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A justiça ambiental e a sustentabilidade na sociedade de risco: desafios para o direito e para a cidadania

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Academic year: 2021

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Departamento de Economia e Contabilidade Departamento de Estudos Agrários Departamento de Estudos da Administração

Departamento de Estudos Jurídicos

CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO

CAMILA COPETTI

A JUSTIÇA AMBIENTAL E A SUSTENTABILIDADE NA SOCIEDADE DE RISCO: DESAFIOS PARA O DIREITO E PARA A CIDADANIA

Ijuí (RS) 2011

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CAMILA COPETTI

A JUSTIÇA AMBIENTAL E A SUSTENTABILIDADE NA SOCIEDADE DE RISCO: DESAFIOS PARA O DIREITO E PARA A CIDADANIA

Dissertação apresentada no Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado) em Desenvolvimento, linha de pesquisa: Direito, Cidadania e Desenvolvimento, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Daniel Rubens Cenci

Ijuí (RS) 2011

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C782j Copetti, Camila.

A justiça ambiental e a sustentabilidade na sociedade de risco : desafios para o direito e para a cidadania / Camila Copetti. – Ijuí, 2011. – 107 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Desenvolvimento.

“Orientador: Daniel Rubens Cenci”.

1. Direito ambiental. 2. Meio ambiente. 3. Sociedade de risco. 4. Justiça ambiental. 5. Sustentabilidade. I. Cenci, Daniel Rubens. II. Título. III. Título: Desafios para o direito e para a cidadania.

CDU: 349.6 504

Catalogação na Publicação

Aline Morales dos Santos Theobald CRB10 / 1879

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A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação A AJJUUSSTTIIÇÇAAAAMMBBIIEENNTTAALLEEAASSUUSSTTEENNTTAABBIILLIIDDAADDEENNAASSOOCCIIEEDDAADDEEDDEERRIISSCCOO:: D DEESSAAFFIIOOSSPPAARRAAOODDIIRREEIITTOOEEPPAARRAAAACCIIDDAADDAANNIIAA elaborada por CAMILA COPETTI

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Daniel Rubens Cenci (UNIJUÍ): ___________________________________ Profª. Drª. Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (UCPEL): ____________________ Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): ___________________________________

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Aos meus pais, Olmir e Silda com todo o meu amor, respeito, admiração, orgulho e gratidão.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela saúde, pela companhia nos momentos de solidão, pela força nos inúmeros momentos de fraqueza, pela compreensão nos momentos de descrença e, por tornar o sonho desta dissertação realidade.

Ao papai e mamãe (porque é assim que os chamo), por todo amor incondicional, por estimularem a busca constante de conhecimento e crescimento, mas, principal-mente pelo amparo e pelo afago nos momentos mais difíceis.

Ao meu amor, cito as palavras de Carl Sagan: “diante da vastidão do espaço e da imensidade do tempo, é uma alegria para mim partilhar um Planeta e uma época com você”. Obrigado pelo amor, pelo carinho e pela compreensão.

Ao meu orientador, Dr. Daniel Rubens Cenci, pela dedicação e empenho, pelo ombro amigo, pela vasta bibliografia cedida

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e por entender todos os meus momentos destes quase dois anos juntos.

Às professoras, Eloisa Argerich e Maristela Heidemann, meu eterno agradecimento pelo exemplo de verdadeiras mestres e amigas.

Aos meus colegas do Curso de Mestrado, em especial Darlan dos Santos e Eduardo Frizzo, que se tornaram grandes e novos amigos, obrigado pelos debates, pelos artigos, pelos almoços, pelos livros.

Aos professores do curso pelas aulas maravilhosas, pelo conhecimento e pelo estímulo. De forma carinhosa e muito especial, à Janete, secretária do curso, por todo auxílio burocrático e palavras de incentivo.

Por fim, a CAPES por ter financiado o sonho da realização do Mestrado.

