a respaldar juridicamente o argumento da exigibilidade dos direitos sociais no Brasil contemporâneo..

(16) Capítulo especial é reservado aos aspectos jurídicos concernentes à tutela judicial dos direitos sociais, levando-se em conta os mecanismos legais de que se dispõe, com base numa visão crítica acerca da (in)adequação dos nossos instrumentos procedimentais, de perfil liberal-formalista, sobretudo no que tange à tutela dos direitos coletivos, como já aqui abordado. Em razão da precariedade dos instrumentos procedimentais hoje disponíveis no sistema jurídico nacional, optou-se por explorar as possibilidades de adequação de mediante o exercício de exegese que lhe permita mais flexibilidade aplicativa e maior instrumentalidade concreta, com o propósito declarado de alargar o horizonte da legitimidade ativa aos cidadãos e, portanto, ampliar concretamente a efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais previstos na Carta da República. Embora pareça simples, na prática judicial o problema ganha contornos complexos. Tome-se como exemplo corriqueiro, contudo ilustrativo, a necessidade de uma determinada comunidade local acionar a jurisdição objetivando ampliar a oferta de ensino fundamental, negada no espaço político. Nesse caso, havendo a inércia do Ministério Público e inexistindo associação civil formalmente constituída, tal como exige a LACP, estarão os titulares do direito material (a comunidade como um todo) impedida de exercer o direito subjetivo, frustrando-a de usufruir direito social garantido constitucionalmente. De outro modo, se a mesma comunidade pretender a anulação de uma despesa administrativa que entender lesiva ao interesse público educacional, como por exemplo, a aquisição de fardamento em vez de livros didáticos, apenas um ou mais cidadãos podem manejar a jurisdição, fazendo-o em nome de toda a sociedade, por via da ação popular. A contradição é visível, pois se é possível que cidadãos sejam substitutos processuais na defesa de interesses difusos, que são amplos e atingem indeterminadamente o tecido social,.

(17) constitui um paradoxo intransponível proibi-los de postular os próprios direitos, que são homogêneos, embora divisíveis individualmente. Essa visão não condiz com a ordem natural das coisas, pois o Direito, por sua função ontológica, não pode contemplar tal anomalia, tal imperfeição lógica, a ponto de obstar que o titular natural de um direito, e de um direito tão relevante como o da educação, possa pelo menos postulá-lo no espaço judicial. O presente trabalho pretende, com efeito, superar esse dilema. Para tanto propõem seja aceita a legitimação das pessoas, ou de grupos de pessoas, para a postulação dos direitos sociais, econômicos e culturais no âmbito da LACP, mesmo que esta negue, por exclusão, tal legitimidade. O argumento incontestável que para tanto se apresenta encontra respaldo no próprio sistema jurídico-constitucional, que assegura o acesso pleno da cidadania à jurisdição, quanto mais em se tratando de direito inerente à dignidade humana, que é apoiado por normas constitucionais auto-aplicáveis e por vasto acervo histórico e normativo internacional, daí a razão do resgate histórico do constitucionalismo. Vale dizer: os direitos sociais, econômicos e culturais são de tamanha grandeza no sentido humano e de vasta dimensão social, que ganham a dimensão jurídica da fundamentalidade, não podendo ser mitigados por regras instrumentais motivadas por orientação dogmática. Por isso é que, ao final, propugna-se pela tese da viabilidade da legitimação individual ou litisconsorcial popular, que será assegurada por exercício hermenêutico não tão elástico, uma vez que será a própria normatividade sistêmica da ordem constitucional que fornecerá elementos para tal posicionamento, como alhures demonstrado neste trabalho. Só assim será possível resolver essa aparente contradição jurídica no âmbito do processo coletivo..

(18) 1 AS GARANTIAS SOCIAIS NO CONTEXTO DO DIREITO INTERNACIONAL. 1.1 Síntese da evolução histórica dos Direitos Humanos. As idéias mais compatíveis com a noção de um direito social rudimentar surgiram na Carta Magna de 1215, da tensão entre os interesses econômicos do baronato inglês e o absolutismo de João Sem Terra, de que é exemplo ilustrativo o princípio de que o governo daí por diante deveria significar algo mais do que o domínio arbitrário de qualquer homem, e o costume e a lei deveriam erguer-se acima do próprio rei. Uma reflexão mais acurada dessa disposição fornece algumas conclusões importantes, tais como: •. Apesar do contexto desfavorável, próprio da cultura absolutista, o postulado constitucional persegue a segurança jurídica ao indicar a lei e os costumes como fontes objetivas de tutela das relações entre o poder e a sociedade;. •. Contudo, a noção de princípio é bastante sugestiva, ao recomendar ao governo um significado, que é o de respeito ao homem enquanto sujeito de direitos, inimaginável no período precedente.. Muito mais adiante, já no século XVIII, tendo os movimentos filosóficos iluministas como precursores, dois marcos históricos unem novamente a política e o direito em nome de postulados humanistas..

