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AS MATÉRIAS DE JORNAL E SUA RELEVÂNCIA PARA O ESTUDO DO TEXTO TEATRAL CENSURADO

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Academic year: 2021

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AS MATÉRIAS DE JORNAL E SUA RELEVÂNCIA PARA O ESTUDO DO TEXTO TEATRAL CENSURADO

Williane Silva Corôa1 Rosa Borges dos Santos (Orientadora)2

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

No âmbito da Crítica Textual, a busca de matérias de jornais que façam alusão a determinada obra constitui-se em atividade que integra o processo de investigação, interpretação e estabelecimento do texto. Sendo assim, propõe-se, neste trabalho, tratar da importância das matérias de jornais – elementos paratextuais – no trabalho com o texto teatral Baioneta Sangrenta, do dramaturgo Antônio Cerqueira, produzido e censurado no período da ditadura militar, na Bahiai. Observa-se, desse modo, em um trabalho que se quer interpretativo, a grande contribuição dada pelos jornais, por meio de suas matérias, à prática editorial científica, solucionando algumas questões que caracterizam o processo de transmissão de dada obra.

2 O PARATEXTO E A EDIÇÃO DE TEXTOS

A Crítica Textual ocupa-se, da conservação e preservação do patrimônio cultural escrito. Por meio de sua principal atividade, a edição de textos, busca evidenciar uma cultura que se revela por meio da materialidade dos textos que recupera. O trabalho filológico é antes de tudo, uma atividade de interpretação cultural.

Assim, os editores devem ter consciência de que estabelecer um texto consiste em preparar, a partir de um exemplar cuidadosamente escolhido, uma cópia em que se alternam elementos atribuíveis ao autor e elementos não autorais. Porém, a tarefa de

1Mestranda do Programa de Pós-Graduação Literatura e Cultura (PPGLitC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Licenciada em Letras – Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail: willicoroa@yahoo.com.br – Autora.

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estabelecimento do texto não está nunca concluída. Os editores não podem atingir o texto genuíno, representativo do ânimo autoral; podem somente buscá-lo por aproximações, pois o que fazem é uma leitura, uma interpretação da obra e de seus testemunhos no processo de transmissão. Nesse sentido, é que

a tarefa de estabelecimento do texto não está nunca concluída e todos os editores têm consciência de que não podem atingir ‘o verdadeiro texto’ e que podem somente buscá-lo por aproximações sucessivas. Toda a sua prática revela um incessante jogo de ir e vir entre o texto e a interpretaçãoii.

Ao se debruçar sobre documentação que trata sobre a obra estudada, o filólogo procura interrogar os documentos para que se possam entender as condições de produção dessa escrita. No percurso até o texto, o filólogo depara-se com as mais variadas informações - resenhas, notícias, anúncios – que se encontram na periferia do texto e o auxilia na interpretação do mesmo.

Esses materiaisiii – títulos, dedicatórias, epígrafes, notas, prefácios, sumários, apêndices, posfácios e outras convenções editoriais que veiculam uma gama variada de informações localizadas nas capas, orelhas, páginas introdutórias, em jornais, revistas especializadas – possuem uma relação paratextual com o texto, pois, acompanham e ajudam a explicá-lo.

No trato com o texto teatral censurado, são considerados paratextos, as entrevistas com dramaturgos e pessoas ligadas à classe teatral de modo geral, recortes de jornais sobre as peças teatrais, certificados de censura, rabiscos, rascunhos, anotações no próprio texto, ou seja, tudo que esteja entre o texto e sua periferia e que possa servir à fixação crítica do texto, além de oferecer o esclarecimento dos percursos textuais e do contexto sócio-histórico em que os textos teatrais selecionados foram produzidos.

O paratexto contribui para a atividade de Crítica Textual, pois, auxilia na análise e recepção de um texto e podem constituir-se em eficientes estratégias textuais integradas à estrutura literária. Dos elementos paratextuais aqui citadas, destaca-se as matérias de jornais, que contribuem de maneira singular no trabalho de edição.