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“Estamos marcados como a sociedade que aportou no século XXI na emergência de uma crise ambiental. A extinção de espécies, a contaminação do ar e da água, o efeito estufa NÃO são a crise ambiental São apenas seus indicadores. A CRISE AMBIENTAL É A NOSSA CRISE. De valores, relacionamento, identidade e conhecimento.” (Céu D’Ellia).

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RESUMO

A dissertação problematiza algumas questões que hoje se apresentam como características da modernidade e da crise na relação homem-natureza. O paradigma da modernidade levará ao colapso da natureza e, consequentemente, da própria humanidade, com seu estilo de vida profundamente arraigado nos modos de produção capitalista. Entretanto, ao passo que o paradigma da modernidade pode levar a este colapso, a própria natureza da sociedade de risco que lhe é inerente, aponta uma ambivalência, relacionada tanto a desastres quanto a oportunidades. Diante desta evidência, buscou-se levantar alguns conceitos e reflexões que possibilitem uma melhor compreensão desta intrínseca relação do ser humano consigo mesmo, com o outro e, especialmente, com o meio ambiente no qual está imerso. Busca-se a possibilidade de reencontrar uma relação equilibrada do ser humano com a natureza, como caminho de preservação, da justiça e da cidadania ambiental e do desenvolvimento sustentável, isto em meio à sociedade de risco. Palavras-chave: Direito ambiental. Meio ambiente. Sociedade de risco. Justiça ambiental. Sustentabilidade.

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ABSTRACT

This dissertation problematizes some questions that are presented today as characteristics of modernity and the crises on the relationship between man and nature. The paradigm of modernity will bring the collapse of nature and, consequently, of the own humanity, with its lifestyles deeply linked to the means of capitalistic production. However, as the paradigm of modernity can lead to such collapse, the nature of our risk society, which is imposed, can show itself an ambivalence related to both or either disasters and opportunities. Having this evidence as a start point, we searched to identify some concepts and reflections that can allow a better understanding of the intrinsic relationship of human beings to their own selves, to others, and especially to the environment in which he or she is inserted. We aim to find the possibility of reencounter a balanced relationship between humans and nature as a pathway to conservation, to justice, to environmental citizenship and to sustainable development, all while living at a risk society.

Key words: Environmental Rights. Environment. Risk society. Environmental Justice. Sustainability.

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LISTA DE ABREVIATURAS

CEPAL - Comissão Econômica para América Latina e Caribe CF/88 - Constituição Federal de 1988

CNI - Conferência Nacional da Indústria

CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente

ECO-92 - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento

OMC - Organização Mundial do Comércio ONGs - Organizações Não Governamentais

PHS - Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente SEMA - Secretaria Especial de Meio Ambiente

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...12

1 ESTADO E MEIO AMBIENTE: UMA CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA ...17

1.1 O surgimento do Estado Nação e as suas configurações...17

1.2 A crise do Estado Nação sob o paradigma da modernidade...25

1.3 O Estado de Direito e a questão ambiental...30

2 SOCIEDADE DE RISCO E A CRISE AMBIENTAL ...40

2.1 A sociedade de risco como paradigma da sociedade contemporânea: a contribuição de Ulrich Beck...40

2.2 Uma análise da sociedade de risco sob o signo da modernidade reflexiva, segundo Ulrich Beck ...49

2.3 A sociedade de risco: em busca de pressupostos de igualdade, equidade e sustentabilidade ...57

3 JUSTIÇA AMBIENTAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SURGIMENTO DE UM NOVO PARADIGMA PARA O ESTADO – O AMBIENTAL...66

3.1 Fundamentos e princípios para a construção da justiça ambiental e da cidadania...66

3.2 A racionalidade ambiental como (re)conexão do homem com a natureza...75

3.3 Possibilidades hermenêuticas para um Estado de Direito Ambiental capaz de tornar efetivo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado...84