(19) As Revoluções Americanas (1776) e Francesa (1789), ambas de cunho libertário e nacionalista, concebem as respectivas Declarações dos Direitos do Homem e dão marcha efetiva à era dos direitos do homem, concebidos como tal para protegê-lo do próprio Estado. É fundamental essa abordagem, para demonstrar que, na era moderna, os direitos humanos nasceram com as revoluções nacionalistas e se consolidaram como postulados do indivíduo em desfavor desse mesmo poder estatal, a partir de quando nasce a idéia da dimensão humana do Estado, o povo. Contudo, os documentos constitucionais que expressam essa tendência eram essencialmente compromissários em relação às fruições sociais, fixando-se basicamente na garantia dos direitos civis clássicos, de cunho liberal. Embora o constitucionalismo dos séculos XVIII e XIX sejam praticamente omissos em termos de direitos sociais, sua importância reside, dentre outros, no fato de incorporar à ordem jurídica incipiente a racionalidade do Iluminismo, ferramenta que seria indispensável para a consolidação de um Direito auto-referente e positivo, por via do qual foi possível estabelecer importantes paradigmas jurídicos ligados às garantias civis clássicas, porta pela qual os direitos sociais, econômicos e culturais ingressariam no período subseqüente. Melhor explicando, essa racionalidade, herdada da ruptura filosófica iluminista, passaria a ser nos períodos subseqüentes o engenho, o germe nos quais e a partir dos quais seriam formuladas as criticas à concepção teológica do passado e permitidas as possibilidades para o nascimento dos conceitos de igualdade jurídica, participação política, liberdade econômica, secularização do poder, humanização penal, etc., todos eles indispensáveis para configuração do constitucionalismo social dos períodos seguintes. Especialmente no século XIX, com a consolidação do capitalismo europeu, esse racionalismo jurídico exerceria papel fundamental, pois as tensões entre o capital e o trabalho possibilitaram uma produção jurídica menos opressiva, fundada nos conceitos iluministas.

(20) clássicos, fato que muito contribuiu para que as garantias sociais pudessem ser contempladas como direitos subjetivos.. 1.2 O Garantismo Social como nova tendência do Constitucionalismo. O garantismo social só se sedimenta no constitucionalismo moderno com as teorias políticas socialdemocratas e socialistas, de que são exemplos marcantes, no primeiro caso, a Constituição de Weimar de 1919 e, no segundo, a Constituição Mexicana de 1917 e a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador da Rússia de 1918. É oportuno lembrar, por dever de justiça para com a História, que, antes mesmo dessas Constituições socializantes, a Carta francesa de 1848, repositária dos movimentos revolucionários utópicos, já trouxera alguns fragmentos de direitos que se podem definir como humano-sociais, ao preconizar o “direito ao ensino primário gratuito, à educação profissional e à igualdade das relações entre patrão e empregado”5. Como se percebe, somente no século XX, os direitos sociais passam a ser garantidos constitucionalmente e, mais, assumem o status de direitos fundamentais sob a proteção do Estado, em franca oposição ao liberalismo capitalista. Exposição de Bobbio nesse sentido é oportuna:. Da crítica das doutrinas igualitárias contra a concepção e a prática liberal do Estado é que nasceram as exigências de direitos sociais, que transformaram profundamente o sistema de relações entre o indivíduo e o Estado e a própria organização do Estado, até mesmo nos regimes que se consideram continuadores, sem alterações bruscas, da tradição liberal do século XIX.6. 5. CF. FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas: a responsabilidade do administrador e o Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 31. 6 BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. p. 42 et seq..

(21) É importante destacar que tanto a proteção dos direitos sociais, quanto a sua elevação à categoria de direito fundamental devem ser analisadas, levando-se em conta a forte carga ideológica que as inspirou. Não seria exagero afirmar, portanto, que muitos desses direitos se situavam no plano da ideologia, do idealismo. Todavia, Wolkmer7 faz justiça, ao constatar que a Constituição alemã é a que mais traduz “a modernidade e extensão de objetivos que transcendem ao próprio espírito socializante” daquela época, o que lhe confere uma posição bem mais avançada em termos de normatividade, próprio do modelo socialdemocrata em emergência, quando já se percebe a separação entre os direitos civis e as garantias sociais. Questão que não pode passar despercebida é a de que os direitos sociais nasceram no contexto europeu como um contraponto ao movimento socialista que rondava o continente. Tal fato é fundamental para explicar um certo compromisso político-institucional quanto a sua eficácia, que, incipiente de início, se tornou progressivamente real pela luta dos movimentos sociais e corporativos no curso da evolução histórica. O passo seguinte foi a sua pacificação em termos normativos. O Estado assume, então, papel preponderante na produção jurídica8, pois a ele cabe, a partir de então, a incumbência de ser o esteio e, ao mesmo tempo, o regulador do modelo capitalista. No contexto de tensão entre os interesses econômicos em conflito – tendo de um lado a expansão do capitalismo industrial e do outro a ascensão do movimento operário – a história vê o surgimento de duas concepções também opostas de Estado, com a consolidação da Rússia socialista. Nesse período, há uma grande produção jurídica mundial, visando a. 7. WOLKMER, Antonio Carlos. Constitucionalismo e Direitos Sociais no Brasil. São Paulo: Acadêmica, 1989. p. 19 et seq. 8 Conforme MARTINS, Vinício C., no artigo Estado de Direito Social. Disponível em: <www1.jus.com.br> p. 3. Acesso em: 28 nov. 2005..

