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As causas históricas do conflito na Síria.

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Academic year: 2021

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Rio de Janeiro 2015

Maj Inf MARCELO NEIVAL HILLESHEIM DE ASSUMPÇÃO

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As causas históricas do conflito na Síria.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do titulo de Especialista em Ciências Militares.

Orientador: Cel Cav Paulo Roberto Gomes da Silva Filho

Rio de Janeiro 2015

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As causas históricas do conflito na Síria

Aprovado em __ de março de 2015.

COMISSÃO AVALIADORA

___________________________________________________ Paulo Roberto Gomes da Silva Filho - Cel Cav - Presidente

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

___________________________________________________ Sérgio Henrique Codelo Nascimento – Cel Eng – Membro

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

___________________________________________________ Alessandro Paiva de Pinho TC Cav – Membro

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O Oriente Médio é uma região que integra a Ásia e vem sendo palco de inúmeras guerras e disputas ao longo da história. Sua posição estratégica e suas riquezas naturais têm atraído a atenção das principais nações do mundo desde os primórdios. Desta forma, todos os conflitos que transcorrem na região, sejam eles internos ou não, tomam uma proporção muito grande, pois influenciam no frágil equilíbrio de poder local e nos interesses das nações protagonistas da política mundial. Neste contexto, a guerra civil em curso na Síria tem trazido grandes preocupações para analistas e autoridades em todo o mundo. Os desdobramentos e as consequências do conflito ainda são difíceis de mensurar, mas todas as possibilidades têm sido estudadas com grande apreensão pelos specialistas. Neste trabalho, serão buscadas as causas históricas que podem ter contribuído para a ocorrência do conflito.

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The Middle East is a region that includes Asia and has been the scene of numerous wars and disputes throughout history. Its strategic position and its natural riches have attracted the attention of the leading nations of the world since the antique. In this way, all conflicts that happen in this region, whether internal or not, take a very large proportion, as they influence the fragile balance of power and the interests of nations protagonists of world politics. In this context, the ongoing civil war in Syria has brought great concern to analysts and authorities around the world. The ramifications and consequences of the conflict are still difficult to measure, but all possibilities have been studied with great concern by the experts. In this work, the historical reasons that may have contributed to the occurrence of the conflict will be studied.

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Figura Nr 01 – Mapa do Oriente Médio...13

Figura Nr 02 – Mapa do Império Otomano...15

Figura Nr 03 – Situação Política do Oriente Médio...17Figura Nr 04 – Partilha da Palestina Pro-posta pela ONU em 1947...20

Figura Nr 05 – George W Bush com Ariel Sharon e Mahmoud Abbas...21

Figura Nr 06 – Mapa da Síria...33

Figura Nr 07 – Manifestante na Primavera Árabe...35

Figura Nr 08 – Manifestação contra Bashar al Assad...37

Figura Nr 09 – Ditadores e a Primavera Árabe...38

Figura Nr 10 – Mapa do mandato francês na Síria...40

Figura Nr 11 – Comboio de veículos do ISIS...43

Figura Nr 12 – Execução em massa pelo ISIS...43

Figura Nr 13 – Mapa das áreas de disputa na Síria...45

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CSNU - Conselho de Segurança das Nações Unidas EB - Exército Brasileiro

EUA - Estados Unidos da América FSA - Exército Sírio Livre

ISIS - Estado Islâmico do Iraque e do Levante NCC - Comitê de Coordenação Nacional ONU - Organização das Nações Unidas

OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte SNC - Conselho Nacional da Síria

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1.1 PROBLEMA --- 09 1.2 OBJETIVOS --- 09 1.3 HIPÓTESE --- 09 1.4 VARIÁVEIS --- 09 1.5 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO --- 09 1.6 RELEVÂNCIA DO ESTUDO --- 10 2 METODOLOGIA --- 11 3 A INSTABILIDADE NO ORIENTE MÉDIO --- 13

4 ISLAMISMO, A RELIGIÃO COMO FATOR DE INSTABILIDADE--- 25

5 FORMAÇÃO POLÍTICA DA NAÇÃO SÍRIA --- 30

6 A PRIMAVERA ÁRABE --- 34

7 OS INTERESSES ENTRANGEIROS NO CONFLITO SÍRIO--- 39

8 O CONFLITO NA SÍRIA_______________________________________ 44 9 CONCLUSÃO_______________________________________________ 47 REFERÊNCIAS --- 50

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1 INTRODUÇÃO

O mundo testemunhou nos últimos anos um fenômeno chamado de "Primavera Árabe" que assolou alguns países do norte da África e do Oriente Médio. Nestas na-ções, a sociedade passou a exteriorizar de forma contundente sua indignação com regimes na maioria das vezes ditatoriais e anacrônicos. Por meio de protestos e mo-vimentos de massa os regimes de países como Egito e Tunísia, por exemplo, foram duramente afetados, o que exigiu mudanças nas políticas nacionais e derrubou go-vernos instituídos.

Dentro deste contexto, em 2011, teve início uma crise na Síria que culminou com uma guerra civil que perdura até os dias atuais, onde grupos de insurgentes tentam derrubar o governo ditatorial de Bashar al Assad, à frente do país desde 2000.

Tal conflito vem chamando a atenção do mundo devido a diversos aspectos, tais como:

- À violência que as tropas legais têm utilizado contra manifestantes na maioria das vezes desarmados, o que já deixou grande número de mortos e feridos e trouxe grandes repercussões na opinião pública internacional.

- Aos interesses estratégicos de nações importantes no cenário mundial como os Estados Unidos da América (EUA), a Rússia, Israel, China, dentre outras, nos desdobramentos do conflito.

- Ao uso de armas de destruição em massa, como agentes químicos, o que dei-xou grande número de vítimas entre civis não-combatentes.

- Às tragédias humanitárias ocorridas, em particular aos milhões de refugiados sírios que têm se deslocado para países vizinhos como Jordânia, Líbano, Turquia e Irã.

- Aos desentendimentos dos membros permanentes do Conselho de Seguran-ça das Nações Unidas com relação às medidas a serem adotadas pelo organismo contra o governo de Bashar al Assad.

Desta forma, o estudo criterioso do conflito na Síria ganha grande relevância pela sua importância na atualidade, pelos ensinamentos que podem ser colhidos do que já ocorreu até o momento e pelas conseqüências que ainda podem advir desta crise.

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1.1 O PROBLEMA

Diante do acima exposto, a problemática da pesquisa em tela ganha relevância: Quais foram as causas históricas que levaram ao conflito na Síria, iniciado em 2011?

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo Geral

Analisar as causas históricas que levaram ao conflito na Síria.

1.2.2 Objetivos Específicos - Apresentar o Oriente Médio.

- Apresentar a religião predominante no país: o Islamismo. - Analisar a formação política do estado Sírio.

- Analisar a "Primavera Árabe".

- Apresentar os interesses estrangeiros na Síria.

- Apresentar sinteticamente o conflito propriamente dito.

1.3 HIPÓTESE

A instabilidade regional, o regime autoritário do governo sírio, aspectos psicos-sociais internos do país e os interesses de atores externos resultaram no conflito que assola o país desde 2011.

1.4 VARIÁVEIS

Considerando o tema "O conflito na Síria", as circunstâncias passíveis de medi-ção e que poderão influenciar a pesquisa serão as seguintes:

- Variável dependente – o conflito na Síria.

- Variáveis independentes – as causas históricas do conflito na Síria.

1.5 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO

Esta pesquisa destina-se, num primeiro momento, a apresentar a região do Ori-ente Médio abordando os aspectos que tornam a área instável sob o ponto de vista político e militar. Será estudada a religião predominante no país, o Islamismo, e as suas influências na sociedade síria.

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Em seguida, será estudada a formação da nação e do Estado Sírio, abordando os aspectos internos do país que favoreceram a ruptura política e social que resultou na guerra civil alvo do presente estudo.

Será feita uma abordagem sobre a "Primavera Árabe", como uma das princi-pais causas do conflito em pauta.

Além disso, será feito também um apanhado acerca dos interesses de alguns países na estabilidade ou na instabilidade da Síria e nos desdobramentos do conflito no país.

Serão apresentadas as disputas entre algumas nações para influenciar os ru-mos políticos da Síria, bem como a instabilidade gerada na região.

Por fim, será abordado o conflito propriamente dito, bem como seus desdobra-mentos para a Síria e para o mundo.

1.6 RELEVÂNCIA DO ESTUDO

A pesquisa se justifica, tendo em vista que o conflito na Síria, iniciado em 2011, é um dos mais recentes no Oriente Médio e ainda está em curso. A possibilidade dele se enquadrar dentro do contexto dos conflitos de 4ª Geração já o torna merece-dor de ser amplamente estudado. Tal categoria de conflito deve constituir objeto de análise para que se busquem ensinamentos acerca destas ameaças que podem vir a ser o desafio de quaisquer exércitos no mundo em um futuro próximo.

