• Nenhum resultado encontrado

Líbia: um estudo de caso da intervenção internacional de 2011 e de seus aspectos jurídicos e políticos

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Líbia: um estudo de caso da intervenção internacional de 2011 e de seus aspectos jurídicos e políticos"

Copied!
315
0
0

Texto

(1). UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS. BRUNO BERRETTINI CAMPONÊS DO BRASIL. LÍBIA: UM ESTUDO DA INTERVENÇÃO INTERNACIONAL DE 2011 E DE SEUS ASPECTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS. São Paulo 2017.

(2) . BRUNO BERRETTINI CAMPONÊS DO BRASIL. LÍBIA: UM ESTUDO DA INTERVENÇÃO INTERNACIONAL DE 2011 E DE SEUS ASPECTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Ciências. Orientador: Prof. Dr. Bohomoletz de Abreu Dallari. Pedro. Versão corrigida A versão original se encontra disponível na Biblioteca do Instituto de Relações Internacionais e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP, documentos impresso e eletrônico..

(3) . Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.. Catalogação na Publicação Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. Brasil, Bruno Berrettini Camponês do Líbia: um estudo da intervenção internacional de 2011 e de seus aspectos jurídicos e políticos. / Bruno Berrettini Camponês do Brasil – Orientador: Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari. São Paulo: 2017. 312 p. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Relações Internacionais. Universidade de São Paulo. 1. Intervenção na crise (Líbia). 2. Resolução 1973 - Responsabilidade de Proteger (Líbia). 3. Direito internacional. 4. Organização das Nações Unidas (ONU) Conselho de Segurança. I. Dallari, Pedro Bohomoletz de Abreu. II. Título. Brasil, Bruno Berrettini Camponês do Líbia: um estudo da intervenção internacional de 2011 e de seus aspectos jurídicos e políticos. / Bruno Berrettini Camponês do Brasil – Orientador: Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari. São Paulo: 2017. 312 p. 347.612 Universidade de Dissertação (Mestrado) - Instituto de RelaçõesCDD Internacionais. São Paulo. 1. Intervenção na crise (Líbia). 2. Resolução 1973 - Responsabilidade de Proteger (Líbia). 3. Direito internacional. 4. Organização das Nações Unidas (ONU) Conselho de Segurança. I. Dallari, Pedro Bohomoletz de Abreu. II. Título. CDD 347.612.

(4) . DEDICATÓRIA. Aos meus pais, Osiris e Lia, responsáveis por tudo o que sou..

(5) . AGRADECIMENTOS Agradeço à Universidade de São Paulo e a seu Instituto de Relações Internacionais, por terem aberto suas portas a mim. Agradeço a meu orientador, professor Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari, por ter-me auxiliado nesta empreitada e por ter-me dado oportunidades que permitiram meu crescimentoprofissional. Agradeço, também, aos professores Arlene Clemesha, Alberto Pfeifer, Ceciclia Baeza, Feliciano Guimarães, Geraldo Adriano Campos, Guilherme Casarões, Hussein Kalout, Paulo Sérgio Pinheiro e Ricardo Sennes, com os quais participei de diversos eventos realizados no Instituto de Relações Internacionais e no Grupo de Análise da Conjuntura Internacional, o que foi crucial não só para minha pesquisa, mas também para minha formação intelectual. Agradeço, em especial, ao professor Álvaro Vasconcelos, com quem convivi intensamente nos anos de 2014 e 2015 e com quem aprendi muito a respeito sobre variados temas, sobretudo o Oriente Médio e os levantes populares nos países árabes em 2011. Junto a ele, bem como aos professores acima referidos, ajudei a realizar o Curso de Introdução Geoestratégica ao Médio Oriente e a conferência internacional intitulada Brazil and the Middle East: Shaping new patterns of connections?, que me foram fundamentais neste período de crescimento interno. Agradeço ao funcionários do Instituto de Relações Internacionais, principalmente a Giselle Castro, a Adriana Castilho, a Cristina Bonavita e a Patrícia Staaks, que muito me ajudaram em diferentes fases desta empreitada..

(6) . RESUMO Este trabalho tem dois grandes objetivos: analisar a intervenção internacional ocorrida na Líbia em 2011 pelas perspectivas do direito internacional e das relações internacionais, e tratar da atual conjuntura do país no pós-intervenção. Quanto ao primeiro objetivo, aborda-se toda a evolução do uso da força no sistema internacional até o desenvolvimento do conceito de Responsabilidade de Proteger, que constitui o ponto de confluência da longa tradição de guerra justa, do adensamento normativo do direito internacional (sobretudo do jus ad bellum e do jus in bello), da ampliação das atribuições do Conselho de Segurança da ONU e das transformações dos conflitos armados. Após, verificam-se as resoluções aprovadas entre fevereiro e outubro de 2011, sobretudo a Resolução 1973, que autorizou o uso da força para a proteção de civis. Passa-se a estabelecer os limites jurídicos do mandato interventor, visando a determinar se as ações dos Estados mandatados se coadunaram com os parâmetros jurídicos existentes. Nesse sentido, recorre-se ao contexto político no Conselho de Segurança da ONU existente na aprovação da Resolução 1973 e no decorrer da intervenção. Conclui-se que a coalition of the willing violou a Resolução 1973 e o direito internacional ao promover mudança de regime, ao fornecer aos rebeldes armamentos ofensivos e treinamento militar, bem como ao coordenar-se com eles, ao bombardear civis, ao rejeitar propostas de paz da União Africana após a proteção a Benghazi e ao procurar derrotar militarmente o regime de Kadafi. Em seguida, estudam-se as políticas externas dos Estados-membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU em 2011, tanto suas diretrizes gerais quanto os objetivos específicos para o Oriente Médio e a Líbia. São analisadas as razões por que Estados Unidos, França e Reino Unido decidiram intervir e por que não houve vetos de Rússia e China. Quanto ao segundo objetivo, estuda-se a atual situação da Líbia, a fim de verificar as principais causas de sua presente instabilidade, bem como os fatores por que Estados mandatados pouco se comprometeram com a reconstrução do país após a intervenção. Apontam-se como fatores de instabilidade a proliferação de grupos armados fora de efetivo controle estatal, fronteiras porosas aliadas a crescimento de tráficos e contrabando, vazio institucional desde a independência, hesitante identidade nacional e constante dicotomia centro-periferia. Iniciativas de reconstrução pós-conflito tampouco constituíram norma jurídica a obrigar os Estados. Alto custo financeiro e político de missões de paz/estabilização (capacetes azuis), a exemplo daquelas no Afeganistão e Iraque, em contexto de crise econômica, falta de apoio popular nos principais Estados mandatados e entre as novas lideranças líbias contribuíram para missão da ONU de baixo perfil. Eventos na Líbia de 2011.

(7) . indicam que intervenções para proteção de civis seguem lógica de maximizar benefícios pretendidos e minimizar custos (Rationality to Protect). Spillover regional da instabilidade e novas intervenções internacionais na Líbia pós-2011 seguido de Mea culpa das principais lideranças dos Estados mandatados. Palavras-chave: Oriente Médio, Líbia, Resolução 1973, Responsabilidade de Proteger, direito internacional, ONU, Conselho de Segurança.

(8) . ABSTRACT This research has two objectives: to analyse the 2011 international intervention in Libya through the lenses of both international law and international relations, and to discuss Libya’s post-intervention political process. Regarding the first objective, the historic evolution of the use of force in international law until the development of the concept of Responsibility to Protect is discussed. Responsibility to Protect is the point into which the long tradition of just war, the development of international law (especially the rules of jus ad bellum and jus in bello), the growing responsibilities of the UN Security Council in the maintenance of world peace and security, and the changing nature of armed conflicts converge. Also, all the resolutions passed by the UN Security Council between February and October 2011 are examined in detail, especially Resolution 1973, which authorised the use of force to protect civilians in Libya, in order to verify if the actions of the states that took part in the intervention were consistent with the existing legal parameters. In this regard, the political context of the UN Security Council when Resolution 1973 was passed and during the intervention is taken into consideration. It is therefore concluded that the coalition of the willing violated Resolution 1973 and international law by promoting regime change, by sending weapons to the rebels, by training and coordinating with them, by bombing civilians, by rejecting the African Union peace overtures after Benghazi was secured, and by pursuing the military defeat of Gaddafi’s forces. Moreover, the foreign policies of the five permanent members of the United Nations Security Council are analysed, including the strategies concerning the Middle East and North Africa, as well as those concerning Libya in 2011. Thus, the motives that led the United States, France, and Great Britain to push for intervention, as well as those that drove Russia and China to abstain, are explained. As for the second objective, the current political situation of Libya is analysed, especially the reasons for its post-intervention instability, as well as the causes of the intervening states’ lack of commitment to post-conflict reconstruction. Libya’s political instability derives mostly from the proliferation of armed groups that are not placed under effective government control, from porous borders, from the growth of human and drug trafficking as well as smuggling routes, from the inexistence of strong state institutions since independence, from a hesitant national identity, and from a constant dichotomy between centre and periphery. Post-conflict reconstruction does not constitute a binding legal obligation. High financial and political costs of peace/stabilisation operations, like those in Afghanistan and Iraq, economic crisis, lack of popular support in the leading members of the coalition of the willing and among new Libyan.