(22) responder às expectativas desse novo agente social, o proletariado, notadamente em face das projeções catastróficas da Segunda Grande Guerra. Ilustram a lista a Proclamação das Quatro Liberdades, de 1941, de Roosevelt, que contempla o direito das pessoas de não passarem necessidade e de não sentirem medo; A Declaração das Nações Unidas, de 1942; as conclusões da Conferência de Moscou, de 1943; de Dumbarton Oaks, de 1944 e de São Francisco, de 1945, todas com forte tendência para a justiça social. Aqui se consolida, na história jurídica internacional, a passagem do direito individual, de que era portador o liberalismo clássico, para o direito social, nitidamente ligado à ordem econômica, uma vez que a força do trabalho passa a ser vista como um novo componente das relações de produção9. O garantismo social expresso nesses novos ordenamentos constitucionais respondem ao novo contexto político-econômico, pois entra em crise o modelo liberal, passando a sociedade a exigir um Estado mais atuante em termos de satisfação das expectativas sociais. É nesse período que se sedimenta o garantismo como destacada corrente do pensamento jurídico e quando se estrutura a concepção acerca das dimensões dos direitos, que seriam muito importantes para a consolidação da noção de exigibilidade dos direitos sociais. A chamada teoria garantista, cujo representante mais destacado é Luigi Ferrajoli, surge então como uma resposta à lacuna que existia (e ainda existe) entre a produção jurídica abstrata do Estado e a efetividade prática dessas normas, inserindo na discussão a questão da essência, sem a qual a norma não pode ser considerada válida. O pensamento de Ferrajoli tem dupla importância na compreensão da exigibilidade dos direitos sociais.. 9. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 285 et seq..

(23) Primeiro, porque considera que a validade do direito não decorre apenas da satisfação dos procedimentos formais legislativos e judiciais, entendendo indispensável que exista o elemento substancial, ou seja, conteúdos, valores etc., que devem ser extraídos dos direitos fundamentais. Nesse sentido, os direitos fundamentais passam a balisar, a presidir, a inspirar a validade da norma, compreensão que é muito importante para conferir aos direitos sociais o seu caráter de fundamentalidade, tirando-os da dimensão meramente material para a espiritual, entendida esta como tradução da dignidade humana. O segundo ponto importante do pensamento do autor é a noção de que o garantismo só pode ser realmente aferido em face do universo observado. Se a análise se prende apenas o campo normativo, ter-se-á uma medida, mas se a reflexão incidir sobre a aplicabilidade prática da norma, certamente a medida será outra bem menor. Essa nova concepção foi indispensável para que o fenômeno jurídico ganhasse uma face mais real, menos auto-referente, com o que foi possível acrescentar ao universo doutrinário uma referência original e peculiar, que é a realidade concreta acerca aplicação das leis numa determinada comunidade. Isto contribuiu em muito para a crítica ao modelo normativista inerte, lançando mais argumento sobre a necessidade de proteção das garantis sociais10. Nesse período, quando se consolida o Estado do Bem-estar social, é que se sedimenta aquilo que Bobbio mais tarde chamaria de direitos de segunda geração, nos quais os sujeitos de direitos estão inseridos num contexto social e assim devem ser vistos. Com efeito, o exercício desses direitos não depende da omissão do Estado, como é o caso das liberdades. 10. FERRAJOLI, Luigi. O Direito como sistema de garantias. In: OLIVEIRA JR., José Alcebíades de (Org.). O novo em Direito e política. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 100 e seguinte. MAIA, Alexandre. O garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli: notas preliminares. Disponível em <www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em 28 nov. 2005..

(24) civis clássicas. Muito ao contrário, estão vinculados sine qua non à ação positiva estatal, o que reforça mais ainda a idéia da exigibilidade dos direitos sociais, econômicos e culturais.. 1.3 A crise do positivismo: os Direitos Sociais na dimensão da dignidade humana e a necessidade de sua proteção efetiva. É no século XX que o positivismo se ergue como o veículo científico da produção jurídica do Estado intervencionista, embora esse mesmo positivismo auto-referente e racionalista não tenha acompanhado as mudanças drásticas ocorridas na segunda metade do século. Utilizando-se como exemplo o holocausto e a brutalidade do neocolonialismo, verifica-se que não poderia haver maior desmistificação da racionalidade e do idealismo positivista. A violência e o preconceito colocaram em xeque a própria condição humana, do que resultou a incorporação, no discurso jurídico-político, de conceitos espirituais como a dignidade, a solidariedade, e abriu-se o horizonte para o devir da justiça além do campo social, mas na perspectiva do homem enquanto homem, na sua dignidade essencial, marca dos novos direitos meta-individuais. Embora o normativismo kelsiano tenha sido um salto significativo em relação ao direito natural, é forçoso reconhecer que o fenômeno jurídico no período pós-guerra já não podia encontrar fundamentação e legitimação apenas nos seus pressupostos lógico-formais, como defendido pelo autor. Kelsen deixa bastante claro que a sua Teoria Pura do Direito “não leva a ordem jurídica positiva a uma ‘ordem superior’ – algo como uma ordem moral ou um direito.