Ademais, o Brasil tem buscado maior projeção no cenário mundial e participa-ção nos foros multilaterais que debatem as principais questões da agenda internaci-onal. Sob este prisma, o entendimento da crise na Síria é de suma importância pelo fato dela estar diretamente relacionada a interesses geopolíticos das principais na-ções do globo, além de envolver também interesses políticos, étnicos, religiosos e sociais na região em que se passa e suas adjacências.

Destarte, por se tratar de um conflito recente e ainda em curso, não existem muitas obras disponíveis para a pesquisa. Desta forma, um trabalho que se propo-nha a buscar informações de origens diversas, artigos publicados, análises de espe-cialistas etc, sintetizando e integrando este conhecimento, poderá se tornar uma fon-te relevanfon-te de ensinamentos.

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2. METODOLOGIA

A presente pesquisa se classifica como qualitativa, pois contempla a subjetivi-dade, a descoberta, a valorização da visão de mundo dos sujeitos. Ela realizará a análise das variáveis de uma forma mais profunda, com a finalidade de entender os fenômenos, privilegiando principalmente a história e as análises bibliográficas (VER-GARA, 2009).

Segundo GIL (2002):

A análise qualitativa depende de muitos fatores, tais como a natureza dos dados coletados, a extensão da amostra, os instrumentos de pesquisa e os pressupostos teóricos que nortearam a investigação. Pode-se, no entan-to, definir esse processo como uma seqüência de atividades, que envolve a redução dos dados, a categorização desses dados, sua interpretação e a re-dação do relatório (GIL, 2002, p. 113).

Quanto aos seus objetivos gerais, o presente estudo visa a buscar a relação direta entre as variáveis independentes (causas do conflito na Síria) e a variável de-pendente (o conflito propriamente dito) analisando de que forma se deu a influência de umas em relação à outra. Desta forma esta pesquisa caracteriza-se como sendo do tipo explicativa, que segundo GIL (2002, p. 42):

tem como preocupação central identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Esse é o tipo de pes-quisa que mais aprofunda o conhecimento da realidade, porque explica a ra-zão, o porquê das coisas. Por isso mesmo, é o tipo mais complexo e delica-do, já que o risco de cometer erros aumenta consideravelmente (Gil, 2002, p. 42 ).

O procedimento técnico que será adotado para fundamentar este trabalho será um estudo bibliográfico que terá por método a coleta de dados, por meio da lei-tura exploratória e seletiva do material de pesquisa selecionado. A posteriori, será feita uma revisão integradora, contribuindo para o processo de síntese e análise do resultado de vários estudos, de forma a consubstanciar um corpo de literatura atuali-zado e compreensível. As etapas que serão seguidas durante a pesquisa bibliográfi-ca serão as seguintes: escolha do tema, levantamento bibliográfico preliminar, for-mulação do problema, elaboração do plano provisório de assunto, busca das fontes, leitura do material, fichamento, organização lógica do assunto, redação do texto (GIL, 2002).

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A coleta de dados será realizada em livros que explorem o assunto, em artigos científicos, em sites da internet e em artigos de periódicos. Tais dados e informações terão seu conteúdo analisado para que se verifiquem aspectos como sua relevância e sua fidedignidade para a pesquisa em tela.

Cabe ressaltar que uma limitação que se torna relevante neste trabalho é a provável dificuldade de se obter grande quantidade de bibliografias sobre o tema, tendo em vista que tal conflito é muito atual e ainda está em curso.

Ao final da pesquisa, serão apresentadas conclusões a respeito das causas que levaram ao conflito na Síria.

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3. A INSTABILIDADE NO ORIENTE MÉDIO

Oriente Médio é um termo que se refere à porção oeste do continente asiáti-co, delimitada pelos mares Negro e Cáspio, a norte; pelos mares Mediterrâneo e Vermelho a oeste; e pelo oceano Índico ao sul. Possui cerca de 6,8 milhões de quilô-metros quadrados e aproximadamente 260 milhões de habitantes. É composto por 15 países: Afeganistão, Arábia Saudita, Bahrain, Catar, Emirados Árabes Unidos, Iê-men, Irã, Iraque, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano, Omã, Síria e. Turquia. (FRANCIS-CO, 2007).

A região é berço das três grandes religiões monoteístas da humanidade: o Cristianismo, o Islamismo e o Judaísmo. Cerca de 92% da população (238 milhões de pessoas) é islâmica e divide-se, principalmente, entre Sunitas, Xiitas, Drusos e Alauítas. Existem, ainda, cerca de 13 milhões de cristãos e 6 milhões de judeus (FRANCISCO, 2007).

Figura 01 – Mapa do Oriente Médio

Fonte: www.brasilescola.com

O Oriente Médio possui uma posição geográfica estratégica, pois se situa no ponto de interseção de três continentes: africano, asiático e europeu. A região é rota de comércio intercontinental há vários milênios, além de ter sido dominada por

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gran-des civilizações ao longo da história como os persas, os babilônicos, romanos, ma-cedônicos e os otomanos.

Além disso, possui passagens marítimas de alto valor político, econômico e militar, tais como:

- O canal de Suez, que foi construído pelos ingleses nas terras do Egito e que liga o mar Mediterrâneo ao mar Vermelho.

- O estreito de Ormuz, que liga o golfo Pérsico ao oceano Índico, constituindo rota de navios petroleiros que se dirigem a todos os mercados do mundo.

- O estreito de Bósforo, que liga o mar Mediterrâneo ao mar Negro, ligando a Europa a vários países asiáticos.

- O estreito de Tiran, que liga o golfo de Aqaba ao mar Vermelho, sendo a úni-ca saída de Israel para esse mar.

- O estreito de Bal-el-Mandeb, que separa o Oriente Médio da instável região chamada "Chifre da África", onde se localizam a Somália, a Eritréia e a Etiópia, na entrada do mar Vermelho (FILHO, 2013).

O Turco-Otomano foi o último dos grandes impérios que dominou a região e durou cerca de seis séculos. Em 1453, eles conquistaram Constantinopla, então ca-pital do império romano, num evento que marcou o final da Idade Média. Os otoma-nos expandiram o império pela Europa, chegando à Albânia, à Bulgária, à Grécia, à região que futuramente comporia a Iuguslávia, à Hungria, ao sul da Rússia e à Ro-mênia.

Segundo Kamel (2007):

As cidades e regiões que compõem os países que hoje chamamos de Oriente Médio faziam parte do Império Otomano. As cidades eram provínci-as autônomprovínci-as desse império, mprovínci-as com governantes indicados pelo sultão turco, e sua geografia guardava pouca semelhança com o mapa político atu-al: a noção de país, tal como entendemos hoje, não existia ali.

O fato de tal império ter sido tão vasto e ter possuído uma grande religião pre-dominante, o Islamismo - que servia como ponto de convergência para a maioria dos povos na região -, não significava que a dominação turca fosse bem aceita e que não existisse instabilidade e atritos internos. Ainda segundo Kamel (2007):

A dominação turca nunca foi aceita pacificamente pelos povos da re-gião, e um certo nacionalismo árabe desde logo se formou, acirrando-se até atingir seu ápice no fim do século XIX. Durante a Primeira Guerra Mundial,

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os turcos se aliaram aos alemães, e, claro, os líderes árabes, em troca de promessas de autonomia, acabaram por apoiar os britânicos, depois de um início vacilante. Foi o que ficou conhecido como a “Revolta Árabe”, em que teve papel fundamental T. E. Lawrence, oficial inglês e escritor.

Figura 02: Mapa do Império Otomano

Fonte: www.islamproject.org

O final da Primeira Guerra Mundial, com a derrota dos alemães e de seus ali-ados, causou o esfacelamento do império Otomano. No entanto, a autonomia dese-jada pelos árabes não foi viabilizada. Os árabes eram considerados pelas potências européias como povos atrasados e com um baixo nível civilizatório.

Desta forma, o artigo 22 do Pacto da Liga das Nações de 1919 criou o siste-ma de siste-mandatos, conforme o texto abaixo:

Art.22. Os princípios seguintes aplicam-se às colônias e territórios que, em conseqüência da guerra, cessaram de estar sob a soberania dos Estados que precedentemente os governavam e são habitados por povos ainda incapazes de se dirigirem por si próprios nas condições particularmen-te difíceis do mundo moderno. O bem-estar e o desenvolvimento desses po-vos formam uma missão sagrada de civilização, e convém incorporar no presente Pacto garantias para o cumprimento dessa missão.

O melhor método de realizar praticamente esse princípio é confiar a tutela desses povos às nações desenvolvidas que, em razão de seus recur-sos, de sua experiência ou de sua posição geográfica, estão em situação de bem assumir essa responsabilidade e que consistam em aceitá-la: elas exerceriam a tutela na qualidade de mandatários e em nome da Sociedade.

