CINTIA RIBAS
ENTRE NÓS, ESTRANHO E ESTRANGEIRO DIVIDEM RAÍZES
COMUNS
Trabalho apresentado como Projeto de Pesquisa e Proposição para Exposição Fotográfica no Programa de Iniciação Científica da Fundação Araucária e Escola de Música e Belas Artes do Paraná.
Professora Orientadora: Doutora Ana Lúcia Vasquez
Curitiba 2011
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SUMÁRIO
Introdução...2
Entre Estranho e Estrangeiro...4
Deriva em Cenário Urbano...6
Transparência e Sobreposição...8
Série Paisagem Antiga...12
Imagens...16
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa, intitulada Entre nós, estranho & estrangeiro
dividem raízes comuns, é realizada na Área de Artes Visuais e está
entrecruzada a uma prática pessoal que busca distribuir o pensamento perceptivo na imagem. Perceptivo versos teórico, que se constitui num campo específico de investigação de questões tratadas a partir da percepção que se tem na paisagem, suas concepções e de que forma esse leva e trás é administrado no visível. Essa junção disjuntiva de percepção-pensamento manifesta-se nas composições fotográficas ao mesmo tempo em que revela um pensamento perceptivo na própria imagem-fotografia. O texto tece considerações acerca da produção de fotos de lugares visitados durante viagens e que mais tarde são afetadas por uma ação que parcialmente as transforma, as manipula em camadas delas mesmas, utilizando lentes extras, sobreposição de imagem e impressões em material transparente que em seu conteúdo final permite um retorno às coisas mesmas. As fotografias foram tiradas em períodos de viagem em distintos intervalos de tempo durante visita a continentes estrangeiros como a Oceania, a Cordilheira dos Andes no Continente Sul-Americano e a Itália na Península Itálica em períodos de 2006 a 2011. As imagens podem apresentar certa ausência de nitidez, que se traduz em uma nova indicação para rever tais lugares. Essas mudanças de visibilidade acontecem a partir da percepção na paisagem, uma vez inserido nela, o sujeito observador pode obter um olhar “afastado” do campo da arte. O deslocamento interno vivido entre um território e outro, uma língua e outra e a posição dos corpos no espaço comum irrompe naquilo que é percebido como forma de inscrição de sentido. Como modos de percepção e sensibilidade que podem instaurar possibilidades ainda não vistas.
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ENTRE ESRANHO E ESTRANGEIRO
Nesses processos de viagem há possibilidade de se colocar como um “espectador estrangeiro” substituindo um relato, a uma reconstrução. Nessa montagem das partes e dos lugares vistos é fundada uma partilha de espaços, um recorte do tempo que a fotografia executa no visível e invisível da imagem registrada, que em sua dualidade define ao mesmo tempo o lugar e a experiência. Entre a paisagem e a memória há o imaginário e o campo simbólico de determinada situação. Há uma falta que não mais corresponde com o tempo vivido e que segundo Roland Barthes é o “isso-foi” da foto.
“¹Isso que vejo encontrou-se lá, nesse lugar que se estende entre o infinito e o sujeito (intersum). Ao olhar um lugar incluo fatalmente em meu olhar o pensamento desse instante, para mais breve que seja, na qual uma coisa real se encontrou imóvel diante do olho.”
Dessa forma, uma nova realidade é criada pelo sujeito, o sujeito da imagem. Além da fotografia se revelar por uma ação da luz contraindo o acontecimento, está paralelamente imantada no sujeito que na foto se revela. A transposição entre fotografia e memória empresta o movimento de registros mentais transcrevendo-os em significações culturais e ideológicas criando segundo ²Barthes, uma cadeia flutuante de revelações:
“Toda foto é polissêmica, uma cadeia flutuante de significados, dos quais o leitor pode escolher uns e ignorar outros. Ao fato de uma foto ser sempre invisível, não é ela que nós vemos.”
Existem profundas articulações entre a imagem e tipos de memória. O observador da foto incorpora-a transferindo-as de um tipo de registro a outro. Poderíamos pensar na imagem-memória. Imagem e memória fluem entre si. Se há tantas ambigüidades na interpretação revelando o sentido não suspeitado da imagem o que vemos então?
“Aquilo que qualquer indivíduo, intuitivamente, é capaz de saber, é que diante de certas imagens podemos nos entender sem passar à palavra e, mais do que isso, se tentarmos recorrer à fala, o sentido do que é puramente imagem não conseguirá existir, uma vez que se trata de um sentido irredutível.
Fig1 Cordilheira dos Andes, 2011
A paisagem remota, o contato com a natureza, os extremos de temperatura. No papel de observador- explorador percebe-se toda uma travessia e diversas estruturas estabelecidas entre os territórios. Esse exercício de auto-etnologia possibilita a certa distância uma análise do
6 mundo contemporâneo. Há um sistema de valores estabelecidos. Um sistema que decodifica os espaços. Mas há também lugares inéditos no mundo atual que podem se traduzir em arte. Os escritos sobre o turismo do antropólogo ³Marc Augé traduzem questões acerca do posicionamento do homem em viagens:
“O turismo é essencialmente uma parte da humanidade que observa a outra como espetáculo. Há uma atividade para olhar os outros ou para se ter ilusões, imagens que nos dão impressão de descobrir o mundo.”
Esse pôr-se no mundo é segundo Adriano Pedrosa, tudo aquilo que não conhecemos e que não pertence nem a nós mesmos nem a nosso círculo íntimo e familiar.