(25) natural”11. A pretexto de afastar qualquer influência do idealismo sobre a sua teoria da dogmática, o fundador da escola normativista termina também por mitigar a importância de outras ordens superiores que viriam a surgir como contraponto ao sofrimento humano, que não eram naturais, mas inerentes ao conceito de humanidade. Kelsen parece que não percebeu o conteúdo aberto dos princípios e direitos fundamentais. Essas ordens morais superiores, que viriam a gerar uma nova hermenêutica, baseada nos princípios fundamentais, apareceram com nitidez na Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, que instituiu uma ordem internacional fundada na humanidade do homem, misto de culpa e irresignação. Em que pesem os indícios do prenúncio da guerra fria, a consciência coletiva internacional legou uma Declaração Universal significativamente avançada, e respondeu à barbárie racionalista com o princípio jurídico da inalienabilidade dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, de importância capital para o constitucionalismo, que viria a instituir-se no pós-guerra. Flávia Piovesan afirma que a junção desses direitos sob o pálio da inalienabilidade foi indispensável para a compreensão de que:. [...] sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto sem a realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem de verdadeira significação12.. 11. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 23. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional. São Paulo: Max Limonad.1997. p. 161 et seq.. 12.

(26) Outra concepção igualmente relevante e bastante expressiva no texto da Declaração Universal é a de que os:. [...] direitos humanos são uma unidade interdependente e indivisível, no sentido de que o bem-estar individual resulta, em parte, de condições econômicas, sociais e culturais, bem como da visão de que o governo tem obrigação de garantir adequadamente tais condições para todos os indivíduos13.. A Declaração é, por isso, categórica ao instituir uma enorme lista de garantias sociais e, entre elas, cabe destacar o direito à qualidade de vida, à saúde, à educação e a proteção à maternidade e à infância, à invalidez, à velhice, entre outros. Todavia, somente em meados da década de 1960, é que a Declaração foi regulamentada, por via do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, conferindo-se normatividade real a essas categorias de direitos. Merece destaque o fato de o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ter recepcionado o princípio da progressividade, segundo o qual os Estadosmembros deveriam adotar medidas com vistas a alcançar progressivamente a plena concretização dos direitos nele previstos, mediante a mobilização do máximo de recursos possível. Esse princípio será fundamental para a compreensão da exigibilidade dos direitos sociais nos países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil, conforme se verificará em capítulo próprio deste estudo, mas a sua justificação deriva, em verdade, das dificuldades de reconstrução da Europa, arrasada após a Segunda Guerra Mundial. Outro documento inovador do ponto de vista da proteção dos direitos sociais é a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, pois, ao mesmo tempo em que. 13 LIMA JR., Jaime Benvenuto. Os Direitos humanos, econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: São Paulo: Renovar, 2001. p. 30..

(27) reafirma os pactos anteriores, recorre ao conceito de desenvolvimento integral, reconhecendo que a pessoa humana é o sujeito central desse processo e essa política de desenvolvimento deveria assim fazer do ser humano o principal participante e beneficiário. Mais uma vez, aqui se faz notar algumas preocupações precípuas das Nações Unidas. Em primeiro lugar, porque assegura que a igualdade de oportunidade para o desenvolvimento é uma prerrogativa tanto das nações quanto dos indivíduos, responsabilizando os Estadosmembros quanto à promoção e proteção dos direitos sociais da pessoa humana e confere inalienabilidade ao direito ao desenvolvimento. Contudo, o mais importante dessa Declaração em termos jurídicos é o estabelecimento de que o direito ao desenvolvimento dos indivíduos é um direito humano, cuja proteção há de ser considerada com toda a sua força de normatividade e obrigatoriedade. A questão da exigibilidade dos direitos sociais ganha relevância jurídica inegável com o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, também denominado de Protocolo de San Salvador, de 1988, pois, a partir dele, há uma nítida distinção entre os direitos de realização progressiva e os de exigibilidade imediata, com o que certas garantias passam a ser exigíveis com integral força normativa. Este Pacto é importante em termos jurídicos porque concebe os direitos sociais com forte dose de reserva legal e garante expressamente aos indivíduos importantes direitos relacionados à segurança social, à saúde, ao meio ambiente sadio, à alimentação, à educação, à proteção à família, à criança, aos idosos e aos deficientes, entre outros. O Protocolo Adicional também é de grande importância para a compreensão de que as garantias sociais.