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O caráter do mandato deve ser diferente conforme o grau de desen-volvimento do povo, a situação geográfica do território, suas condições eco-nômicas e todas as outras circunstâncias análogas.

Certas comunidades que outrora pertenciam ao Império Otomano, atingiram tal grau de desenvolvimento que sua existência como nações in-dependentes pode ser reconhecida provisoriamente, com a condição que os conselhos e o auxílio de um mandatário guiem sua administração até o mo-mento em que forem capazes de se conduzirem sozinhas. Os desejos des-sas comunidades devem ser tomados em primeiro lugar em consideração para escolha do mandatário.

O grau de desenvolvimento em que se encontram outros povos, es-pecialmente os da África Central, exige que o mandatário assuma o governo do território em condições que, com a proibição de abusos, tais como o tráfi-co de escravos, o tráfi-comércio de armas e áltráfi-cool, garantam a liberdade de consciência e de religião, sem outras restrições, além das que pode impôr a manutenção da ordem pública e dos bons costumes, e a interdição de esta-belecer fortificações, bases militares ou navais e de dar aos indígenas ins-trução militar, a não ser para a polícia ou a defesa do território, e assegurem aos outros membros da Sociedade condições do igualdade para trocas e comércio.

Enfim, há territórios como o sudoeste africano e certas ilhas do Pacífi-co austral, que, em razão da fraca densidade de sua população, de sua su-perfície restrita, de seu afastamento dos centros de civilização, de sua conti-guidade geográfica com o território do mandatário ou de outras circunstânci-as, não poderiam ser melhor administrados do que pelas próprias leis do mandatário, como parte integrante de seu território, sob reserva das garanti-as previstgaranti-as acima no interesse da população indígena.

Em todos os casos, o mandatário deverá enviar anualmente ao Con-selho um relatório acerca dos territórios de que foi encarregado.

Se o grau de autoridade, fiscalização ou administração a ser exercido pelo mandatário não faz objeto de uma convenção anterior entre os mem-bros da Sociedade, será estatuído expressamente nesses três aspectos pelo Conselho.

Uma comissão permanente será encarregada de receber e examinar os relatórios anuais dos mandatários e de dar ao Conselho sua opinião so-bre todas as questões relativas à execução dos mandatos.

Assim, por meio da Liga das Nações, o Oriente Médio foi dividido entre a França e a Inglaterra que receberam a incumbência de “supervisionar“ a região até

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que os governantes árabes pudessem assumir o controle efetivo de suas nações. No entanto, aí residia outro problema: que nações? (KAMEL, 2007).

Figura 03 – Situação Política do Oriente Médio

Fonte: História do Oriente Médio (Wikipedia)

Desde o início do mandato, França e Inglaterra estabeleceram esferas de in-fluência, traçaram fronteiras e criaram dinastias. Diversos novos reinos e protetora-dos emergiram na região. Muitas das novas entidades políticas surgidas na região encontraram problemas quanto à aceitação por parte dos habitantes locais e por parte também de nações vizinhas. Povos nômades que viviam sob regimes tribais foram surpreendidos com fronteiras cortando suas tradicionais rotas de tráfego e co-mércio (SCHUBERT e KRAUS, 1998).

Diante disso, ocorreram diversas disputas armadas nos anos que sucederam ao início dos mandatos. Elas íam desde divergências acerca da posse de áreas de pastagens ou de áreas com as escassas fontes de água até disputas na demarca-ção de fronteiras, como foi o caso da ocorrida entre o Iraque e o Kwait e entre o Ira-que e a Jordânia, por exemplo (SCHUBERT e KRAUS, 1998).

A divisão física do território foi sucedida pela divisão do poder político de tais áreas, o que foi instrumentalizado de forma estratégica pelos europeus. Os ingleses beneficiaram antigos aliados, como Hussein Ibn Ali (patriarca do clã Hashemita), mo-narca árabe, empossando seus filhos nos tronos das novas unidades políticas.

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Des-ta forma, seu filho Faisal Hussein, recebeu o trono do Iraque. Seu outro filho, Abdul-lah Hussein, recebeu o trono da Transjordânia (atual Jordânia), após esta ser sepa-rada da Palestina (SCHUBERT e KRAUS, 1998).

Ainda com relação ao Iraque, Kamel (2007) cita que:

Na Mesopotâmia a Grã-Bretanha juntou os curdos ao norte (em torno da ci-dade de Mosul), os Sunitas ao centro (em torno de Bagdá) e os Xiitas ao sul (em torno da cidade de Basra), puseram tudo no mesmo saco, batizaram de Iraque e nomeou Faisal como novo rei.

Desta forma, a criação de monarquias constitucionais altamente dependentes e ligadas às metrópoles, fiscalizados de perto por conselheiros europeus, foi a linha de ação mais bem aceita pelos analistas e políticos do “velho continente”, com a fi-nalidade de manter a dominação e o poder de influência na região.

Na “gestação” das novas nações nem todos os povos foram contemplados. Os curdos, grupo étnico que ocupa parte do atual território da Síria, Iraque, Turquia e Irã, cuja população foi estimada, em meados do século XX, em cerca de 25 milhões de indivíduos ficaram sem território. (CALVOCORESSI, 2011).

Após a Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Sèvres (1920) deu aos curdos a esperança de criação de um Curdistão independente. No entanto, a medida não foi efetivada e as disposições do tratado foram tornadas sem efeito pelo Tratado de Lausanne (1923), o que gerou revolta e indignação na população curda (CALVOCO-RESSI, 2011).

No transcurso do século XX, as reivindicações passaram a ganhar um caráter mais nacionalista e radical da parte dos curdos o que gerou conflitos e rebeliões dos mesmos contra as nações que os abrigavam. Na década de 1980, o Partido dos Tra-balhadores do Curdistão (PKK) radicalizou ainda mais suas ações deflagrando ações de guerrilha e atentados terroristas.

Tais ações resultaram, na mesma medida, em duras retaliações por parte de países como o Irã, a Turquia e o Iraque. Foram registrados episódios de genocídios e uso indiscriminado de agentes químicos contra a população civil não-combatente, como o ocorrido em 1988, quando Saddam Husseim ordenou um ataque com tais armamentos que gerou a morte de alguns milhares de curdos (CALVOCORESSI, 2011).

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A estabilidade política na região foi considerada vital pelos europeus, devido ao valor estratégico do Oriente Médio e às suas grandes reservas de petróleo, mine-ral que ganhava importância crescente no início do século XX. Para isso, os países da Europa envidaram esforços no sentido de manter o equilíbrio geopolítico local, a fim de salvaguardar seus interesses.

A propósito do petróleo, a distribuição das reservas existentes e conhecidas à época influenciou sobremaneira a divisão das fronteiras das novas nações. Por exemplo, no caso do Iraque, da Transjordânia e da Palestina, seus territórios forma-vam juntos um corredor estratégico e seguro no ciclo produtivo do minério para os ingleses. O petróleo extraído na região poderia escoar pelo Golfo Pérsico ou pelo Mediterrâneo e os oleodutos, as ferrovias e as rotas aéreas poderiam circular por todo o norte da Arábia sem maiores problemas (SCHUBERT e KRAUS, 1998).

As décadas que se seguiram foram coroadas por cada vez mais descobertas de petróleo na região, como no Kwait, na Arábia Saudita e no Bahrein. À medida das novas descobertas, os interesses de mais atores de peso no cenário internacional, como os Estados Unidos da América (EUA), foram ampliados. A maior oferta de pe-tróleo não trouxe paz e estabilidade ao Oriente Médio, pois, a dependência das po-tências regionais com relação ao precioso mineral foi aumentando cada vez mais e gerando mais e mais disputas.

A criação do estado de Israel, em 1948, gerou diversos conflitos entre judeus e palestinos e trouxe ainda mais instabilidade para a região do Oriente Médio (LEI-TE, 2012).

Desde os primórdios, os judeus constituíram um grupo étnico com fortes laços de identidade cultural e seguidor da religião monoteísta mais antiga do mundo, o ju-daísmo. Eles não possuíam um território para a constituição de uma nação e, ao lon-go de sua história, passaram por vários episódios de perseguição religiosa que re-sultaram em sua dispersão (diáspora) para diversas partes do mundo.

Em 1897, Theodor Herzl organizou em Basiléia, na Suíça, o primeiro congres-so pela formação de um estado judaico, o que deu início ao movimento chamado si-onismo (de Sion, colina da antiga Jerusalém). Desde então, começou a intensifica-ção de um movimento internacional que reivindicava a criaintensifica-ção de um estado judaico. Os judeus da Europa central e oriental, onde o antissemitismo (preconceito contra judeus) era muito intenso, começaram a migrar para a Palestina, onde a população

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era de maioria árabe. O primeiro Kibutz (espécie de colônia agrícola) foi criado na região em 1909 (ALMANAQUE ABRIL, 2011).