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3 A IMPORTÂNCIA DAS MATÉRIAS DE JORNAIS PARA EDIÇÃO DE TEXTOS

As edições científicas têm de levar em conta as especificidades de cada testemunho. Considerando-se que o trabalho desenvolvido nesta pesquisa é com o texto dramático, devem-se considerar as especificidades próprias desse gênero. Esse tipo de texto possui duplo destino (leitura/encenação). Por isso, se faz necessário considerar o texto dramático a partir de duas perspectivas: como textos “que podem ser apreciados, no simples ato de leitura”, e como textos “que não existem nem pretendem existir fora do teatro”iv. O editor assim necessita levar

em consideração as diversas situações textuais possíveis, que exigem, por parte do filólogo, maior capacidade para lidar com a documentação pré e para-textual, e com as particularidades do texto teatral. Neste caso, busca-se o texto autorizado, acompanhado de uma série de informações que aclaram o texto editadov.

Tendo em vista que as matérias de jornais são categorias acessórias do discurso que acompanham uma obra artística, pode-se através destes jornais, descortinar as situações que envolvem a estréia, a recepção e a escritura da obra, aqui estudada

Baioneta Sangrenta, de Antonio Cerqueira. Isso só foi possível devido à existência de

uma pasta localizada no Espaço Xisto Bahia, provavelmente organizada pelo autor ou por pessoas próximas, já que aparecem ali, recortes de jornais carimbados com a assinatura do autor.

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Antonio Cerqueira começou sua carreira como autor em Pedro mico, de Antonio Callado em 1977, mas ganhou destaque no cenário teatral baiano com adaptações de peças de Nelson Rodrigues e Plínio Marcos, e também por ter duas peças vetadas em um período de um ano. O texto teatral Baioneta Sangrenta (1984), de Antonio Cerqueira, baseia-se em fatos verídicos, visando denunciar os atos de tortura ocorridos em plena ditadura militar. O texto retrata o julgamento fictício do Presidente Emílio Garrastazu Médici, tendo como testemunhas de acusação, Tito de Alencar Lima (Frei Tito), Carlos Lamarca, Carlos Marighella, entre outras vítimas de tortura do regime militar.

Figura 2 – Matéria publicada no jornal Correio da Bahia, em 17 de dezembro de 1983. Ao lado, destaca-se o trecho da matéria que fala sobre o texto teatral Baioneta Sangrenta.

Nesse trecho da matéria, o autor, dá pistas de como irá construir o texto quando diz que o mesmo é “baseado em fatos verídicos, coletâneasvi”. Assim, se apropria de trechos do livro Batismo de sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Marighella (1982), de Frei Betto – que narra a história do envolvimento de freis dominicanos, na luta contra a Ditadura, e que termina com a violenta repressão que levou Frei Tito à tortura, à morte longe de casa – para utilizá-lo em Baioneta Sangrenta.

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A primeira folha do texto também dá indícios do parecer emitido pela Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) do Departamento da Polícia Federal (DPF), que em setembro de 1984, vetou a apresentação da peça sob a justificativa de incitamento contra o regime.

Figura 3 – Primeira folha do texto Baioneta Sangrenta, com carimbo da Superintendência de Policia Federal e indicação manuscrita ‘vetada’.

No dia 11 de setembro de 1984, o Jornal da Bahia veiculou matéria noticiando protesto organizado pelo elenco da peça à segunda interdição de texto escrito pelo autor, em menos de um anovii e anunciou reunião do elenco com o poder público e autoridades para questionarem e discutirem o porquê do veto em período de abertura política.

Portanto, através dos registros na própria materialidade do texto e, sobretudo em matérias de jornais é que se pode reconstruir um pouco da história de cada texto, pois estes “son efectivamente indivíduos históricos”viii. As matérias de jornais possuem a

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função de mediação entre o público e o autor e veiculam uma gama variada de informações que são muito uteis ao trabalho realizado pelo filólogo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo a Filologia Textual a ciência que se preocupa com a recuperação dos textos que fazem parte do patrimônio cultural escrito e revelam aspectos da época em que foram produzidos, esta pode oferecer subsídios para a decifração da construção social de determinada época no qual o texto está inserido, revelando os diálogos existentes entre cultura, ideologia e história.

Por isso, estudar o período da ditadura militar (1964-1985) através da análise de textos teatrais e, sobretudo através das matérias de jornais é considerar tais textos como sujeitos históricos, como uma construção social, um produto e, ao mesmo tempo, produtor de cultura, um documento socialix.

Ao fazer a leitura filológica dos documentos, o filólogo pode verificar como se engendram os diálogos existentes entre cultura, ideologia e história nas produções textuais (textos teatrais e documentação paratextual). A importância da imprensa nesse conturbado período histórico, no que tange à prática teatral, foi o de divulgar as produções teatrais e tecer críticas com relação às encenações e à postura do governo, através da ação da censura.