(9) . leaders contributed to a low-key UN mission. Interventions to protect civilians are influenced by political calculations of minimising risks and maximising benefits (Rationality to Protect). Libya’s instability has spread to its neighbours and new international interventions have taken place in the country, as the leaders of the 2011 intervening states have recognised their mistakes. Keywords: Middle East, Libya, Resolution 1973, Responsibility to Protect, international law, UN, Security Council.

(10) . SUMÁRIO INTRODUÇÃO. 11. 1. DIREITO INTERNACIONAL E USO DA FORÇA 1.1. Evolução do uso da força no sistema internacional. 18. 1.1.1 Principais teóricos da guerra justa. 18. 1.1.2 Codificação. 26. 1.1.3 Carta da ONU. 34. 1.2 Responsabilidade de Proteger. 43. 1.2.1 Introdução. 43. 1.2.1.1 Somália. 44. 1.2.1.2 Ruanda. 45. 1.2.1.3 Bósnia e Srebrenica. 47. 1.2.1.4 Kosovo. 49. 1.2.2 International Commission on Intervention and Sovereignty (ICISS) e o Relatório Responsabilidade de Proteger. 50. 1.2.3 ONU e o contexto pré-Responsabilidade de Proteger. 59. 1.2.4 Responsabilidade de Proteger após Relatório do ICISS e ONU. 63. 1.2.5 Juridicidade da Responsabilidade de Proteger. 68. 1.2.6 Visões sobre soberania. 70. 1.3 Conclusões do Capítulo. 72. 2. EVENTOS DE 2011 NA LÍBIA. 75. 3. MARCO JURÍDICO DA INTERVENÇÃO 3.1 Resolução 1970. 92. 3.2. Resolução 1973. 95. 3.3 Resolução 2009. 100. 3.4 Resolução 2016. 102. 4. CUMPRIMENTO DA RESOLUÇÃO 1973 4.1 A quem recaiu o cumprimento da Resolução 1973?. 104. 4.2 Regime change e proteção da população civil. 108. 4.3 População civil. 110. 4.4 Natureza jurídica do conflito. 115. 4.5 Ameaça/ataque. 120. 4.6 Embargo de armas e auxílio aos rebeldes. 123.

(11) . 4.7 Força estrangeira de ocupação. 130. 4.8 Ataques contra Kadafi e centros de comando e controle. 132. 4.9 Interpretação da Resolução 1973 e reações da comunidade internacional. 134. 4.9.1 Membros do Conselho de Segurança da ONU. 143. 4.9.2 Organizações Internacionais. 158. 4.9.3 Relatório do ICISS e regime change. 161. 4.9.4 Imparcialidade das missões de paz. 163. 4.10 O que foi realmente permitido? (conclusão do capítulo). 165. 5. POSIÇÃO DOS CINCO MEMBROS PERMANENTES DO CONSELHO DE SEGURANÇA 5.1 Estados Unidos. 171. 5.2 França. 178. 5.3 Reino Unido. 182. 5.4 Rússia. 187. 5.5 China. 192. 5.6 Conclusões do capítulo. 199. 6. PÓS-INTERVENÇÃO 6.1 Evolução factual desde outubro de 2011. 206. 6.2 Fatores para a atual instabilidade da Líbia. 221. 6.2.1 Grupos armados fora de controle central. 221. 6.2.2 Fronteiras porosas, tráficos, contrabando e instabilidade regional. 224. 6.2.3 Vazio institucional. 226. 6.2.4 Identidade nacional e dicotomia centro x periferia. 230. 6.3 Spillover regional. 232. 6.4 Por que não missão de paz?. 235. 6.4.1 Juridicidade da Responsabilidade de Reconstruir (Responsibility to Rebuild) 237 6.4.2 Por que não houve missão de paz?. 239. 6.5 Rationality to Protect. 241. 6.6 Mea culpa. 245. 6.7 Nova intervenção internacional. 247. 6.8 Conclusões do capítulo. 248. CONCLUSÃO. 251. Referências Bibliográficas. 261.

(12) . 11. INTRODUÇÃO A história recente da Líbia é complexa e repleta de mudanças. Após três décadas de colonização italiana, passou para domínio conjunto de Reino Unido e França para, posteriormente, ter-se tornado Estado independente sob os auspícios da ONU. Nos primeiros decênios de vida independente, a Líbia foi governada por um monarca conservador e austero mas pouco interessado nos assuntos estatais. A descoberta de ricas reservas de petróleo no início da década de 1960 transformou a vida econômica de um país até então empobrecido, pouco desenvolvido e, com exceção da base aéra de Wheelus, sem atrair atenções no jogo geopolítico da Guerra Fria. Em pouco tempo, empresas petroleiras ocidentais passaram a atuar no país, fomentando rápido desenvolvimento do setor de petróleo e gás, e, como resposta às novas descobertas energéticas, abandonou-se o federalismo em favor da adoção de um Estado centralizado. O nacionalismo árabe, cuja liderança máxima era Gamal Abdel Nasser, influenciou decisivamente a juventude da Líbia, dada a grande influência que o Egito exercia no país. A monarquia Senussi, desgastada pela crescente corrupção de suas lideranças e pela crônica falta de liderança do rei, não logrou aderir à onda nacionalista, nem ao menos controlá-la. Por essa razão, o levante militar de 1o. de setembro de 1969, embora arquitetado e conduzido pela baixa patente de um Exército Nacional ainda em formação, foi bem-sucedido em, rapidamente, abolir a monarquia e instituir um regime republicano cuja feição era declaradamente nasserista. Em poucos anos, do grupo de oficiais se consolidaria a figura de Muammar Kadafi como líder revolucionário máximo. Em sintonia com a conjuntura política do mundo árabe, Kadafi estatizou o setor petrolífero, fechou a base aérea de Wheelus aos norteamericanos e passou a defender, mais decididamente, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) contra Israel, à época uma causa ainda a unificar os árabes. As riquezas oriundas do petróleo permitiram ao regime de Kadafi investir maciçamente em educação, saúde e moradia para uma população que, embora pequena, fez em poucos decênios a transição do meio rural para o urbano. Esses abundantes recursos permitiram-lhe consolidar seu poder em meio às diferentes regiões, principalmente Tripolitânia e Cirenaica, e às numerosas tribos, sem que.

