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A QUESTÃO ÉTICA E A CONTEMPORANEIDADE DA ÉTICA BUDISTA

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Academic year: 2021

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A QUESTÃO ÉTICA E A CONTEMPORANEIDADE DA ÉTICA BUDISTA

Lídice da Costa Ieker Canella Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ciências das Religiões Universidade Federal da Paraíba - UFPB. E mail: lidicecanella@gmail.com ST – 06 - BUDISMOS E CONTEMPORANEIDADE: INTERFACES E PERSPECTIVAS

Resumo: A sociedade contemporânea convive com uma crescente crise social, com conflitos

em diversas áreas – tecnológica, social, religiosa, política etc. – que se impõem e que carecem de respostas. Vive-se, no mundo ocidental, uma sociedade secularizada, racional, centrada no individualismo e em buscas pessoais. Nesse universo, a questão ética estabelece a investigação de paradigmas capazes de dar conta desses novos desafios. Entretanto, se de um lado, a preocupação com a moralidade parece apontar para um possível melhoramento do ser humano; por outro lado, essa aparente confluência em torno do ético nos leva ao questionamento do que pode estar motivando essa postura, que pode, inclusive, numa sociedade de consumo, ser entendida como uma nova “moda”. Nesse contexto, através de uma pesquisa teórica, quer se evidenciar que nos ensinamentos do Buddha Shakyamuni pode-se encontrar, também, uma solução para a crise ética da modernidade, no Nobre Caminho Óctuplo, notadamente naqueles temas centrados na ética (skt: shila; pali: sīla): palavra correta, agir correto e modo de viver correto. As ideias desenvolvidas por ele, quando procede ao primeiro giro da Roda do Dharma, em Varanasi (Benares), no século V a.C., tornam-se atuais na medida em que são capazes de dialogar de modo crítico e construtivo com o retorno às virtudes de MacIntyre, quando estabelece a necessidade de um agir ético (prática). Assim é que o estudo do primeiro discurso do Buddha revela a atualidade da tradição budista, que no campo específico da moralidade pode ser entendida tanto como religião quanto como filosofia. Para realizar tal estudo utiliza-se uma metodologia qualitativa, operacionalizada através de fontes bibliográficas, de vez que nos propomos a uma reflexão capaz de produzir um insight (skt

vipaśyanā; pali - vipassanā) nesse campo de estudo.

Palavras-chave: ética; virtude, Caminho do meio. Anais do IV Congresso da ANPTECRE

“Religião, Direitos Humanos e Laicidade”

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1. Introdução

No contexto da modernidade encontramos um grande número de estudiosos da atualidade, entre os quais encontramos Alasdair MacIntyre (2001; 2008), que se debruça sobre o tema da ética e das virtudes morais, entendendo que o mesmo necessita de uma reflexão mais profunda. Para este filósofo deve-se retomar o interesse pelo tema das virtudes na consecução de uma ética que garanta o sentido do todo da vida humana e forneça inteligibilidade ao agir moral.

Contudo, nos ensinamentos do Buddha Shakyamuni, ministrados no século V a.C., pode-se encontrar, também, uma solução para essa crise, no Nobre Caminho Óctuplo, notadamente naqueles temas centrados na ética (skt: shila; pali: sīla): palavra correta, agir correto e modo de viver correto, em que as virtudes morasi também são valorizadas.

2. A Ética de MacIntyre

Alasdair MacIntyre é considerado um dos profícuos autores da modernidade que tem se dedicado ao tema da ética, sendo hoje uma das vozes mais autorizadas sobre este tema. Ele busca em Aristóteles e em Tomás de Aquilo a construção de sua teoria ética, porque defende a ideia de que é necessário buscarmos uma história da ética, tanto para entendermos o que está ocorrendo na modernidade, quanto para se proceder a uma proposta sobre esse tema:

Ele inicia escrevendo A Short History of Ethics (1966), considerado um clássico na história da ética, porque ele retrata historicamente a evolução dos conceitos e ideias sobre a ética desde os gregos até o século XX, fazendo uma investigação histórica e comparativa que identifica os traços da moralidade dominante em diferentes lugares e diferentes lugares. Infelizmente ele não desenvolve nada sobre a filosofia oriental1. Após proceder a um levantamento bastante completo da história da ética grega, ele passa modestamente pela Idade Média, desenvolvendo a ética iluminista como responsável pela situação vivenciada na sociedade moderna.