NOTAS

________________________

i Esse trabalho faz parte um projeto maior desenvolvido no grupo de pesquisa Edição e estudo de textos teatrais censurados na Bahia, coordenado pela Prof. Dra. Rosa Borges, na Universidade Federal da Bahia. A Equipe conta com 14 integrantes entre estudantes de graduação, mestrado e doutorado. Para maiores informações consultar: www.textoecensura.ufba.br

ii Castro, 1995, p. 516. iii Gerard Genette (2006). iv Roubine, 1998, p. 78. v Santos, 2008, p. 7 vi Antonio, 17 dez 1983

vii O autor Antonio Cerqueira teve, durante o período da Ditadura Militar, dois textos vetados em menos de um ano: Baioneta Sangrenta (1984) e Blecaute no Araguaia (1983). Os dois textos foram vetados sob a justificativa de incitamento contra o regime militar e ofensa a dignidade ou ao interesse nacional.

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viii Peréz Priego, 1997, p. 36 ix Santos, 2008.

RESUMO

No âmbito da Crítica Textual, a busca de matérias de jornais que façam alusão a determinada obra constitui-se em atividade que integra o processo de investigação, interpretação e estabelecimento do texto. Sendo assim, propõe-se, neste trabalho, tratar da importância das matérias de jornais – elementos paratextuais – no trabalho com o texto teatral Baioneta Sangrenta, do dramaturgo Antônio Cerqueira, produzido e censurado no período da ditadura militar, na Bahia. Observa-se, desse modo, em um trabalho que se quer interpretativo, a grande contribuição dada pelos jornais, por meio de suas matérias, à prática editorial científica, solucionando algumas questões que caracterizam o processo de transmissão de dada obra.

PALAVRAS-CHAVE: Imprensa baiana. Matérias de jornais. Crítica Textual. ABSTRACT

In the context of the Textual Cristicism, the search of periodical substances that allude make to a particular work is in activity that integrates the process of inquiry, interpretation and establishment of the text. Therefore, it is considered, in this work, to deal with the importance of the periodical substances - paratextuals elements - working with the theatrical text Baioneta Sangrenta, of Antonio Cerqueira, produced and censured in the period of the military dictatorship, in Bahia. It is observed, in this manner, in a work that if wants interpretation, the great contribution given for periodicals, to the practical editorial, solving some questions that characterize the process of transmission of given workmanship.

KEYWORDS: Bahia Press. Newspaper clippings. Textual Criticism.

REFERÊNCIAS

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AGUILAR, Rafael Cano. Introducción al análisis filológico. [s.l.]: Castalia, [2000?]. CASTRO, Ivo. O retorno à filologia. In: PEREIRA, Cilene da Cunha/ PEREIRA, Paulo Roberto Dias. Miscelânia de estudos lingüísticos, filológicos e literários in memoriam

celso cunha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, p. 511- 520.

GENETTE, Gerard. Palimpsestos: a leitura de segunda mão. Extratos extraídos do Francês por Luciene Guimarães e Maria Antonia Ramos Coutinho. Belo Horizonte: EDUFMG, 2006. Disponível em:

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<http://www.letras.ufmg.br/site/publicacoes/donwload/palimpsestosmono- site.pdf>. Acesso em: 10 out 2009.

GRÉSILLON, Almuth. O manuscrito moderno: objeto material, objeto cultural, objeto de conhecimento. In: ________. Elementos de crítica genética: ler os manuscritos modernos. Tradução Cristina de Campos Velho Birck et al. Porto Alegre: EDUFRGS, 2007. p. 51-146.

GRÉSILLON, Almuth. Nos limites da Gênese: da escritura do texto de teatro à encenação. In: Estudos avançados, São Paulo: 1995. Vol.9, n.23. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141995000100018&script=sci_arttext>. Acesso em: 12 dez 2009.

PÉREZ PRIEGO, Miguel Angel. La Edición de Textos. Madrid, Síntesis, 1997. SANTOS, Rosa Borges dos. O Texto como documento social e histórico: por uma análise filológica. In: CONGRESSO NACIONAL DE LINGÜÍSTICA E FILOLOGIA, 12., 2008, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos... Rio de Janeiro: CiFEFil, 2008.

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