(13) . 12. instituições nacionais se consolidassem. A Jamahiriyya, traduzida como o “governo das massas”, pressupunha uma sociedade sem Estado, em que o povo se governaria, e Kadafi sequer ocuparia um cargo formal. Além disso, os excedentes do petróleo propiciaram-lhe. uma. agenda. internacional. deveras. ativa. –. autointitulada. revolucionária –, pela qual a liderança de Kadafi serviria de referência e de centro apoiador de variados movimentos revolucionários no Oriente Médio, no continente africano e na Europa. A Líbia apoiou, via fornecimento de armas, recursos financeiros e treinamento, movimentos palestinos, como o grupo de Abu Nidal, o Irish Republican Army (IRA), e o National African Congress (NAC), de Nelson Mandela. Talvez em nenhuma outra época a Líbia iria ocupar lugar privilegiado na política internacional do que nos anos 1980. No continente africano, Kadafi iniciou uma guerra contra o Chade pelo controle da Faixa de Aouzou, conflito conhecido como “a guerra dos Toyotas”, na medida em que foram usadas picapes da marca japonesa para deslocamento mais rápido e flexível no deserto. Nesse sentido, Estados Unidos e França foram fundamentais no apoio dado ao regime de Hissène Habré, entre 1982 e 1990, contra a Líbia. No entanto, ao menos dois eventos marcaram decisivamente a confrontação entre Líbia e Estados Unidos. Em 1986, um atentado numa discoteca em Berlim Ocidental vitimou dois soldados norte-americanos e feriu mais de duas dezenas de frequentadores do local. Em retaliação às supostas ligações do regime líbio com o atentado, o então presidente Ronald Reagan ordenou bombardeios contra Trípoli e Benghazi (Operation El Dorado), os quais chegaram a vitimar uma das filhas de Kadafi. Em 1988, uma bomba colocada no voo 103 da PanAm, que sobrevoava a cidade de Lockerbie, na Escócia, matou 270 pessoas, a maioria das quais cidadãos norte-americanos; e, em 1989, ato semelhante derrubou o voo 772 da companhia francesa UTA, vitimando todos os passageiros a bordo. Igualmente, esses dois atentados foram atribuídos ao regime de Kadafi, apesar de ainda haver suspeitas de que os regimes sírio e iraniano terem sido os verdadeiros responsáveis1. De todo modo, por essas razões, Kadafi ficou conhecido como o “cachorro louco do Oriente Médio”, segundo palavras de Ronald Reagan. 1 FISK,. R. Do you know the truth about Lockerbie? The Independent, Londres. 12.out.2007. Disponível em: <http://www.independent.co.uk/voices/commentators/fisk/robert-fisk-do-youknow-the-truth-about-lockerbie-396765.html>, e FISK, R. Remember the civilian victims of past ‘allied’ bombing campaigns. The Independent, Londres. 20.mar.2011. Disponível em:<http://www.independent.co.uk/voices/commentators/fisk/robert-fisk-remember-thecivilian-victims-of-past-allied-bombing-campaigns-2247757.html>, acessos em 27/11/2016. Ver.

(14) . 13. A década de 1990 significou o retraimento das intenções internacionais de Kadafi, na medida em que a baixa dos preços internacionais do petróleo, as sanções da ONU impostas em 1992 e o fim da bipolaridade sistêmica da Guerra Fria minaram as bases daquela atuação internacional. Além desses fatores, Kadafi passaria a enfrentar uma ameaça comum aos regimes da região: o crescimento do islã político, sobretudo dos grupos fundamentalistas veteranos da guerra contra os soviéticos no Afeganistão e da guerra civil na Argélia. Na Líbia, a principal ameaça a Kadafi viria do Libyan Islamic Fighting Group (LIFG), liderado por Abdelhakim Belhadj. No entanto, esse grupo foi derrotado militarmente, e sua liderança, presa. No ano de 1996, aconteceria um dos eventos que ecoaria em 2011, compondo o contexto político que desencadeou a rebelião contra o regime. Uma rebelião no presídio de Abu Salim, em Trípoli, comandada por muitos dos membros do LIFG, foi reprimida com indistinta violência pelas forças policiais. O evento tornou-se uma constante na política interna da Líbia até os eventos de fevereiro de 2011, pelo menos. Esse isolamento internacional do regime de Kadafi durante a década de 1990 resultou em duas substantivas alterações de política externa da Líbia. Por um lado, o isolamento em relação ao mundo árabe fez com que Kadafi se voltasse para a África Subsaariana, de modo que a criação da União Africana, no início deste século, contou em grande medida com o apoio financeiro da Líbia como forma de ampliar a rede de relacionamento diplomático do país; por outro, Kadafi procurou aproximar-se de Europa e Estados Unidos, como forma de obter a revogação das sanções unilaterais e multilaterais impostas e, assim, conseguir renovar o setor de petróleo e gás, particularmente afetado por essas medidas. Esse processo de reaproximação com o Ocidente hegemônico teve como elementos principais a indenização às famílias das vítimas do atentado de Lockerbie, a entrega de seus possíveis autores, a desistência do programa nuclear do regime e a libertação das enfermeiras búlgaras envolvidas em caso de infecção alegadamente proposital de crianças líbias com o vírus HIV. O contexto internacional após os atentados de 11 de setembro de 2001 apenas potencializou a convergência entre o regime de Kadafi, em processo de reformas também o documentário de Adam Curtis para a BBC chamado “Hypernormalisation”, o qual trata dos motivos por que se preferiu apontar o regime de Kadafi como o responsável por esses três atentados terroristas..

(15) . 14. internas e de mudanças na inserção internacional da Líbia, e os Estados Unidos, à busca de parceiros no Oriente Médio e no Norte da África na luta contra o terrorismo internacional da Al Qaeda. Até 2011, a Líbia foi considerado um caso de sucesso de conversão de regime (MARTINEZ, 2007). Antigo antagonista, Kadafi permitiu a entrada de empresas europeias e norte-americanas para explorarem o petróleo e o gás natural do país, converteu-se em relevante investidor internacional principalmente nos países europeus – mediante o fundo soberano nacional, Libyan Investment Authority, – e consolidou-se como parceiro na repressão aos grupos fundamentalistas islâmicos. Os grandes símbolos dessa reconversão da Líbia foram a visita de Kadafi a Paris, em 2007, quando o governo Sarkozy o autorizou a instalar sua tenda nos jardins do Hotel Marigny, e a ida de seu filho Saif Al-Islam à London School of Economics para cursar doutorado, cujo centro para governança global recebeu £300.000 de doação da Gaddafi International Charity and Development Foundation e cujo braço comercial assinou contrato com o governo líbio no valor de £2,2 milhões para treinar servidores públicos. Ainda, o regime de Kadafi ficou conhecido pelo sucesso do programa de “desradicalização” de antigos membros do LIFG, a exemplo de seu líder, Abdelhakim Belhadj. Não obstante, com o início da chamada Primavera Árabe, houve repentina mudança das políticas externas das principais lideranças ocidentais da intervenção: Estados Unidos, França e Reino Unido, todos até então aliados próximos de Kadafi. Contrariamente aos casos do Kosovo em 1999 e do Iraque em 2003, a intervenção na Líbia de 2011 foi devida e previamente autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU, por meio da Resolução 1973. Dessa forma, seria possível argumentar, pelo menos em princípio, que o direito internacional saiu fortalecido desse episódio, se comparado àqueles recentes exemplos históricos. No entanto, entre os Estados que se abstiveram na votação, e inclusive um dos que votou a favor, a África do Sul, houve importantes críticas a respeito das ações que levaram à queda de Kadafi, a qual não estaria autorizado pela aludida resolução. De qualquer modo, nos meses que se seguiram à queda e morte de Kadafi, uma narrativa triunfalista a respeito da intervenção internacional tornou-se predominante, sobretudo no sentido de que se havia produzido um modelo ideal de intervenção. Segundo essa visão otimista, evitou-se, mediante autorização do Conselho de.

(16) . 15. Segurança da ONU, o cometimento de atrocidades semelhantes àquelas de Ruanda, Bósnia, Somália e Kosovo na década de 1990, e promoveu-se, com amplo apoio popular e regional, a substituição de um regime autoritário e despótico e o avanço de uma agenda democrática, sem que as operações militares fossem seguidas de custosas, em termos operacionais, financeiros e humanos, ocupações, a exemplo de Afeganistão e Iraque (LYNCH, 2011) (ZAKARIA, 2011) (DAALDER; STAVRIDIS, 2012). Ademais, com a instalação de um novo regime e a realização da primeira eleição parlamentar desde a década de 1960, acreditava-se na real possibilidade de a Líbia tornar-se um país cujo sistema político seria condizente com as legítimas aspirações dos povos árabes. Todavia, desde 2013, a Líbia tem enfrentado grave conjuntura de instabilidade, com confrontação armada entre diferentes milícias, aumento do contrabando, da criminalidade e do tráfico de drogas e de pessoas, principalmente refugiados da África Subsaariana em direção à Europa e de disputa pelo controle das instalações de petróleo e gás. A contínua fragmentação institucional, na medida em que há três governos a pleitear o comando do país, tem impedido que esses desafios sejam adequadamente enfrentados. Ademais, esse instável contexto nacional acabou por afetar países no entorno regional da Líbia, entre os quais se destacam o Mali e a Tunísia. Em 2015, com o controle exercido pelo autointitulado Estado Islâmico (Daesh) da região do Golfo de Sirte, os principais Estados da coalition of the willing de 2011 voltaram a intervir militarmente na Líbia, a fim de impedir que essa organização terrorista expandisse seus domínios. Por conseguinte, em menos de uma década, o que era visto como um novo e bem-sucedido modelo de intervenção internacional – aliás, a primeira a atuar em meio a uma guerra civil e a mudar seus rumos em favor dos rebeldes –, deu lugar a mais uma fracassada ação militar das potências ocidentais no Oriente Médio e Norte da África, com efeitos desestabilizadores para toda a região. Diante disso, é fundamental analisar em detalhe as ações dos Estados da coalizão internacional, a fim de determinar quais delas se coadunaram com o mandato internacional, principalmente a Resolução 1973, bem como com as demais normas de direito internacional e quais delas representaram, eventualmente, violações. Ademais,.

