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Multiparentalidade e Direito Sucessório

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PATRÍCIA FROELICH

MULTIPARENTALIDADE E DIREITO SUCESSÓRIO

Santa Rosa (RS) 2017

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PATRÍCIA FROELICH

MULTIPARENTALIDADE E DIREITO SUCESSÓRIO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Fernanda Serrer

Santa Rosa (RS) 2017

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Dedico este trabalho à minha família, que nunca mediu esforços para me ajudar, acreditando em meu potencial.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus que permitiu que tudo isso acontecesse ao longo da minha vida, е não somente nestes anos como universitária, mas, que em todos os momentos, é o maior mestre que alguém pode ter.

À minha família, que nunca mediu esforços para prestar auxilio nas horas difíceis e me apoiar em todas as minhas escolhas.

À minha orientadora Fernanda Serrer, que sempre esteve presente quando precisei, prestando apoio e dedicação para a realização deste trabalho.

Aos meus colegas de trabalho do Ministério Público Estadual de Santo Cristo que mе proporcionaram о conhecimento não apenas racional, como também na minha formação profissional, por tanto que se dedicaram а mim, não somente por terem me ensinado, mas por terem me feito aprender.

Aos professores da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul que nunca mediram esforços para proporcionar a todos os alunos conhecimentos jurídicos e por auxiliar na formação pessoal de cada ser.

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“A maior recompensa para o trabalho do homem não é o que ele ganha com isso, mas o que ele se torna com isso.” John Ruskin

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso busca estudar as principais mudanças no conceito de família trazidas nos últimos anos, dando um novo conceito ao afeto em relação aos filhos legítimos e ilegítimos, adotivos, biológicos e socioafetivos. A multiparentalidade surgiu para trazer uma nova visão da família no Brasil, na qual os pais não biológicos criam, cuidam, e amam seus filhos como se legítimos fossem, fazendo constar na certidão de nascimento desses, os dados de seus pais biológicos e também, dos pais socioafetivos. A partir do reconhecimento de novos direitos e de novos atores no ambiente privado o afeto assume papel de relevância seja no que diga respeito as uniões afetivas ou quanto aos laços de parentalidade daí decorrentes. Nesse sentido, recentes decisões judiciais têm inaugurado uma nova perspectiva para a constituição das famílias e para os filhos que delas derivam, reconhecendo a possibilidade de múltiplas filiações quando na vida de um sujeito estiverem presentes, simultaneamente, laços biológicos e laços afetivos. Diante desse vínculo criado surgem direitos e deveres dos filhos multiparentais, principalmente no campo do direito sucessório.

Palavras-Chave: Filhos Multiparentais. Filiação Socioafetiva. Multiparentalidade. Sucessão.

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ABSTRACT

The present work of course completion seeks to study the main changes in the concept of family brought in recent years, giving a new concept to the affection in relation to legitimate and illegitimate, adoptive, biological and socioaffective children. The multiparentality appeared to bring a new vision of the family in Brazil, in which non-biological parents create, care and love their kids as if they were legitimate, making the record on birth certificates of those, data from their biological parents and also, socioaffective parents. From the recognition of new rights and new actors in the private environment affection assumes role of relevance is what concerns the affective or unions about the ties of parenthood. In that sense, recent court decisions have opened a new perspective for the creation of families and the children who derive, recognizing the possibility of multiple affiliations when in the life of a subject are present simultaneously, biological ties and affective ties. On this bond created arise rights and duties of multiparental children, mainly in the field of the law of succession.

Keywords: Multiparentality. Succession. Socioaffective Affiliation. Parental Children.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 FAMILIA AFETO E FILIAÇÃO ... 10

1.2 O afeto e seus entendimentos ... 17

1.3 Filiação na história brasileira ... 19

1.4 Os filhos legítimos e ilegítimos ... 22

1.5 Os filhos adotivos ... 24

1.6 Os filhos biológicos ... 26

1.7 A filiação socioafetiva ... 27

2 MULTIPARENTALIDADE E DIREITO SUCESSÓRIO ... 30

2.1 Conceito de Multiparentalidade ... 30

2.2 O reconhecimento da Multiparentalidade ... 31

2.3 Sucessão legítima e herdeiros necessários ... 34

2.4 Multiparentalidade nos Tribunais: reconhecimento e efeitos jurídicos ... 37

CONCLUSÃO ... 46

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INTRODUÇÃO

O termo “família” não possui mais um único significado, e isso decorre dos diversos conceitos a ela contemporaneamente aplicados, pois na atualidade, visa-se muito mais a individualidade e o bem-estar de cada ser humano que compõe o instituto familiar.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, todos os filhos passaram a possuir direitos e deveres iguais, não existindo mais nenhuma distinção entre eles. A família passou a ser vista de outra forma, podendo ser anaparental, multiparental, monoparental, homossexual, etc., diferente do que acontecia há algumas décadas, diante do preconceito que antes existia.

Assim, com o reconhecimento de princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da afetividade e da individualidade, surgiram as novas estruturas familiares, as quais demandam estudo e não podem passar despercebidas pelo direito contemporâneo.

Diante destes princípios, o afeto passou a ser considerado o principal aspecto para que uma família seja constituída. Dessa forma, os pais começaram a ser representados por pessoas que não, necessariamente, possuíam um vínculo biológico com os filhos, mas um puro sentimento de amor. Diante disso, surgiu a filiação socioafetiva e multiparental que atualmente é equivalente ou até superior à biológica.

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Com o reconhecimento da filiação socioafetiva e multiparental começaram a surgir discussões acerca dos direitos que os filhos nessa condição possuem, principalmente, na questão relativa à sucessão, tema da monografia.

Em vista disso, o presente trabalho irá apresentar uma visão da família moderna e dos direitos que os filhos multiparentais possuem relativos à sucessão sendo ela legítima ou testamentária, com posterior análise jurisprudencial sobre o tema.

Para a realização do trabalho monográfico será adotada a pesquisa exploratória, visando trazer informações sobre o objeto do mesmo. As abordagens serão oriundas da seleção de bibliografia e documentos afins à temática, em meios físicos e na internet, capazes e suficientes para que seja construído um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo, responda o problema proposto, corrobore ou refute as hipóteses levantadas e atinja os objetivos propostos na pesquisa, além da leitura e fichamento do material selecionado, bem como da reflexão crítica sobre o material selecionado. A partir disso, os resultados serão expostos através de um texto escrito.

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1 FAMILIA AFETO E FILIAÇÃO

Com o passar dos anos, houve uma grande mudança no jeito que o ser humano passou a ver o mundo. Essa alteração no pensamento da sociedade instalou-se em nosso cotidiano após algum tempo, tempo este, que nos fez pensar, rever e amadurecer. Assim ocorreu também com o Direito de Família, o mais humano dos direitos.