CONCLUSÃO...97

REFERÊNCIAS ... 103

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INTRODUÇÃO

O desafio que se apresenta neste trabalho parte das preocupações pessoais e acadêmicas decorrentes da crise socioambiental, manifesta nas dimensões social, econômica e ecológica, cujo impacto é sofrido de forma distinta pelos diferentes grupos sociais. Neste sentido, o tema proposto para a dissertação assume o foco da justiça ambiental, fundada na preocupação com a injustiça ambiental, sua face excludente e impactante nas camadas sociais menos abastadas e que têm na crise ambiental um agravo na sua já desafiadora labuta diária por qualidade de vida e por cidadania.

A sociedade transforma-se constantemente, e a questão que surge diante deste constante evoluir é: como enfrentar a crise ambiental e obter responsabilidade socioambiental, uma justiça ambiental na sociedade de risco dentro do contexto brasileiro?

Neste cenário de crise ambiental, quando se indagam as causas que a promovem, subitamente emergem temas que remetem à ética e à filosofia contemporânea, bem como ao processo técno-científico, ao modelo de produção de desigualdades, de racismo e de exclusão, manifestando uma crise que conecta sociedade e ambiente, portanto uma crise socioambiental. A ressignificação dos saberes antropocêntricos, a busca de um novo diálogo intercultural e uma nova legitimação social de responsabilidade e solidariedade universal parecem necessárias e urgentes. Na perspectiva da relação de sustentabilidade entre homem e natureza, na qual o princípio da precaução reduz significativamente os riscos do desenvolvimento técno-científico moderno, os novos paradigmas apontam para a efetivação da justiça ambiental e do Estado de Direito e Justiça Ambiental.

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Ao se analisar a evolução da humanidade, verifica-se que o homem priorizou o antropocentrismo clássico ao dispor dos bens naturais da forma como melhor lhe coubesse. A sociedade atual é uma sociedade de risco, marcada pela falência da era moderna, cuja origem encontra base nas incertezas científicas. O conceito de sociedade de risco designa um estágio da modernidade em que começam a tomar corpo as ameaças produzidas no caminho dessa sociedade, impondo-se a necessidade de considerar a questão da autolimitação do desenvolvimento que desencadeou essa sociedade.

À medida que a sociedade clama por mudanças em razão dos problemas ambientais, tanto o Estado quanto o Direito necessitam tomar partido e manifestar-se acerca da temática, com o objetivo de resolver ou, ao menos, elaborar possíveis soluções para combater os efeitos da sociedade de risco e lutar pela justiça ambiental a fim de garantir a sobrevivência da humanidade, incluindo nesta luta as futuras gerações. Surge, pois, o paradigma do Estado de Direito Ambiental e de justiça ambiental.

A necessidade deste novo paradigma a sociedade enfrenta devido ao processo de civilização moderno, vinculado à globalização, ao desenvolvimento em todas as esferas e à sociedade de risco. A vida só existe em ambientes sadios, isto é fato e não há argumentos contra. Desta forma, o meio ambiente tem uma importância muito grande, o que acaba trazendo consequências tanto para o Estado quanto para o Direito. Assim, a construção de um Estado de Direito Ambiental que busque soluções para a crise ecológica, para a sociedade de risco a fim de promover a justiça ambiental, o desenvolvimento sustentável e a cidadania plena é urgente.

A cultura jurídica está legitimada no reconhecimento da justa satisfação de necessidades básicas e na ação participativa de sujeitos. No contexto de uma terceira e de uma quarta geração de direitos, os valores da solidariedade, a emergência da cidadania e da justiça ambiental, a sustentabilidade e a qualidade de vida, a luta contra o modelo de crescimento econômico tradicional são palavras- chave.