Com o fim da primeira guerra mundial e a fragmentação do Império Turco-Otomano, a Inglaterra estabeleceu um mandato na região e começou a tentativa de administrar os anseios dos judeus e dos árabes na Palestina. Em 1917, o chanceler britânico Arthur Balfour declarou o apoio à criação de uma nação judaica, o que in-tensificou a migração de judeus para a região e recrudesceu a animosidade entre estes e os árabes (ALMANAQUE ABRIL, 2011).

A perseguição sofrida pelos judeus durante a Segunda Guerra Mundial e o consequente holocausto, que resultou na morte de cerca de seis milhões de judeus, aumentaram ainda mais a migração deles para a Palestina e a sensibilização da opi-nião pública mundial acerca da causa sionista.

Desta forma, a ONU, sem consultar os árabes-palestinos, aprovou por meio da resolução 181 de 1947, a divisão da Palestina, de acordo com o mapa abaixo:

Fonte: http://www.vinicblog.blogspot.com

Em 1948, o estado de Israel foi criado, tendo como primeiro ministro David Ben Gurion. A resolução não foi aceita pelos árabes, o que deu início a um conflito que durou dois anos e opôs judeus contra egípcios, sírios, jordanianos e libaneses. Após a derrota árabe, um armistício foi assinado e atribuiu a Israel um território mai-or do que o previsto pela ONU, em 1947(ALMANAQUE ABRIL, 2011).

Figura 04 – Partilha da Palestina proposta pela ONU - 1947

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Desde então, diversos conflitos de baixa intensidade e mais três guerras (do Sinai, em 1956; dos Seis Dias, em 1967; e do Yom Kipur, em 1973) opuseram ára-bes e judeus, trazendo mais instabilidade para o Oriente Médio e influenciando o equilíbrio de poder nos países da região e, por conseqüência, no mundo.

Ao final da 2ª Guerra Mundial, França e Inglaterra deixaram de ser as potênci-as com maior influência na região, abrindo espaço para os EUA e a URSS. Os prin-cipais fatores que concorreram para isto foram: o processo de descolonização na Ásia; a expansão comunista pelo mundo, desencadeada pelos russos; a consequen-te reação estadunidense, por meio da Doutrina Truman (1947); o aumento do inconsequen-te- inte-resse mundial por petróleo; a questão palestina; o recrudescimento do terrorismo no mundo com o epicentro no Oriente Médio etc (ARRUDA e PILETTI, 2004).

Grande parte dos conflitos já nominados que ocorreram na região, bem como muitos fatos relevantes para a política local, refletiram a disputa por poder e influên-cia destas últimas potêninfluên-cias. Na figura abaixo, observa-se George W Bush interme-diando um acordo de paz entre Ariel Sharon, Primeiro Ministro de Israel, e Mahmud Abbas, líder da autoridade palestina, em 04 de junho de 2003.

Fonte: http://www.latimes.com

Alguns destes conflitos, ocorridos durante a Guerra Fria, elevaram ainda mais o nível de tensão entre os EUA e a URSS, refletindo diretamente no equilíbrio de po-der no mundo. A Guerra do Yom Kippur (1973) foi um claro exemplo disto. Tal conflito opôs, pela quarta vez, árabes e judeus em uma contenda de grandes proporções,

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envolvendo indiretamente seus patrocinadores russos e norte-americanos e tendo como uma das conseqüências no mundo a disparada do preço do barril de petróleo.

No que tange aos interesses das potências citadas na região, Herzog (1977) assinala que:

...perante o mundo árabe e o bloco oriental, a administração Nixon solicitou ao Congresso a aprovação para a venda a Israel de aproximadamente meio bilhão de dólares em equipamentos de sofisticação tão avançada, até então nunca fornecido pelos EUA a países estrangeiros. Esse fato não passou despercebido aos árabes – como certamente não à União Soviética – e adu-ziu um outro elemento de confiança ao pensamento israelense.

Dentro deste contexto, Herzog (2007) também cita:

Obviamente os árabes tinham planejado com antecipação seu reabasteci-mento pela URSS, pois apenas poucos dias antes de começada a guerra, uma grande ponte aérea soviética já estava em operação, com gigantescos transportes Antonov 22 aterrando a curtos intervalos em Damasco e no ro. Voavam da União Soviética, com escala em Budapeste, e daí para o Cai-ro e Damasco, através da Iugoslávia. Navios passavam pelo BósfoCai-ro em rota para Latakia e Alexandria.

O término da Guerra Fria, com a queda do muro de Berlim, em 1989, e a frag-mentação da URSS, em 1991, inaugurou um período de maior presença física dos norte-americanos no Oriente Médio. Ainda em 1991, os EUA lideraram uma coalizão de países para recuperar o território do Kuwait invadido pelas tropas de Sadam Hus-sein, em uma ação contundente que obteve a vitória em pouco tempo, mas manteve instituído o regime do ditador (ARRUDA e PILETTI, 2004).

Doze anos mais tarde, no ano de 2003, os EUA empreenderam outra ação militar contra o Iraque, sem o consentimento das Nações Unidas e como uma das reações aos atentados terroristas do World Trade Center (2001), ocupando o país e desestruturando o regime de Saddan, além de levá-lo a julgamento (ARRUDA e PI-LETTI, 2004).

Outro aspecto que sempre contribuiu para a instabilidade regional é a questão do controle dos recursos hídricos no Oriente Médio. Isto porque o clima local é árido e possui escassez de tais recursos. Desta forma, o domínio sobre as fontes de água estão diretamente ligadas à sobrevivência dos povos da região, desde os primórdi-os.

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Grande parte da península arábica é formada por estepes ou desertos, com oásis isolados, que sempre foram utilizados pelos povos da região. Alguns deles eram nômades, criadores de camelos e cabras, e suas rotas de migração passavam por estes oásis. Eram conhecidos como beduínos (HOURANI, 1994)

Outros povos eram sedentários e desenvolviam modestas atividades agríco-las na área dos oásis ou, ainda, eram pequenos artesãos e comerciantes que se es-tabeleciam em pequenos vilarejos e cidades nas proximidades destes locais (HOU-RANI, 1994)

O equilíbrio entre os povos sedentários e os nômades era frágil e, frequente-mente resultava em conflitos. Embora em menor número, normalfrequente-mente os nômades conseguiam subjugar os povos sedentários e estabelecer o seu poder que se estru-turava em torno de tribos que exerciam sua influência a partir do controle deste ou daquele oásis (HOURANI, 1994).

Na atualidade, os países que fazem parte do Oriente Médio continuam pobres em recursos hídricos. Algumas nações como a Arábia Saudita fazem dessalinização da água do mar, mesmo assim são grandes compradores de água mineral.

A escassez de água tem gerado conflitos entre países para definir quem exer-ce o controle das pouquíssimas bacias hidrográficas e águas subterrâneas na regi-ão. Um exemplo destas disputas é a que ocorre entre Israel, Líbano, Síria e Jordânia que, por serem países fronteiriços, disputam o domínio da bacia do rio Jordão (OLIC, 2010).

Na guerra de 1967, Israel invadiu a região das colinas de Golã, onde está a nascente do rio Jordão e mantém esta ocupação até a atualidade.

As altas taxas de natalidade no Oriente Médio, nos últimos anos, têm elevado o consumo de água e reduzido a quantidade da mesma disponível nos mananciais e fontes, o que tem contribuído ainda mais para agravar a tensão entre os países da região (HOURANI, 1994).

A bacia dos rios Tigre e Eufrates constitui outro foco de tensões. Suas nas-centes se localizam em território turco e o escoamento de suas águas vai em dire-ção ao Golfo Pérsico; abastecendo a Síria e o Iraque. Diante disso, ambos os países temem o controle dos turcos sobre tais nascentes; que podem vir a represar suas águas para a irrigação de lavouras ou construção de usinas hidrelétricas (OLIC, 2010).

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Finalmente, verifica-se que o Oriente Médio sempre foi palco de conflitos in-ternos e, nas últimas décadas, alvo de disputas entre as principais potências mundi-ais. Disputas estas cujas consequências ultrapassam as fronteiras geográficas regio-nais, o que divide a opinião pública mundial e colocam os estados da comunidade internacional em posições opostas (RAMOS, 2013).

De acordo com RAMOS (2013):

O Médio Oriente é, de fato, uma região de suma importância nas relações internacionais devido aos seus recursos energéticos, fundamentais para o desenvolvimento dos países ocidentais; e adquiriu, especialmente a partir do ano de 2001, um papel de relevo na segurança internacional – combate aos grupos terroristas jihadistas islâmicos. Todo este protagonismo torna evidente, a razão pela qual, é fulcral manter um Médio Oriente politicamente estável.