As mudanças mais influentes em nosso dia-a-dia são as jurídicas e políticas, que alteram a concepção das pessoas em relação às famílias, os sentimentos, e, sobretudo, à vida. Dessa forma, será feita uma abordagem sobre como o conceito de família sofreu uma transição nas últimas décadas, principalmente pelo fato de ser introduzido o princípio do afeto como sua base. Com o afeto orientando as famílias, também serão abordados os tipos de filiações decorrentes.

1.1 O conceito de família na história

Segundo Pretto (2013) podemos observar que a família passou por alguns períodos importantes que contribuíram para a sua composição atual. Ela foi formulada e reformulada por diversas vezes, diante da reconstrução do equilíbrio da ordem pública e a autonomia privada. Essa situação impôs ao direito estar em constante renovação.

Esta evolução do conceito “família” teve início com a Revolução Francesa, visto que a partir dela, a história humana passou a evoluir, pois o Estado Liberal marcou o ritmo para seu futuro desenvolvimento.

Teixeira e Rodrigues (2010) apresentam a ideia de que o Estado Liberal reflete um contexto histórico marcado pelos direitos fundamentais garantidos para todos os cidadãos, para agir conforme quisessem, tendo a certeza de que todos serão

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tratados de forma igualitária. Era o sistema de direitos negativos, o qual garantia que, frente ao Estado e aos outros cidadãos, cada um tinha ampla liberdade para realizar seus interesses e suas inclinações. Era a forma de assegurar o progresso e o desenvolvimento humano.

Para Pretto (2013) não obstante tamanha inovação de pensamento com a introdução do Liberalismo, a liberdade em si, era voltada para o ponto de compra e venda, para o domínio de propriedades, ou seja, esta liberdade passa a não envolver, na prática, ao livre fluxo de pessoas, opiniões, pensamentos e expressões culturais e religiosas. Já a igualdade, apresentava-se na ideia de igualdade formal entre todos os cidadãos, ou seja, todos são iguais perante a lei, no entanto, não existia igualdade frente ao conteúdo desta.

No mesmo pensamento da autora, a família era vista como um elemento independente e diferente das pessoas que a constituíam. Sua formação – que não advinha do matrimônio – era o marco final para a intervenção do Estado, o qual, após constituída, não mais poderia intervir em seu funcionamento, ainda quando possuíam bases patriarcais, arbitrárias, com desigualdades entre os filhos. E exatamente essa foi a estrutura que se solidificou.

Pretto (2013), continua dizendo que, assim, as famílias tornaram-se núcleos patriarcais, autoritários, hierarquizados, formais, com interesses patrimoniais e pocriacionais. Apenas os “homens da casa” possuíam autonomia e liberdade, conduzindo sua mulher e seus filhos, bem como o patrimônio, da maneira que queriam. À época, a mulher era, inclusive, relativamente incapaz, devendo ser assistida pelo seu cônjuge (situação que, no Brasil, acabou com o advento do Estatuto da Mulher Casada, em 1962).

No Brasil, o direito de família refletiu as condições e modelos sociais, morais e religiosos dominantes na sociedade de cada época. Segundo Lôbo (2011, p. 40-41), sob o ponto de vista do ordenamento jurídico, o direito de família brasileiro pode ser dividido em três períodos: o primeiro refere-se ao direito de família canônico, no qual predominou o modelo de família patriarcal, abrangendo a Colônia e o Império; o

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segundo período é chamado de direito de família laico, instituído com a proclamação da República em 1889, no qual houve a redução progressiva do modelo patriarcal, perdurando até a Constituição de 1988; e, por fim, o direito de família igualitário e solidário, instituído pela Constituição Federal de 1988.

Buscando elementos para a reconstrução histórica das famílias brasileiras Campos (2008, p. 51) destaca que na sociedade brasileira "vigorou durante muito tempo o conceito de família patriarcal, com funções meramente econômico-patrimoniais, políticas, procriacionais e religiosas.” Esses meios conduziram a sociedade a uma grande desproporção social, em que a liberdade ilimitada converteu-se em arbítrio de uns, destruiu as liberdades individuais de outros e colocou como soberana a ideia de “igualdade formal sem a necessidade do poder coercitivo do Estado.”

Na teoria de Pretto (2013) tamanho descompasso conduziu a uma nova – mas não menos extremista – concepção de autonomia privada, a qual estava condicionada à proteção de interesses coletivos. Surgiu a ideia de função social dos direitos subjetivos, os quais deveriam comportar o equilíbrio entre a vontade particular e a necessidade da coletividade. Surgiram, então, os limites às atividades individuais de cada um, caracterizando o Estado Social.

Tal configuração societária definiu-se pela solidariedade social e pela promoção da justiça social, primando pela proteção dos menos favorecidos por meio da intervenção estatal nas relações de cunho privado.

Pretto (2013) ainda refere que, até o final dos anos de 1970 aos casais era admitido apenas o desquite como forma de interromper a vida conjugal, o qual não rompia completamente o vínculo existente entre os cônjuges, ficando assim, impedidos de contraírem novo matrimônio.

Depois, em 1977, foi promulgada a Lei do Divórcio - Lei n. 6.515/77 – a qual, finalmente autorizou a cessação do vínculo conjugal. Nesse sentido, a Constituição Federal em 1988 avançou ainda mais e permitiu o divórcio sem o processamento da

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separação judicial, mas apenas para casos em que o casal estava separado de fato há mais de dois anos, conforme a Emenda Constitucional nº 66. A criação desta emenda foi um grande avanço, pois os cônjuges passam a poder optar pela dissolução do vínculo matrimonial sem precisar submeter-se aos requisitos temporais.

Ainda, conforme Pretto (2013), o excessivo controle criado fez com que a vontade coletiva preterisse a vontade individual incondicionalmente. O contexto pedia, então, um equilíbrio, um ponto no qual houvesse normas gerais coletivas e protetoras que garantissem a todos o mínimo de autonomia, mas em um mundo comum, onde todas as autonomias devem coexistir. Para isso, a Constituição passa a ser o principal elemento normativo da nova modalidade de Estado, o Estado Constitucional.

A família, nesse novo contexto, passa a viver uma verdadeira democracia em seu interior. Ela deixa de ser uma instituição e torna-se um grupo íntimo, de concepção eudemonista, segundo Teixeira e Rodrigues (2010, p. 94). Este fenômeno é conhecido como “privatização da família.”

Segundo Villela (1980, p. 12-13), antes a família era um instrumento dos interesses do Estado e da Igreja; agora, sua função volta-se ao seu próprio interior, visando à realização mútua e pessoal, buscando a felicidade de cada um que, individualmente, colabora para a sua formação.

Na nova ideia de família, visualiza-se a concepção de que cada um é livre para fazer escolhas, tendo em vista suas próprias concepções.

Outro ponto que teve que ser modificado, foram as relações patrimoniais entre os cônjuges, sendo que agora possuem o poder de expor o perfil econômico de seu relacionamento. O Código Civil de 2002 traz no artigo 1.639, o princípio da autonomia privada, como diretor das relações patrimoniais no matrimônio.