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Sem dúvida, o direito como prática interpretativa, como uma criação coletiva, cuja unidade surge da referência comum a critérios normativos não só jurídico-positivos, mas também político-moral, no contexto da sociedade de risco, deve direcionar-se à solução dos problemas do mundo atual. Ademais, a justiça ambiental torna-se uma expressão de exigência moral. O mundo clama por um novo conjunto de valores fundado nos princípios da justiça, da equidade e da igualdade entre os cidadãos e, na crise ambiental atual, nos princípios éticos e jurídicos de justiça ambiental.

A partir do contexto da modernidade, com sua racionalidade exacerbada e com a construção dos modos de produção capitalista que resultaram a atual sociedade do lucro e do consumo desenfreados, pretende-se apresentar nesta dissertação elementos para reflexão sobre as atuais relações entre o homem e a natureza, buscando alternativas para esta realidade que, caso não superada, prenuncia a catástrofe planetária e a autodestruição.

A racionalidade instrumental, típica da modernidade, que tem como fundamento a ética do ter, apresenta sinais de exaustão à medida que as consequências desta mesma modernidade vislumbram um horizonte de insustentabilidade e colapso. Muitos pensadores analisam esta realidade e apresentam alternativas, entre eles Enrique Leff, que, partindo da compreensão da complexidade da realidade, propõe uma nova racionalidade nas relações do homem com a natureza e interpela a humanidade para a construção de um novo paradigma: o paradigma da sustentabilidade.

Diante deste questionamento, buscou-se levantar alguns conceitos e reflexões que possibilitem uma melhor compreensão dos pressupostos básicos desta intrincada relação do ser humano consigo mesmo, com o outro e, especialmente, com o meio ambiente no qual está imerso, do qual faz parte. Um meio ambiente que precisa ser protegido para não se perder completamente. Ou seja, cuidar para não se destruírem as possibilidades presentes e futuras de vida não apenas humana.

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A metodologia utilizada para a elaboração desta dissertação parte da discussão de autores que problematizam algumas questões que hoje se apresentam como características da sociedade de risco, cunhada por Ulrich Beck, bem como da crise na relação homem-natureza. Assim, a dissertação foi dividida em três capítulos, nos quais se buscou realizar um debate sobre o objeto de estudo, unindo conceitos de meio ambiente, cidadania, sociedade de risco, justiça ambiental e sustentabilidade, demonstrando a evolução do Estado como organizador político e da sociedade.

No primeiro capítulo, busca-se fazer um apanhado histórico tanto da figura do Estado quanto do meio ambiente. Neste sentido, parte-se da conformação do Estado de Direito para o Estado Liberal, que denominou os direitos de primeira geração – direitos fundamentais. Deste, para o Estado Social responsável pelos direitos de segunda geração – igualdade social até o Estado Democrático de Direito. Nesta linha, passa-se ao segundo tópico que trata da crise do Estado-nação sob o paradigma da modernidade, principalmente no que tange às transformações da relação Estado e sociedade. Por fim, neste Estado Democrático de Direito, a proteção ambiental surge como tema primordial a ser considerado tanto pelos Estados quanto pelo mercado e pela sociedade. A formulação do Estado de Direito ambiental, segundo Canotilho (1999), implica definir um Estado que, além de ser um Estado de direito, um Estado democrático e um Estado social, deva também moldar-se como um Estado ambiental.

O segundo capítulo é dedicado à análise da sociedade de risco, segundo Ulrich Beck. Analisam-se os conceitos básicos e as noções gerais do risco, bem como a contribuição da ciência e da tecnologia para a produção da sociedade de risco. Já num segundo momento, faz-se a análise da sociedade de risco sob a perspectiva da modernidade reflexiva, defendida e debatida fortemente pelo autor em questão. Finaliza-se com a análise da sociedade marcada pela incerteza e que vive um momento cosmopolita, que busca pressupostos de igualdade, de equidade, e de sustentabilidade. Beck (1998) explica a sociedade de risco como oriunda da desigualdade social e influenciada pela má distribuição de renda, o que acaba ocasionando também uma distribuição desigual dos riscos ambientais: a vulnerabilidade dos menos favorecidos.