Desta forma, conclui-se que a instabilidade do Oriente Médio afeta o equilíbrio de poder no mundo e mais ainda dos países que o compõem, o que torna o seu es-tudo o primeiro grande passo para entender qualquer conflito na região, como o que trata o presente trabalho de pesquisa.

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4. ISLAMISMO, A RELIGIÃO COMO FATOR DE INSTABILIDADE NO ORIENTE

MÉDIO.

O Islamismo é uma religião monoteísta surgida no Oriente Médio no século VII depois de Cristo que se disseminou rapidamente após a morte de seu profeta e fundador Maomé, em 632 d.C. (CALVOCORESSI, 2011).

Maomé nasceu por volta do ano 570, na cidade de Meca, na época, importan-te centro comercial, pelo fato de estar situada na rota de comércio que ligava a Áfri-ca à Ásia e o Golfo Pérsico à Europa. Teve uma infância pobre e desde cedo revelou uma justeza de caráter que lhe conferiu grande respeito e admiração na comunidade em que vivia (KAMEL, 2007).

Por volta dos quarenta anos de idade, Maomé passou a retirar-se por longos períodos para meditação na caverna de Hira, nos arredores de Meca. Em um de seus retiros teve uma visão que teria sido do arcanjo Gabriel, o qual fez a primeira de uma série de revelações que, inicialmente, foram compartilhadas apenas em um círculo restrito de amigos e familiares.

Após alguns anos, Maomé teria recebido o sinal de Deus de que deveria dar início à sua pregação pública. Tal proselitismo não foi bem aceito inicialmente pelos habitantes de Meca que, na época, constituía em um importante centro de peregri-nação de religiões politeístas, que não viam com bons olhos a expansão de uma nova religião monoteísta (KAMEL, 2007).

Maomé, a despeito das dificuldades iniciais, da perseguição que sofreu e das lutas que participou, conseguiu em alguns anos aumentar vertiginosamente o núme-ro de seguidores do Islamismo. Durante 23 anos, o anjo Gabriel teria revelado os versículos que viriam a compor o Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos.

Com cerca de 60 anos de idade, Maomé adoeceu e em pouco tempo veio a falecer. Das divergências acerca da sucessão do profeta, surgiam as duas correntes principais do Islã, os Sunitas e os Xiitas.

Os fiéis que passaram a seguir Abu Bacre, amigo e sogro do profeta, deram origem aos Sunitas. Os que seguiram Ali, primo e genro do profeta, deram origem aos Xiitas (KAMEL, 2007).

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Segundo Kamel (2013):

No espaço de 28 anos após a morte do profeta, a divisão entre Suni-tas e XiiSuni-tas estava consolidada. E o Islã, irremediavelmente dividido. Conta uma tradição, aceita pelos dois lados, que um dia Maomé teria profetizado: “Vai acontecer ao meu povo o mesmo que aconteceu ao povo de Israel, que foi dividido em 72 seitas. Meu povo será dividido em 73. Cada uma delas irá para o inferno, exceto uma: a religião que é professada por mim e por meus companheiros.”

A disputa pelo título de califa (sucessor do profeta) foi vencida pelos Sunitas, conferindo aos Xiitas um caráter de dissidência. Como o califa era, além de um líder religioso, um líder político no império islâmico, isto favoreceu que o sunismo se tor-nasse a corrente majoritária dentro do Islã. Essa situação foi reforçada pelo império Otomano e, anos mais tarde, pelas potências européias que ajudaram a consolidar o poder Sunita no mundo islâmico (BARATA , 2007).

Por outro lado, o xiismo era seguido pelas pessoas que se sentiam oprimidas dentro do império, o que favoreceu a vocação messiânica dos Xiitas.

De acordo com BARATA (2007):

Os Sunitas constituem a grande maioria da população muçulmana no mundo, contabilizando os Xiitas apenas 10% do total. Os Xiitas são majori-tários no Irã (90% do total da população), no Iraque (65%), no Azerbeijão (75%) e no Bahrein (75%); são a comunidade mais numerosa no Líbano (45%) onde se prevê que venham a ser a maioria dentro de 20 anos; e são comunidades importantes e cada vez mais politizadas no Paquistão (20%), no Afganistão (19%), no Kuwait (30%), no Qatar (16%), na Arábia Saudita (10%) e nos EAU (6%). Têm ainda uma presença residual na Índia, no Taji-quistão, na África austral e na Síria.

Uma diferença importante entre os dois grupos é com relação ao papel do clé-rigo (líder religioso) na comunidade. No mundo Sunita, o papel do califa foi abolido no início do século XX, pois no sunismo não existe intermediação entre o crente e Deus, o que confere um papel de pouca relevância para os clérigos.

Por outro lado, os Xiitas conferem grande importância ao papel de seus cléri-gos. Seu líder máximo é chamado de aiatolá e sua sociedade é bastante hierarqui-zada sob o aspecto religioso.

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Com exceção do Irã, as populações Xiitas têm sido quase sempre do-minadas, marginalizadas e oprimidas, seja pelos poderes políticos, seja pe-las outras comunidades étnico-religiosas das sociedades onde se encon-tram, mesmo onde são estatisticamente majoritárias. Esta situação tem sido justificada em termos religiosos, pelos Sunitas, com a idéia de que os Xiitas não são verdadeiros muçulmanos – as correntes mais puritanas do sunismo consideram mesmo que o xiismo é uma heresia. Esta visão solidificou um preconceito institucionalizado que tem levado à exclusão dos Xiitas do po-der político, administrativo e militar e que leva as outras comunidades a tratá-las com desconsideração social.

É bem comum a associação entre os Xiitas e os iranianos, pelo fato do Irã ser um país com maioria da população e governo Xiita. No entanto é importante ressal-tar que os iranianos são da etnia persa e que também existem muitos Xiitas árabes. Inclusive, a origem do xiismo se deu no território do atual Iraque.

O que acontece em verdade é que tanto os Xiitas se utilizam da influência ira-niana para se projetar num mundo islâmico onde são normalmente subjugados, quanto os persas iranianos se utilizam do xiismo para se projetar frente ao mundo muçulmano dominado pelos árabes. E de fato, o Irã se tornou uma referência para todas as comunidades Xiitas pelo mundo, tendo em vista que em todos os outros lo-cais eles são discriminados, oprimidos e não conseguem acesso aos cargos de mando político (Por Munõz, 2005, citado por Barata, 2007).

Com o início da teocracia de Teerã, foi iniciada a internacionalização do xiis-mo, com o apoio político e financeiro a todos os grupos no exterior, em particular nos países árabes, que representassem a identidade Xiita (BARATA, 2007).

A polarização entre árabes e persas acabou acirrando a polarização entre Su-nitas e Xiitas, tendo ganhado grande impulso com a Revolução Fundamentalista Xii-ta de 1979 e alcançado o seu clímax por ocasião da guerra entre o Irã e o Iraque (1980 a 1988). Neste conflito, diversas nações do mundo árabe deram apoio a Sad-dam Hussein para que ele subjugasse o Irã e, consequentemente, as possibilidades de um aumento da influência Xiita no Oriente Médio.

Na atualidade, com a derrubada de Saddam em 2003 e a crescente busca de projeção iraniana, os Xiitas estão adotando, em todos os locais onde têm uma popu-lação expressiva, atitudes reivindicatórias a fim de angariar maior poder político e tentar reverter o equilíbrio de poder entre Sunitas e Xiitas.

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Dentro deste contexto, o poder Sunita em nações como Líbano, Bahrein, Ira-que e Arábia Saudita sempre criaram fortes resistências com relação a processos de abertura política e democráticos, tendo em vista que a possibilidade do exercício do voto nestes países de maioria Xiita alteraria o equilíbrio de poder com relação aos Sunitas. (BARATA, 2007).

No caso específico do Iraque, a transição do poder feita pelos EUA após a sa-ída das tropas norte-americanas do país em 2011 ensejou a assunção de um gover-no xiita, pela primeira vez na história iraquiana, presidido pelo primeiro ministro Nouri al Maliki. Este fato tem redundado nos últimos anos em uma série de atentados ter-roristas empreendidos pelos sunitas, inconformados com a perda de poder político no país. Alguns grupos mais radicais têm até mesmo apoiado as ações do grupo su-nita Estado Islâmico no Iraque como forma de enfraquecer o governo xiita.

Diante de tudo isso, vários países árabes enxergam nas aspirações dos Xiitas uma ameaça ao poder dos Sunitas. Isso, tanto pela possibilidade da mudança do pêndulo do poder nos países da região, como por acreditarem que a ascensão Xiita, onde quer que aconteça, fortaleceria a posição do Irã. Por sua vez, os Xiitas também se sentem constantemente ameaçados, pois visualizam a possibilidade de serem perseguidos pelos Sunitas que ainda detém o poder na maioria dos países da regi-ão. Assim, verifica-se que as tensões verificadas entre os seguidores do Islamis-mo e os de outras religiões também se verificam entre os seguidores das vertentes desta religião.