(28) [...] constituem um todo indissolúvel que encontra sua base no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, pela qual exigem uma tutela e promoção permanente com o objetivo de alcançar sua vigência plena, sem que jamais se possa justificar a violação de uns em aras da realização de outros14.. Isso significa que os Estados-partes reconhecem e assumem a obrigação de promover os direitos sociais, de acordo com o grau de desenvolvimento de cada um, mas com o máximo de recursos disponíveis, conferindo aos indivíduos o direito de exigi-los, ainda que progressivamente, no limite da capacidade orçamentária do poder público. Como é fácil perceber, a exigibilidade dos direitos sociais não se centra na discussão do direito em si, posto que já reconhecido e positivado, porém na forma de sua fruição, de acordo com a capacidade financeira do Estado, assim cabe ressaltar que, em nível internacional, o Estado-parte também pode ser compelido a cumprir as disposições do Protocolo, mediante o sistema de petições previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos. Nesse sentido, o Protocolo é bastante elucidativo:. Os Estados-partes só poderão estabelecer restrições e limitações ao gozo e exercício dos direitos estabelecidos no presente Protocolo mediante leis promulgadas com o objetivo de preservar o bem-estar geral dentro de uma sociedade democrática, na medida em que não contradigam o propósito dos mesmos15.. Vale dizer que os direitos sociais só podem ser restringidos se o seu exercício comprometer o bem-estar geral e desde que tal situação seja demonstrada em lei no sentido estrito. Mas a história não evoluiu linearmente! A derrocada do mundo soviético e, com ele, a sucumbência da ideologia socialista trouxeram um reflexo sobre o qual o mundo jurídico ainda não refletiu devidamente, visto que, com o fim do chamado socialismo real, ruiu o. 14. A declaração de princípio consta do Protocolo de San Salvador, 1988. Disponível em: <www.onubrasil.org.br>. Acesso em: 28 mar. 2006. 15 Idem..

(29) ponto de tensão ideológica entre o ocidente e o leste europeu e, com ele, a expectativa de um estado paternalista, unívoco e hegemônico na consecução do bem comum. A utopia da supremacia da política como meio de satisfação do bem-estar deixa de existir e com ela morre a sujeição dos homens à noção de massa. Essa mudança de paradigma resgata a idéia do cidadão no campo político e social e, no âmbito jurídico, reforça a dimensão do homem como sujeito de direitos, capaz de exigir do Estado providências de natureza social, econômica e cultural. Floresce aqui, também, a forte tendência de que o Direito pode ser um instrumento de transformação social, como pondera Vinício C. Martinez, para quem nesse contexto histórico o Direito passa a merecer uma significação social mais ampla, haja vista ser uma significativa expressão regulatória e protetiva dos direitos humanos16. É conveniente registrar que esses eventos históricos, aqui utilizados como paradigmáticos na evolução do pensamento jurídico-constitucional da modernidade, tiveram alcance internacional, daí por que influenciaram significativamente a cultura normativa dos Estados nacionais (ocidentais, especialmente), sendo fundamentais para a compreensão do universalismo jurídico dessa época. Resultou daí que o constitucionalismo pós-moderno buscou incorporar, de modo geral, os principais postulados que caracterizam cada época: as liberdades clássicas, do pensamento liberal; as garantias sociais, do socialismo e da social-democracia; e os direitos fundamentais da pessoa humana, herança do pensamento pós-estruturalista da contemporaneidade. A perspectiva social confunde-se com a perspectiva humana, esta, agora, não mais enredada no paradigma do liberalismo, tampouco da massificação socialista. Viu-se a fundação de uma nova utopia que vem impregnando o constitucionalismo contemporâneo,. 16 MARTINS, Vinício C. Estado Democrático de Direito Social. Disponível em: <www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 31 mar. 2006..

(30) com a ascensão dos conceitos de solidariedade, no horizonte da coletividade, e de dignidade, no horizonte da individualidade. Essa digressão histórica bem demonstra que, tal como Gomes Canotilho17 se referiu à Constituição portuguesa pós-salazarista de 1976, também nós, brasileiros, não estivemos sós. A consagração da exigibilidade dos direitos sociais, econômicos e sociais decorre da expansão axiológica dos princípios gerais do Direito Internacional contemporâneo, que impregnaram a normatividade constitucional do País, notadamente a partir do pacto constituinte de 1988, como uma espécie de condição inerente ao próprio Estado de Direito recém-inaugurado. Melhor dizendo, a forte dimensão conferida pela nossa ordem jurídica aos direitos sociais coletivos e à sua efetividade decorre da abertura dessa mesma ordem ao Direito Internacional, pois, como anota Celso Lafer, os princípios incorporados ao constitucionalismo nacional “estão bem próximos dos que basicamente regem, de acordo com o Direito Internacional Público, ex vi do art. 2.º da Carta da ONU, a comunidade internacional”18.. 17. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2002. p. 217 et seq. 18 LAFER, Celso. A Internacionalização dos Direitos Humanos. São Paulo: Manole, 2005. p. 11 et seq..