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Os cônjuges também obtém o direito de escolher o regime de bens que regraria a sua convivência conjugal, ainda trazendo a oportunidade de ele ser alterado na constância do casamento. Essa liberdade, porém, entra em conflito com o expresso no artigo 1.641 do Código Civil de 2002, no qual submete a obrigatoriedade da adoção do regime de separação de bens àqueles que, no momento do matrimônio, possuam 70 anos (ou mais). Com essa imposição, visualizamos que o legislador pressupôs que os nubentes, com essa idade, não dispõem de discernimento para optar da maneira mais correta, ideia que vai de encontro com o entendimento do Estado Democrático de Direito (PRETTO, 2013).

Em relação ao vínculo matrimonial, a emenda 66 – que ficou conhecida como PEC do Divórcio – elimina, o instituto da separação, e, consequentemente, o prazo mínimo pelo qual o casal deve estar separado judicialmente para poder pleitear a conversão da separação em divórcio.

Dessa forma, pode ser observada uma mudança estrutural em algumas famílias, visto que a ideia principal hoje é de liberdade e felicidade. São formas distintas de manter a convivência, sendo famílias formadas por mais de um pai, mais de uma mãe, sem pai, sem mãe.

Nesse contexto Pretto (2013), refere que a forma com que a família se estabelece não tem muita importância, pois o que realmente interessa é a qualidade das relações entre seus membros, que devem ser de respeito, responsabilidade, solidariedade e afetividade.

Com a alteração dos conceitos e aspirações da família, cada membro da família possui o dever de promover a dignidade e o desenvolvimento do outro, sendo responsável pelo bem-estar das pessoas que estão ao seu lado. É uma responsabilidade natural que decorre de uma escolha, da liberdade. É nesse sentido que Teixeira e Rodrigues (2010, p. 97) referem:

Uma vez engajado, cada um se torna responsável pela construção do outro, pois a família é o primeiro espaço de concretização da intersubjetividade. E mais. Um vínculo que nasce por ato de autonomia, torna-se mais profundo

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ao ser consolidado. Conviver e permanecer junto, por ato de liberdade, faz do outro algo especial a ser cuidado. Saint-Éxupery já dizia que foi o “tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.”

Pretto (2013) refere que o Código Civil de 1916 colocava em evidencia o caráter institucional da família, visto que, o divórcio não era permitido, apenas o desquite (que mantinha o vínculo conjugal) tentando assim manter esse vínculo. Com o advento do Código Civil de 2002, inúmeras inovações foram elencadas, primando, principalmente, pela autonomia da família e pela valorização de cada pessoa individualmente. Nesse sentido, o artigo 1.523 do Código Civil vigente, refere: “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.”

O artigo acima referido faz menção ao artigo 226, §8º da Constituição Federal de 1988, que menciona: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram.”

Diante disso, visualizamos que atualmente o Estado pouco pode interferir na relação do casal, sendo livre a escolha e liberdade de cada ser a vontade da constituição familiar. O casal deve reunir o equilíbrio, a igualdade e a individualidade para construir uma base de respeito, acordos e desejos que guiarão a união, não sendo justificável a intervenção de terceiro nessas ideias.

O artigo 226 da Constituição Federal, em seu §7º, refere que:

Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Segundo Pretto (2013), com a promulgação da Lei nº. 11.441/07 o divórcio ganhou força, pois a partir de então possibilita a realização de divórcio consensual extrajudicial por meio de escritura pública, facilitando assim, ainda mais, o rompimento do vínculo conjugal. Não existem mais justificativas para o divórcio, basta um não querer estar junto.

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Essa liberdade encontra restrições legais, previstas na Resolução nº. 35/07 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como nos casos em que existam filhos menores não emancipados ou incapazes, sendo que seus interesses são observados e garantidos pelo Ministério Público, que atua, como fiscal da ordem jurídica.

Assim, conforme Pretto (2013) no divórcio extrajudicial, o casal para realizar o divórcio deve ter, no mínimo, um ano de casamento, manifestar válida, livre espontânea vontade, e os cônjuges devem estar assistidos por um advogado.

Ainda no pensamento da autora, a evolução dos direitos dos grupos de pessoas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, a Lei Maria da Penha, os direitos que as mulheres adquiriram ao longo do tempo, fez com que a família deixasse de ser um instituto foral e centralizado no casamento, se tornando um instrumento democrático da concretização da pluralidade, visto que a Constituição abre linhas a qualquer projeto de vida que se baseia na afetividade, solidariedade e dignidade.

Assim, Pretto (2013) afirma que com a liberdade feminina adquirida, a família deixou de ser uma obrigação, passando a ser um lugar de conforto para todos os seus membros. Visto isso, nota-se que quando não há mais felicidade, não há porque insistir no casamento, sendo que o casal pode separar-se e continuar sua vida amorosa, formando assim, novas e misturadas famílias pois, os filhos de um passam a conviver como irmãos dos filhos do outro, acompanhando, em diversas situações a chegada do filho dos dois.

Conforme Ribeiro (2002), com o surgimento da Constituição Federal de 1988, foi colocado um fim na longa história de discriminações referentes à filiação, encerrando em seu texto constitucional toda e qualquer discussão acerca das filiações ilegítimas e banindo qualquer forma de distinção prejudicial aos filhos, seja para efeitos de natureza pessoal ou patrimonial.

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Na mesmo pensamento, o autor afirma com convicção que atualmente todo filho pode pleitear junto ao Poder Judiciário o reconhecimento de sua paternidade, garantindo à ele os alimentos e os registros específicos, bem como todos os direitos no campo sucessório.

Diante do exposto, após ser construído esse pensamento em favor da individualidade de cada ser, visualiza-se que as famílias modernas não possuem mais uma moldura formal. Assim, não há motivos para que não sejam reconhecidos os tipos de famílias que são constituídas, sejam elas heterossexuais, homossexuais, monoparentais, multiparentais, afetivas, sem filhos ou sem pais presentes.

1.2 O afeto e seus entendimentos

O afeto que antes não era essencial e muitas vezes desconhecido, com o passar do tempo, tornou-se extremamente importante para a constituição da família, sendo hoje considerado o requisito mais importante para sua formação.

Para compreender o significado de afeto, parte-se da socioafetividade que, conforme Heloisa Helena (2009, p. 31) “é um elemento constituído por dois diversos aspectos, quais sejam o social e o afetivo.”

Teixeira e Rodrigues (2010, p. 180) referem que o afeto, no ordenamento jurídico, pode ser classificado de duas maneiras: como um princípio e como uma relação.

É um princípio, pois, o afeto não é coercitivo e atua como uma consequência do princípio da dignidade da pessoa humana, construindo laços afetivos dentro dos núcleos familiares.