(17) . 16. essas ações somente podem ser melhor compreendidas diante dos interesses estratégicos e das percepções dos cinco membros permanente do Conselho de Segurança, em especial as razões que levaram a inédito consenso. É igualmente importante estudar a presente situação da Líbia, mais de cinco anos após a intervenção, de modo a identificar os fatores que levaram ao presente contexto de instabilidade e de novas intervenções internacionais. Esses são, portanto, os objetivos desta dissertação. Para tanto, este trabalho está dividido em seis capítulos. No primeiro, é tratada a evolução do direito internacional relativamente ao uso da força, desde as teorias da guerra justa, passando pelo período das grandes convenções europeias de direito internacional humanitário, que tiveram como centro geográfico a cidade de Genebra e, em menor medida, Haia, até o advento da Carta da ONU, em 1945, das Convenções de Genebra de 1949 e Protocolos Adicionais de 1977. Outrossim, são abordadas as transformações ocorridas desde a década de 1990, até o surgimento do conceito de Responsabilidade de Proteger e sua aceitação pela comunidade internacional. O segundo e o terceiro capítulos têm escopo eminentemente descritivo, o que, de modo algum, lhes retira importância para este trabalho, na medida em que servem de suporte para as análises seguintes. O segundo capítulo contém um relato objetivo e factual dos principais eventos da intervenção internacional de 2011 na Líbia, ao passo que o terceiro apresenta, em detalhes, o marco jurídico dessa intervenção, composto de quatro resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Retomando propriamente o primeiro objetivo deste trabalho, no quarto capítulo são estudados os parâmetros jurídicos da aludida intervenção internacional, a fim de verificar se e em que medida as ações dos Estados mandatados se coadunaram com o direito internacional. Já o quinto capítulo trata das políticas externas dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, tanto suas diretrizes gerais quanto os objetivos específicos para o Oriente Médio e Norte da África e a Líbia, incluindo as percepções diante da chamada Primavera Árabe. Dessa maneira, são analisadas as razões por que Estados Unidos, França e Reino Unido decidiram intervir e por que não houve vetos de Rússia e China. Já o sexto capítulo refere-se ao segundo objetivo deste estudo, a evolução da Líbia no pós-intervenção. Nesse sentido, abordam-se os.

(18) . 17. fatores chamados de conjunturais e estruturais da instabilidade do país, que começou a intensificar-se sobremaneira a partir de 2013, bem como as consequências para seu entorno regional..

(19) . 18. 1. DIREITO INTERNACIONAL E USO DA FORÇA 1.1 Evolução do uso da força no sistema internacional Nesta parte, tratamos do longo histórico do que, hodiernamente, é conhecido como o uso da força no sistema internacional, incluindo-se as circunstâncias do recurso a ela, bem como a maneira de conduzi-la (direito internacional humanitário). Em outras palavras, é o que se consagrou na tradição jurídica como jus ad bellum e jus in bello, respectivamente (DINSTEIN, 2005). Em termos corriqueiros e não jurídicos, trata-se de tudo aquilo que se refere à guerra. No direito internacional, consolidou-se a noção de que existem apenas dois estados no sistema internacional: a guerra e a paz, não havendo categorias híbridas ou intermediárias (DINSTEIN, 2005). Atualmente, os principais parâmetros do jus ad bellum e do jus in bello estão presentes na Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), nas Convenções de Genebra de 1949 e nos respectivos Protocolos Adicionais de 1977. 1.1.1. Principais teóricos da guerra justa Inicialmente, cabe esclarecer o conceito de guerra justa. Segundo Walzer (2006), atualmente um dos principais teóricos desse tema2, nenhum governo envia jovens indivíduos para matar e morrer sem oferecer alguma justificativa para o que farão3. Assim, a teoria da guerra justa significa uma discussão a respeito de quais justificativas são plausíveis e de como os cidadãos julgam o que os governos fazem quando estes iniciam uma guerra4. Para Casella (2012, p. 274): “normalmente, é preciso catalisar as energias dos homens, para os fazer matar. [...] mas sempre houve e haverá a utilização corrente, por vezes excessiva, de abstrações mobilizadoras – luta-se (e morre-se) pela pátria, pela defesa da fé, dos valores da tradição ocidental (ou de outra), da família. Importa menos o que se ponha como conteúdo do que o efeito que possa ter o discurso sobre a ação dos homens, 2 WALZER, Michael, “Just and Unjust Wars – A Moral Argument with Historical Illustrations”,. Basic Books, Fourth Edition, New York, 2006. Michael Walzer on Just War Theory. The Big Think. 29.ago.2011. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=LcBovmGZSPU>, acesso em 05/01/2017.“No government will send young men into battle to kill and be killed without offering some justification for what they are doing”. 4 Ibid., “Just war theory is an argument about what justifications make sense, what are the plausible justifications, and how do we as citizens judge what governments do when they go to war”. 3.

(20) . 19. para os induzir a tomar armas, e matar seus semelhantes e destruir recursos naturais e patrimônio arquitetônico e cultural de outros, acreditando – ou ao menos, alegando – que o fazem por causa justa. Em guerra ‘justa’... e por vezes se chega ao paroxismo de pretender que determinada guerra seja ‘santa’ – a pior das contradições possíveis”. De modo geral, questões relativas ao recurso à guerra, aqui entendido como sinônimo de uso da força, podem ser encontradas em fontes não jurídicas, especialmente textos sagrados, como, por exemplo, a Bíblia Sagrada – em ambos os testamentos – o Mahabharata, o Livro de Tao e o Alcorão (OREND, 2013). Ocorre que, no direito internacional, se costuma recorrer à Antiguidade Clássica como marco inicial para as discussões acerca da guerra e de sua relação com o direito. Nesse sentido, tratar dos primórdios do uso da força como fenômeno jurídico equivale a abordar a doutrina de guerra justa (DIXON, 2013). Como se demonstrará, há um contínuo de quase dois milênios, em que cada teórico avança em suas proposições, e seus sucessores, conquanto distantes geográfica e temporalmente, retomam as ideias pretéritas, desenvolvendo as formulações teóricas, embora não seja raro haver rompimentos com paradigmas anteriores. Trata-se, ademais, de um conceito essencialmente secular, já que não se recorre diretamente às escrituras sagradas para julgar os motivos da guerra (OREND, 2013). O primeiro grande pensador a teorizar a respeito da guerra foi Aristóteles. Segundo ele (ARISTÓTELES, 2015), um conflito militar seria justificável em três situações: (i) defesa da própria sobrevivência da polis, quando atacada; (ii) conquista imperial ou guerra ofensiva, desde que beneficiasse os cidadãos da polis e até os conquistados e, se bem-sucedida a campanha militar, o império resultante não fosse vasto e poderoso o suficiente para provocar novos conflitos por aqueles que fossem ameaçados; (iii) captura de escravos, quando oriundos de povos bárbaros e “naturalmente” propícios para o trabalho cativo. Embora não seja escopo deste trabalho analisar em detalhes a vasta obra de Aristóteles, cabe esclarecer que, para ele, o ser humano é um “animal político” (Zoon Politikon) que vive em comunidade, realizando-se inteiramente na polis. Nesse sentido, o objetivo desta é servir à boa vida de seus membros. Para muitos, essa proposição encerra uma ideia de cosmopolitismo, contrapondo-se à tradicional distinção entre gregos e bárbaros (BROWN; NARDIN; RENGGER, 2002), muito cara aos povos helênicos. Assim, o filósofo criticava as.

