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Pretores estratégicos : por que o Judiciário decide a favor do Executivo e contra suas próprias decisões? : análise empírica dos pedidos de suspensão apresentados ao STF (1993-2012)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA DOUTORADO EM CIÊNCIA POLÍTICA

PRETORES ESTRATÉGICOS

Por que o Judiciário decide a favor do Executivo e contra suas próprias decisões? Análise empírica dos Pedidos de Suspensão apresentados ao STF

(1993-2012)

JOSÉ MÁRIO WANDERLEY GOMES NETO

Recife

2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA DOUTORADO EM CIÊNCIA POLÍTICA

PRETORES ESTRATÉGICOS

Por que o Judiciário decide a favor do Executivo e contra suas próprias decisões? Análise empírica dos Pedidos de Suspensão apresentados ao STF

(1993-2012)

JOSÉ MÁRIO WANDERLEY GOMES NETO

Orientador: Prof. Dr. Marcus André Barreto Campelo de Melo Coorientador: Prof. Dr. Ernani Rodrigues de Carvalho Neto

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco UFPE, perante banca examinadora, como requisito obrigatório para obtenção do grau de Doutor em Ciência Política.

Recife

2015

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Maria do Carmo de Paiva, CRB4-1291

G633p Gomes Neto, José Mário Wanderley.

Pretores estratégicos : por que o Judiciário decide a favor do Executivo e contra suas próprias decisões? : análise empírica dos pedidos de suspensão apresentados ao STF (1993-2012) / José Mário Wanderley Gomes Neto. – Recife, O autor, 2015.

95 f. il. ; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Marcus André Barreto Campelo de Melo. Coorientador: Prof. Dr. Ernani Rodrigues de Carvalho Neto.

Tese (doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-graduação em Ciência Política, 2015.

Inclui referências.

1. Ciência Política. 2. Poder Judiciário. 3. Poder executivo. 4. Juízes - Decisões. I. Melo, Marcus André Barreto Campelo de (Orientador). II. Carvalho Neto, Ernani Rodrigues de (Coorientador). III. Título.

320 CDD (22.ed.) UFPE (BCFCH2015-62)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA DOUTORADO EM CIÊNCIA POLÍTICA

FOLHA DE APROVAÇÃO

PRETORES ESTRATÉGICOS

Por que o Judiciário decide a favor do Executivo e contra suas próprias decisões? Análise empírica dos Pedidos de Suspensão apresentados ao STF

(1993-2012)

JOSÉ MÁRIO WANDERLEY GOMES NETO Recife, 15 de julho de 2015.

Banca Examinadora

______________________________________________ Prof. Dr. Marcus André Barreto Campelo de Melo Orientador – Examinador Interno (PPGCP/UFPE)

______________________________________________ Prof. Dr. Ernani Rodrigues de Carvalho Neto Coorientador – Examinador Interno (PPGCP/UFPE)

______________________________________________ Profa. Dra. Mariana Batista da Silva

Examinador Interno (PPGCP/UFPE)

______________________________________________ Prof. Dr. Bernardo Pinheiro Machado Mueller Examinador Externo (CERNE/Universidade de Brasília)

______________________________________________ Prof. Dr. Marcos Antônio Rios da Nóbrega

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Aos meus pais, Sergio Mario e Maria do Loreto

Às minha avós, Lúcia e Maria Anália.

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AGRADECIMENTOS

Desejo neste momento externar a minha imensa gratidão a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho doutoral, não podendo deixar de citar nominalmente aqueles que especialmente contribuíram ao longo de todas as fases desta etapa ora concluída.

Ao professor Marcus André Barreto Campelo de Melo, meu orientador, pesquisador no sentido mais puro do termo, agradeço por todo seu rigor e empenho na busca por qualidade e por objetividade na pesquisa e na tese e por me mostrar os primeiros passos de minha inserção acadêmica internacional.

Ao professor Ernani Rodrigues de Carvalho Neto, meu coorientador, referência nos estudos da judicial politics, por sua parceria em muitos trabalhos e por me guiar no amplo universo das pesquisas acerca da judicialização da política e do comportamento decisório do Poder Judiciário. Agradeço da mesma forma ao professor Enivaldo Carvalho da Rocha, cientista de imensa capacidade e generosidade e amigo da mais alta estima, cujo auxílio foi imprescindível à minha adaptação aos instrumentos de pesquisa empírica quantitativa.

Sou grato, de forma geral, ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), um centro de excelência acadêmica e uma rede agregadora de excelentes profissionais e de ideias originais, que muito contribuiu ao meu crescimento como pesquisador e como professor, nas pessoas dos professores Flávio da Cunha Rezende, Gabriela da Silva Tarouco, Marcelo de Almeida Medeiros, Marcos Costa Lima, Mauro Soares, Michelle Fernandez e Ricardo Borges Gama Neto.

Agradeço aos membros do Comitê de Pesquisas nº 9 (Comparative Judicial Politics) da International Political Science Association – IPSA pelas inestimáveis críticas e sugestões ofertadas às várias fases desta pesquisa, nos vários eventos em que foi apresentada, em especial ao professor Matthew C. Ingram (University at Albany) e à professora Diana Kapiszewski (Georgetown University), cujas contribuições foram diretamente determinantes para o resultado aqui presente.

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Sem sombra de dúvidas, o suporte institucional que recebi da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) foi determinante para que esta tese fosse concluída, ao qual agradeço através das professoras Aline Grego Lins (Pró-reitora Acadêmica), Maria da Graça de Vasconcelos Xavier Ferreira (Coordenadora Geral de Pesquisa), Maria Luiza Ramos Vieira (Diretora do Centro de Ciências Jurídicas) e Marília Montenegro Pessoa de Melo (Coordenadora da Graduação em Direito).

Agradeço também o apoio que sempre tive nos meus colegas professores na UNICAP, aqui representados nas figuras de João Paulo Allain Teixeira, Gustavo Ferreira Santos e Flávia Danielle Santiago Lima, do Grupo de Pesquisas Jurisdição Constitucional, Democracia e Constitucionalização de Direitos.

Gostaria de agradecer nominalmente a alguns colegas, muitos deles amigos próximos, que tive a honra de conhecer no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFPE durante meu doutorado, cuja convivência foi essencial em todo o processo de elaboração da pesquisa e da tese, principalmente, nesta árdua transição de um advogado e professor de Direito para as condições mínimas necessárias a ser considerado um cientista político.

Agradeço a generosidade e a atenção de Mariana Batista da Silva, hoje um nome que se consolida na Ciência Política brasileira, sempre presente com suas inestimáveis contribuições nos momentos mais difíceis deste trabalho.

Destaco a parceria e a verdadeira irmandade construída com Leon Victor de Queiroz Barbosa e com Luiz Felipe Andrade Barbosa, meus coautores em muitos trabalhos ao longo destes anos, co-fundadores do PRAETOR - Grupo de estudos sobre Poder Judiciário, Política e Sociedade. Ressalto a importância de Louise Dantas de Andrade, auxiliando na coleta de informações utilizadas na montagem do banco de dados sobre o qual foi feita a pesquisa objeto desta tese.