No momento que o afeto é visto com uma relação, significa que o laço afetivo foi mostrado para a sociedade pelos membros da família, através de condutas voluntárias que qualificam a convivência familiar. Diante disso, o afeto ganhou

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relevância jurídica e, consequentemente, coercitividade, visto que certas relações firmadas na afetividade vivenciadas por duas ou mais pessoas geram eficácia jurídica. Nesse sentido, Teixeira e Rodrigues (2010, p. 177) referem:

Sendo assim, não é de (des)amor que se trata o afeto como fato jurídico. Mas de uma relação que, quando moldada por comportamentos típicos de uma legítima convivência familiar, é capaz de gerar eficácia jurídica. Exemplo disso, a posse de estado de filho, geradora do parentesco socioafetivo entre pais e filhos. Por isso, não podemos falar em direito ou dever de afeto. Mas devemos valorizar as manifestações exteriores – condutas e comportamentos – que traduzam a existência do afeto em determinadas relações.

Na mesma teoria, menciona Pretto (2013, p. 19) que não mais apenas os laços biológicos demonstram uma relação familiar, mas também o afeto. Nesse sentido de relação, o afeto sustenta a verdade fática diante da existência de uma relação filial. Independente do afeto, essa relação familiar sólida se mantém, podendo ser comparado com uma relação patrimonial, que mesmo finda, persistem alguns ônus e algumas obrigações que devem ser suportadas por todos.

A socioafetividade além de gerar relações entre pais e filhos, também contempla a afinidade entre avós e netos, tios e sobrinhos e principalmente, entre irmãos.

Nesse contexto Toledo (2006), refere que:

O afeto venceu a cosanguinidade, e o vínculo formado não pode ser abalado, nem ameaçado, por quem se encontra aquém dessa relação. Não cabendo, portanto, a desconstituição dessa paternidade socioafetiva surgida entre pai e filho.

Segundo Lima (2011), em virtude dos princípios constitucionais o afeto passou a ter valor jurídico, sendo que a filiação começou a ser vista por seus valores culturais, sociais e morais e no conflito que existe entre o fato e a lei, o afeto se sobrepõe a mera presunção. Dito isso, a paternidade biológica passa a ter papel secundário, vindo a paternidade a existir em decorrência da convivência afetiva.

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1.3 Filiação na história brasileira

Todos os seres humanos são gerados a partir de um homem e de uma mulher. A eles são atribuídos os papéis de pais e mães, sendo que essas figuras nos representam ao longo da vida. No entanto, esse reconhecimento de direitos e deveres não foi tão claro e preservado no passado, muito menos a verdade biológica foi sempre tão assegurada e bem representada.

No período que antecedeu, e até mesmo após a promulgação da Constituição Federal do Brasil os chamados “filhos de ninguém”, pois, ilegítimos e/ou adulterinos eram desconhecidos e abandonados. Esse tratamento advém das marcas que o Brasil carrega do tempo da escravatura, marcas de descriminalização e sofrimento, que perduram até hoje.

Há alguns anos o sexo era destinado para a procriação, conforme afirma Del Priore (2006, p. 39):

O sexo lícito era restrito exclusivamente à procriação. Donde a criação do prazer ordenado no casamento e a determinação de posições “certas” durante as relações sexuais. Era proibido evitar filhos. Era preciso usar o “vaso natural” e não o traseiro. Era proibido à mulher colocar-se por cima do homem ou de costas. Certas posições, vistas como “sujas e feias” constituíam pecado venial, fazendo que “os que usam de tal mereçam grande repreensão, por serem piores do que brutos animais, que no tal ato guardam seu modo natural.” Controlado o prazer, o sexo no casamento virava débito conjugal e obrigação recíproca entre os cônjuges. Negá-lo era pecado, a não ser que a solicitação fosse feita nos já mencionados dias proibidos, ou se a mulher estivesse muito doente.

A autora ainda refere que o homem tratava a mulher como uma máquina de fazer filhos. Estas eram submetidas às relações sexuais mecânicas e despidas de reações de afeto.

Del Priore (2006, p. 186) explica que o culto da pureza que idealizava as mulheres afastava ainda mais os casais. O homem não procurava ter prazer com a mãe de seus filhos e, inclusive, falava-se que familiaridade em excesso trazia

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desprezo. A nudez era outro ponto que deveria ser evitado, mesmo entre casados. As mulheres não podiam sair nas ruas com o cabelo solto.

A autora refere que para a Igreja, o marido possuía necessidades sexuais e a esposa se submetia ao papel de reprodutora.

Ainda nas palavras de Del Priore (2006, p. 186/187):

Não faltavam conselhos na imprensa. O mais repetido? A mulher deve ser uma boa dona-de-casa. Ela deve aplicar seus esforços no bom comando dos escravos empregados e na excelente educação dos filhos. Ela deve conhecer e praticar todos os pontos de bordado e, entre as elites, cantar e tocar piano. Ela deve ser reservada em seu comportamento, evitando tanto o riso demasiado quanto os bocejos de tédio. Qualquer mulher de moralidade suspeita deve ser evitada. Deve-se, também, resguardar a entrada de qualquer homem em um quarto de mulher, com exceção de padres e médicos que não são considerados homens. Sendo o casamento indissolúvel, deve-se evitar contato com divorciadas e separadas, consideradas maus exemplos. Reforça-se o medo das “perdidas”: “Há coisas que uma vez perdida, nunca mais se recuperam: na mulher, a inocência e no homem, a confiança nela.”

Welter (2009), explica que no contexto histórico da época, o número de filhos ilegítimos no Brasil cresceu muito devido à soma de dois elementos: o primeiro faz menção a “serventia” das mulheres, que era qualificada com base na sua cor de pele: a negra para o trabalho, a mulata para o sexo e a branca para o casamento.

O segundo fator refere que na colônia aplicava-se à filiação a lei portuguesa, que proibia o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento. Diante disso, visualiza-se a situação de que homens brancos deitavam-se com negras e indígenas não se preocupando com a possível futura prole, sendo que a descontrolada prática sexual gerou uma infinidade de crianças cujas paternidades eram totalmente desconhecidas.

Para Dill e Calderan (2011), era a busca pela procriação e a necessidade de conservar os bens que induziam as pessoas a constituir família. Quanto aos filhos, quando crianças, não viviam a infância, pois logo que adquirissem porte físico para trabalhar, misturavam-se aos adultos e partilhavam dos afazeres domésticos. Ainda

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segundo Philippe Aires (1978), os filhos desde muito cedo viviam praticamente independentes e tudo que aprendiam era observando os adultos.

Os autores acima referidos afirmam que para os romanos, era obrigatório ter filhos para se perpetuar os cultos religiosos, mas não bastava apenas ter filhos, era necessário que esses fossem frutos do casamento. Todavia, a falta de filhos declinavam consequências cruéis aos considerados estéreis, de regra, atingindo somente às mulheres por estarem estas ligadas à gestação e não haver na época formas de provar a esterilidade masculina, aplicando como sanção à anulação do casamento e à exclusão da sociedade.

No direito canônico, as famílias se constituíam diante do culto religioso que adveio do Cristianismo.