(21) . 20. tendências dominadoras e expansionistas de muitos povos – como os espartanos –, as quais poderiam resultar em negação da liberdade e da condição humana dos conquistados (BROWN; NARDIN; RENGGER, 2002). Entretanto, há quem defenda que os gregos dessa época, de modo geral, não vislumbravam limitações quanto ao momento de recorrer à guerra, apenas ao modo de conduzi-la (DELAHUNTY; YOO, 2012). Ainda, há quem argumente que, nos conflitos contra os povos dito bárbaros, os gregos não se limitavam a nenhuma obrigação moral ou legal, tanto nas hipóteses de uso da força quanto na maneira de a efetivar (BALLIS, 1937). Alguns séculos mais tarde, Marco Túlio Cícero, um dos maiores oradores e estadistas da República Romana, avançou na elaboração do conceito de guerra justa, ao propor que o recurso às armas deveria originar-se de uma autoridade competente para tanto e que fosse precedido de uma declaração pública. Nesse sentido, verifica-se a gênese da ideia de “último recurso” (last resort) antes de socorrer-se de medida de força militar. Relativamente a Aristóteles, embora Cícero também confirme a noção de legítima defesa – algo que se perpetuará até atualmente no direito internacional –, ele rejeita as guerras com o objetivo de captura de escravos. Posteriormente, à medida que a sociedade romana desenvolvia seu pensamento jurídico, foram adicionadas outras causas a justificar o recurso às armas (BULL; KINGSBURY; ROBERTS, 1989): (i) violações contra as fronteiras romanas; (ii) violações direcionadas contra as pessoas dos embaixadores romanos; (iii) não cumprimento de tratados assinados com Roma; (iv) apoio dado aos inimigos do império. Trata-se do que os romanos chamaram de jus fetiale, que congregava todas as normas romanas relativas à condução das guerras. Ainda sob os auspícios de Roma, mas já durante sua decadência, destaca-se o mais importante teórico da guerra justa até então, Agostinho de Hipona, ou Santo Agostinho, responsável por sintetizar o pensamento de seus antecessores pré-cristãos. Na verdade, o primeiro filósofo cristão não pretendia estabelecer parâmetros legais para o exercício da força militar, mas apenas um guia ético para os cristãos no caso de serem convocados para guerrearem em nome dos Césares (MATTOX, 2006), neste momento já convertidos à nova fé. Ademais, ele criou duas noções que passaram a ser repetidas por seus sucessores teóricos. Pela primeira, só existe justa causa a uma guerra se houver uma injustiça prévia cometida contra determinada coletividade. A.

(22) . 21. segunda, por sua vez, refere-se ao princípio da intenção correta/justa (right intention), pela qual a motivação interna de quem recorre ao uso da força deve ser também justa. Ainda, conquanto seja correto considerar que Agostinho de Hipona tenha conseguido estabelecer distinções entre o direito de recorrer à guerra (jus ad bellum) e aquele de como portar-se quando ela ocorrer (jus in bello), à sua época essa importante divisão ainda não se consolidara inteiramente (MATTOX, 2016). De qualquer modo, ele conferiu maior ênfase a temas mais afeitos ao jus ad bellum e defendeu, acima de tudo, que o emprego da violência armada deve ser realizado de uma maneira justa (MATTOX, 2016). Dessa maneira, admite-se que a gênese da doutrina de guerra justa decorre desses três pensadores (OREND, 2013), feita a ressalva de que Agostinho de Hipona foi o grande sintetizador da tradição iniciada por Aristóteles e complementada por Cícero. Posteriormente, o próximo teórico de importância foi o frade dominicano Tomás de Aquino, durante a Baixa Idade Média. A essa época, em primeiro lugar, já se havia consolidado a distinção entre jus ad bellum – prévio cometimento de injúria, intenção correta/justa em responder a esta, declaração prévia e respeito a regras de cunho procedimental – e jus in bello – não cometer violência contra não combatente (princípio da discriminação), nem contra oponente quando se negociam saídas para o conflito e intenção correta/justa na condução das hostilidades (OREND, 2013). No entanto, a contribuição dele reside principalmente em duas criações teóricas: (i) com relação ao princípio da autoridade competente, Aquino entendeu-a como aquela dotada de legitimidade política, a qual ordena a sociedade e trabalha para o bem comum; (ii) a doutrina do duplo efeito – quando uma ação que tem resultados bons e ruins pode ser moralmente justificável – cuja importância se verifica no exercício da legítima defesa, a exemplo da necessidade, defendida por Tomás de Aquino, de a reação ser proporcional e suficiente para repelir o ataque injusto (MCINTIRE, 2014). Por fim, não se pode olvidar que este filósofo se insere em larga tradição de teólogos medievais, para quem o direito tem como função buscar a Justiça, virtude moral maior, embora ambos não se confundem. Disso decorre que só uma das partes envolvidas numa guerra pode ter justa causa e que a guerra é, em si, um instrumento da Justiça (BALLIS, 1937)..

(23) . 22. Em meados do século XVI, no contexto da colonização ibérica do “Novo Mundo”, é na Universidade de Salamanca que se destacou o trabalho de Francisco de Vitoria. Trata-se, com efeito, de um dos fundadores do direito internacional moderno, para quem o direito das gentes é formado por normas estabelecidas pela razão natural, cujos destinatários são as nações, o que exprime uma ideia de interdependência (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2009). O teólogo espanhol inovou, ademais, ao propor que os povos não cristãos da América recém-descoberta também se inseriam no contexto do jus ad bellum, isto é, só haveria justa causa para sofrerem uso da força militar, caso tivessem cometido algum ato interpretado como injúria. Ainda, o teólogo reconheceu aos indígenas o dom da razão e, pois, o direito de posse sobre suas terras. Francisco de Vitoria enumerou sete condições que excluíam justa causa para a conquista dos povos ameríndios e dezessete que a justificariam (LOMELÍ, 2002). Por fim, ele é um dos últimos representantes de um pensamento jurídico ainda largamente influenciado pela tradição escolástica medievalista, mas antecipa, em certa medida, a tendência vindoura de progressiva secularização do direito. No século seguinte, apesar da existência de muitos juristas de renome, deve-se conferir maior destaque à obra de Hugo Grócio. Para ele, o direito natural tem importância decisiva na sociedade internacional, uma vez que encerra um conjunto de normas morais que se aplica a todos os seres racionais. Dessa forma, como estados são uma coletividade de indivíduos racionais, essas normas também se lhes aplicam (BULL; KINGSBURY; ROBERTS, 1989). Ademais, ele contribuiu para o desenvolvimento do caráter secular e racionalista do direito internacional, ao defender a relativização de preceitos teológicos e a irrelevância do direito divino (SHAW, 2008). Quanto à guerra, Grócio, reconhecendo sua realidade no sistema internacional, interpretou-a como uma categoria jurídica própria, tendo estabelecido parâmetros precisos de jus ad bellum, como: (i) resposta a uma injúria, atual ou como ameaça potencial, mas jamais como “prevenção”; (ii) a cobrança do que é legalmente devido ao Estado injustamente atacado; (iii) punição ao Estado injuriante (BULL; KINGSBURY; ROBERTS, 1989). Ainda, o uso da força, nas hipóteses acima apresentadas, seria juridicamente válido após o esgotamento de procedimentos.