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No prefácio da segunda edição, escrito em 1997, MacIntyre reconhece as limitações de sua obra e a inadequação do nome exatamente porque não aborda a filosofia oriental.

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Em Depois da Virtude (1981), MacIntyre vai desenvolver mais profundamente essa ideia. Identifica que a supervalorização da questão ética na nossa sociedade parece esconder uma crise profunda, revelada pela linguagem e pelas práticas morais de nosso tempo. A busca central pelo bem humano remete à ética aristotélica das virtudes. Esse trabalho prossegue em Justiça de quem? Qual racionalidade? (1988), que mantém a mesma proposta do livro anterior.

O que se conclui em sua leitura é que ele parte de uma investigação histórica e comparativa, tendo como objetivo referenciar as linhas contemporâneas da moralidade dominante em nossa cultura, para poder diferenciá-la de outras moralidades de épocas e lugares diferentes. Este estudo histórico fundamenta sua proposta de uma (re)atualização da ética aristotélica (Ética a Nicômaco e Ética a Eudemo), defendendo,

in fine, o retorno da ética aristotélica das virtudes, para vencer o vazio moral que

contamina uma sociedade altamente tecnológica, mas espiritualmente empobrecida. E quais são essas virtudes? Para Aristóteles, perseguir a virtude significava, em todas as atitudes, buscar o “justo meio”. A prudência e a sensatez se encontrariam nesse meio-termo, ou medida justa – “o que não é demais nem muito pouco”, em suas palavras. (2001, p. 41)

3. O Buda Shakyamuni

O budismo foi fundado pelo “Budha” Shakyamuni, palavra que provém do sânscrito Buddh significando “desperto, iluminado, pensador”. Tem-se aqui um sistema ético filosófico cujos textos e termos derivam, principalmente, de duas línguas: sânscrito e páli. O budismo busca, acima de tudo, a verdade tal como ela é, através da destruição das ilusões (busca da realidade) e da ignorância (desenvolvimento do potencial de sabedoria), independência, desprendimento, liberdade e compaixão existente dentro de cada ser, estabelecendo in fine que somos agentes responsáveis pela nossa própria libertação (SMITH e NOVAK, 2010; REDYSON, 2010; RAHULA, 2005; LALITAVISTARA).

Assim, em uma noite banhada pela lua cheia, aos 35 anos, quando em meditação para buscar a pureza da mente, ele sente pulsar dentro de si uma imensa sabedoria, obtendo a compreensão da essência universal e uma visão íntima da

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jornada humana, alcançando, finalmente, a “iluminação completa e perfeita” (sammāsambodhi), debaixo de uma árvore Bodhi, no Jardim das Gazelas, em Vãrãnasi, libertando-se de samsara2. Quando ele se ilumina, os deuses Brahma e Indra, pedem a

Buddha que passe a expor seus profundos ensinamentos e atendendo, ele realiza o primeiro “giro da Roda do Dharma”. (SMITH e NOVAK, 2010; REDYSON, 2010; RAHULA, 2005; LALITAVISTARA)

Pode-se, então, dizer que budismo é a prática dos ensinamentos de Buda e a partir desses preciosos ensinamentos é que o budismo se desenvolveu neste mundo. Embora existam muitos tipos de budismo (theravada, mahayana, vajrayana, zen e tantos outros) ao se tratar do primeiro giro da Roda do Dharma se está falando do budismo na sua origem, pois se deu aí o primeiro ensinamento do Buddha aos seus discípulos.

4. A ética do Budismo

Desses ensinamentos interessa, principalmente, a presente pesquisa, o tema das Quatro Nobres Verdades: Existe o sofrimento (Dukkha); existe a origem do sofrimento (Samudaya); existe a Cessação do Sofrimento - (Nirodha) e existe a prática do Nobre Caminho Óctuplo (Magga), que leva à iluminação.

Ele recebe este nome por ser dividido em oito práticas agrupadas, geralmente, em três treinamentos.