De acordo com Pereira (2003), o casamento sofreu uma grande variação em sua essência, pois o cristianismo elevou o casamento à sacramento. “[...] O homem e a mulher selam a sua união sob as bênçãos do céu, transformando-se numa só entidade física e espiritual e de maneira indissolúvel.” O sacramento do casamento não poderia ser desfeito pelas partes, somente a morte separaria a união indissolúvel entre um homem e uma mulher, simbolizada através da troca de alianças.

No entanto, Dill e Calderan (2011) referem que, com o passar dos anos, surgiu um novo conceito de família que foi introduzido na pós-modernidade.

Nesse período, segundo Welter (2003), a família se abre para configurar-se em um mundo cruel, uma forma de abrigo, um pouco de calor humano, um lar onde entre seus membros se pratique a solidariedade, a fraternidade, e acima de tudo, os laços de afeto e amor. Esse é o sentido da família na atualidade.

Conforme Teixeira e Rodrigues (2010), as mudanças que foram introduzidas na sociedade a partir das Constituições desde a década de 30, começaram a beneficiar os filhos, como por exemplo, a previsão de direitos iguais aos filhos legítimos e aos

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naturais, a proibição da qualificação do filho em sua certidão de nascimento, a possibilidade de reconhecimento de filhos ilegítimos, a legitimidade para adoção.

Com o passar dos anos, a qualificação dos filhos acabou perdendo o sentido e aos poucos as famílias atingiram o seu status atual.

1.4 Os filhos legítimos e ilegítimos

Venosa (2011), explica que a legitimidade ou não da prole esteve ligada diretamente ao casamento dos pais quando de sua concepção. Assim, legítimos eram os filhos que nasciam em virtude das relações matrimoniais válidas ou putativas – isto é, os filhos concebidos na constância do casamento, ainda que anulado, ou mesmo nulo, se contraído de boa fé.

Pretto (2013), afirma que a filiação foi classificada pela doutrina, como filiação legítima, legitimada e ilegítima. Os filhos ilegítimos, esquecidos pela sociedade e ignorados por sua família, sem ter seus direitos e deveres reconhecidos, eram oriundos de relações extraconjugais, e eram classificados em: naturais e espúrios.

Nesse sentido, os chamados filhos ilegítimos naturais eram o resultado de pais que, à época de sua concepção, não possuíam qualquer impedimento matrimonial, seja decorrente de parentesco, seja de casamento anterior. Adquiriram condição de naturais com o reconhecimento de um ou ambos os pais. Diante disso, eram equiparados aos legítimos e superiores aos espúrios.

Os nominados filhos espúrios eram oriundos da relação entre homem e mulher, que eram impedidos de casar diante da existência de parentesco impeditivo ou devido ao fato de qualquer deles já ser casado com outra pessoa.

Assim, visualiza-se que essa classe divide-se, ainda, em filhos ilegítimos espúrios incestuosos e filhos ilegítimos espúrios adulterinos.

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Na mesma teoria, os chamados filhos adulterinos eram os nascidos de pessoas que eram impedidas de casar diante de um matrimonio pré-existente com terceiros. Essa adulterinidade era classificada em bilateral ou unilateral, conforme qual dos pais estivesse impedido para o casamento. A patre eram os filhos adulterinos gerados por homem casado e por mulher solteira, viúva ou divorciada. A matre, os gerados por mulher casada.

Assim, Pretto (2013) refere que os filhos ilegítimos, espúrios, incestuosos eram os nascidos de pessoas impedidas de se casar em razão da existência de parentesco entre elas, seja ele natural, civil ou afim. Destaca-se que o impedimento devia estar presente no momento da concepção do filho. Se o impedimento surgisse depois, ele não atingiria o descendente, que será ilegítimo natural.

Com o advento da Constituição de 1934 começou de surgir a possibilidade do reconhecimento dos filhos naturais com iguais direitos hereditários dos filhos legítimos. A Carta Magna de 1937 garantiu a igualdade de todos os direitos entre os filhos legítimos e naturais.

No entanto, apenas em 1942 foi legalmente autorizado o reconhecimento de um filho havido fora do casamento pelo cônjuge adúltero, e ainda esse reconhecimento estava sob algumas exigências, como o fato dele só poder ser reconhecido após o desquite do cônjuge infiel.

Assim, segundo Pretto (2013) em 1949, os filhos naturais ganharam o direito de investigar sua paternidade, mesmo estando o suposto pai casado. A diferenciação entre os filhos naturais e espúrios adulterinos ainda era evidente, visto que esse direito só era garantido depois de cinco anos da dissolução da sociedade conjugal do indigitado pai.

Por fim, Pretto (2013) afirma que a Constituição Federal de 1988 trouxe uma grande revolução para o direito de família, especialmente na seara da filiação, pois conferiu a igualdade dos direitos de filhos a todos eles, e inclusive, passou a proibir

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as designações discriminatórias, como a classificação de filhos legítimos, legitimados, ilegítimos, incestuosos, adulterinos, naturais, espúrios ou adotivos (art. 227, § 6º da CF). Agora, todos os filhos têm o direito de ser reconhecidos, seja voluntária ou judicialmente, bem como os direitos sucessórios e de alimentos.

1.5 Os filhos adotivos

Com a revogação do Código Civil de 1916, em 2002, o instituto da adoção passou a ser regulamentado por ele. No entanto, em 2008, a questão da adoção dos filhos menores passou a ser atribuída ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Conforme Barbosa (2010), a adoção pode ser considerada um ato jurídico solene, no qual é estabelecido um laço de filiação entre os adotantes e o adotado, sem que haja uma relação biológica entre eles.

Sobre os filhos adotivos, Venosa (2011, p. 273), refere:

A adoção é modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural. Daí ser também conhecida como filiação civil, pois não resulta de uma relação biológica, mas de [...] sentença judicial [...]. A filiação natural ou biológica repousa sobre o vínculo de sangue, genético ou biológico; a adoção é uma filiação exclusivamente jurídica, que se sustenta sobre a pressuposição de uma relação não biológica, mas afetiva. A adoção contemporânea é, portanto, um ato ou negócio jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas. O ato da adoção faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa, independentemente do vínculo biológico.

Atualmente o filho que é adotado, entra na família como se filho biológico fosse, sendo que as únicas discussões que existem tratam-se de fazer a melhor escolha para a criança. No entanto, a adoção não era tão bem aceita e estimulada em anos anteriores (PRETTO, 2013).

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Em 1916, o Código Civil regulamentava a adoção em seus artigos 368 a 378 e previa que a adoção deveria ser feita por escritura pública e sem a interferência do magistrado. Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei nº 8.069/90 -, esse passou a regular apenas a adoção entre maiores, incumbindo a tal estatuto as adoções de menores e, excepcionalmente, de adultos que, ao completarem 18 anos, já estivessem sob a guarda ou tutela dos adotantes.

Referia também o diploma legal que, o parentesco criado por meio da adoção era limitado entre o adotante e o adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais que tratava o art. 183, III e IV.