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Por fim, no terceiro capítulo procura-se estabelecer uma interconexão com a questão da vulnerabilidade: a questão da justiça ambiental e da cidadania. É cada vez mais evidente a fusão entre o risco ambiental e a insegurança social, mas também torna-se cada vez mais claro que a proteção ambiental não está restrita a classes médias urbanas, mas é parte integrante das lutas sociais das maiorias para fazer do meio ambiente um espaço de construção de justiça e da realização de um direito humano. Assim, a (re)conexão do homem com a natureza é urgente e vista através da racionalidade ambiental, da interdisciplinaridade como produção de novos saberes, do resgate da ética como conexão com as futuras gerações e de um Estado de Direito Ambiental. Desta (re)conexão é que surgem as possibilidades hermenêuticas para um Estado de direito ambiental capaz de tornar efetivo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Um Estado baseado na democracia, que defenda a justiça social e ambiental como base para o desenvolvimento sustentável e para a cidadania plena.

A proposta de estudo desta dissertação é, pois, observar o Estado, a sociedade diante do risco ambiental não pura e simplesmente pela dogmática jurídica, que se torna limitada frente aos problemas complexos da atual sociedade produtora dos riscos, mas na perspectiva da sustentabilidade, da justiça e da racionalidade ambiental.

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1 ESTADO E MEIO AMBIENTE: UMA CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA 1.1 O surgimento do Estado Nação e as suas configurações

O surgimento do Estado como aparelho organizativo das relações da sociedade merece atenção especial e permanente dos diversos setores das ciências humanas e sociais. Seu estudo implica considerar, necessariamente, os mais variados aspectos que envolvem o funcionamento das instituições responsáveis pela sociedade.

Faz-se necessário, num primeiro momento, antes de se analisar a evolução do Estado, conceituá-lo. Dallari (2001) afirma que são diversos os conceitos de Estado formulados pelos estudiosos, os quais, por vezes, inclusive divergem. Atribui-se ao Estado a condição de organizador da sociedade, apreAtribui-sentando-Atribui-se como componente necessário à sociedade humana. Em outro extremo, concebe-se o Estado como uma realidade histórica que apresenta características certas e determinadas.

Para Dallari (2001, p. 49), o conceito de Estado é objetivo. O autor afirma que é “a ordem jurídica soberana, que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. Aponta, de forma clara, os três elementos constitutivos do Estado e indispensáveis para a sua caracterização; - população, território e governo.

Kelsen (1998) define o Estado como uma sociedade politicamente organizada, por ser uma comunidade constituída por uma ordem coercitiva, e esta ordem é o direito. Já Ceneviva (2003) concebe o Estado como uma entidade jurídico-social soberana, constituída pelo povo, sob o governo exercido dentro de um espaço delimitado.

Para Wolkmer (1990), o Estado, como categoria teórica, deve ser entendido como instância politicamente organizada, munida de coerção e de poder, que, pela legitimidade da maioria, administra os diversos interesses antagônicos e os objetivos do todo social. Tem sua área de atuação delimitada a um determinado espaço físico.

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Nesta mesma linha, situa-se o posicionamento de Silva (1999) ao afirmar que o Estado traz, de forma intrínseca, um conceito liberal, cujas características básicas são: (I) submissão ao império da lei, esta considerada como ato emanado formalmente do Poder Legislativo; (II) divisão de poderes como técnica que assegure a produção das leis ao Legislativo e a independência e a imparcialidade do Judiciário; (III) garantia dos direitos individuais. São exigências que permanecem como postulados básicos e que se configuram como importante conquista da civilização liberal.