Minha gratidão a Cinthia Campos, a Juliano Domingues da Silva e a Gustavo de Andrade Rocha pela sua paciência na leitura e na revisão de versões anteriores desta tese. Agradeço, ainda, a convivência sempre gratificante com Adailton Amaral Leite, André Canuto, Antônio Henrique Lucena, Arthur Leandro Silva, Augusto Teixeira Junior, Clóvis de Melo, Dalson Britto, Elton Gomes, Flávio Cireno, José Maria Nóbrega, Manoel Leonardo Santos, Nathália Leitão, Pedro Gustavo, Rodrigo Albuquerque, Ranulfo Paranhos e Sídia Maria Porto Lima.

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À toda minha família fica a gratidão eterna e o pesar pelos muitos momentos furtados ao nosso convívio: todos vocês, cada um ao seu modo especial, fizeram e fazem parte de cada meta aqui conquistada.

De modo especial agradeço a Alleh, que abraçou comigo este sonho realizado. O primeiro de muitos.

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“Judges are inevitably participants in the process of public policy formation; [. . .] they do in fact “make law”; [and] in making law they are necessarily guided in part by their personal conceptions

of justice and public policy”. – C. Herman Pritchett.

“But if judges are not legalists, what are they? Might they simply be politicians in robes?” – Richard Posner

“For the rational study of the law the blackletter man may be the man of the present, but the man of the future is the man of statistics and the master of economics”. – Oliver Wendell Holmes

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RESUMO

Por que o Judiciário decidiria a favor do Executivo e contra as suas próprias decisões? Essa questão é explorada teórica e empiricamente com referência ao pedido de suspensão - um mecanismo pelo qual o Poder Executivo nos diversos níveis federativos pode pedir ao Presidente de um Tribunal para suspender os efeitos concretos de uma decisão proferida por órgão judicial de hierarquia inferior. Para responder a questão de pesquisa um conjunto de hipóteses formuladas à luz dos principais modelos teóricos existentes na literatura sobre os processos decisórios das decisões judiciais– legalista, atitudinal e estratégico – são testadas a partir de em uma base dados contendo uma amostra de 319 decisões sobre o pedido de suspensão no STF no período 1993-2012. Os achados dos modelos econométricos estimados (Logit) na tese são consistentes com a interpretação dos modelos estratégico e atitudinal: os juízes atuam como atores que buscam maximizar sua preferências em um contexto de separação de poder e seu padrão decisório é também marcado pela ideologia dos governos responsáveis por sua nomeação.

Palavras-chave: Ciência Política. Instituições. Poder Judiciário. Processo Decisório Judicial. Modelo Explicativos. Legalista. Atitudinal. Estratégico.

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ABSTRACT

Why the Judiciary’s bodies would decide in favor of the Executive and against their own decisions? This issue is explored theoretically and empirically with reference to the writ of suspension - a mechanism by which the Executive branch may request the Chief Justice of a Court to suspend the concrete effects of a judgment given by another court of lower hierarchy. To answer the research question a set of assumptions were made based in the main existing theoretical models in the literature on decision-making processes of judicial decisions – legalistic, attitudinal and/or strategic – and were tested from in a database containing a sample of 319 decisions on writ of suspension filled in the Brazilian Supreme Court (Supremo Tribunal Federal) in 1993-2012 period. The findings of the estimated econometric models (Logit) in this thesis are consistent with the interpretation of strategic and attitudinal models: the judges act as actors seeking to maximize their own preferences in the context of separation of power and its decision-making pattern is also marked by the ideology of governments responsible for their appointment.

Keywords: Political Science. Institutions. Judiciary. Judicial Decision-Making. Explanatory Model. Legalistic. Attitudinal. Strategic.

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LISTA DE TABELAS, FIGURAS E GRÁFICOS

Tabela 1 Desenho institucional dos pedidos de suspensão ao longo do tempo... 26

Figura 1 Procedimento do Pedido de Suspensão... 27

Tabela 2 Caminhos procedimentais para apresentação dos pedidos de suspensão... 29

Tabela 3 Filiação partidária dos Presidentes da República que indicaram os Ministros Presidentes do Supremo Tribunal Federal cujas decisões foram analisadas na amostra colhida... 63

Gráfico 1 Pedidos de Suspensão apresentados ao STF por ano (1990-2012)... 67

Gráfico 2 Pedidos de Suspensão apresentados ao STF por ano (1990-2012)... 68

Tabela 4 Variáveis utilizadas em cada modelo... 71

Tabela 5 Distribuição dos Requerentes de PS no STF... 74

Tabela 6 Efeitos das variáveis jurídicas sobre o resultado do PS... 79

Tabela 7 Efeitos das variáveis atitudinais sobre o resultado do PS... 80

Tabela 8 Efeitos das variáveis estratégicas sobre o resultado do PS... 81

Tabela 9 Modelo completo, incluindo controles e interação... 82

Gráfico 3 Interação entre o partido político que indicou o Ministro Presidente e o resultado Sucesso, controlada por tempo e por condições econômicas... 84

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LISTA DE ABREVIATURAS ADIn - Ação Direta de Inconstitucionalidade ELETRONORTE - Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A FUNAI - Fundação Nacional do Índio

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis MPF - Ministério Público Federal

MS - Mandado de Segurança

OAB - Ordem dos Advogados do Brasil

PET

- Petição (denominação empregada no Supremo Tribunal Federal para procedimentos não enquadrados em categorias específicas, equivocadamente atribuída a pedidos de suspensão em algumas ocasiões)

PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro PRN - Partido da Renovação Nacional

PS - Pedido de Suspensão

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira PT - Partido dos Trabalhadores

SL - Suspensão de Liminar

SS - Suspensão de Segurança

STA - Suspensão de Tutela Antecipada STF - Supremo Tribunal Federal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: QUANDO O STF ATUA CONTRA O PRÓPRIO JUDICIÁRIO E A FAVOR DOS INTERESSES DO EXECUTIVO? 15 CAPÍTULO 1: O STF E OS PEDIDOS DE SUSPENSÃO: CARACTERÍSTICAS E DINÂMICA INSTITUCIONAL. 25 CAPÍTULO 2: AS QUESTÕES DE PESQUISA E AS TEORIAS SOBRE O COMPORTAMENTO JUDICIAL.

2.1. Julgando as políticas: como e porque decidem os juízes? 2.2. Modelos explicativos do comportamento judicial

2.2.1. O modelo legalista 2.2.2. O modelo atitudinal 2.2.3. O modelo estratégico

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CAPÍTULO 3: ESTRATÉGIA EMPÍRICA: HIPÓTESES, DADOS E MODELOS.

3.1. Hipótese legalista. 3.2. Hipótese atitudinal. 3.3. Hipótese estratégica.

3.4. Fontes dos dados e estratégia empírica. 3.5. Modelo legalista (PS).

3.6. Modelo atitudinal (PS). 3.7. Modelo estratégico (PS).

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CAPÍTULO 4: ACHADOS EMPÍRICOS SOBRE O COMPORTAMENTO JUDICIAL EM PEDIDOS DE SUSPENSÃO. 77 CONCLUSÕES: ATITUDES E ESTRATÉGIAS SÃO DECISIVAS PARA O JULGAMENTO DOS PEDIDOS DE SUSPENSÃO. 86

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INTRODUÇÃO: QUANDO O STF ATUA CONTRA O PRÓPRIO JUDICIÁRIO E A FAVOR DOS INTERESSES DO EXECUTIVO?