O Código referia também que, os requisitos para a pessoa do adotante, que deveria ser maior de 50 anos e não ter prole legítima nem legitimada, e no mínimo dezoito anos mais velho que o adotado. No entanto, em 1957 essas previsões foram modificadas e as exigências a partir de então passaram a ser: adotante maior de 30 anos; dezesseis anos mais velho que o adotado e, se casado, ter decorrido cinco anos do casamento.

Sobre isso, Venosa (2011, p. 280) refere:

A adoção civil, nessa época, como manifestação bilateral de vontade, era ato de direito privado, sem interferência do Estado, por meio do Poder Judiciário, como ocorre com a adoção estatutária, cujos passos foram seguidos pelo atual Código Civil. Nessa adoção civil não existia necessidade de estágio de convivência, nem restrições para o adotante estrangeiro, residente dentro ou fora do país. Nesses termos, qualquer pessoa, independentemente de seu estado civil, preenchendo os requisitos enumerados, podia adotar.

Em 1988 com a Constituição Federal, equiparou todos os direitos e deveres decorrentes da filiação, independentemente de sua natureza. Hoje, os filhos possuem direitos sucessórios, com igual tratamento e com a garantia da irrevogabilidade da adoção, conforme art. 227, §6º.

Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente é o sistema utilizado para a adoção de menores. Esta se posiciona no sentido de proteção das crianças não

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distinguindo mais as adoções. Hoje, as crianças e os adolescentes estão sujeitos a direitos e deveres, não sendo mais objetos de qualquer relação jurídica.

Enfim, Pretto (2013) afirma que a consumação da adoção ocorre com a prolação da sentença constitutiva, nesse momento rompem-se definitivamente os laços e o pátrio poder da família natural. A única coisa que permanece em relação à família biológica são os impedimentos matrimoniais.

1.6 Os filhos biológicos

Pretto (2013) traz algumas considerações sobre os filhos biológicos, ela refere que a mais simples e original forma de filiação, a biológica, é existente e considerada há anos como a menos polêmica e a mais bem aceita diante das garantias legais e com o fortalecimento dos laços fraternais como o afeto.

A presunção, como sendo a mais primitiva forma de confirmação da parentalidade continua presente no ordenamento jurídico até os dias atuais, sendo que a estrutura da presunção baseia-se nos deveres dos cônjuges (art. 1.566, CC), sendo o principal, o dever de fidelidade.

No art. 1.597 do Código Civil, pode-se visualizar situações em que os filhos presumem-se concebidos na constância do casamento entre marido e mulher.

Assim, afirma Pretto (2013) que essa ideia de presunção sofreu um grande impacto com a chegada do exame de DNA, que permitiu comprovar a real existência ou não da vinculação consanguínea. Ainda, o DNA possibilitou a busca pela origem genética de cada ser humano. Tamanho choque causado por essa inovação que traz a eficácia de praticamente 100% de exatidão, que se possibilitou, inclusive ao marido, o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher (art. 1.601, CC). Com isso, é evidente que nasceu uma nova e mais forte revalorização dos vínculos biológicos na questão da paternidade.

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Atualmente, o valor alcançado pela filiação biológica não se perdeu, diante do avanço tecnológico que permite formas antes inimagináveis para se conceber um filho, como por exemplo, o congelamento do sêmen e sua possível utilização após a morte do pai.

Essas possibilidades trazidas pela ciência como uma forma de garantir a filiação biológica de quem a deseja acabarão por intensificar uma dicotomia já muito presente hoje: a relação genética versus socioafetividade.

Dessa maneira, Pretto (2013), finaliza referindo que esses filhos gerados de pais já falecidos, por exemplo, provavelmente serão criados como filhos de outros e terão direito a um dos mais novos valores jurídicos no Direito de Família: a posse do estado de filho. É o surgimento da socioafetividade.

1.7 A filiação socioafetiva

Para Pretto (2013), a família socioafetiva é muito mais do que a adoção de uma criança, ela se constitui diante da criação, alimentação e da convivência diária de amor e respeito entre as pessoas que convivem como pais e filhos.

A socioafetividade está presente em todas as relações parentais, sejam elas biológicas ou civis, como a adoção. Ainda, a socioafetividade está presente em relações que não contam com o vínculo de reconhecimento parental, tornando-se necessário, nesses casos, o elo entre pais e filhos.

Esse novo entendimento de parentalidade decorre do entendimento de que a família é mais que um grupo natural, é também cultural. Ela está diretamente ligada à liberdade que todos têm de se unir com quem se deseja e, ainda, à responsabilidade decorrente dessa liberdade. Responsabilidade essa que faz surgir

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àqueles que juntos decidem viver deveres mútuos característicos de uma verdadeira entidade familiar.

Nesse sentido, referem Teixeira e Rodrigues (2010, p. 174):

No nosso ordenamento já existem vários dispositivos que tutelam os vínculos de socioafetividade, como a irrevogabilidade da adoção, a cláusula de parentesco por outra origem [art. 1.593, CC], a possibilidade de se fazer inseminação artificial heteróloga [art. 1.597,V, CC].

Lembrando que socioafetividade é um elemento constituído por dois diferentes aspectos, o social e o afetivo, os quais se ligam no momento em que a afetividade cria um vínculo e o reflete no meio social por meio de três elementos: a reputação, o nome e o tratamento.

Zeni (2009, p. 20), afirma que diante de tais mudanças pode-se concluir que não há um conceito de filiação livre de distinções, porque todos, de uma maneira ou outra, ligam-se ao casamento entre homem e mulher. Fala-se na socioafetividade como forma de filiação, mas esta figura não está englobada no conceito. Dessa forma, Ferreira (2004) foi muito feliz em dar significado à filiação, ao expressar que ela é a base da identidade dos novos membros da sociedade e de sua incorporação aos diversos grupos sociais, não atribuindo qualquer cunho discriminatório embasado na lei.

Para Costa (2011), em suma, a filiação socioafetiva, também conhecida como “filiação do coração”, é considerada aquela em que os pais tratam as crianças como que se filho fosse, independentemente de laço sanguíneo ou laços civis (sentença), sendo esse laço fundamentado pelo elemento primordial das relações familiares contemporâneas: o afeto.

Lima (2011) traz um importante pensamento:

O afeto passou a ter valor jurídico, decorrente da consagração de princípios constitucionais, passando a filiação a ser vista pelos seus valores culturais, sociais, morais e no conflito existente entre o fato e a lei, o afeto deve se sobrepor à mera presunção. A paternidade biológica passa a ter papel

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secundário, vindo a paternidade a existir não pelo fator biológico ou pela presunção da filiação, mas em decorrência da convivência afetiva, adaptando a norma positiva ao caso concreto, à realidade social.

Dessa forma, pode ser observada que a paternidade socioafetiva é muito importante pois são os laços de afeto que constituem as famílias atuais. Outrossim, após a análise da família brasileira atual, verifica-se que a grande novidade trazida nos últimos anos é o instituto da multiparentalidade e os efeitos que dele decorrem,

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2 MULTIPARENTALIDADE E DIREITO SUCESSÓRIO

Vimos no capítulo anterior que, atualmente, a base para constituir-se uma família é o afeto. Ele trouxe novos arranjos às famílias, mostrando que ela pode ser constituída das mais diversas formas.