O nascimento do Estado Moderno e a afirmação do poder político centralizado foi um processo lento e gradativo, desenrolando-se de forma sucessiva. Iniciou-se na Baixa Idade Média, entre os séculos XIII e XIV e foi concluído nos séculos XVI e XVII, período que a história denomina como Humanismo e Renascimento, fruto de profundas mudanças do pensamento e das estruturas. Alguns fatores merecem destaque para a formação do Estado Moderno: (a) a luta contra os poderes locais e universais da religião como fonte de legitimidade e de identidade do Estado; (b) a constituição dos chamados monopólios estatais (distribuição de justiça, emprego da violência legítima, arrecadação de impostos etc.); (c) a delimitação territorial e pessoal do Estado Moderno.

Importante frisar que o Estado Moderno, segundo Bedin (2008), também caracteriza-se pelo amor e devoção à nação, por um profundo sentimento de orgulho nacional, razão pela qual, em todo o território nacional, utiliza-se um idioma nacional, e a população tem a sensação de partilhar uma cultura unificada, ou seja, a unificação de uma identidade nacional. Um Estado que sempre esteve referido a um grupo humano específico, tornando-se pressuposto para a formação do Estado. Para Weber (apud BEDIN, 2008), o Estado é uma comunidade humana.

Concomitante ao surgimento do Estado Moderno, alicerçado na ideia de soberania, nasceu o Estado Absolutista, que levou à concentração de todos os poderes nas mãos dos monarcas, fazendo com que a realeza se concentrasse nas origens do Estado Moderno. O monarca era a fonte maior da Lei embora não estivesse sujeito a qualquer limitação legal na imposição aos súditos da fiel observância das leis. O Estado Absoluto, desta forma, caracteriza-se por um

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governo imperial ou monárquico no modo de exercer o poder. Há concentração e centralização do poder nas mãos do monarca, que apresenta um poder soberano e unitariamente qualificado, deixando na história a frase de Luis XIV: L’État c’est moi – O Estado sou eu.

A teoria política do absolutismo teve origem com Maquiavel e Hobbes. A ordem política era dominada pela ideia jurídica do direito divino dos reis como fundamento para manutenção de um Estado completo. Maquiavel, contudo, foi o primeiro renascentista a utilizar a palavra Estado em um novo sentido: como organização que passa a ter sua própria característica, faz política, segue sua técnica e suas próprias leis. Maquiavel não se ocupa de moral; ele trata da política, estuda as leis específicas da política, começa a fundamentar a ciência política. Na verdade, ele funda uma nova moral, que é a do cidadão, do homem que constrói o Estado; uma moral mundana que vive do relacionamento entre os homens.

Desta forma, o Estado não tem mais a função de proteger ou assegurar a felicidade. Tampouco existem Estados ideais como queriam Aristóteles e Platão, haja vista que os Estados são organizados segundo a sua natureza humana, a qual, por sua vez, em relação ao outro e às relações sociais vem regulada pela lei do mais forte, onde o temor regula a natureza da convivência humana.

Nesta linha de pensamento, Hobbes (apud STRECK; MORAIS, 2010), pressupondo a natureza destrutiva do homem associada ao desejo de poder, riqueza e propriedade a qualquer custo, afirma que cada homem era um lobo para os outros homens e que por todos os lados havia a guerra mútua, a luta de cada um contra todos, uma vez que cada homem alimentava em si a ambição do poder, a tendência para o domínio sobre os demais. Mas como dessa forma os homens destruíam-se uns aos outros, eles perceberam a necessidade de estabelecerem, entre eles, um acordo, um contrato que impedisse o desencadeamento dos egoísmos e da destruição mútua.

A noção de Estado como contrato revela o caráter mercantil das relações sociais burguesas. A burguesia, concentrada nas cidades, era a principal protagonista deste processo histórico. Apesar de todo poder econômico dos

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burgueses, eles permaneciam excluídos do poder político que acabou sendo a base de um movimento crítico da sociedade, com caráter político, econômico e filosófico contrário à ordem feudal e aos estados centralizados. A insatisfação das lideranças nacionais europeias com o Estado absoluto resultou no Estado Liberal.