“ Entre nós, estranho e estrangeiro
dividem raízes comuns: o latim
extraneus (conexão que por razão
desconhecida se perdeu na língua inglesa). Freud sugere que o estranho nos assusta e repele principalmente porque nos apresenta elementos ao mesmo tempo tão íntimos e tão soterrados em nossa memória. Kristeva, por sua vez, sugere que o exilado, o estrangeiro [l’étranger], é estranho, o outro, mas que em verdade habita, sinistramente, nosso próprio interior. O estranho estrangeiro é a face escondida de nossa identidade, o espaço que demole nossa morada, o momento em que compreensão e afinidade naufragam.”
¹SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. ²BARTHES, Roland. O Óbvio e o Obtuso, 1982.
³AUGÉ, Marc, Não-Lugares. INTRODUÇÃO A UMA ANTROPOLOGIA DA SUPERMODERNIDADE PEDROSA, Adriano. Arte contemporânea brasileira, PARTE II, p165.
DERIVA EM CENÁRIO URBANO
Na intenção de levar a diante uma prática de forma “natural”, a deriva do olhar surge como procedimento poético durante o qual os elementos visuais de uma cidade podem ser captados sem a obrigatoriedade de alvo concreto. Esta pesquisa se iniciou neste modo de captação e apresentou diferentes incoerências no que diz respeito a essa prática. A Deriva seria um trajeto do fotógrafo que não tem necessariamente um ponto de partida nem de chegada e que realiza e cria imagens através da experimentação do olhar à deriva. Um conceito que se coloca no gesto fotográfico e nos modos de observação. O perder-se. Seria possível mesmo caminhar sem rumo se somos quase o tempo todo sugestionados a escolhas?
Segundo escritos situacionistas as grandes cidades são favoráveis à distração que chamamos de deriva. A deriva atinge a super modernidade. Ela se mistura à influência do cenário. A idéia central é a construção de situações, construção momentânea da fotografia nos cenários materiais da vida e os comportamentos que provocam. A Deriva é um exercício prático e mental, além de ser também uma nova forma de apreensão do espaço urbano. O fotógrafo registra o tecido urbano pela ação de andar sem rumo definido. Ele se vê na cidade, ele atua na cidade. Entre tudo, a observação nas ruas, de certos processos do acaso e do (in) previsível. Um procedimento de estudo psicogeográfico do qual investiga e observa as ações do ambiente nas condições psíquicas e emocionais da grande massa. Como praticar a deriva nos dias atuais? Que regime de tempo se implica se o passado só se deixa ficar no momento em que é reconhecido?
“A foto oscila entre aquilo que lhe escapa e o que nela se infiltra. Posar dentro do
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instante. Só há transcurso de tempo quando não se está nem no começo nem no fim.”
Fig3 Cenário Urbano, Sydney, Austrália, 2006
TRANSPARENCIA E SOBRE-POSIÇAO
Ao reverter uma fotografia descontextualiza-se o seu registro, a foto é transferida a um novo cosmos de forma permitindo que as imagens se re-comuniquem. O elemento plástico transparente utilizado na série Paisagem Antiga nos Andes acessa o que há no além da imagem. Não unicamente o que se foi nela. O exercício de sobre imprimir é uma dupla posição entre realidade e passado do acontecimento. Possíveis contorções da técnica. Mistura, inversão das expectativas, desclassificações. A transparência ao mesmo que soma matéria mantêm sua característica primeira, a de se deixar atravessar pela luz. Portanto não há densidade, mas camadas que se encontram e se atravessam, há a influencia de uma na outra ao entrarem na profundidade do papel atingindo sua face inversa.
10 Fig5 Paisagem Antiga nos Andes, 2011
Fig7 Paisagem Antiga nos Andes
12 Fig9 Paisagem Antiga nos Andes, 2011
SÉRIE PAISAGEM ANTIGA
Entre ver e rever as fotografias de viagem surge a falta. Um tempo passado, morto, que é trazido ao presente da imagem. Em toda a série intitulada “Paisagem Antiga nos Andes” há essa presença, do passado no presente, que faz referência ao cinema antigo, por exemplo, ou quando a moldura é arredondada e a foto atual recebe um tratamento que faz ressurgir o velho. As imagens serão expostas por um projetor.
Cordilheira dos Andes, 2011
14 Cordilheira dos Andes, 2011
Cordilheira dos Andes, 2011
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RELAÇÕES ENTRE IMAGEM FOTOGRÁFICA E PINTURA
A série intitulada, “Pintura Fotográfica”, faz relação com a pintura, o fotógrafo carrega o olhar compositivo do pintor no gesto de fotografar.
18 Cordilheira dos Andes, 2011
20 Cordilheira dos Andes, 2011
REFERENCIAS
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AUMONT, J. O Olho Interminável, Ed. Cosac & Naify BARTHES, R. O Óbvio e o Obtuso, Coleção Signos, 1984. BARTHES, R. A Câmera Clara, Ed. 70, Brasil.
BENJAMIN, W. A Obra de Arte na era de sua Reprodutibilidade Técnica, texto publicado em 1995.
CANEVACCI, Massino. A cidade Polifônica, Ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana.
DELEUZE, G. A ilha deserta, Ed. Iluminuras, 2010 LACAN, J. Revista de Psicanálise, 2006.
MENGARELLI, Hugo. Ensaios no Teatro. Fontes da Internet. PEDROSA, A. Arte Contemporânea Brasileira, Ed. Takano, 1998. PONTY, M.M. Fenomenologia da Percepção, Ed. Martins fontes, 2006. RITCHER, Gehard. The Daily Practice of Painting, escritos 1962/1993. SCHAMA, S. Paisagem e Memória. 1ed. 1996.
SMITHSON, Robert. Ensaios da internet
http://www.robertsmithson.com/essays/short.htm