Ainda, observamos que não é adotado mais nenhum quesito de distinção entre os filhos, conforme art. 227, §6º da Constituição Federal, que nos traz o princípio da igualdade entre os filhos.

A partir disso, neste capítulo iremos tratar da multiparentalidade e seus efeitos sucessórios, mostrando que os filhos multiparentais possuem direito legítimo aos efeitos jurídicos do campo sucessório, bem como, será realizada a análise de jurisprudências que envolvem a multiparentalidade.

2.1 Conceito de Multiparentalidade

A família atual é constituída das mais diversas formas e padrões, mostrando que o vínculo afetivo é tão importante de ser reconhecido como o biológico.

A coexistência desses dois vínculos – biológico e afetivo – é cabalmente viável, preservando os direitos fundamentais de pais e filhos. Podemos afirmar que os vínculos afetivos são muito mais importantes que os biológicos, pois a afetividade é o ponto que define a unidade familiar.

Para Pretto (2013), o significado da multiparentalidade é simples de ser entendido e muito utilizado na vida real. Suponhamos que o pai biológico de uma criança mantenha união com outra pessoa que não seja a genitora consanguínea de seu filho. A madrasta cria, educa e transmite amor ao filho de seu companheiro. A criança considera-a como que se sua mãe biológica fosse sem excluir a pessoa de

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criança, conste o nome de ambas as mães, sem distinções entre elas na forma biológica ou afetiva.

Nesse sentido, Goulart (2013, p. 17) destacou:

“[...] a Carta Magna traz com toda clareza que não pode haver discriminação sobre os tipos de filiações, ou seja, não importa como se deu essa filiação, será igualitária como se fosse um filho legítimo [sic], conforme o art. 227, parágrafo 6º, do diploma legal referido. Dessa forma, caso haja o reconhecimento de uma filiação socioafetiva, este terá os mesmos direitos das demais filiações.

[...]

Uma vez que se tem a posse de estado de filho consolidado, logo este seria um herdeiro legítimo necessário como as filiações biológicas.”

Contudo, o reconhecimento da multiparentalidade não é expresso em nosso diploma legal, devendo ser analisado como um todo, especialmente no que confere aos princípios e garantias que a Constituição Federal apresenta.

2.2 O reconhecimento da Multiparentalidade

Em nossa sociedade atual, as famílias não possuem composições únicas, podendo ser das mais diferentes formas, sendo os princípios constitucionais a base que deve apoiar e resolver os conflitos que surgem decorrente das diversas formações do conjunto chamado família.

O reconhecimento da multiparentalidade deve ser analisado com base nos princípios constitucionais, principalmente no que se refere a Dignidade da Pessoa Humana, visto que possui maior preocupação com a tutela existencial do ser humano do que com a tutela patrimonial.

Diante da preocupação com a pessoa humana, a Constituição Federal em 1988 consagrou em seu texto o princípio do pluralismo das famílias brasileiras, conferindo proteção à cada uma delas, independente de sua formação.

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princípio da igualdade da filiação que trouxe aos filhos não concebidos na constância do casamento um tratamento igualitário com os demais, possuindo os mesmos direitos e deveres.

Acerca do princípio da igualdade, Teixeira e Rodrigues (2010, p. 89) comentam:

O princípio da igualdade garantido na Constituição opera em dois planos distintos. De um lado, perante o legislador, impedindo que ele configure hipóteses normativas de modo tal que se dê tratamento distinto a pessoas que, de todos os pontos de vista legitimamente adotados, encontrem-se na mesma situação, ou, dito de modo diverso, impedindo que se outorgue relevância a circunstâncias que não podem ser levadas em consideração em virtude de proibições sistematicamente construídas na Constituição. Ou, ainda, porque não guardam relação alguma com o conteúdo da regulamentação, que, ao incluí-las na hipótese normativa, incorre em arbitrariedade e é, por isso, discriminatória. De outro lado, a igualdade perante a lei obriga que esta seja aplicada de modo igual a todos aqueles que se encontrem na mesma situação, sem que o aplicador possa estabelecer diferença em razão das pessoas ou de circunstâncias que não estejam contempladas na norma.

Em conjunto com o surgimento desses princípios, nasce também o princípio relativo ao afeto, que atualmente norteia as famílias brasileiras. Esse princípio mostra que a filiação socioafetiva deve ser aceita, mostrando que o filho biológico é igual ao filho afetivo em virtude do princípio da igualdade das filiações.

Welter (2012) explica que:

A (des)afetividade acompanha o ser humano desde a concepção até o leito de sua morte, tendo profunda influência no modo de ser-no-mundo, sendo inclusive a chave que abre o mundo dos seres vivos em geral (mundo genético) para o mundo humano, à medida que, “sem essa abertura mútua, tampouco pode existir verdadeiro vínculo humano”, que é condição de possibilidade para pré-compreender o ser humano em sua tridimensionalidade.

Assim, conforme o autor é possível entender que o afeto é quem orienta as relações do ser humano, sendo que sem ele, não existiriam nem os vínculos biológicos.

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multiparentais é o principio da dignidade da pessoa humana, aliado ao princípio da pluralidade das entidades familiares, do afeto e da igualdade de filiação, guiando e trazendo soluções aos conflitos existentes no campo do reconhecimento da multiparentalidade.

Conforme Lima (2008), o parentesco socioafetivo é reconhecido e comprovado diante de alguns requisitos, quais sejam: trato, nome e fama. Essas premissas são os meios de prova para certificar a existência da relação familiar socioafetiva. Assim, sem essas condições a filiação afetiva não existe.

Teixeira e Rodrigues (2010, p. 194), referem o que é necessário para que seja reconhecida a essência da socioafetividade:

É o exercício fático da autoridade parental, ou seja, é o fato de alguém, que não é o genitor biológico, desincumbir-se de praticar as condutas necessárias para criar e educar filhos menores, com o escopo de edificar sua personalidade, independentemente de vínculos consanguíneos que geral tal obrigação legal. Portanto, nesse novo vínculo de parentesco, não é a paternidade ou a maternidade que ocasiona a titularidade da autoridade parental e o dever de exercê-la em prol dos filhos menores. É o próprio exercício da autoridade parental, externado sob a roupagem de condutas objetivas como criar, educar e assistir a prole, que acaba por gerar o vínculo jurídico da parentalidade.

Uma relação familiar começa a partir de um afeto objetivo, no entanto, esse afeto não obriga a existência de um afeto subjetivo, de puro sentimento. Além do mais, o afeto é algo que não pode ser requerido nas relações consanguíneas, pois o direito não tem controle sobre singularidade sentimental de cada ser humano.