A disputa por espaço e influência entre Sunitas e Xiitas é uma realidade em grande parte do mundo islâmico e tem o potencial de afetar a estabilidade dos paí-ses que sejam palco destas fricções, principalmente, se os muçulmanos constituírem parte expressiva da população nestas nações.

No caso específico da Síria, alvo deste estudo, a tensão se dá entre os Suni-tas e os AlauíSuni-tas, que são uma vertente dos XiiSuni-tas, e possuem o mesmo padrão de relacionamento com relação ao sunismo.

Os Alauítas têm mantido estreita relação com o Irã durante as últimas déca-das. Da parte dos Alauítas, este apoio tem sido fundamental para a manutenção do poder em uma nação de maioria Sunita. Da parte dos iranianos, tal apoio tem sido vital para manter um governo simpático e aliado aos persas, em um mundo muçul-mano dominado majoritariamente por árabes e Sunitas.

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O regime sírio também tem apoiado sistematicamente, juntamente com o Irã, o grupo extremista Xiita Hezbollah que atua a partir do Líbano, contra o inimigo em comum, Israel.

Diante do acima exposto, verifica-se que o Islamismo é um dos fatores que tem contribuído para a instabilidade nos países muçulmanos de maneira geral, e na Síria em particular, pois as suas dissensões têm gerado muitos conflitos violentos ao longo dos últimos séculos.

No caso da Síria, a ação violenta do governo Alauíta contra a maioria Sunita revela mais do que a disputa entre poder ou entre facções religiosas antagônicas; revela a luta de uma minoria contra o aniquilamento que poderia resultar caso os Su-nitas conseguissem assumir o poder no país.

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5. FORMAÇÃO POLÍTICA DA NAÇÃO SÍRIA

A Síria é um país republicano situado no Oriente Médio e é delimitado a oes-te, pelo Líbano e pelo mar Mediterrâneo; a noroes-te, pela Turquia; ao sul, pela Jordânia e por Israel; e a leste pelo Iraque. Possui uma área de 185180 Km2 e suas principais cidades são Damasco (capital), Aleppo, Hamah e Homs.

Sua população é de 22,5 milhões (2010) de habitantes sendo que 92,8% se-guem o islamismo, 5,2% sese-guem o cristianismo (a Síria é um dos últimos redutos cristãos no Oriente Médio) e o restante se divide em agnósticos, ateus, dentre ou-tros. Dentre os muçulmanos, cerca de 74% são Sunitas e os outros cerca de 16% se dividem entre Alauítas (uma ramificação dos Xiitas), Drusos e Xiitas (ATLAS GEO-GRÁFICO MUNDIAL, 2005).

A região da Síria é habitada desde a antiguidade e, ao longo dos séculos, foi dominada por diversos impérios até ser incorporada ao Império Otomano, em 1517. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), o nacionalismo árabe ganhou ex-pressão e gerou revolta contra a dominação Turca. A participação na luta contra os turcos trouxe grande expectativa acerca da autodeterminação da região. No entanto, ingleses e franceses assinaram o acordo Sykes-Picot, dividindo grande parte do Ori-ente Médio, de tal forma que a região da Síria passou a constituir protetorado fran-cês (PORTAS ABERTAS, 2012) e (ALMANAQUE ABRIL, 2011).

A independência do país veio em 1946 com Sukri al-Quwatli como presidente. Os primeiros anos de independência política da Síria foram extremamente conturba-dos e marcaconturba-dos por golpes de estado, de tal forma, que o estado de Sítio permane-ce decretado desde 1962.

De 1946 a 1958 a Síria foi governada por dez presidentes. Gamal Abdel Nas-ser foi o presidente da República Árabe Unida (RAU), durante a existência desta, de 1958 a 1961, resultado da união entre Egito e Síria. O partido Baath Sírio teve papel de grande relevância para a transformação política do país sendo que, em 1963, efetivamente tomou o poder e, em 1964, mudou o nome do Estado para República

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Popular da Síria, enaltecendo o caráter pan-arabista e socialista da nação (ZAH-REDDINE, 2011).

Após sucessivos golpes de estado, ocorridos na década de 1960, o ministro da Defesa, General Hafez al-Assad, muçulmano Alauíta, assumiu o poder, em 1971, também por meio de um golpe, e passou a governar ditatorialmente, o que trouxe certa estabilidade política ao país.

Com relação ao governo de Hafez al Assad, ZAHREDDINE (2011), diz que:

Hafez al Assad era de uma família modesta e fazia parte de uma minoria religiosa na Síria, os Alauítas. Este caráter minoritário sempre esteve presente no seu governo, pois constantemente buscava formas de go-vernabilidade que permitisse a ascensão socioeconômica e política de sua minoria (os Alauítas), bem como dos cristãos e Drusos, em detrimen-to da maioria Sunita.

No ano de 2000, Hafiz morreu e seu filho, Bashar al Assad, assumiu o país após a legitimação por meio de um referendo popular, mantendo-se no poder até os dias atuais (ATLAS GEOGRÁFICO MUNDIAL, 2005).

Bashar al Assad possuía apenas 34 anos de idade na ocasião. Desta forma, a constituição síria teve de ser alterada para diminuir a idade mínima aceita para a ocupação de tal cargo. O novo presidente manteve suas alianças locais seguindo o modelo de seu pai, valendo-se principalmente da força das alianças com as minori-as.

Em um primeiro momento, criou-se uma esperança que o novo presidente tra-ria mudanças reais para o regime, tendo em vista sua formação européia (oftalmolo-gista formado na Inglaterra) e sua jovialidade. Algumas evoluções foram percebidas inicialmente, como maior acesso à informação (por meio da internet) e tentativas de retirar a Síria de seu forte isolamento político no mundo. Entretanto, as forças políti-cas que sustentavam o governo não permitiram mudanças mais profundas no regi-me, mantendo os mesmos mecanismos de ação do período anterior (ZAHREDDINE, 2011).

Segundo RAMOS (2013):

Bashar reconheceu a necessidade de estabelecer o diálogo e o debate com a sociedade, todavia, isto pouco ou nada significou em termos de abertura política, pois a repressão manteve-se, aniquilando os movimen-tos da sociedade civil.

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No que se refere à prática religiosa, os governos de Hafez al Assad (1970 a 2000) e de Bashar al Assad (2000 até os dias atuais) fizeram da Síria uma nação com certo grau de liberdade. Isto porque estes governantes, na condição de repre-sentantes da minoria Alauíta, procuraram contemporizar os anseios da maioria Suni-ta da população e dos integrantes de outros credos. Como forma de manter o poder, mobiliaram a alta cúpula estatal e das forças armadas colocando Alauítas nas posi-ções chave e mantendo um regime ditatorial como forma de manter o país integrado (LEITE, 2012).

A manutenção de um exército muito fiel ao presidente e a reação imediata e violenta contra todas as dissidências ao regime surgidas permitiram que a Síria se mantivesse íntegra nas últimas décadas, a despeito de todas as dificuldades para administrar os diversos interesses dos grupos que compõem o país.

De acordo com ZAHREDDINE (2011):

A busca por adequar as aspirações de todas estas comunidades é algo difícil, em função de características próprias da sociedade árabe, muito ligada aos laços familiares e clânicos, reforçados por princípios de mérito e honradez. Desta forma, as disputas entre as diversas comunidades são marcadas por rígidos códigos de comportamento, pautados no res-peito às famílias e clãs. Na ausência de instituições nacionais capazes de mediar as relações de poder entre as comunidades, o papel das insti-tuições primárias, como a religião e a família se mostram primordiais para a manutenção da ordem no Estado. Mesmo o governo Sírio sendo laico sua sociedade não é secular, e muito das contradições que podem ser encontradas entre a relação do governo com sua sociedade é fruto deste descompasso.

Desde sua autodeterminação, a Síria se envolveu em inúmeros conflitos, em particular contra Israel. Por ocasião da independência israelense, em 1948, lutou ao lado do Egito, Jordânia, Iraque, Arábia Saudita e Líbano contra a recém criada na-ção judaica, instituída pelo Plano da ONU para Partina-ção da Palestina (resoluna-ção 181 das Nações Unidas) saindo-se perdedor.

Em 1967, os sírios lutaram novamente ao lado dos egípcios contra os israe-lenses, na Guerra dos Seis Dias, de onde se saíram perdedores novamente e tive-ram a região das colinas de Golã passando a controle de Israel, situação que perma-nece até a atualidade.

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Em 1973, a Síria, juntamente com o Egito, atacou Israel dando início à Guerra do Yom Kippur, assim chamada por ter sido iniciada em um dia sagrado para os ju-deus, o Dia do Perdão. O conflito iniciou-se com um ataque simultâneo dos dois paí-ses contra a nação judaica. Com a intervenção dos Estados Unidos e da União Sovi-ética a guerra terminou, com a assinatura de um acordo de paz (GRUPO ESCOLAR , 2008).