Por que o Judiciário decidiria a favor do Executivo e contra as suas próprias decisões? Tal situação, embora possa parecer estranha à primeira vista, ocorre com razoável frequência e está relacionada a relevantes fatos da vida pública. Considere-se, como referência, o caso relacionado ao início da construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte, localizada em trecho do Rio Xingu, em plena região amazônica, no Estado do Pará.

Tida pela União como uma obra fundamental para a garantia da segurança energética brasileira e essencial para as políticas de desenvolvimento, a construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte encontrava-se, no ano de 2006, em sua fase inicial: o Senado Federal, através do Decreto Legislativo nº 788, de 13 de julho de 2005, autorizou o Poder Executivo a implantar o aproveitamento hidroelétrico Belo Monte.

Como condição, o Senado estabeleceu que este só seria executado após a realização de estudos de viabilidade técnica, econômica, antropológica e ambiental, compostos, inclusive, por audiências públicas e consultas públicas, necessários ao licenciamento do empreendimento. Deste modo, a conclusão dos aludidos estudos e o consequente licenciamento, nos termos do Decreto Legislativo, seriam condição essencial para o início das obras.

Sob argumentos de natureza socioambientais e entendendo haver suposta violação aos artigos 170, IV, e 231,§3º, da Constituição Federal, o Ministério Público Federal – MPF ajuizou ação civil pública, na Justiça Federal no Estado Pará, requerendo a concessão de liminar para que fossem interrompidas as atividades de licenciamento, o que foi indeferido pelo juiz federal de 1ª instância.

Inconformado, o MPF interpôs recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), obtendo decisão judicial favorável aos seus interesses, que determinou a abstenção de qualquer ato administrativo relacionado ao licenciamento da Usina Hidroelétrica de Belo Monte.

Por fim, ao receber um instrumento institucional denominado pedido de suspensão, diante de alegada urgência da situação e da natureza constitucional do conflito, a então Ministra Presidente do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie

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decidiu favoravelmente à pretensão do Poder Executivo Federal, naquele momento representado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI e pelas Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A – ELETRONORTE.

Em seu julgado, a Ministra entendeu presente possível lesão à economia pública, uma vez que, ao seu ver, a não-viabilização do empreendimento, comprometeria o planejamento da política energética do país e repercutiria na formulação e implementação da política energética nacional1, sendo cassada a decisão do TRF1 e, afinal, realizado o licenciamento do empreendimento.

Mas porque ela faria isso? Por que protegeria uma política pública governamental em prejuízo da decisão tomada pelo Tribunal Regional Federal da 1a Região?

Em um interessante caso, dois bacharéis em Direito cearenses recorreram de uma decisão do juiz de primeiro grau que havia rejeitado liminar em mandado de segurança, cuja pretensão consistia na inscrição dos impetrantes nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, sem a necessidade da prestação das provas relativas do Exame da Ordem, previstas no artigo 8º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB, que regula a profissão de advogado no Brasil).

Buscaram judicializar tal questão após tentar, por seguidas vezes, a aprovação no mencionado exame, sem conseguirem êxito por não alcançarem as notas mínimas exigidas nas normas que regulam o certame.

Ao apreciar o aludido recurso2, o Desembargador Federal Vladmir Souza Carvalho, do Tribunal Regional Federal da 5a Região, deferiu o pedido, sob o argumento de que a exigência do bacharel em ciências jurídicas e sociais, ou, do bacharel em Direito, a aprovação em seu exame para poder ser inscrito em seu quadro, e, evidentemente, poder exercer a profissão de advogado, a OAB estaria a proceder uma avaliação que não se situava dentro das suas finalidades institucionais, indo de encontro ao direito constitucional ao livre exercício de trabalho, ofício ou profissão.

                                                                                                               

1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, SL 125, Ministra Presidente Ellen Gracie, julgado em 16/03/2007, com decisão publicada no Diário da Justiça em 29/03/2007.

2 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5a REGIÃO. Agravo de Instrumento nº 0019460-45.2010.4.05.0000, Rel. Desembargador Federal Vladmir Souza Carvalho, decisão publicada no DJe de 14/12/2010.

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Afirmou, ainda, o magistrado que o direito perseguido, de inscrição no quadro da OAB, sem a necessidade de submissão ao exame de Ordem, apesar de parecer um absurdo, seria algo perfeitamente inteligível, pois ao se exigir uma avaliação posterior da cultura jurídica do bacharel, invadiria área pertencente, exclusivamente, à instituição de ensino superior, ao seu ver, a única em condições de avaliar se o estudante estaria em condições de exercício posterior de sua profissão. Deferiu, portanto, a liminar que se buscava, autorizando a inscrição dos recorrentes na OAB e o exercício da profissão de advogado sem a necessária aprovação no respectivo exame, com destaque à possibilidade de extensão de seus efeitos em benefício de todos os demais bacharéis que se encontrassem nas mesmas condições.

Em face desta decisão, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, autarquia federal especial, que por sua natureza integra o Poder Executivo Federal, apresentou pedido de suspensão3 ao então Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso, alegando que a decisão questionada causaria grave lesão à ordem pública, pois violaria os artigos 5º, XIII, e 84 da Constituição Federal, ao permitir o exercício da advocacia sem a prévia aprovação em exame de ordem.

O Ministro Cezar Peluso acatou o pedido e suspendeu a execução da liminar antes concedida, concordando inteiramente com os fundamentos apresentados pela OAB, reconhecendo o risco concreto de lesão à ordem pública, pelo descumprimento das normas constitucionais e pela possibilidade do chamado efeito multiplicador, ate à evidente possibilidade de repetição de idênticos feitos, diante do notório e elevado índice de reprovação de bacharéis que se submetem ao exame de ordem. Garantiu, assim, a continuidade da política pública de fiscalização da qualidade do ensino jurídico superior e das condições mínimas ao exercício da profissão de advogado, realizada posteriormente à colação de grau do bacharel em direito pela obrigatória submissão às provas que integram o exame de ordem.

O que levaria o então Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal a agir desta maneira?

Em outro caso semelhante, tem-se a disputa judicial relativa ao momento da aplicação da Emenda Constitucional Estadual nº 33, de 22 de junho de 2011, que,

                                                                                                               

3 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SS nº 4321, Rel. Ministro Presidente Cezar Peluso, decisão publicada no DJe de 02/12/2011.

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alterando os artigos 7 e 17 da Constituição do Estado de Pernambuco, vedava a recondução dos membros da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa para o terceiro mandato consecutivo para o mesmo cargo, mesmo que de uma legislatura para outra. Esta mudança institucional, cujos efeitos atingem o processo eleitoral para a Mesa Diretora da referida Casa Legislativa, foi aprovada pelos deputados estaduais com base na ideia de que a alternância das pessoas que venham a ocupar os cargos administrativos máximos do Poder Legislativo seria salutar para a democracia e para o regular funcionamento da instituição.

No início do ano de 2015, foi convocada a eleição da referida Mesa Diretora para o primeiro biênio da 18a legislatura e os deputados estaduais Guilherme Uchoa e Eriberto Medeiros apresentaram, suas candidaturas aos cargos de Presidente e 4o secretário da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa de Pernambuco, sendo eleitos respectivamente para o quinto e para o terceiro mandatos consecutivos no exercício daqueles cargos, contados desde os seus primeiros mandatos como deputado estadual, e devidamente empossados.