O surgimento do Estado Liberal, o qual negava a concentração do poder, deu-se com as várias revoluções ocorridas entre os séculos XVII e XVIII. Dessas revoluções nascera um Estado fundado na separação dos poderes e no reconhecimento de garantias e direitos individuais, surgindo também como reação ao Estado Nacional.

Em razão de o Estado Liberal ter nascido sob a crescente necessidade de industrialização, pode-se afirmar que a não intervenção na economia, a vigência do princípio da igualdade formal, a adoção da Teoria da Divisão dos Poderes de Montesquieu1, a supremacia da Constituição como norma limitadora do poder governamental e a garantia de direitos individuais fundamentais são as características básicas do Estado Liberal.

E suma, o Estado Liberal caracterizou-se principalmente a partir da ideia de divisão entre o público e o privado, separando direitos, como a cidadania, segurança jurídica, representação política dos direitos individuais à vida, à liberdade, à propriedade. Nesse período, o Estado era o responsável pela segurança e pela certeza nas relações jurídicas e sociais, consangrado o princípio da isonomia e da igualdade de cada um, e de todos, frente aos demais.

Foi este pensamento do princípio da isonomia que elevou a dignidade da pessoa humana à de sujeito de direitos. Segundo Bonavides (2004), constrói-se a ideia de liberdade do homem perante o Estado. Além das liberdades individuais

1No que diz respeito à Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu, adotada pelo Estado

Liberal, observa-se que o objetivo de Montesquieu ao idealizar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, era preservar os privilégios da sua própria classe, a nobreza, ameaçada tanto pelo rei, que almejava recuperar a sua influência nacional, quanto pela burguesia que, dominando o poder econômico, intentava o poder político. Elaborou então sua teoria que repartiria o poder entre a burguesia, a nobreza e a realeza, afastando deste modo, a possibilidade da burguesia em crescimento ser a única detentora.

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(direitos de primeira geração), a necessidade de separação dos poderes ganhou força como garantia à proteção dos direitos de liberdade.

A Constituição passou a ser concebida como uma ordenação normativo-sistemática da comunidade política. Canotilho (1999) define-a como uma ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político. O ponto primordial que serve de referência à necessidade de o Estado ter uma Constituição data de 1789, quando da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cuja finalidade é justamente a separação dos poderes para garantir o Estado de Direito.

O paradigma do Estado Liberal importa na liberdade de todos. Todos devem ser livres, proprietários e iguais, num sistema alicerçado no império das leis, na separação dos poderes e no enunciado dos direitos e garantias individuais, sem prejuízo da segurança jurídica. Este Estado buscou privilegiar, em sua essência, a forma capitalista de produção, não havendo qualquer compromisso com os aspectos sociais. Este descompromisso foi agravado pela Revolução Industrial e conduziu os trabalhadores a se organizarem, como única alternativa de ter garantidos os seus direitos.

Segundo Streck e Morais (2010, p. 64-65), a liberdade contratual e econômica é fortemente reduzida pela participação do Estado como ator do jogo econômico e social em que

as novas demandas sociais implicam não apenas um reforço atuação estatal, mas também requerem novas estratégias de ação por parte dos entes políticos. A atividade prestacional pública se aperfeiçoa, de início, a partir da luta dos movimentos operários pela regulação das relações produtivas. A luta pelos três oitos (oito horas de sono, oito horas de lazer e oito horas de trabalho).

Tanto Marx quanto Hegel e Engel criticam a organização do Estado protetor da burguesia e mostram que o Estado, desde a sua origem, foi concebido como instrumento nato de repressão, uma vez que permitiu às classes burguesas do século XIX sua dominação sobre as classes operárias, submetendo-as à extorsão da mais-valia. Um novo espírito de ajuda, cooperação e serviços mútuos começou a

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se desenvolver, tornando-se mais forte com o advento do século XX, quando se inaugura a fase do Estado Social.