Na concepção de Welter (2012) a paternidade biológica não pode se sobrepor a afetiva, e vice-versa, conforme explica:

Em decorrência, a paternidade genética não pode se sobrepor à paternidade socioafetiva e nem esta pode ser compreendida melhor do que a paternidade biológica, já que ambas são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas, porque fazem parte da condição humana tridimensional, genética, afetiva e ontológica. Assim, não reconhecer essas duas paternidades, ao mesmo tempo, com a concessão de „todos‟ os efeitos jurídicos, é negar a existência tridimensional do ser humano, que é reflexo da condição e da dignidade humana, na medida em que a

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quanto a vida, pois faz parte da trajetória da vida humana.

Dessa forma, é importante que as duas paternidades sejam reconhecidas, pois é algo que faz parte da sociedade, pois as famílias reformularam-se sendo necessário que todas elas, independentes de suas composições, sejam reconhecidas.

2.3 Sucessão legítima e herdeiros necessários

O reconhecimento da multiparentalidade gera efeitos em diversos campos conforme já abordado, como por exemplo, no parentesco, nome, obrigação alimentar, guarda, visitas, e, no campo do direito sucessório.

Para Fugimoto (2015), atualmente não há mais distinção entre os filhos, conforme refere o Art. 227, §6º da Constituição Federal, diferente do que trazia o Código Civil de 1916, que demonstrava diversas qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e os filhos que eram oriundos dessa relação. Essa distinção servia para punir e excluir os direitos dos sucessores.

Com o passar dos anos e com o advento das Constituições e do Código Civil atual, essa distinção entre filhos passou a ser reprimida sendo que com a Constituição Federal de 1988 foi estabelecido que os filhos havidos fora do casamento não poderiam mais ser discriminados tampouco qualificados. Dessa forma, todo filho possui direitos e deveres, entre eles, o direito à herança.

Em nosso ordenamento jurídico brasileiro, observamos que existem dois tipos de sucessão: sucessão legítima e sucessão testamentária.

Pretto (2013) afirma que a sucessão legítima é aquela que decorre da lei, prescindindo da vontade manifesta da pessoa falecida, visto que ela não deixou claro o que fazer quanto aos seus bens, ou quando deixou para apenas parte deles.

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podendo ser filho, neto, bisneto, etc., tanto na filiação biológica como na socioafetiva. Dessa forma, ele pode ser classificado como um herdeiro necessário, sendo seu quinhão (parte da herança) garantido.

O art. 1.845 do Código Civil refere que são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

O art. 1.846 do Código Civil Brasileiro faz menção sobre os herdeiros necessários: “pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.”

Pretto (2013) refere que é importante salientar que um herdeiro necessário pode ser excluído da sucessão legítima nos casos de indignidade ou deserdação. No entanto, essas situações devem ser impreterivelmente, comprovadas por sentença judicial após o falecimento do de cujus.

A sucessão testamentária é conduzida pelo testamento, que deve observar o princípio da vontade do extinto, sendo que o juiz e o testamenteiro devem ouvir testemunhas e interpretar o testamento para descobrir qual era a vontade do testamentário.

Nesta teoria, o ordenamento jurídico atual do Brasil traz o princípio ao juiz natural, que, ao julgar uma demanda, deve convencer-se com as provas do processo, deixando de lado suas feições particulares. O magistrado deve julgar o processo de forma imparcial.

É isso que refere o Art. 371 do Código de Processo Civil vigente, vejamos:

Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento

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análise das exigências legalmente impostas, com base no art. 1.593, do Código Civil e art. 227, §6º da Constituição Federal:

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

I...

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Além disso, visualizamos no art. 5º, inciso XXX da Constituição Federal, que estando a filiação comprovada, o direito à herança é garantido.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXX - é garantido o direito de herança;

Assim, os arts. 1.784 e 1845 do Código Civil, complementam o que refere a Constituição Federal em relação a herança, transmitindo-a aos herdeiros legítimos e testamentários, ou seja, aos filhos e ascendentes. Vejamos:

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Biológico, civil ou socioafetivo, todos são igualmente filhos (artigo 227, § 6º, da Constituição Federal), e estão igualmente tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro.

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porque seu patrimônio e sua segurança são questões tuteladas pelo direito, visto que a herança é um direito garantido.

2.4 Multiparentalidade nos Tribunais: reconhecimento e efeitos jurídicos

Pretto (2013) refere que a multiparentalidade começou a ganhar espaço nos Tribunais diante das ideias doutrinárias inovadoras e considerando o que vinha acontecendo na realidade fática da sociedade.

Diante disso, faz-se importante evidenciar as jurisprudências que estão sendo desenvolvidas em vista dessa evolução do Direito de Família frente à justiça.

2.4.4 Recurso Extraordinário nº 898.060 e análise da Repercussão Geral 622

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 898.060 SÃO PAULO RELATOR : MIN. LUIZ FUX

RECTE.(S) : A. N.

ADV.(A/S) : RODRIGO FERNANDES PEREIRA RECDO.(A/S) : F. G.

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. PARADIGMA DO CASAMENTO. SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO DE FAMÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO CONSTITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º, III, DA CRFB). SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO. INDIVÍDUO

COMO CENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO-POLÍTICO.

IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DAS REALIDADES FAMILIARES A MODELOS PRÉ-CONCEBIDOS. ATIPICIDADE CONSTITUCIONAL DO CONCEITO DE ENTIDADES FAMILIARES. UNIÃO ESTÁVEL (ART. 226, § 3º, CRFB) E FAMÍLIA MONOPARENTAL (ART. 226, § 4º, CRFB).VEDAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO ENTRE ESPÉCIES DE FILIAÇÃO (ART. 227,§ 6º, CRFB). PARENTALIDADE PRESUNTIVA, BIOLÓGICA OU AFETIVA. NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICA AMPLA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS.

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(ART. 226, § 7º, CRFB). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO A CASOS SEMELHANTES. 1 O prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias inferiores abordam a matéria jurídica

2 invocada no Recurso Extraordinário na fundamentação do julgado recorrido, tanto mais que a Súmula n. 279 desta Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve ser apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na origem.

2. A família, à luz dos preceitos constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente da vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos que informava o sistema do Código Civil de 1916, cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar presunção baseada na centralidade do casamento, desconsiderava tanto o critério biológico quanto o afetivo.

3. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobre princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade.

4. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187). 5. A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobreprincípio da dignidade humana.

6. O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares. Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011.

7. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei.

8. A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada “família monoparental” (art. 226, § 4º), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º).

9. As uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como entidade familiar, conduziram à imperiosidade da interpretação não reducionista do conceito de família como instituição que também se

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AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011).

10. A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou (iii) pela afetividade. 11. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser. 12. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio).

13. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos.

14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito de “dupla paternidade” (dual paternity), construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina.

15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º). 16. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais”.

Em 22 de setembro de 2016, o Superior Tribunal Federal aprovou a tese que assumiu caráter revolucionário no âmbito do Direito de Família. A corte decidiu que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”, conforme refere o Relator Ministro Luiz Fux.

Referências

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