(31) 2 OS DIREITOS SOCIAIS NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO. 2.1 Direitos Sociais: da marginalidade à normatividade formal. Inicialmente, é indispensável registrar que, por conta da herança colonial escravocrata, que perdurou como estigma durante o modelo republicano latifundiário e autoritário, a questão social no Brasil sempre foi tratada pelo pensamento conservador dominante como uma transgressão à ordem. Cerqueira Filho aborda esse tema com singeleza e rara profundidade, demonstrando que todos esses ranços culturais, notadamente aqueles justificadores da discriminação racial, empurraram a questão social no Brasil para a ilegitimidade, ligados à idéia de anarquia, de conjuração, de desrespeito e desestabilização do sistema19. A plausibilidade dessa constatação é inequívoca e se expressa de forma nítida na Constituição Republicana de 1891, cujo texto é absolutamente omisso em relação aos direitos sociais da população, que assumem a condição de inexistência e de vazio jurídico. Essa idéia preconceituosa explica por que nos custou muito entender a correspondência entre os direitos sociais e os direitos humanos. A noção jurídica rudimentar dos direitos sociais no Brasil só surge, então, com ruptura das novas elites emergentes com a República Velha e o coronelismo autoritário. Influenciada. 19 CERQUEIRA FILHO, Gilásio. A questão social no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. p. 60 et seq..

(32) pela pressão da chamada Revolução Constitucionalista de 1932, a Constituição de 1934, pela primeira vez, introduz normas sobre a ordem econômica e social. Como se vê, foi muito tardia a influência das concepções socializantes da Europa no constitucionalismo brasileiro. Além de tardia, a influência foi fragmentária. Os direitos sociais não tinham a marca da luta pela emancipação e pela justiça social. O Estado intervencionista dessa década e seguintes cumpria o seu papel de coordenação do novo modelo econômico emergente, mas faltava no contexto a classe operária, o que se explica pelo precário estágio de desenvolvimento industrial do País. Os direitos sociais no Brasil nascem, portanto, com a marca do paternalismo do Estado populista, por isso se restringiam apenas a algumas garantias laborais e previdenciárias, ao lado de direitos políticos igualmente tênues e sempre no plano individual. Somente com a Carta de 34 se introduz, no sistema constitucional, o direito ao trabalho e a proteção à velhice e à invalidez, o que demonstra o atraso da mentalidade jurídico-política de então, especialmente em questões que já haviam sido constitucionalizadas, no continente americano, na Carta Mexicana do início do século, que, há quase duas décadas, já dedicara atenção especial ao que denominou de “prevision social”20, sistema de fruições destinado aos trabalhadores e aos cidadãos em geral. Contudo, a modernidade emergente do Estado brasileiro não resistiu ao modelo político oligárquico, que se descuidou de empreender as mudanças na sua estrutura socioeconômica, no ensino e na atenção à saúde, bem como a reforma fundiária, fato que muito contribuiu para o inexpressivo grau de consciência emancipadora da população, que perdura até os dias atuais. Essa dubiedade entre normatividade x efetividade é assim abordada por Wolkmer:. 20. Vide por exemplo o Capitulo I, da Carta Magna brasileira de 1934, que trata dos direitos fundamentais e o art. 123, da Carta Magna Mexicana, que especificamente, cuida “Del Trabajo y de Prevision Social”. Disponível em: < www.dhnet.org.br>. Acesso em: 23 dez. 2005..

(33) Chega-se à conclusão de que o texto de 34 demonstra, nos parâmetros de seu hibridismo, o entreabrir de uma complexa ambigüidade onde, de um lado, parece tratar-se de um pacto político verdadeiramente pioneiro e avançado, de outro, a ilusão de um conteúdo que não transmite exatamente a nova roupagem. Quando se constata que isso é igualmente um recurso da antiga ordem oligárquica para manterse no poder, o efeito de sua novidade acaba perdendo seu valor21.. Parece que a ideologia da insinceridade constitucional, legada do golpe imperial à Constituinte de 1823, lançou marcas profundas no novo constitucionalismo. Entretanto, à guisa de síntese, é inegável que a expansão capitalista como fator econômico, o movimento constitucionalista revolucionário como fator político e a edição da Carta de 34 como produção jurídica foram capitais para colocar o problema social na ordem do dia, tirando-o da marginalidade22. Mais que isso, é forçoso reconhecer que, com esse novo marco constitucional, os direitos sociais ganham os primeiros contornos de direitos coletivos, paradoxalmente a partir de uma visão paternalista e distorcida da função estatal. Embora a análise desse período seja eminentemente política (fugindo um pouco do objetivo deste estudo), crê-se ser importante empreendê-la em poucas palavras, como forma de explicar o quanto – mais uma vez – a Constituição foi eficaz como instrumento de violência do poder, por um lado; e como quimera, em termos de efetividade dos direitos civis e sociais, por outro, reforçando-se na consciência jurídica do País a chamada ilusão constitucional. Na ditadura varguista, a luta pelos direitos sociais assume outra feição cruel, na medida em que é confundida com postulados políticos anarcocomunistas, o que, de um lado, aprofunda a crise da sua efetividade no marco jurídico, mas, de outro, aumenta a tensão entre os segmentos sociais organizados e o Estado autoritário. Paradoxalmente, é no Estado Novo que se desencadeiam dois fenômenos de significativa importância para a disseminação dos problemas sociais e, conseqüentemente, de 21. WOLKMER, Antonio Carlos. Constitucionalismo e Direitos Sociais no Brasil. São Paulo: Acadêmica, 1989. p. 130. 22 LIMA JR., Jaime Benvenuto. Os Direitos humanos, econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: São Paulo: Renovar, 2001. p. 52..