Isto ocorreu sob o fundamento de que as limitações resultantes da emenda constitucional mencionada não atingiriam os parlamentares, visto que os deputados teriam passado a exercer em 2011 (1o biênio da 17a legislatura) os seus primeiros mandatos após a mudança na Constituição Estadual, não entrando na contagem os mandatos exercidos anteriormente.

Entendendo de forma diversa, o Conselho Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seção Pernambuco, autorizou a propositura de ação civil pública (distribuída para a 2a Vara da Fazenda Pública da Capital e tombada sob o n.º 008758-92.2015.8.17.0001), na qual foi questionada a elegibilidade dos dois parlamentares mencionados (Guilherme Uchoa e Eriberto Medeiros) para a Mesa Diretora da Assembleia.

Tal pedido teve por base o fundamento de que os mandatos exercidos por quaisquer parlamentares, em composições anteriores daquele órgão, entrariam na contagem do período fixado na vedação à recondução, introduzida pela Emenda Constitucional Estadual n.º 33/2011.

A juíza de direito Mariza Borges, então no exercício da 2a Vara da Fazenda Pública da Capital, aceitou as alegações da OAB/PE no que diz respeito à

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inelegibilidade dos parlamentares e deferiu medida liminar (antecipação dos efeitos da tutela pretendida) para determinar seus afastamentos imediatos dos cargos da Mesa Diretora para os quais foram eleitos no início da 18a legislatura.

Diante de alegada urgência da situação, a Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco, representando os interesses da Assembleia Legislativa, apresentou um pedido de suspensão4 diretamente ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, Desembargador Frederico Ricardo de Almeida Neves, requerendo a cassação dos efeitos da liminar concedida pela juíza de primeira instância e argumentando que a decisão judicial contestada seria capaz de produzir lesão à ordem pública, bem como solução de continuidade na gestão de um dos Poderes do Estado, com instabilidade nas relações institucionais e políticas no âmbito do Estado, com grave repercussão na gestão daquela Casa Legislativa, pondo em risco a estabilidade do sistema legislativo estadual.

Em sua decisão, o Desembargador entendeu presente possível lesão à ordem pública, uma vez que, ao seu ver, a referida mudança constitucional não alcançaria os mandatos anteriores exercidos pelos deputados estaduais não devendo ser incluídos na contagem do período estabelecido, assim como, não se mostrando minimamente razoável um Chefe de Poder, contra quem não pesava qualquer acusação, ser afastado de seu cargo, sem que tenha havido sequer qualquer impugnação à sua candidatura por quem quer que seja.

Ora, que fatores teriam sido determinantes para que o Desembargador atendesse ao pedido formulado pela Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco e suspendesse a liminar que afastava os deputados estaduais dos cargos da Mesa Diretora para os quais foram eleitos, cassando decisão originada em órgão do próprio Poder Judiciário do Estado de Pernambuco?

A compreensão de como a instituições e demais fatores influenciam no comportamento do atores políticos, mais especificamente, nos seus processos decisórios, é tema chave na Ciência Política: quando exercer, ou não, o poder que lhe foi delegado; qual a intensidade da punição; apoiar, ou não, as políticas públicas definidas pelo Poder Executivo; quais os temas que comporão a agenda legislativa.

                                                                                                               

4 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO, Suspensão de liminar ou antecipação de tutela nº 001.0004282-14.2015.8.17.0000, Rel. Desembargador Presidente Frederico Ricardo de Almeida Neves. Decisão publicada no DJe nº 73/2015, de 22 de abril de 2015.

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Descobrir o que determina a decisão política, neste ou naquele sentido, permite a antecipação, com relativo grau de certeza, de como o ator irá se comportar em determinada circunstância, permitindo a diminuição dos custos políticos de eventual interação.

Os Juízes e demais órgãos do Poder Judiciário, considerados atores relevantes na arena política, realizam sua atividade primária: decidir, na qualidade de terceiro com algum grau de independência e de imparcialidade, a solução para os conflitos de interesses que lhes são submetidos pelas partes, notadamente aquelas disputas relacionadas a direito público e à implementação de políticas públicas.

Enquanto parte significativa da literatura (v.g., TAYLOR, 2008; HIRSCH, 2004 e 2008; MAGALONI e SÁNCHEZ, 2001; VIANNA et al., 1999) enfatiza o caráter contra-majoritário das instituições judiciárias, assinalando pontos em que suas decisões tornam-se obstáculo às políticas governamentais, Dahl (1957), a partir das características da Suprema Corte norte-americana, argumenta ser natural e compatível com os sistemas democráticos a verificação de decisões judiciais favoráveis aos interesses majoritários, principalmente nas Cortes Superiores, em circunstâncias e ambientes institucionais propícios.

Neste contexto está situado o problema de que trata esta tese, ao analisar os casos em que os sucessivos Ministros Presidentes do Supremo Tribunal Federal foram provocados pelas esferas nacional e subnacionais do Poder Executivo a decidir em procedimentos chamados pedidos de suspensão, presente em importantes momentos, em que a continuidade políticas públicas foi ameaçada por decisões do Poder Judiciário. Trata-se de um mecanismo pelo qual o Poder Executivo nos diversos níveis federativos pode pedir ao Presidente de um Tribunal para suspender os efeitos concretos de uma decisão proferida por órgão judicial de hierarquia inferior.

Alguns outros exemplos auxiliam no entendimento de como e porque os requerentes escolhem dar entrada num pedido de suspensão.

Em um caso (Pet 1677, decidido em 1999), o então Ministro Presidente do STF Celso de Mello deferiu o requerimento para suspender uma liminar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que permitia a algumas empresas a importar produtos num regime de taxas fixas de câmbio, violando a política pública de cotações oficiais, resultante de então recente plano econômico.

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Noutro, (SS 2424, decidido em 2004), o Ministro Presidente do STF Nelson Jobim deferiu o pedido para suspender uma liminar do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, garantindo a efetividade da taxação dos servidores públicos inativos, tal como estabelecida na Emenda Constitucional nº 41 (a Reforma da Previdência Social), como uma reação às diversas liminares que surgiram, contrárias ao recolhimento das contribuições sociais criadas pela prévia mudança na ordem constitucional.

Num terceiro caso (STA 389, decidido em 2009) o então Ministro Presidente do STF Gilmar Mendes deferiu pedido de suspensão com a finalidade de garantir a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), organizado pelo Ministério da Educação e essencial para suas políticas públicas de avaliação e de seleção para o ensino superior, suspendendo os efeitos de uma liminar concedida pelo Tribunal Regional da 3ª Região que proibia a aplicação do exame do período coincidente com o sabbath, em resposta a uma demanda do Centro para Educação Religiosa Judaica.

Entre as principais características deste instrumento estão fundamentação objetiva e processo decisório individualizado e centralizado: apenas o Poder Executivo e os órgãos do Ministério Público podem utilizar este mecanismo, fazendo esta espécie singular de revisão judicial uma poderosa ferramenta para a manutenção do status quo de políticas públicas existentes. Por outro lado, as decisões que julgam tais pedidos estão centralizadas em uma única pessoa, temporariamente exercendo o mais alto posto na hierarquia administrativa da respectiva Corte.