(24) . 23. judiciais, semelhantes àqueles entre indivíduos em um Estado5. Nesse sentido, para Grócio, dá-se lugar à guerra, quando procedimentos judiciais pacíficos falham (BULL; KINGSBURY; ROBERTS, 1989). Ademais, reconhecida a legalidade de um conflito militar – aqui entendido não só como legal, mas também como justo –, ele elaborou uma série de consequências jurídicas práticas, decorrentes da doutrina de “neutralidade qualificada”. 6. (BULL; KINGSBURY; ROBERTS, 1989). Como. exemplo, um Estado com justa causa poderia punir terceiros que comercializassem com o Estado agressor; direito de terceiros auxiliarem esforço de guerra do Estado com justa causa; direito de passagem inocente àquele com justa causa (BULL; KINGSBURY; ROBERTS, 1989). Hugo Grócio, no entanto, não logrou desenvolver teoria de igual profundidade jurídica no que se refere ao jus in bello. Na verdade, ele propôs que as hostilidades fossem conduzidas de maneira moderada, prudente, o que ficou conhecido como temperamenta belli. Ocorre que a essa formulação não foi conferido um status jurídico, mas apenas honorário, moral, o que pode ser visto como uma concessão implícita às práticas cometidas na Guerra dos Trinta Anos, fonte de inspiração da teoria grociana de guerra justa (BULL; KINGSBURY; ROBERTS, 1989). Contemporâneo ao jurista holandês, o alemão Samuel Pufendorf foi outro teórico da guerra justa. Assim como para Grócio, Pufendorf entendia que os Estados estavam submetidos ao direito natural e que a guerra era uma categoria legal a ser aplicada entre Estados soberanos, dependente da ocorrência de hipóteses de justa causa para ter validade jurídica e moral e de declaração prévia de autoridade competente. Ainda, para o jurista alemão, havia duas categorias de guerra justa: defensiva e ofensiva (BALLIS, 1937). Pela primeira, defendiam-se necessariamente pessoas e propriedades. Pela segunda, o Estado procurava defender direitos ignorados ou violados, bem como obter reparação de danos injustamente causados. Caso existissem dúvidas acerca da justiça da causa invocada, por ignorância ou negligência, Pufendorf defendia o recurso a métodos de solução pacífica, como mediação ou arbitragem (BALLIS, 1937). Por fim, ele também preconizava que a justa causa, para 5Isso ilustra uma teorização recente da ideia de last resort, inicialmente formulada por Marco. Túlio Cícero, a qual, como se vê, transcendeu os séculos.. 6 Ibid, p. 196. Traduzido do inglês, qualified neutrality..

(25) . 24. ser válida, dependia de prévio recurso a solução pacífica, de modo que o uso imediato da força indicava a ausência de justa causa (BALLIS, 1937). No decorrer do século XVII, sob influência da doutrina de razão de Estado (raison d’état), incialmente formulada como tal por Giovanni Botero e posta em prática pelo Cardeal Richelieu como principal ministro do rei Luís XIII, a qual ecoava o pensamento político do século anterior, a exemplo de Nicolau Maquiavel e Jean Bodin, passou-se progressivamente a interpretar as decisões estatais como não submetidas a controles jurídicos internos, de forma a melhor defender os chamados “interesses nacionais”, representados e conduzidos pelo soberano. Na melhor das hipóteses, o soberano somente se submeteria às leis de Deus e da Natureza, como defendia Jean Bodin (BODIN, 1993). Paralelamente a essa noção, passou-se a desenvolver a doutrina de “equilíbrio de poder”, pela qual as múltiplas soberanias europeias não mais buscariam a formação de uma monarquia universal e católica, como pretendiam os Habsburgos, o que, em princípio, poderia conter conflitos semelhantes àquele da Guerra dos Trinta Anos (KISSINGER, 1994). Dessa maneira, enquanto muitos pensadores pertencentes ao campo atualmente chamado de Ciência Política teorizavam acerca de prerrogativas estatais ilimitadas, juristas como Hugo Grócio e Samuel Pufendorf, como vimos, lançavam bases teóricas para a limitação dos Estados no sistema internacional. Para o que importa a este trabalho, a corrente de pensamento político identificada pela razão de Estado teve como resultado a normalidade da guerra como instrumento legítimo da política dos Estados, independentemente de questões morais e legais, o que ia de encontro ao legado da teoria da guerra justa. Os juristas acima tratados, Grócio e Pufendorf, ainda estavam muito atrelados a uma perspectiva jusnaturalista, pela qual se enfatizava a limitação dos Estados perante o direito natural. No entanto, paralelamente a eles, passam a surgir juristas que pensam o direito internacional por meio de uma vertente que, futuramente, veio a identificar-se como positivista. Isto é, não se preocupavam com postulados teóricos decorrentes de formulações absolutas e abstratas, uma vez que se dedicavam a estudar eventos concretos, utilizando o método empírico. Dessa forma, ao analisar a realidade empírica, tratariam de testar hipóteses e, posteriormente, formular uma teoria. No que se refere à realidade europeia dos séculos XVII e XVIII, o foco principal de estudo.

(26) . 25. para essa vertente foi a prática havida entre os Estados, sobretudo os tratados e os costumes internacionais. Os primeiros expoentes do positivismo jurídico em direito internacional foram Richard Zouche e Cornelius Van Bynkershoek (SHAW, 2008). Como resultado, mais importante do que as razões para o recurso às armas, o crucial para o positivismo jurídico era identificar se um estado de guerra de fato existia, de modo a delimitar suas consequências jurídicas para os beligerantes e para os neutros. No pensamento sobre guerra justa do século XVIII, destaca-se Emmerich de Vattel. Para ele, além do status jurídico da guerra, do prévio cometimento de injúria para a existência de justa causa e da divisão da guerra justa entre aquelas ofensivas – ideia de imposição ou proteção de direitos – e defensivas, existiam três motivos sem os quais a ocorrência de justa causa não resultaria em guerra justa: utilidade, sabedoria e prudência (BALLIS, 1937). Nesse sentido, Vattel propõe que o motivo do soberano para recorrer ao uso da força deve, acima de tudo, relacionar-se com o bemestar do Estado, não com fatores individuais ou facciosos (BALLIS, 1937), o que evidencia uma adaptação da razão de Estado ao papel limitador do Direito. Ademais, fazendo referência a Grócio e Pufendorf quanto ao emprego de métodos de solução pacífica, uma guerra poderia ser justa mesmo quando o oponente tivesse, a princípio, justa causa. Trata-se da hipótese de este tentar dar início às hostilidades sem antes buscar uma paz negociada, o que exprime formulação própria da last resort. Por fim, Vattel teorizou sobre a possibilidade de ameaça de injúria por um ou mais Estados. De modo geral, o fortalecimento de um vizinho poderia configurar justa causa quando combinado com manifestações de ambição, injustiça e pretensões expansionistas (BALLIS, 1937), o que exprime uma preocupação com o equilíbrio de poder, tema central das relações internacionais europeias já à época do autor e principalmente no século XIX. Por último, entre os grandes pensadores do século XVIII, a vanguarda do Iluminismo, pode-se destacar Immanuel Kant. Na verdade, é controverso que ele de fato tenha sido um teórico da guerra justa. Para Orend (2013) e Shell (2009), dois dos principais defensores da teoria da guerra justa na atualidade, embora Kant tenha de fato se afastado da tradição dos juristas acima citados, ele tem um importante legado, sobretudo no que se refere a um aspecto sequer mencionado por seus antecessores: o jus post bellum. Nesse sentido, segundo Orend (2013), Kant preocupou-se com justiça.

(27) . 26. dos tratados de paz, de modo a não perpetuar as causas da guerra e defendeu a adoção de regimes representativos e do livre-comércio, elementos indispensáveis de sua proposta cosmopolita. Por outro lado, de acordo com Williams (2012), Kant não foi propriamente um teórico da guerra justa, tendo inclusive criticado Grócio, Vattel e Pufendorf como “incômodos consoladores”, porquanto para o iluminista alemão a guerra, malgrado seja indissociável da experiência humana, se assemelha a uma doença, a uma patologia do comportamento humano7. Por essa razão, não haveria por que atribuir características de justiça e de legalidade a um fenômeno dessa natureza. Segundo Williams (2012), Kant propunha a criação de um direito internacional baseado em um sistema que mantivesse a paz, ao invés de regular o fenômeno da guerra e vislumbrava cenários específicos em que a guerra poderia ocorrer, como quando do colapso das estruturas internas de poder de determinado Estado, ou como maneira de resolver determinadas disputas entre Estados (doctrine of right). No entanto, Williams (2012) conclui, ao final, que Kant de modo algum intentou criar um arcabouço jurídico dentro do qual a guerra seria juridicamente válida, uma vez que sua ocorrência seria indicativo de que a ordem jurídica internacional teria perdido sua verve legal e legítima. 1.1.2. Codificação No decorrer do século XVIII e no início do século XIX, o continente europeu foi palco de constantes guerras, sobretudo entre França e Reino Unido, que conseguiram, por meio de alianças, trazer para os conflitos outros Estados, como por exemplo, Espanha, aliada dos franceses, e Portugal, dos britânicos. Nessa época, os soberanos europeus, progressivamente, incorporaram como prática estatal o precedente inaugurado por Richelieu (KISSINGER, 1994). Em vez de tornar a Europa mais pacífica, o resultado foi o inverso, na medida em que a segurança nacional era interpretada como expansão territorial às custas do Estado visto como antagônico. Nos anos de 1700, o continente europeu foi afetado por guerras de sucessão dos tronos espanhol, polonês e austríaco, sem mencionar a Guerra dos Sete Anos (17581765) entre França e Reino Unido, a qual teve repercussões até no continente 7 WILLIAMS,. Howard, “Kant and the End of War – A Critique of Just War Theory”, Palgrave Macmillan, Hampshire, 2012, p. 43/44, 167. Essa expressão foi grafada em inglês como “sorry comforters”. A versão em português foi retirada de MOURÃO, Artur (trad.), KANT, Immanuel. A Paz Perpétua. Um Projecto Filosófico, LusoSofia, Covilhã, 2008. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/kant_immanuel_paz_perpetua.pdf>. Acesso em 04/01/2017..