(34) políticas públicas tendentes a minimizá-los, abrindo caminho para a exigibilidade dos direitos sociais gerais, como se verá a seguir. A política de substituição das importações lançou as bases da industrialização brasileira e, como conseqüência, gerou um expressivo e irrefreável processo de urbanização do País. Nesse período e por conta da necessidade de melhorar o padrão da mão-de-obra nacional, o ensino sofreu investimentos maciços. A educação foi estimulada e ampliada, garantindo-se escolas de qualidade à população. É nesse período também que a demanda por moradia, saúde e demais serviços públicos passa a constituir necessidade básica, fato que contribuiu significativamente para a formação de uma certa consciência em torno da sua exigibilidade, limitada porém ao campo da institucionalidade, até mesmo porque a ditadura tratava com violência os movimentos sociais. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, começaram no País os movimentos pela redemocratização. e,. com. eles,. uma. extraordinária. recomposição. dos. princípios. constitucionais, com a reformulação de Constituições existentes ou promulgações de outras (Itália, França, Alemanha, Iugoslávia, Polônia...), que influenciaram a reconstitucionalização do Brasil23. A Constituição de 1946, resultante desse processo histórico, resgatou de certo modo o ideário da Carta de 34, consagrando direitos civis fundamentais, como o da liberdade e o da igualdade perante a lei, restaurando os postulados do liberalismo clássico e refundando a noção de inviolabilidade dos direitos humanos. Mas a sua melhor contribuição para o constitucionalismo foi, sem dúvida, uma certa tendência, ainda que não manifestamente declarada, para tornar eficazes alguns direitos sociais, o que se explica pela visão humanista que se contrapunha aos horrores da guerra.. 23. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 81..

(35) O ensino oficial, patrocinado pelo Estado, passa a ser assegurado gratuitamente em todos os níveis para quem provasse insuficiência de recursos, assim como foi garantida a assistência educacional em favor de alunos necessitados, para propiciar-lhes condições de eficiência escolar, legitimando o acesso dos excluídos à fruição de tais direitos em face do poder público. Foi também assegurado o direito de greve, que, embora limitado ao campo sindical, seria fundamental para incorporar nas lutas laborais reivindicações de caráter geral, sobretudo nos anos 50 e 60, especialmente porque a Constituição obrigava as empresas a proporcionar ensino primário aos empregados e a seus filhos. Outro ponto que se considera importante registrar é o da expressa proteção ao desempregado, uma inovação que inaugurou no constitucionalismo a noção de compensação social do Estado em face da exclusão resultante do desemprego urbano. O constitucionalismo do período ditatorial, especialmente nas décadas de 60 e 70, embora mantendo e até ampliando as garantias sociais, de que é exemplo a noção de função social da propriedade e a sua limitação para efeito de reforma agrária, contribuiu muito pouco em termos de efetividade dos seus princípios, quanto mais dos direitos sociais deles constantes. Contudo, entende-se que a contribuição negativa foi realmente grande em termos de cultura constitucionalista, na medida em que faz repetir na história, pela força das armas, o desrespeito à ordem constitucional democrática, reinstituindo a noção da insinceridade constitucional no que tange aos direitos fundamentais, sem abrir mão dessa mesma ordem para violar as liberdades públicas. Além disso, entende-se que a ideologia da segurança nacional, muito presente nas Constituições de 67 e 69, aumentou consideravelmente a cultura jurídica de que a Constituição deve estar a serviço do Estado e da governabilidade, não do seu componente.

(36) humano. A doutrina e a jurisprudência brasileiras desse período distorcem o positivismo e, em nome dele, negam efetividade aos princípios constitucionais e aumentam mais ainda a idéia da ilusão constitucional. Entretanto, os movimentos políticos de resistência democrática fazem uso dos postulados constitucionais para a defesa dos direitos civis, sobretudo no campo das liberdades individuais e encontram amparo em algumas instâncias judiciais (até mesmo no Superior Tribunal Militar), o que de certo modo mantém viva a idéia de supremacia da Constituição, fato que não será desprezível para a retomada do Estado Democrático de Direito. Porém, a fruição dos direitos sociais enquanto direito subjetivo não encontra respaldo jurídico-político nesse período, mas a sua negação se confunde com a luta cívica em torno dos direitos humanos e passa a fazer parte da agenda política da redemocratização. Mais recentemente, após um longo período de arbítrio político, fundado na hipertrofia estatal e na legalidade autoritária, o Brasil explodiu em termos de intenção democrática, que se expressou de forma evidente no propósito de proteger a sociedade desamparada, mediante normas constitucionais edificadoras da cidadania perdida e da dignidade esquecida. Como talvez não ocorrera em nação alguma do Planeta, a Constituição pátria fez verdadeira profissão de fé quanto aos direitos sociais dos trabalhadores e dos cidadãos em geral, especialmente em relação aos mais vulneráveis: as crianças, os idosos, os deficientes e a família de modo geral.. 2.2 Os Direitos Sociais coletivos na Constituição Federal: o salto axiológico. O artigo 6º da Carta Federal é exemplo nítido da preocupação do constituinte para assegurar, genericamente, uma ampla gama de direitos sociais conferidos aos cidadãos, entre.