Além disso, o referido mecanismo serve para ativar uma espécie de revisão judicial invertida: quando o ente requerente apresenta um pedido de suspensão, o seu objeto não trata de uma ação representando os interesses de uma instituição política majoritária (Executivo ou Legislativo) sob escrutínio judicial. Do contrário, trata-se de uma instituição majoritária ativando um órgão não-majoritário com a intenção de preservar, frente a uma decisão judicial tomada nas instâncias inferiores, uma política pública ou um conjunto de políticas públicas, que refletem as preferências da instituição majoritária.

Este cenário aproxima-se das condições institucionais favoráveis à atuação majoritária do Poder Judiciário, tal como assinalado por Dahl (1957), acrescida a característica peculiar desta instituição brasileira, de se tratar de órgão judicial

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controlando uma decisão de outro órgão judicial, em favor dos interesses do Poder Executivo.

O estudo sobre quando e porque os pedidos de suspensão são apresentados e como eles são decididos permitem-nos adentrar debates mais profundos, em termos de teoria democrática, bem como sobre impulsos majoritários e contra-majoritários.

Os principais modelos teóricos existentes na literatura sobre os processos decisórios – legalista, atitudinal e estratégico – produzem hipóteses que nos ajudam na compreensão dos fatores que influenciam na decisão judicial.

Para o primeiro modelo, as decisões dos juízes são resultantes exclusivamente de fatores jurídicos (GILMANN, 2001).

Este modelo pressupõe uma condição de neutralidade plena daqueles responsáveis por decidir (julgar) os conflitos de interesse: o modelo legalista vê o ato de julgar como uma atividade puramente neutra e técnica, isto é, para esta concepção, juízes decidem casos exclusivamente a partir daquilo que está escrito na lei. As decisões seriam construídas em termos da identificação da presença, ou da ausência, de requisitos formais previstos na legislação e em termos de ferramentas interpretativas supostamente utilizadas pelos magistrados.

Para o segundo, as decisões judiciais são produto de suas preferências pessoais e de suas ideologias (CLAYTON, 1999; SEGAL, 2008), assim consideradas como características anteriores à decisão (ex ante).

A variação nos resultados das decisões judiciais que analisam os conflitos politicamente relevantes encontrariam sua explicação nos valores, nas crenças e nas atitudes políticas de cada um dos juízes responsáveis por julgar cada caso: as características prévias daqueles responsáveis por julgar ou daqueles responsáveis pela indicação dos julgadores seriam determinantes para o resultado.

Para o terceiro modelo, embora possuam suas preferências individuais, os magistrados sofrem constrangimentos sobre as suas decisões através da influência de fatores externos, dentre os quais a opinião pública, o respeito de seus pares ou a relação entre as instituições (EPSTEIN e KNIGHT, 1998).

O reconhecimento do comportamento estratégico dos atores não nega a existência de preferências e de atitudes, mas acrescenta elementos que reconhecem um cenário mais complexo para o processo decisório judicial, no qual a decisão

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judicial só poderia ser explicada pela combinação da presença dos fatores anteriores (ex ante) com a presença, no momento do julgamento, de outros fatores condicionantes do resultado (ex post).

Cada um destes modelos analíticos decisórios explicaria a decisão tomada pela então Ministra Presidente do Supremo Tribunal Federal ao receber o referido pedido de suspensão, no caso da Usina de Belo Monte, aqui tomado por exemplo, de uma maneira diferente.

Para o modelo legalista, o deferimento da suspensão ocorreria por influência da verificação, pela Ministra, da presença de requisitos formais previstos na legislação que regula o instrumento (provável lesão à ordem e à economia públicas) e da matéria constitucional objeto do conflito (a diferença da forma de interpretação das normas constitucionais existente entre a Ministra Presidente e os juízes membros do Tribunal Regional Federal da 1a Região, responsáveis pelo julgado que se queria suspender).

Para o modelo atitudinal, características pessoais subjetivas da Ministra Ellen Gracie (atitudes), identificadas a partir de informações sobre a construção de sua carreira ou a partir de informações sobre o partido responsável pela sua indicação, seriam importantes à categorização de seu perfil decisório, por exemplo, ativista, conservador ou desenvolvimentista, para o qual a razões socioambientais apresentadas pelo Ministério Público Federal perderiam em importância para a necessidade de evitar a interferência na política energética nacional.

O modelo estratégico, além das razões descritas no modelo atitudinal, relacionaria o mencionado perfil com a interação da Ministra Presidente, no momento da decisão, com outros atores do cenário político, sendo determinante o pedido feito pelo Poder Executivo Federal e as consequências político-econômicas expostas no fundamento do instrumento.

Qual deles teria razão? Qual explicaria corretamente as decisões dos Presidentes dos Tribunais nestas situações?

Esta tese foca nesta peculiar ferramenta jurídica existente no Brasil e no comportamento decisório praticado pelos magistrados que decidem este tipo de caso, analisando empiricamente as decisões tomadas no âmbito da Presidência do Supremo Tribunal Federal e testando os referidos modelos, com o propósito de explicar o grau de influência destes fatores neste referido processo decisório judicial.

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O conhecimento destes fatores visa a permitir antecipar, com relativo grau de certeza, o direcionamento de atuação dos Presidentes dos Tribunais nas condições ora descritas, permitindo saber as situações em que a utilização dos pedidos de suspensão será determinante para que os demais órgãos do Poder Judiciário não interfiram nas escolhas tomadas pelo Poder Executivo em relação às políticas públicas.

Portanto, é organizada da seguinte maneira: em primeiro lugar, o problema objeto desta tese será situado em relação às análises teóricas em Ciência Política que se propõem a explicar a relação entre o modo como são construídas as decisões judiciais e o fenômeno da judicialização da política.

Em segundo lugar, será realizada a descrição do mecanismo do pedido de suspensão e de suas implicações para as relações entre as instituições e entre os atores políticos.

Em terceiro lugar, serão apresentadas as questões de pesquisa e os modelos explicativos do comportamento institucional – legalista, atitudinal e estratégico – a partir de uma revisão das questões teórico-normativas que envolvem a discussão sobre os fatores institucionais que influenciam nas decisões políticas, ressaltando os trabalhos de cada corrente e os respectivos achados e dificuldades de cada abordagem em relação ao estudo do comportamento decisório judicial.

Em quarto lugar, será apresentada a estratégia empírica desta tese, detalhando as hipóteses de pesquisa, os dados trabalhados e respectivas fontes, bem como os modelos estatísticos utilizados.

Enfim, serão apresentados os resultados empíricos sobre o comportamento judicial, notadamente a influência das variáveis legalistas, atitudinais e estratégicas sobre decisões tomadas pelos Ministros Presidentes do Supremo Tribunal Federal nos pedidos de suspensão.

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CAPÍTULO 1. O STF E OS PEDIDOS DE SUSPENSÃO: CARACTERÍSTICAS E DINÂMICA INSTITUCIONAL.

