Acompanhamento Arqueológico no Âmbito da empreitada da Reconstrução de Muros de Suporte/2010 Calçada
de Santa Isabel – Santa Clara, Coimbra
1Raquel Santos
2Palavras-chave
Arqueologia preventiva, Santa Clara, Calçada de Santa Isabel, Projetos
Introdução
A empreitada de Reconstrução de Muros de Suporte/2010 Calçada de Santa Isabel – Santa Clara, situa-se na
Calçada de Santa Isabel, lugar e freguesia de Santa Clara em Coimbra. A parte superior da empreitada insere-se em
grau de protecção 3 e a parte junto à capela de Nª Srª da Esperança, insere-se em protecção do grau 1 do Plano Diretor
Municipal (PDM), na Servidão Administrativa do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, classificado como Monumento
Nacional desde 1910.
Os trabalhos arqueológicos efetuados no âmbito desta empreitada relacionaram-se com o acompanhamento
arqueológico realizado durante da abertura de valas para remodelação da rede de iluminação pública e recolha de
águas pluviais, uma vez que se estava a intervencionar numa artéria muito antiga anteriormente designada como
Caminho do Bordalo e que provavelmente corresponde ao traçado dia via romana Olissipo/Bracara, com o intuito de
detetar, registar e salvaguardar vestígios relacionados com essa utilização.
Contextualização histórica e geográfica
A atual freguesia de Santa Clara, que até 1721 tinha pertencido à freguesia de S. Bartolomeu, entre essa
data e 1854 à Sé, quando foi então criada a freguesia de Santa Clara (D.R. nº 278 de 25/11/19854), que compreendia
“todos os fogos e terrenos a sul do mondego…tem como limites o rio e os limites das Freguesias circunvizinhas”
(Gonçalves, 1994 e Silva, 1997).
A Calçada de Santa Isabel, assim designada a 4 de Julho de 1985 (Gonçalves, 1994), conhecida como
Ladeira de Santa Isabel ou Ladeira de Santa Clara, parcialmente coincidente com o traçado do Caminho do Bordalo,
situa-se na encosta de Santa Clara na margem esquerda do rio Mondego, com claro predomínio de exposição a Norte e
Nascente, é um elemento linear estruturante, essencial na articulação da parte ribeirinha com o alto de Santa Clara,
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Relatório Final aprovado pela Direção Regional de Cultura do Centro em Novembro de 2012, estando disponível para consulta no GCH – CMC no Grupo de Arqueologia.
desempenhando um papel basilar de acesso do mosteiro e da pequena comunidade que entretanto se tinha fixado na
encosta. Apresenta uma ligação privilegiada entre o Convento de S. Francisco na parte baixa e o Mosteiro de Santa
Clara-a-Nova, no Alto de Santa Clara. O Largo e Capela Nª Srª da Esperança, conjuntamente com o casario que se
estende ao longo da Calçada de Santa Isabel que se encosta à cerca, formam um interessante remate a Sul,
(Rodrigues, 2003).
Após a construção do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova (1649), este arruamento foi progressivamente
ganhando outra dimensão com a construção na parte inferior do seu percurso do lado Sul, de mais duas pequenas
capelas dedicadas a Cristo Flagelado e Senhor dos Passos (séc. XVIII), em adição a uma pré-existente no sopé do
morro dedicada a Cristo no Horto (séc. XVI), acentuando a característica de peregrinação ao mosteiro e à Rainha Santa
(Gonçalves, 1994, Borges, 1987 e Rodrigues, 2003). Estas capelas correspondem aos Passos da Paixão e têm
revestimento azulejar com figuras avulsas de fabrico coimbrão de meados do séc. XVIII (Borges, 1987). Outro aspeto
interessante é a forma como se consolidou o casario encostado ao lado Sul, formando juntamente com a cerca do
Convento de S. Francisco duas cortinas laterais, que se alargam junto da plataforma de entrada para o Mosteiro de
Santa Clara-a-Nova.
Na generalidade é uma zona muito íngreme e com grande declive que transpõe 43 metros entre a Rua
Carlos Alberto Pinho de Abreu na parte inferior e a Rua Mendes dos Remédios na parte Superior. No entanto a
intervenção descrita localiza-se entre esta Rua e o Largo da Esperança.
A análise da cartografia mais antiga existente para o local, revela a antiguidade desta via, corroborada por
diversa bibliografia que aponta, nalguns casos de forma indireta, para a sua ancestralidade, como “vinda de Conimbriga,
a estrada romana atingia o vale do Mondego pelo alto de Santa Clara, ganhando o rio por uma descida bastante rude. A
veemência deste troço da via e em particular a dificuldade representada pela Ladeira da Santa Clara foi
elucidativamente registada em 1532 no relato de um viajante eclesiástico francês: Postea montem pessimum
conscendimus in quo diutis oliveti transgressi tandem in plana desccendimus” (Mantas, 1992: 494)
Da leitura efetuada à tese de doutoramento de Vasco Mantas, poderá depreender-se que esta poderia
corresponder ao traçado da via romana onde refere que, “Da Cruz dos Morouços, cuja cota atinge os 210 m., a estrada
[romana] iniciava a sua descida para o vale do Mondego (…) e junto ao Km 195, a estrada desviava-se em direção às
Almas, de onde ganhava o Alto de Santa Clara, iniciando uma tortuosa descida para o rio através de uma série de
grandes lancetes bastante inclinados que levavam a estrada de uma cota de 150m para cerca de 20m junto ao rio
(Mantas, 1996:802), onde certamente existiria uma ponte que fazia a travessia do rio sensivelmente no mesmo sítio da
atual ponte de Santa Clara. O mesmo acontece na leitura de Rossa, 2001, “… vindo de Sul, o último tramo da via
Olissipo/Bracara até à ponte era muito acidentado” (Rossa, 2001:57).
Gravura antiga de Santa Clara, s.d. CMC