(28) . 27. americano (KISSINGER, 1994). O auge dessa conjuntura foi certamente o período das guerras napoleônicas, quando a França tentou tornar-se o polo hegemônico da Europa, provocando a reação contrária das principais potências europeias. Após 1815, com o Congresso de Viena, a razão de Estado dos múltiplos soberanos foi ponderada pelo exercício da hegemonia coletiva das grandes potências – Áustria, França, Prússia, Reino Unido e Rússia –, as quais se comprometiam com a manutenção do equilíbrio de poder em termos sistêmicos (SARAIVA, 2008). Curiosamente, embora se afirme que o legado do Congresso de Viena foi duradouro, porquanto se logrou evitar a ocorrência de guerra sistêmica por cem anos – e, nesse sentido, inegavelmente o foi8 –, os conflitos militares não deixaram de ocorrer, como atestam, por exemplo, as revoluções liberais em Espanha e Portugal9, na. década. de. 1820,. a. Guerra. da. Crimeia. (1853-56),. as. guerras. de. independência/unificação da Itália, o Risorgimento (1848-1866), e as guerras de unificação da Alemanha (1864-1871). Esses episódios confirmam que o uso da força se tornara uma realidade incontornável do sistema e do direito internacionais, o que permitiu o surgimento dos primeiros tratados a regulamentar a guerra, sobretudo quanto à maneira de conduzi-la (jus in bello). Ademais, sintomático desse processo de legitimação da guerra como instrumento da política externa dos Estados modernos, fora de qualquer influência de concepções morais/religiosas e jusnaturalistas, foi a proposição de Carl von Clausewitz. Para ele, a guerra nada mais seria do que um instrumento da política, um recurso à força para obrigar o inimigo a submeter-se à vontade de quem assim o considera (CLAUSEWITZ, 1984). Portanto, nas relações políticas entre os Estados, a guerra constitui uma das possíveis arenas em que essas relações ocorrem. É mais precisamente no período entre 1850-1914 que os princípios gerais da teoria da guerra justa, conforme se descreveu acima, foram positivados por meio de tratados (OREND, 2013). Nesse sentido, o direito internacional, embora passasse a tratar da própria maneira de se realizar as hostilidades, não interferiu na possibilidade 8 Com. a derrota de Napoleão em Waterloo, a próxima guerra sistêmica eclodiu em 1914, precisamente quando a lógica do sistema de Viena sucumbiu aos nacionalismos extremados, ao projeto hegemônico Guilhermino, ao revanchismo francês e ao rígido sistema de alianças. 9Ambas contaram com intervenção das tropas da Santa Aliança..

(29) . 28. de os Estados recorrerem ao uso da força. Por conseguinte, enquanto o jus ad bellum ficava sob critério quase10 exclusivo dos sujeitos de direito internacional – por ora, somente os Estados –, o jus in bello impunha-lhes alguns limites quanto ao exercício da força bélica, os quais decorreram do próprio consentimento criativo daqueles. O primeiro documento jurídico dessa tendência regulatória do fenômeno da guerra foi a Convenção para a Melhoria da Sorte dos Feridos e Enfermos dos Exércitos em Campanha, assinada em Genebra em 22 de agosto de 1864 por alguns países europeus, em especial França e Prússia11. Atribui-se o impulso criador desse tratado à memória da Batalha de Solferino, de 1859, travada entre França e Piemonte contra a Áustria, no contexto das guerras de unificação da Itália, e ao trabalho de Henry Dunant, que registrou o sofrimento dos feridos de ambos os lados pela ausência de cuidados e de suporte médicos no livro Memórias de Solferino. Ainda, ele propôs, nessa obra, a criação de sociedades nacionais de apoio a feridos de guerra e, principalmente, de um arcabouço jurídico que obrigasse os beligerantes a cuidar dos feridos (DUNANT, 1959). Tal foi o impacto da publicação, que, entre 26 e 29 de outubro de 1863, se realizou uma conferência internacional em Genebra, que tratou desses dois principais pontos do livro de Dunant. Com a participação de organizações filantrópicas e das principais potências europeias, as resoluções dessa conferência inicial lançaram as bases para a futura criação das sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho12. De qualquer modo, esse tratado de 1864 continha dez artigos13 e vigeu até 1966, quando o último Estado-parte que não havia aderido a nenhuma de suas sucessoras acedeu à Convenção de 194914. 10 Reforça-se o advérbio, porque o jus ad bellum foi objeto de codificação. 11 Para. ver a lista completa dos Estados que aderiram à convenção, ver sítio do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Treaties, States Parties and Commentaries. Disponível em: <https://www.icrc.org/applic/ihl/ihl.nsf/States.xsp?xp_viewStates=XPages_NORMStatesParties &xp_treatySelected=120>, acesso em 06/04/2016. 12 International Red Cross and Red Crescent Movement is born. Disponível em:<https://www.icrc.org/en/document/international-red-cross-and-red-crescent-movementborn>, acesso em 06/04/2016. 13 Em 1868, realizou-se nova conferência diplomática em Genebra, na qual se criaram mais quinze artigos, pelos quais se estenderiam os termos do ajuste de 1864 para a guerra naval. Faltaram ratificações necessárias, mas nas guerras Franco-Prussiana e Hispano-americana os Estados adotaram seus termos. Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Additional Articles relating to the Condition of the Wounded in War. Geneva, 20 October 1868. Disponível em: <https://www.icrc.org/applic/ihl/ihl.nsf/Treaty.xsp?documentId=ECB39EA050F80A5DC12563 CD002D6624&action=openDocument>, acesso em 06/04/2016. 14 Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Convention for the Amelioration of the Condition of the Wounded in Armies in the Field. Geneva, 22 August 1864. Disponível em: <https://www.icrc.org/applic/ihl/ihl.nsf/INTRO/120?OpenDocument>, acesso em 06/04/2016..