Dentro deste contexto, segundo Klester Cavalcanti (2012):

Há registros de conflitos em terras sírias desde 3000 aC. Durante os últimos cinco milênios, o comando do país já esteve nas mãos dos sumérios, dos faraós egípcios, de bizantinos, romanos, otomanos, de Alexandre, o Grande, dos árabes, dos franceses, entre outros povos. E cada nova conquista era precedida de batalhas. Além da disputa territorial sempre houve conflitos ét-nicos e religiosos. Foi à custa de sangue que a Síria se tornou um país de língua árabe e de maioria muçulmana – cerca de 90% de seus 22 milhões de habitantes. Nesse contexto, o império ou a etnia que chegava ao poder beneficiava, política e economicamente, seu povo (CAVALCANTI, 2012).

Desta forma, verifica-se que a Síria é um país politicamente e socialmente instável desde sua constituição, sendo palco de inúmeras disputas entre grupos an-tagônicos que têm contribuído para a radicalização e a escalada da violência ao lon-go da história da nação.

Além disso, no campo das relações exteriores, o país se envolveu em vários conflitos bélicos ao longo de sua história, reforçando o caráter belicista nacional que não se melindra em usar a força para garantir seus interesses.

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Fonte: www.navalbrasil.com

6. A PRIMAVERA ÁRABE

No início de 2011 o mundo assistiu a uma escalada de revoltas populares em países do mundo árabe que desestabilizou ainda mais a região e ficou conhecida como Primavera Árabe. O movimento teve início na Tunísia e rapidamente se alas-trou por outras nações da região. A raiz dos protestos foi a estagnação econômica dos países que possuíam em sua maioria populações jovens e desempregadas, ali-ados ao alto custo de alimentos e à falta de oportunidades de emprego. Somou-se a isso a revolta contra regimes ditatoriais no poder há vários anos.

Outro aspecto de grande relevância foi o acesso aos modernos meios de co-municações e às mídias sociais que permitiram a “abertura de janelas” para o mun-do exterior, o que suscitou comparações e frustrações no seio daquelas sociedades acostumadas ao atraso e à opressão. Tais redes também foram importantes para a coordenação das ações e manifestações contra os governos instituídos (CANEPA, 2012).

As revoluções ocorridas na região depuseram os representantes da “velha or-dem”, ditadores que mantinham seus regimes mediante opressão, mas, de certa for-ma, traziam certa estabilidade à região e possuíam uma política externa com certo grau de previsibilidade. No caso do Egito, Hosni Mubarak era importante aliado dos EUA há mais de trinta anos.

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O fenômeno ocasionou a queda do regime na Tunísia e no Egito. No primeiro, a queda do ditador Zine al Abidine Ben Ali marcou uma virada na região, pois foi a primeira deposição de um ditador pelo povo. No Egito, país mais populoso e influen-te do mundo árabe, o ditador Hosni Mubarak, aliado dos EUA e no poder desde 1981, foi deposto e substituído por uma junta militar que ficou encarregada de fazer a transição para um governo democrático. No Marrocos, o governo se antecipou à mobilização das massas e promoveu eleições democráticas (CANEPA, 2012).

Na Líbia, o ditador Muammar Kadafi foi executado após uma insurgência in-terna que teve apoio dos países membros da OTAN, que realizou intenso bombar-deio no país, o que ajudou a enfraquecer o regime.

No Iêmen, nação mais pobre do mundo árabe, o movimento ensejou a disputa entre clãs rivais que quase levaram o país a uma guerra civil. O ditador Ali Abdullah Saleh, no poder há mais de trinta anos, resistiu às pressões internas durante alguns meses e conseguiu escapar de um atentado contra sua vida até que, em novembro de 2011, entregou o poder a um governo provisório.

No caso específico da Síria, da mesma forma como ocorreu em alguns países vizinhos, em março de 2011, o país tornou-se palco de grandes manifestações. A re-pressão violenta empreendida pelo governo desde o início, motivada pela inseguran-ça do regime frente aos demais segmentos da sociedade, foi uma das grandes res-ponsáveis pela rápida escalada da crise que ensejou a guerra civil ora em curso e que é o objeto do presente estudo.

Segundo RAMOS (2013):

De facto, ano de 2011 ficará marcado como o ano das revoltas árabes, e, também, como o ano de muitas incertezas quanto ao desenrolar da His-tória. Desde logo, as revoltas foram associadas à vontade das popula-ções de caminhar no sentido da democracia, contudo, muitos locais per-manecem demasiado distantes desse objetivo. O extenso período de di-tadura criou estruturas e instituições moldadas e vocacionadas para o re-gime, sendo um verdadeiro desafio a reestruturação de todo este siste-ma num conjunto de instituições democráticas.

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Fonte: www.cybersociedade.com.br

O fenômeno em curso no mundo árabe trouxe à tona uma possibilidade que preocupa analistas políticos do mundo inteiro, em particular dos países com interes-ses na região: a ascensão do islamismo político. As ditaduras seculares reprimiram esses movimentos durante vários anos com apoio de potências ocidentais. Alguns desses movimentos e partidos foram colocados na ilegalidade e seus líderes presos ou extraditados. A volta destas pessoas e dos grupos que eles representam pode co-locar no poder islamitas radicais propensos a uma forte posição antiocidental (CA-NEPA, 2012).

Apesar das manifestações da Primavera Árabe terem tido caráter laico, as agremiações islâmicas ganharam espaço e liberdade de manobra, o que ficou com-provado com as eleições presidenciais que ocorreram no Egito, em 2012, que foi vencida por Mohammed Morsi, representante da organização islâmica fundamenta-lista chamada Irmandade Muçulmana que atuava na clandestinidade há vários anos. Apenas um ano depois de ter sido eleito, Morsi foi deposto e os militares voltaram a perseguir a Irmandade Muçulmana (CANEPA, 2012).

Ainda em 2012, nas eleições parlamentares do Egito, o Partido Liberdade e Justiça (PLJ), braço político da Irmandade Muçulmana, conquistou 235 dos 498 as-sentos existentes. Outros 121 asas-sentos foram conquistados por salafistas (funda-mentalistas Sunitas) do partido Nour. Os partidos liberais e seculares elegeram ape-nas 88 representantes.

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Fernando Eichenberg, em artigo do Jornal O Globo, cita Denis Bauchard, es-pecialista em Oriente Médio do Instituto Francês de Relações Internacionais, que diz o seguinte:

Se, em seu começo, as revoltas foram acolhidas com certa simpatia e entu-siasmo nos países europeus – na idéia de que a democracia se espalharia pelo mundo árabe -, assinala ele, essa “euforia excessiva” logo cedeu lugar a um “catastrofismo” ao se verificar que as eleições convocadas favoreciam os movimentos islamistas, principalmente a Irmandade Muçulmana (Bau-chard, 2014)

Os partidos islâmicos aumentaram sua representatividade também na Tunísia e no Marrocos. Apesar de eles terem adotado discursos mais moderados, em sinto-nia com as forças laicas que derrubaram os respectivos governos, o receio é grande dentre os analistas de que no futuro países da região se tornem teocracias.

A Primavera Árabe vem ensejando complicado desafio para as nações da re-gião, qual seja, a implementação de regimes democráticos em países que não co-nhecem outra forma de governo que não o autoritarismo. A instabilidade sempre foi uma constante no processo de formação e evolução de tais países, de tal forma que somente ditadores conseguiram promover a estabilização, não sem o emprego de grande violência e derramamento de sangue (CANEPA, 2012).

Desta forma, verifica-se que o fenômeno em tela teve conseqüências imedia-tas como o conflito na Síria e, além disso, deverá ser objeto de estudos e acompa-nhamento nos próximos anos, tendo em vista que seus efeitos ainda trarão reflexos tanto para os países da região como para a geopolítica mundial.

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Fonte: www.democraciapolitica.blogspot.com

Fonte: klebercaverna.blogspot.com

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7. OS INTERESSES ESTRANGEIROS NO CONFLITO SÍRIO

A Síria, sendo uma nação do Oriente Médio, região que, conforme já foi verifica-do, possui grande importância estratégica no munverifica-do, é um país que tem sido alvo de diversos interesses estrangeiros ao longo de sua história.

Abordando tais interesses a partir do início do século XX, pode-se ressaltar inicial-mente o domínio da região pela França, após o Tratado de Sykes-Picot, como já foi elucidado, o que contribuiu para o enraizamento de expressiva comunidade cristã na região, o que viria a facilitar o domínio francês nas décadas seguintes (ZAHREDDI-NE, 2011).

A França realizou um censo demográfico na região sob seu domínio que abarcava a atual Síria, o Líbano e a província turca de Hatay, em 1921, dividindo desta forma as terras sob seu controle. Desta forma, já estariam plantadas as sementes que con-tribuiriam, anos mais tarde, para a fragmentação do território em pequenas repúbli-cas.