DIVISÃO ITEM DESCRIÇÃO

Sabedoria

(Sânscrito: prajna Pāli: paññā)

1. Visão correta Enxergar a realidade como ela é, não como ela parece ser.

2. Intenção correta Intenção de renúncia, libertação e não-ofensividade.

Conduta Ética (Sânscrito: sila Pāli: sīla)

3. Fala correta Falar de forma verdadeira e não agressiva. 4. Ação correta Agir de forma não agressiva.

5. Viver corretamente Viver de forma não agressiva. Concentração

(Sânscrito e Pāli:

6. Esforço correto Se esforçar para melhorar.

7. Atenção correta Estar atento para enxergar as coisas com a

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Samsara no hinduísmo significa a transmigração da alma nos mundos materiais, podendo ser descrito como o fluxo incessante de renascimentos.

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samadhi) consciência clara;

Estar consciente da realidade presente dentro de si mesmo, sem qualquer desejo ou aversão.

8. Concentração correta Correta meditação e concentração. Fonte: Elaborado a partir de diversos textos

5. Ética ou Sila

A segunda disciplina, Sila, é traduzida como moral, virtude e até como honestidade. Esta disciplina centra-se em aspectos da conduta do Bodhisattva: preceitos ou diretivas podem ser aplicados a qualquer ato do corpo, da fala e da mente. O Bodhisattva cuida de não causar dano a qualquer ser.

Embora no budismo não haja a ideia de “pecado” ou de uma ofensa causada pela quebra de um mandamento, existem, no entanto, alguns preceitos básicos que constituem a ética budista, de sorte que evitando algumas ações evitam-se, também, frutos negativos, e, contrario sensu, cultivando ações virtuosas, o resultado são frutos positivos. Com o treinamento da ética, nossa mente chega a um estado tranquilo, propício à meditação. E com o treinamento da meditação, é possível chegar à sabedoria que conduz ao despertar. (GYATSO, 2012)

Compreende, tal como explicitado no Magga-vibhangaSutta (Samyutta Nikaya XLV.8)3:

1. Palavra ou Linguagem correta

(...) E o que é a linguagem correta? Abster-se da linguagem mentirosa, da linguagem maliciosa, da linguagem grosseira e da linguagem frívola. A isto se chama linguagem correta. (...).(BUDDHA, Discurso em Benares)

Nesse campo temos: não mentir, não caluniar, não falar com dureza ou crueldade, não blasfemar, não utilizar linguajar abusivo; não conversar de forma vazia; esforçar-se por utilizar uma linguagem prática e com sentido; aprender a manter o nobre silêncio. Pode-se estabelecer como norma o compromisso com a verdade. O Buddha defende que não se deve forçar uma pessoa a crer em alguma coisa, nem a

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Disponível em www.acessoaoinsight.net. (Sala de estudos) Copyright © 2000 – 2014. Michael Beisert: editor; Flávio Maia: designer. Diversos acessos em fevereiro de 2014.

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própria pessoa deve forçar-se a crer em algo, pois isto é altamente negativo: a verdade deve vir de modo natural.

Essa virtude está relacionada com o preceito budista de que os ensinamentos devem ser examinados pelos discípulos, bem como através desse exame se aproximar da verdade: ou seja, cada discípulo deve formar suas próprias opiniões: os seres humanos devem buscar a verdade em várias fontes e, livremente, formarem, por si próprios, as suas opiniões em busca da verdade mais elevada. (GYATSO, 2012)

Certa vez, Buddha explicou a seus discípulos a doutrina de causa e efeito. Então disse: - “Bhikkhus, eu lhes mostrarei que o Dhamma é semelhante a uma balsa,

existindo para o propósito de cruzar (a torrente) e não para que vocês se agarrem a ele

(Majjhima-Nikaya 22: Alagaddūpama Sutta4

). Com isto ele ensina que o conhecimento é relativo a situações específicas, não é universal e, ao mesmo tempo, alerta contra um dogmatismo excessivo: “A doutrina se assemelha à jangada; ela deve ser considerada

não como um fim, mas como um meio; da mesma forma, a jangada é um meio para

atravessar o rio, mas não para se apegar”. (Alagaddūpama Sutta).