O pedido de suspensão (PS) 5 é o instrumento jurídico por meio do qual o juiz Presidente de uma determinada Corte – desde os Tribunais de Justiça dos Estados e os Tribunais Regionais Federais até os Tribunais Superiores – é provocado a suspender os efeitos concretos de uma decisão tomada por órgão judicial de hierarquia imediatamente inferior, se supostamente existirem riscos à continuidade de políticas públicas de natureza coletiva ou universal, enquanto se recorre da decisão original.

Trata-se de um instrumento procedimental originalmente introduzido pela Lei Federal nº191/36, posteriormente resgatado pelas Leis 1.608/39 e 4.348/64 e hoje regulado pelas Leis nº 8.437/85, 9.494/97 e 12.016/09. Apresentado diretamente ao Desembargador ou Ministro Presidente do Tribunal a que caberia, por competência, o conhecimento de eventual recurso interposto em face da decisão impugnada, é utilizado com o objetivo de suspender os efeitos concretos de uma liminar ou de uma sentença, originada de um Tribunal inferior ou de um juiz singular, a qual alegadamente viola o interesse público (DIDIER JUNIOR e CUNHA, 2008, p.462; VENTURI, 2005, p. 26; NORTHFLEET, 2000, p. 183).

Se o pedido de suspensão é concedido, a questionada decisão da Corte inferior não pode ser cumprida ou gerar efeitos concretos, durante todo o período de tempo relativo à fase recursal do processo judicial. Dessa maneira, a estabilidade da política pública impugnada no processo original é garantida até que a decisão final sobre o caso ocorra.

De fato, a decisão proferida pelo órgão judiciário de hierarquia inferior não é revertida ou modificada pela decisão que julga o pedido de suspensão: a decisão do Presidente do Tribunal é limitada à apreciação da presença alegada pelo requerente dos riscos às políticas públicas, sem nenhuma manifestação sobre os fundamentos do ato judicial contestado, os quais serão objeto dos recursos processuais aplicáveis (DIDIER JUNIOR e CUNHA, 2008).

                                                                                                               

5 Para efeitos deste trabalho, a expressão pedidos de suspensão (PS) abrange todas as suas espécies previstas na legislação, v.g., suspensão de segurança, suspensão de liminar, suspensão de tutela antecipada, suspensão de execução etc.

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Tabela 1: Desenho institucional dos pedidos de suspensão ao longo do tempo Lei nº 191, de 16 de Janeiro de 1936

- Norma revogada pelo Código de Processo Civil de 1939.

Art. 13. Nos casos do art. 8°, § 9°, e art. 10, poderá o Presidente da Côrte Suprema, quando se tratar de decisão da Justiça Federal, ou da Côrte de Appellação, quando se tratar de decisão da justiça local, a requerimento do representante da pessoa juridica de direito publico interno interessada, para evitar lesão grave á ordem, à saúde ou á segurança publica, manter a execução do acto impugnado até ao julgamento do feito, em primeira ou em segunda instancias.

Código de Processo Civil de 1939

(Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939)

- Norma revogada pela Lei nº 4.348/64

Art. 328. A requerimento do representante da pessoa jurídica de direito público interessada e para evitar lesão grave à ordem, à saúde ou à segurança pública. poderá o presidente do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal de Apelação, conforme a competência, autorizar a execução do ato impugnado.

Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964

- Norma revogada pela Lei nº 12.016/09

Art 4º Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o Presidente do Tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso (VETADO) suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar, e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo no prazo de (10) dez dias, contados da publicação do ato. Lei nº8.038, de 28 de maio de 1990

Art. 25 - Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, compete ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal.

Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992

Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

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Lei nº 12.016, 7 de agosto de 2009.

Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.

Fonte: Elaboração do autor com base na legislação que regula o pedido de suspensão.

À primeira vista, o pedido de suspensão (pedidos de suspensão, a partir de agora também simplesmente chamados de “PS”) apresenta-se como qualquer outra espécie ordinária de revisão judicial concreta (controle de constitucionalidade ou controle de legalidade), isto é, um dano ou ameaça aconteceu em virtude de um ato praticado por agente público – uma decisão do órgão judicial anterior contrária à política pública que reflete as preferências do Poder Executivo – e o Poder Judiciário é chamado ao controle do referido ato.

Figura 1: Procedimento do Pedido de Suspensão

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Porém, alguns fatores inerentes ao procedimento do pedido de suspensão o diferenciam das demais espécies de revisão judicial, tal como usualmente é compreendida, incluindo a legitimidade para a utilização do instrumento, a natureza do pedido e a natureza do órgão judicial responsável pela decisão.

Em primeiro lugar, no que diz respeito à legitimidade (autorização legal para pedir), apenas dois tipos de atores podem dar início a um pedido de suspensão: o Poder Executivo (em seus diferentes níveis) ou o Ministério Público. Esta regra estreita apresenta-se como uma deferência institucionalizada ao Poder Executivo.

Em segundo lugar, o Executivo apenas precisa demonstrar e documentar potencial risco ou dano a uma política pública “geral” ou “universal”: de fato, os Presidentes dos Tribunais não requerem sistematicamente qualquer evidência concreta do referido dano. Uma política pública “geral” ou “universal” é qualquer espécie de política pública difusa sem um alvo específico, v.g., educação, saúde, segurança ou mobilidade. A imprecisão destes termos permite que o pedido de suspensão seja utilizado numa vasta variedade de situações nas quais decisões judiciais possam impactar na continuidade das políticas públicas que refletem as preferências dos agentes públicos eleitos.

Terceiro, não existem restrições legais em relação a quando o pedido de suspensão possa ser apresentado ou limitações procedimentais de qualquer natureza, a exemplo do pagamento de custas ou de taxas processuais: a supremacia dos interesses públicos e a proteção dos interesses da coletividade, exigem um ambiente institucional propício à sua utilização, tanto que a medida não possui prazo para interposição, nem qualquer exigência formal específica (NORFLEET, 2000).

Um ambiente institucional como este incentiva o uso do pedido de suspensão por todas as esferas do Executivo. Finalmente, em termos de procedimento, há várias rotas pelas quais um pedido de suspensão é apresentado, dependendo da origem da decisão judicial divergente objeto do pedido, conforme pode ser apreciado pela leitura da tabela a seguir.

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Tabela 2: Caminhos procedimentais para apresentação dos pedidos de suspensão Origem do ato impugnado Direcionamento do Pedido de Suspensão Juiz de Direito (Justiça Estadual) Desembargador Presidente do respectivo Tribunal

de Justiça

Juiz Federal (Justiça Federal) Desembargador Presidente do respectivo Tribunal Regional Federal

Juiz Eleitoral (Justiça Eleitoral) Desembargador Presidente do respectivo Tribunal Regional Eleitoral

Desembargador ou órgão colegiado de um Tribunal de Justiça

(litígio envolvendo matéria infraconstitucional)

Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça Desembargador ou órgão colegiado de um

Tribunal Regional Federal ou de um Tribunal Regional Eleitoral

(litígio envolvendo matéria infraconstitucional)

Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça

Desembargador ou órgão colegiado de um Tribunal de Justiça

(litígio envolvendo matéria constitucional)

Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal Desembargador ou órgão colegiado de um

Tribunal Regional Federal ou de um Tribunal Regional Eleitoral

(litígio envolvendo matéria constitucional)

Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal

Ministro ou órgão colegiado de

Tribunal Superior (Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Superior Tribunal

Militar, Tribunal Superior do Trabalho).

Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal

Fonte: Elaboração do autor com base na legislação que regula o pedido de suspensão.

Para efeitos desta tese, serão analisados exclusivamente os pedidos de suspensão submetidos aos sucessivos Ministros Presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), dando destaque a esta linha direta entre o Poder Executivo e aquele juiz (Ministro) que temporariamente6 ocupa o mais alto posto do Poder Judiciário e possui, dentre muitas atribuições, a tarefa de conhecer e julgar, em decisão individual (singular), os referidos pedidos.

Em virtude de sua natureza excepcional, a apresentação de pedido de suspensão à nossa Corte Suprema exige a análise rigorosa de seus pressupostos: a

                                                                                                               

6 Conforme a norma contida no artigo 12 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a função de Presidente da Corte é ocupada temporariamente por um de seus membros, eleito para um mandato de 2 (dois) anos, vedada a reeleição sucessiva. Durante este período, o Ministro torna-se o responsável por receber e julgar, em ato individual (singular), todos os pedidos de suspensão.

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existência de controvérsia de natureza constitucional e o alegado risco de grave lesão aos valores estimados na norma (ordem, economia, saúde e/ou segurança públicas)7 caso seja mantida a decisão cujos efeitos se pretende suspender.

Inicialmente, a legislação reguladora dos pedidos de suspensão prevê a hipótese de risco de lesão à ordem pública como autorizadora da utilização do instrumento para conter os efeitos da decisão judicial que, de forma concreta ou potencial, ameaça a continuidade de uma política pública governamental. Conforme previsto no artigo 2º do Decreto Federal nº 88.777/83, ordem pública seria o:

Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum.

Trata-se de conceito amplo, que abrange toda situação em que o ato judicial impugnado posiciona-se contrariamente a qualquer das regras formais responsáveis por regular os atos da Administração Pública, ameaçando o devido exercício das funções administrativas pelas autoridades constituídas8.

Em suma, manter a ordem pública, para o Estado Brasileiro, a partir da definição adotada, é expurgar qualquer ato, in casu, ato judicial, que prejudique a harmonia social, estando incluídas as hipóteses de descumprimento da legislação vigente, e, ainda, a manutenção do serviço público e da ordem administrativa em geral (ANDRADE e GOMES NETO, 2012, p.213).

Neste sentido, é ônus do agente político responsável por apresentar o pedido de suspensão demonstrar ao Presidente do Tribunal de que forma o ato judicial dele objeto afronta as regras e formais e prejudica a continuidade das políticas públicas em geral (VENTURI, 2005). Entretanto, não se trata de algo de difícil execução para os procuradores públicos.

[O] conceito de ordem pública não é algo preciso, fato este que aumenta a margem de liberdade jurisdicional para, diante de um caso concreto, dizer o

                                                                                                               

7 Neste sentido, confiram-se: SS 3.259-AgR/SP, Rel. Min. Ellen Gracie; SS 341-AgR/SC, Rel. Min. Sydney Sanches; e SS 282-AgR, Rel. Min. Néri da Silveira.

8 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SS 284, Rel. Min. Presidente Néri da Silveira, decisão publicada no DJ de 30 de abril de 1992.

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que é e o que não é ordem pública. Consequentemente, a valoração de um fato que acarrete a violação da ordem pública é um processo extremamente carente de interpretação. O quadro hermenêutico é amplo à valoração dos fatos e à caracterização da moldura da chamada “ordem pública” e o processo de judicialização auxilia nesse propósito (ARAUJO e LEITE, 2012, p.108).

Tal circunstância dá uma margem ampla a quem pede a suspensão dos efeitos do julgado de instância inferior quanto à descrição de como tal ato violaria à ordem pública, bem como dá ampla margem discricionária ao magistrado que ocupe a posição de Presidente do Tribunal quanto à definição de ordem pública adotada e à inclusão dos fatos narrados como situações violadoras desta ordem.

Segundo Araújo e Leite (2012, p.134) a ordem pública está vinculada a temas integrantes de uma ordem jurídico-constitucional-administrativa, razão pela qual entendem que, para fins de suspensão de decisão por grave violação à ordem pública bastaria comprovar a violação ao sistema constitucional que normatiza a atuação do Estado.

Num caso (STA 85) envolvendo a implementação da política pública fundiária (reforma agrária), a Ministra Presidente Ellen Gracie deferiu pedido de suspensão, pois entendeu que se encontrava devidamente demonstrada a grave lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem administrativa, porquanto a decisão em apreço impedia a regular execução de um serviço público (implementação da política agrícola, fundiária e de reforma agrária, nos termos dos artigos 184 a 191 da Constituição da República) e o prosseguimento do processo judicial de desapropriação (art. 184, § 2º e § 3º, da Constituição da República).

Típico risco de lesão à ordem pública encontra-se na ameaça de paralisação de um serviço público essencial ou na obstaculização de seu regular funcionamento. Francesco Conte refere que “[...] dentre outros muitos aspectos, a ordem pública se refere à normal execução de um serviço público e ao devido exercício das funções da administração pelas autoridades [...]”. Por isso mesmo menciona que “nessa rota, há decisões considerando atingida a ordem pública, quando o Poder Judiciário substitui ou obsta ato privativo do administrador, infringindo-se, nesta hipótese, o princípio da independência e da harmonia entre os poderes” (NORTHFLEET, 2000, p.192).

Em segundo lugar, há a hipótese de lesão à saúde pública. Para Paim e Almeida Filho (1998) as políticas de saúde pública (ou coletiva) seriam aquelas

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voltadas a prevenir a doença e a incapacidade, prolongar a vida e promover a saúde física e mental mediante os esforços organizados da comunidade e do Poder Público.

Atos judiciais podem por em risco tais políticas à medida em que determinam benefícios em favor da saúde de indivíduos ou de grupos identificados, a exemplo dos portadores de determinada enfermidade, v.g., determinando, muitas vezes, o fornecimento de medicações experimentais ou de alto custo, bem como procedimentos médicos não previstos pelas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), em prejuízo da execução de políticas gerais ou universais, voltadas à promoção da saúde de toda a coletividade (v.g., LEITE, 2012; PEPE et al., 2010; MARQUES, 2008).

Na presença do alegado risco à saúde pública, verifica-se uma situação em que o Poder Executivo procura o Judiciário, pela via excepcional do pedido de suspensão, para evitar, no que diz respeito às políticas e aos serviços relacionados à promoção da saúde, a ocorrência de um dano coletivo (causado de forma difusa à população potencialmente beneficiária) em consequência de uma decisão judicial que defira um benefício de ordem individual. Deverá o requerente do pedido de suspensão, para que este seja apreciado, além das alegações de dano presente ou futuro à saúde pública, demonstrar como a manutenção da decisão judicial impugnada poderia afetar a continuidade das políticas universais de saúde9.

Em interessante precedente (STA 91) o pedido de suspensão foi deferido pela Ministra Presidente Ellen Gracie, ao reconhecer ser a decisão que determinava fornecimento de medicamentos necessários para o tratamento de pacientes renais crônicos em hemodiálise e pacientes transplantados causa de lesão à saúde pública, uma vez que afetaria o funcionamento regular do Sistema Único de Saúde (SUS).