(37) os quais se pode destacar o direito à educação, à saúde, à moradia e ao lazer, a proteção da infância e da maternidade, a assistência aos desamparados. O Título VIII da Constituição é aberto com a norma programática de que a “ordem social [...] tem como objetivo o bem-estar e a justiça social”24, para, em seguida, determinar ao poder público que universalize a seguridade e a assistência social, que garanta o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde e ao sistema educacional, enfim, que ofereça proteção integral aos brasileiros. Os deficientes mereceram proteção especial, como se verifica das normas do artigo 203, V, da Constituição Federal, que lhes assegura assistência social, assim como os artigos 208, III, 227 e 244, que impõem ao Estado garantir-lhes educação especial e programas de integração social. A legislação infraconstitucional cuidou de instituir, dentre outros, o Sistema Único de Saúde, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente e, mais recentemente, o Estatuto do Idoso, todos com forte conteúdo protetivo, do que se conclui que o País efetivamente dispõe de normas legais que asseguram abstratamente direitos sociais de relevância inequívoca para a inclusão social e o exercício dos postulados básicos da cidadania. Contudo, o mais importante a ressaltar na Constituição de 1988 é o fato da mesma pretender superar o fenômeno histórico da ilusão constitucional, estabelecendo, como se viu, considerável grau de eficácia às normas definidoras dos direitos sociais, conferindo-lhes dimensão de imponibilidade. Essa noção de eficácia é importante seja para permitir o acionamento da jurisdição, tanto no plano individual quanto coletivo, seja ainda, e muito significativamente, para impedir. 24. CF/88, art. 193 et seq..

(38) que normas infraconstitucionais venham a mitigar o direito a tais fruições positivas por parte do Estado, sob pena de inconstitucionalidade25.. 2.3 A questão da incorporação à ordem jurídica nacional dos Direitos Sociais tutelados internacionalmente: reforço ao argumento da sua exigibilidade. Insta ressaltar que, antes de se fazer um exame acerca dos aspectos normativos da Constituição Federal em termos de direitos humanos sociais, se torna indispensável examinar a dinâmica da relação jurídica entre a ordem internacional dos direitos humanos sociais e o Direito nacional, quanto a saber como os acordos e tratados se incorporam ao direito interno e como são harmonizados do ponto de vista hermenêutico. O entendimento do Supremo Tribunal Federal, construído antes do advento do novo pacto constitucional, é de que os tratados e acordos internacionais se incorporam no Direito nacional com status paritário ao da norma infraconstitucional, que a doutrina denomina de sistema monista nacionalista26. No tocante aos direitos humanos sociais, cremos que a posição do STF é inconciliável com a nova realidade constitucional. Uma exegese mediana do § 2º do artigo 5º, combinado com o art. 4º, II, todos da Constituição Federal, levar-nos-á à conclusão de que a prevalência dos direitos humanos se expressa de uma forma tridimensional, a saber: • Pela fundamentalidade dos direitos positivados na própria Constituição; • Pela fundamentalidade daqueles direitos que decorrem dos princípios por ela adotados; e 25. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 1991. p. 250. O tema é abordado com profundidade por REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 104 et seq. 26.

(39) • Finalmente, pela fundamentalidade daqueles direitos decorrentes dos tratados internacionais. Isso significa que as normas relativas a direitos humanos sociais, previstos em tratados de que o Brasil seja parte, são normas constitucionais. O sistema mudou, então, para o monismo internacionalista, que entendemos aplicável apenas quando a norma internacional versar sobre direitos humanos sociais. Desse modo, todos os direitos previstos nos acordos e tratados de que o país é parte, uma vez submetidos ao sistema procedimental de controle e formalização, passam a incorporar-se à ordem constitucional interna, cuja exigibilidade e judicialidade dependerão da dimensão subjetiva, que lhes é conferida pela ordem jurídica internacional. A esse respeito, o comentário de Celso Lafer é esclarecedor:. Entendo que os tratados internacionais de direitos humanos anteriores à Constituição de 1988, aos quais o Brasil aderiu e que foram validamente promulgados, inserindo-se na ordem jurídica interna, têm a hierarquia de normas constitucionais, pois foram como tais formalmente recepcionadas pelo § 2º. do art. 5º. Não só pela referência nele contida aos tratados, como também pelo dispositivo que afirma que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem os decorrentes do regime e dos princípios por ele adotados27.. 27 LAFER, Alberto Filippi Celso. Presença de Bobbio, a América espanhola, Brasil, península ibérica. São Paulo: UNESP, 2005..

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