Segundo CLEVELAND, 2009:

O Resultado do Censo Francês levou à criação de seis províncias na “Gran-de Síria”, on“Gran-de o aspecto confessional seria central para a criação dos futu-ros “Estados”. Seriam eles: o Estado de Alepo, o Estado de Damasco, o Estado de JabalDruze, o Estado Alauíta , a Província de Alexandreta

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(Hatay) e o “Grande Líbano”. Cada um destes Estados estaria sob o con-trole de uma elite confessional, tutelada pela França. Este elemento confes-sional/étnico pode ser observado no desenho dos limites territoriais da Síria sob Mandato francês: duas províncias eram de maioria Sunita (Estado de Alepo e Estado de Damasco), uma de maioria Drusa (Estado de JabalDruze), uma de maioria cristã (Grande Líbano um Estado de maioria Alauita (Estado Alauita) e uma província autônoma de maioria Turca (Sanjak – Alexandreta).

A França, partindo da estratégia do “dividir para dominar (ou conquistar)”, ao lon-go de todo seu mandato, foi ciosa no dever de instrumentalizar o equilíbrio de forças existente entre os diversos grupos étnico-religiosos, de forma a impedir a formação deste ou daquele grupo que pudesse formar uma massa crítica com força política suficiente para requerer mais direitos. Neste contexto, identificando os Sunitas como maior grupo regional, dividiu a porção do território por eles ocupado em duas provín-cias distintas, Alepo e Damasco.

Diante desta crescente fragmentação, em 1925, eclodiu uma revolta árabe antiim-perialista que durou até 1927 e, apesar de ter sido vencida pelos franceses, refreou em parte maiores divisões do território, criando as bases para o futuro estado sírio (ZAHREDDINE, 2011).

O “Grande Líbano” proclamaria sua independência anos mais tarde, em 1943, sendo oficialmente reconhecido pela ONU, em 1946, como a República do Líbano.

Ainda em 1946, a Síria formalizou sua independência constituída, majoritariamen-te, por uma população Sunita, além de outros grupos étnico-religiosos. A formação política do país foi conturbada desde o início, conforme já foi abordado em capítulo anterior, o que tornou a nação mais vulnerável ainda às interferências estrangeiras no cenário nacional.

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Fonte: Censo Francês 1921-1922, CLEVELAND, 2009.

A Síria, desde que se tornou independente, passou a ser alvo também dos inte-resses islâmicos estrangeiros de caráter Sunita, que vislumbravam o potencial da nação em tornar-se mais uma nação árabe dominada por este grupo, devido à gran-de proporção gran-de Sunitas no país.

Tais ingerências externas causaram conflitos como o ocorrido na cidade de Hama, em 1982, quando Hafez al Assad determinou o cerco e a destruição da resistência islâmica, representante da Irmandade Muçulmana, que se encontrava nesta cidade. O cerco de 27 dias deixou um saldo de 10.000 mortos e desencorajou por um bom tempo outros movimentos contrários ao regime (ZAHREDDINE, 2011).

No conturbado Oriente Médio, em particular após a 1ª Guerra Mundial, unidades políticas de maior projeção, como Turquia, Arábia Saudita, Egito e Irã, procuraram influenciar cada vez mais o cenário regional, em suas disputas por poder, o que ine-vitavelmente gerou reflexos na Síria.

Um dos reflexos mais emblemáticos se deu pelo fato do território sírio servir como palco de disputas entre a Arábia Saudita, que procura manter um papel de liderança entre os Sunitas no Oriente Médio, buscando fortalecê-los, e o Irã que, por seu

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tur-no, desempenha um papel de liderança entre as comunidades Xiitas, procurando fortalecê-los também na região e assegurar a continuidade do governo Alauíta na Sí-ria.

Após a 2ª Guerra Mundial, a região passou a receber maior atenção e influência de dois novos atores no cenário mundial, EUA e URSS. Segundo Zahreddine, 2011:

Com a Segunda Grande Guerra, e principalmente após a crise do Canal de Suez, em 1956, dois novos atores irão polarizar as disputas na região, os Estados Unidos da América e a União Soviética. Esta polarização é um re-flexo da própria ordem mundial inaugurada em 1947, que também terá seus efeitos no Oriente Médio.

Com o surgimento do partido Baath, de perfil socialista, e a ascensão ao poder de Hafez al Assad, a Síria estreitou cada vez mais seus laços com a URSS. Hafez já havia morado por alguns anos naquele país, como parte de sua formação política, militar e ideológica, o que favoreceu ainda mais tal aproximação, que se estendeu ao comércio, alianças políticas e intercâmbios militares (TOMÁS, 2014).

Em troca do apoio russo, a Síria concedeu seu litoral para o estabelecimento de uma grande frota naval soviética no porto de Tartus, fazendo com que o país se tor-nasse mais importante ainda para a URSS (TOMÁS, 2014).

As relações estreitas com a União Soviética e com o Irã, e o apoio às ações do grupo terrorista Hezbollah, sediado em território libanês, contra Israel, fizeram com que a Síria atraísse a animosidade crescente dos EUA, que incluíram o país no rol das nações do “Eixo do Mal”, devido ao apoio às atividades terroristas pelo mundo.

Foi sendo o epicentro de tantas disputas e interesses regionais e extra-regionais ao longo de sua história, que a Síria entrou no conflito alvo do estudo em tela, inicia -do em 2011.

Tais disputas e interesses constituíram as forças que tem ampliado o conflito, além de torná-lo extremamente complexo para o equilíbrio regional e para a paz mundial. Elas se organizam da seguinte forma:

• De um lado: governo de Bashar + Alauítas + outras minorias religiosas (que se beneficiavam das liberdades religiosas no país) + Russos + Irã + Hezbolah + Hamas.

• Do outro lado: Rebeldes sunitas (alguns grupos reunidos em torno do Conselho Nacional Sírio, CNS) + Arábia Saudita (visa enfraquecer e isolar o Irã) + Bahrein (visa enfraquecer e isolar o Irã) + Al Qaeda.

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Recentemente, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS) passou a tomar parte no conflito, tornando-o ainda mais complexo.

O ISIS é um grupo armado surgido após a queda do regime iraquiano de Saddam Hussein, composto por insurgentes sunitas, oriundos de vários outros movimentos ji-hadistas, inclusive a Al Qaeda, que visa instaurar um califado islâmico – Estado go-vernado por um Califa, baseado na lei islâmica (Sharia) --, valendo-se do caos insta-lado no Iraque (TOMÁS, 2014).

Este movimento passou a controlar um território na fronteira entre Iraque e Síria e, inicialmente, manifestou fidelidade à Al-Qaeda, que os aceitou, mas que, em um se-gundo momento, os renegou, devido aos métodos violentos aplicados contra a pró-pria população islâmica

O ISIS se colocou ao lado dos rebeldes, em um primeiro momento, e foram aos poucos conquistando mais espaço e poder até virarem-se contra eles e começarem a executar grandes contingentes populacionais e, inclusive, os próprios rebeldes a quem inicialmente apoiavam. Segundo Tomás, 2014:

de repente o ISIS era a força mais poderosa a combater na Síria, controlando as cidades de Ar-Raqqa, Idlib e Aleppo. Tal como no Iraque, instituíram Estados fundamentalistas islâmicos, protegen-do as populações que lá moravam, mas também cometenprotegen-do atro-cidades contra os rebeldes, que começaram a ter de lutar em duas frentes, contra o ISIS e contra Bashar al-Assad. Apesar de, em fevereiro de 2014, a Al-Qaeda ter-lhes retirado o apoio, o seu poder foi crescendo, bem como o número de jihadistas que se lhe juntavam, vindos de todas as partes do mundo, em especial da Europa, por ser mais fácil passar pelas fronteiras.

Finalmente, fica claro que a história da Síria está diretamente relacionada aos in-teresses estrangeiros divergentes em seu território que se mostraram presentes, principalmente, após a independência do país. Tais interesses têm sido tão relevan-tes que podem ser considerados, em alguns casos, como uma das principais causas de dissensões internas e conflitos, como o que ocorre na atualidade.

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Fonte: www.theguardian.com

Figura 12 – Execução em massa pelo ISIS

Fonte: www.irishtimes.com

8. O CONFLITO NA SÍRIA

As manifestações na síria começaram em março de 2011 e, desde o início, fo-ram reprimidas com violência pelas tropas leais ao ditador Bashar al Assad. O dita-dor fez algumas concessões que tiveram o tom de reformas políticas mas que, en-tretanto, não aplacaram os clamores populares. O conflito tomou proporções cada vez maiores e acabou se transformando em uma guerra civil onde a maioria Sunita vêm tentando derrubar o governo e a alta cúpula do exército que são dominados pela minoria Alauíta.

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