Por sua vez, há o alegado dano à economia pública. A ideia de economia pública fornece as bases econômicas das atividades governamentais, ou seja, as fontes de receita e regras de equilíbrio orçamentário que garantem o regular funcionamento dos órgãos de Estado e a continuidade da prestação dos serviços públicos (ALBUQUERQUE e GOMES NETO, 2012).

Não é, pois, o montante dos valores em jogo que faz a diferença, mas o

                                                                                                               

9 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SL 738, Rel. Min. Presidente Joaquim Barbosa, decisão publicada no DJe de 13/03/2014.

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eventual dano à coletividade decorrente da efetivação da decisão judicial impugnada que, envolvendo tais valores, independentemente de sua dimensão, ou natureza, afronta a premissa da economia pública, pondo em risco o equilíbrio que deve existir entre os interesses público e privado (idem).

Ao manejar o referido instrumento sob o argumento de lesão à economia pública o agente procura proteger o equilíbrio das contas públicas das consequências imprevistas e indesejadas de uma decisão judicial cuja efetivação implica em um custo adicional e/ou na alocação de receitas públicas em atividades que não foram previamente escolhidas pelo Legislativo ou pelo Executivo, a quem coubesse a prerrogativa constitucional primária da escolha das atividades destinatárias dos gastos públicos.

Isto ocorre porque o conceito de economia pública, tal como previsto na legislação que regula os PS e tal como definido em seu conteúdo pelas diversas decisões judiciais sobre a matéria, apresenta dois aspectos: tributário e orçamentário.

Além de garantir a continuidade do ingresso de receitas públicas (aspecto tributário da economia pública) o PS também é utilizado para impedir a realização de despesas sem a devida previsão, como também, impedindo o “efeito multiplicador” que a decisão impugnada pode acarretar caso não seja suspensa, isto é, o incentivo a que mais pessoas apresentem demandas judiciais de mesma natureza, cujas decisões podem gerar aumento exponencial nas despesas públicas (ambas as situações refletindo o aspecto orçamentário da economia pública).

Mesmo que presente o risco à economia pública, tal dano há de ser significativo. Por vezes tem-se levado em consideração a reiteração de pedidos semelhantes, que no somatório representariam lesão de vulto, como exige a legislação de regência (NORTHFLEET, 2000, p.191).

Ilustra tal situação precedente (STA 390) no qual o Ministro Presidente do Cesar Peluso deferiu pedido suspensão entendendo a presença de “gravíssimo risco a economia pública”, em decorrência de decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, cujo teor determinava que a União realizasse o transplante renal de 30 (trinta) pacientes da Paraíba em outros estados, entre outras medidas correlatas, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

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Por sua vez, a Ministra Ellen Gracie também exemplifica sobre o tema:

[...] face à política de contenção salarial que já atinge os servidores públicos há quase três anos, têm-se multiplicado em primeiro grau de jurisdição todo o tipo de medidas judiciais no sentido de haver diferenças pretéritas subtraídas ou pleitear acréscimos de toda ordem na tentativa de permitir um reequilíbrio do orçamento dos integrantes das carreiras do serviço público. As primeira instâncias têm sido sensíveis a tais reclamos e sobre os tribunais têm recaído o ônus de adotar uma atitude restritiva (Idem, p.190-191).

Em muitos casos, no âmbito dos PS, o argumento de lesão provável à economia pública é utilizado em conjunto com a alegação de dano aos demais valores no intuito de potencializar a ocorrência de decisão favorável ao requerente (ALBUQUERQUE e GOMES NETO, 2012;  NORTHFLEET, 2000).

Por derradeiro, tem-se a situação de alegada lesão à segurança pública, que tem por fundamento a invocação expressa do direito coletivo à segurança pública (arts. 5º, caput, e 144 da Constituição Federal), na qual é analisada a potencialidade lesiva do ato judicial impugnado às atividades policiais e à defesa social, supostamente expondo ainda mais os cidadãos e seus patrimônios, bem como a estrutura da Administração Pública aos perigos da criminalidade.

Na sua decisão proferida na SS 4380, o Ministro Presidente Cezar Peluso deferiu pedido de suspensão para cassar os efeitos de acórdão do Superior Tribunal de Justiça cujas consequências resultavam na transferência de preso altamente perigoso de uma penitenciária para outra, ao seu ver, passível de causar dano à segurança pública (ROSENBLATT et al., 2012).

Justifica-se, neste momento, a escolha do Supremo Tribunal Federal como fonte dos dados desta tese por duas razões fundamentais: a) no ambiente do STF, todas as decisões tomadas em pedidos de suspensão tratam de questões constitucionais, politicamente relevantes; e b) o procedimento de indicação e nomeação dos Ministros é fortemente politizado, o que pode influenciar diretamente na decisão a ser tomada.

A natureza centralizadora e individual da decisão a ser tomada nestes procedimentos (PS) remove alguns dos desafios e incertezas inerentes à submissão de um caso ao longo das diversas instâncias judiciárias por meio dos recursos processuais e ao seu julgamento por órgãos colegiados. Normalmente, como garantia

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de uma imparcialidade formal oferecida pelo desenho institucional, tanto os processos originais, como os respectivos recursos, são distribuídos aleatoriamente entre os órgãos do Poder Judiciário, sem que se possa saber previamente qual juiz ou órgão colegiado irá proferir a decisão judicial.

Na verdade, em alguns casos, os Ministros do STF podem decidir individualmente (decisões monocráticas) em situações rotineiras10, essencialmente tratando do reconhecimento de defeitos formais na elaboração de recursos, de ações constitucionais ou de outros procedimentos da competência da Corte Suprema.

Entretanto, nestas situações, os litigantes não sabem nem tem como escolher qual Ministro irá analisar o seu caso; em contraste, nos PS, o Poder Executivo desvia das dificuldades características do sistema recursal, indo direto ao Ministro Presidente do Tribunal, sabendo quem irá decidir o seu pedido, pois apenas ele possui as atribuições institucionais (competência) para receber este instrumento e julga-lo.

A função de Presidente do STF sofre um rodízio a cada 2 (dois) anos, variando a identidade do responsável por decidir o PS em intervalos regulares, o que gera uma estabilidade bienal na clareza de identificação do responsável por julgar: durante este período, o requerente sabe quem irá julgar o pleito, quais suas características pessoais e quais suas posições em demandas anteriores envolvendo os mesmos temas.

As origens históricas do PS auxiliam a explicar algumas de suas peculiaridades. O PS apareceu no ordenamento jurídico brasileiro, no contexto da Constituição Federal de 1934, quando esta introduziu um dos principais instrumentos da revisão judicial e do controle da Administração Pública, o mandado de segurança (MS).

De fato, embora reconhecida sua existência pela Constituição de 1934, o MS apenas se tornou plenamente efetivo a partir da promulgação de sua legislação complementar, a Lei nº 191/36, o mesmo diploma legislativo que (em seu artigo 13) deu vida ao PS.

O MS oferece uma ampla área de atuação, como geralmente ocorre com mecanismos individuais em sistemas de controle difuso (DALLARI, 1970): cada

                                                                                                               

10 Estas situações estão previstas no artigo 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, no artigo 557 do Código de Processo Civil, no artigo 38 da Lei nº 8.038/90 e no artigo 4º da Lei nº 9.868/99.

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