2. Ação correta

(...) E o que é ação correta? Abster-se de destruir a vida, abster-se de tomar aquilo que não for dado, abster-se da conduta sexual imprópria. A isto se chama de ação correta. (...).(BUDDHA, Discurso em Benares)

É neste campo que encontramos as cinco Virtudes ou Pañca-Sīani, que são os cinco preceitos constituintes da base da ética budista. 1. Não matar; 2. Não roubar; 3. Não adotar conduta sexual imprópria; 4. Não mentir ou cometer perjúrio; 5. Não consumir álcool ou outros intoxicantes.

3. Modo de vida correto

(…) E o que é modo de vida correto? Aqui um nobre discípulo, tendo abandonado o modo de vida incorreto, obtém o seu sustento através do modo de vida correto. A isto se chama modo de vida correto. (...). (BUDDHA, Discurso em Benares)

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O Majjhima Nikaya, ou “Discursos com Extensão Média”, é o segundo dos cinco nikayas, ou coleções, do Sutta Pitaka. Textos obtidos em www.acessoaoinsight.net. (Sala de estudos), 2000 – 2014. Acesso em fevereiro de 2014.

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O determinativo, aqui, é escolher profissões que promovam a vida, a paz, o progresso espiritual. Buscar refúgio na Sangha constitui uma norma de bem viver.

Algumas profissões são expressamente proibidas, tais como: comerciar com veneno, escravos ou carne; prostituição; produzir ou comerciar licores e outras substâncias tóxicas; comerciar com armas etc.

Ainda dentro do campo da ética pode-se discorrer sobre a igualdade de todos os seres humanos, sobre a conduta não-violenta, sobre a compaixão e a benevolência.

Tal como uma mãe que põe em risco a sua vida para proteger e vigiar a sua única criança, assim nós devemos, com um espírito sem limites, acarinhar todas as coisas vivas, amar o mundo na sua totalidade, sem limites, com uma bondade benevolente e infinita5.

6. Conclusão

Verifica-se que os ensinamentos do Buddha são nada mais nada mesmo do que privilegiar as mesmas virtudes que foram privilegiadas por Aristóteles e agora (re)atualizada por MacIntyre.

Ou ainda: a questão da moral na modernidade passa a ser desenvolvida pelo estudo de sua história, procedendo a um estudo comparativo entre a Ética de Aristóteles e os filósofos da modernidade, concluindo que os filósofos morais modernos e iluministas renunciaram a alguns elementos que se encontravam presentes no esquema moral da filosofia clássica, reduzindo a ética à esfera do privado e do indivíduo, e por ter-lhe tirado seu conteúdo cognitivo, acabou reduzindo-a a um substrato emotivo. De toda sorte, a ética das virtudes foi colocada de lado. Todavia o budismo tem a condição de conduzir ao mesmo objetivo.

Referenciais

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Mário Gama Kury. Brasília: UNB, 2001. REDYSON, Deyve. Schopenhauer e o pensamento oriental: entre o Hinduísmo e o Budismo. Religare, 7:3-16, 2010.

MACINTYRE, Alasdair. Depois da virtude: um estudo em teoria moral. Tradução de Jussara Simões. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2001.

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MACINTYRE, Alasdair Justiça de Quem? Qual racionalidade? Tradução de Marcelo Pimenta Marques. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

SMITH, Huston e NOVAK, Phillip. Buddhism – a concise introduction. HarperCollins e-books, 2013. Disponível em http://pt.scribd.com/doc/163579009/Buddhism-A-Concise-Introduction. Acesso em fevereiro e março de 2014.

RAHULA, Walpola. O Ensinamento de Buda . Lisboa: Editorial Estampa, 2005: Éditions du Seuil, 1978.

GYATSO, Tenzin. Dalai Lama: uma ética para o Novo Milênio. São Paulo: Sextante, 2012.

LALITAVISTARA. (Life of the Buddha at Borobudur). Disponível na Internet. Site: http://www.photodharma.net/Indonesia/05-Lalitavistara/05-Lalitavistara.htm. Acesso em maio de 2015.

Referências

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