(30) . 29. O segundo marco jurídico teve como cenário a Primeira Conferência de Paz de Haia, de 1899, convocada pelo Czar Nicolau II, com os objetivos de debater os benefícios de uma paz efetiva e perene15. Nessa oportunidade, no que se refere ao jus in bello, os Estados presentes assinaram um ajuste relativo à guerra em meio terrestre – Convenção concernente às leis e usos da guerra terrestre, ao qual se adicionou um Anexo com regulações específicas 16 – e outro referente à guerra marítima – Convenção para aplicação à guerra marítima dos princípios da Convenção de Genebra de 22/08/1864. Ademais, firmou-se a Convenção sobre a Resolução Pacífica de Controvérsias Internacionais, em cujo artigo primeiro os Estados-partes se comprometem a, dentro possível, evitar o uso da força nas suas relações e a privilegiar o recurso a meios pacíficos de solução de controvérsias. Como se pode perceber, conquanto esse tratado não tenha proscrito a guerra nem tornado mandatório o prévio engajamento de meios pacíficos, está-se diante de uma convenção cujo sentido se assemelha àquele próprio do jus ad bellum. Ainda, produziram-se três declarações: (i) Proibição por cinco anos de lançamento de projéteis e explosivos dos balões ou por novos meios semelhantes17; (ii) Proibição do emprego de projéteis que tivessem por fim único espalhar gases asfixiantes ou deletérios18; (iii) Proibição do emprego de balas que se dilatam ou se achatam facilmente dentro do corpo humano (conhecidas como dum-dum) 19 . Por fim, essas duas últimas declarações foram consideradas como representativas do costume internacional já vigente.. . Instituto Diplomático, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Portugal. Disponível em:<https://idi.mne.pt/pt/relacoesdiplomaticas/2-uncategorised/821-conferencia-da-paz1899-e-1907.html>, acesso em 06/04/2016. 16 Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Convention (II) with Respect to the Laws and Customs of War on Land and its annex: Regulations concerning the Laws and Customs of War on Land. The Hague, 29 July 1899. Disponível em:<https://www.icrc.org/ihl/INTRO/150?OpenDocument>, acesso em 06/04/2016. 17 Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Declaration (IV,1), to Prohibit, for the Term of Five Years, the Launching of Projectiles and Explosives from Balloons, and Other Methods of Similar Nature. The Hague, 29 July 1899. Disponível em: <https://www.icrc.org/ihl/INTRO/160?OpenDocument>, acesso em 06/04/2016. 18 Comitê Internacional da Cruz Vermelha,Declaration (IV,2) concerning Asphyxiating Gases. The Hague, 29 July 1899. Disponível em: <https://www.icrc.org/applic/ihl/ihl.nsf/Treaty.xsp?action=openDocument&documentId=B062 5F804A9B2A64C12563CD002D66FF>, acesso em 06/04/2016. 19 Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Declaration (IV,3) concerning Expanding Bullets. The Hague, 29 July 1899. Disponível em: <https://www.icrc.org/applic/ihl/ihl.nsf/Treaty.xsp?action=openDocument&documentId=D528 A73B322398B5C12563CD002D6716>, acesso em 06/04/2016. 15.

(31) . 30. Ainda, esse encontro resultou na criação da Corte Permanente de Arbitragem, o primeiro mecanismo institucionalizado de solução de controvérsias entre Estados de natureza universal. No artigo 16 da Convenção para solução pacífica de controvérsias de 1899, estabelece-se que a arbitragem é meio privilegiado para solucionar controvérsias de natureza jurídica entre os Estados-partes, o que reflete a tendência de adensamento normativo do direito internacional de então. Na Ata Final da Conferência de Paz de Haia de 1899, ademais, estabeleceu-se o compromisso de realizar novo encontro em que se revisaria a Convenção de Genebra de 186420. Como programado, fez-se uma nova conferência na cidade suíça, no ano de 1906, da qual resultou um texto mais completo, com trinta e três artigos, avançando-se no detalhamento de disposições do ajuste anterior e abandonando-se aquelas que se provaram difíceis de serem postas em prática. Como exemplo desse aperfeiçoamento normativo, criaram-se regras específicas para enterro no mar e transmissão de informações21. A terceira grande referência jurídica foi a Conferência de Paz de Haia de 1907. Nela, destacou-se a atuação protagônica do representante brasileiro, Rui Barbosa, que se notabilizou pela defesa do princípio da igualdade jurídica entre os Estados no anteprojeto de Tribunal de Arbitramento. Na verdade, a diplomacia brasileira, à época comandada pelo Barão do Rio Branco, considerava a conferência como ocasião privilegiada para a projeção internacional do Brasil como um país civilizado, de modo a conferir-lhe prestígio internacional (BUENO, 2003). Nesse sentido, a escolha do jurista baiano foi acertada, dado o grau de eloquência e contundência com que defendeu a tese brasileira – apoiada pelos latino-americanos e periféricos da Europa – de igualdade soberana. O impasse entre a tese das potências europeias, dos Estados Unidos e do Japão, de divisão dos Estados conforme seus atributos econômicos, populacionais e militares, e aquela defendida pelo Brasil, de restrita igualdade soberana, a respeito da composição do Tribunal de Arbitramento acabou por impedir sua criação.. 20 Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Convention for the Amelioration of the Condition of. the Wounded and Sick in Armies in the Field. Geneva, 6 July 1906. Disponível em: <https://www.icrc.org/ihl/INTRO/180?OpenDocument>, acesso em 06/04/2016. 21 Ibid..

(32) . 31. Apesar do malogro desse ambicioso projeto, a Conferência de 1907 conseguiu revisar os termos da Convenção para solução pacífica de controvérsias de 1899 e atualizar as regras relativas à Corte Permanente de Arbitragem22. Além disso, foram assinadas, ao todo, treze convenções: (i) solução pacífica de controvérsias; (ii) limitação do emprego de força para cobrança de dívidas externas, também conhecida como a Convenção Drago-Porter; (iii) início de hostilidades; (iv) condução de guerra terrestre; (v) direitos das potências e das pessoas neutras em caso de guerra terrestre; (vi) regime dos navios mercantes inimigos no início das hostilidades; (vii) transformação de navios mercantes em navios de guerra; (viii) minas submarinas automáticas; (ix) bombardeio por forças navais em guerra; (x) adaptação dos princípios da Convenção de Genebra para a guerra marítima; (xi) restrições ao exercício do direito de captura na guerra marítima; (xii) estabelecimento de Tribunal Internacional de Presas23; (xiii) direitos e deveres das potências neutras em caso de guerra marítima. Essa conferência ainda produziu uma declaração, relativa à proibição de lançar projéteis e explosivos de balões. Essa profusão de convenções e de declarações evidencia o contexto sistêmico propício para o desenvolvimento do direito internacional, contudo isso não foi suficiente para impedir a eclosão da Primeira Guerra Mundial, na crise de julho de 1914. Malgrado as inovações jurídicas, muitas das quais tendentes a impor limites ao uso da força, a guerra ainda era considerada um instrumento legítimo da política entre os Estados. Nesse sentido, não obstante o supracitado artigo 16 da Convenção para solução pacífica de controvérsias de 1899, as potências europeias, por meio de rígido sistema de alianças – Tríplice Aliança e Tríplice Entente –, recorreram rapidamente à força militar, em meio a nacionalismos exacerbados em âmbito doméstico, como medida adequada para defender os respectivos interesses nacionais e os compromissos jurídicos assumidos com aliados. Após quatro anos de conflito e aproximadamente 22 milhões de mortos e feridos24, a Conferência de Paz de Paris resultou na criação da Sociedade das Nações (SdN), prevista na Parte I (artigos 1o. a Corte Internacional de Justica. Disponível em: <http://www.icjcij.org/court/index.php?p1=1&p2=1>, acesso em 12/04/2016. 23 Relativa à legalidade da captura de navios em conflito armado. Na verdade, não chegou a ser ratificada pelos Estados. Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Convention (XII) relative to the Creation of an International Prize Court. The Hague, 18 October 1907. Disponível em: <https://www.icrc.org/ihl/INTRO/235?OpenDocument>, acesso em 12/04/2016. 24 Public Broadcasting Service, Arlington. Disponível em:<http://www.pbs.org/greatwar/resources/casdeath_pop.html>, acesso em 12/04/2016. 22.

Referências

Documentos relacionados

transientes de elevada periodicidade, cujos poros de fusão, de maior diâmetro, se mativeram abertos durante mais tempo. A expressão das quatro isoformas de HCN foi confirmada

Os resultados para a geometria do painel, obtidos das optimizações, utilizando elementos sólidos e do tipo casca (Figura 50), para uma mesma imperfeição inicial,

De acordo com o Consed (2011), o cursista deve ter em mente os pressupostos básicos que sustentam a formulação do Progestão, tanto do ponto de vista do gerenciamento

A variável em causa pretende representar o elemento do modelo que se associa às competências TIC. Ainda que o Plano Tecnológico da Educação preveja a conclusão da

Quando conheci o museu, em 2003, momento em foi reaberto, ele já se encontrava em condições precárias quanto à conservação de documentos, administração e organização do acervo,

insights into the effects of small obstacles on riverine habitat and fish community structure of two Iberian streams with different levels of impact from the

The Anti-de Sitter/Conformal field theory (AdS/CFT) correspondence is a relation between a conformal field theory (CFT) in a d dimensional flat spacetime and a gravity theory in d +

Este trabalho tem como objetivo contribuir para o estudo de espécies de Myrtaceae, com dados de anatomia e desenvolvimento floral, para fins taxonômicos, filogenéticos e