Dessa forma, o Estado Social surge a partir da mudança na substituição do liberalismo econômico pelo intervencionismo estatal. O Estado passa a atuar sobre a sociedade, reestruturando-a e condicionando-a. De outro lado, a sociedade, por meio de diversos grupos representativos, procura influenciar a política estatal em favor dos interesses de tais grupos. O Estado Social repudiou o Estado Liberal por este ter priorizado a burguesia. No entanto, mesmo com o Estado Social, o voto universal, por exemplo, foi conquistado tardiamente, sem falar na inexistência desse direito em relação às mulheres, sempre excluídas dos processos sociais.

O Estado Liberal preocupou-se em resguardar os direitos de primeira geração nos quais estão incluídos os direitos civis e políticos. Todavia, os interesses sociais não tiveram resguardo constitucional. Assim, o Estado Liberal tinha uma visão restrita da funcionalidade dos direitos fundamentais, os quais se prestavam unicamente a proteger o indivíduo contra o Estado, despreocupando-se com as questões sociais. Sobre a primeira geração de direitos fundamentais, Bonavides (2004, p. 563) afirma que:

Os direitos de primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. São por igual direitos que valorizam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais usual. É neste sentido que, para Dallari (2001), a Revolução Industrial só foi possível porque o Estado não interferiu nas atividades econômicas. Enquanto ela se desenvolvia e também por causa dela, foram sendo criadas condições que iriam mais tarde tornar imprescindível a intervenção do Estado. Foram fatos e acontecimentos no decorrer da Revolução Industrial que estimularam a ampliação e o aprofundamento da participação do Estado na vida social.

Sob esta perspectiva de intervenção, instituiu-se o Estado Social de Direito, um Estado preocupado não somente com a liberdade, mas voltado a assegurar

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condições materiais mínimas à vida com dignidade, de modo a buscar a igualdade e amenizar os problemas decorrentes da massificação social, ou seja, em relação à urbanização acelerada e, inclusive, à concentração desproporcional de renda. O Estado Social consagrou direitos sociais, culturais e econômicos assegurando a todos os cidadãos uma renda mínima, alimentação, saúde, habitação, educação, lazer entre outros direitos que se enquadram na segunda geração dos direitos fundamentais e se encontram relacionados com os ideais de igualdade.

No caso brasileiro, os direitos reconhecidos pelo Estado Social não passaram de promessas, haja vista que o Executivo não foi capaz de satisfazer, tampouco concretizar, esta justiça social que, posteriormente, contribuiu para o início de uma crise do Estado Social. Crise esta oriunda de um Estado que implantou uma política de proteção aos direitos sociais, mas esqueceu-se de adaptar o seu sistema jurídico para a tutela desses direitos. Este “novo” Estado não passou de uma promessa para quem a dignificação dos direitos fundamentais do cidadão continua sendo um grande desafio, inclusive na atualidade.

Bobbio (1992) já afirmava que o grave problema com relação aos direitos do homem não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los, eis que é um problema filosófico, jurídico e, num sentido mais amplo, político, uma vez que não se trata de saber quais e quantos são os direitos, qual a sua natureza, o seu fundamento, se são direitos naturais ou não, absolutos ou relativos. O problema que se tem, hoje, é descobrir o modo mais seguro para garantir esses direitos e impedir que, apesar das inúmeras declarações universais, eles continuem sendo violados.

Nos últimos anos, falou-se e continua a se falar de direitos do homem, seja nos noticiários, em entrevistas com eruditos, filósofos, entre juristas, sociólogos e políticos, fruto também das inúmeras e incansáveis discussões na academia. Contudo, falou-se, discutiu-se, escreveu-se muito mais do que se conseguiu fazer até agora para que esses direitos sejam reconhecidos e protegidos efetivamente, ou seja, para transformar aspirações nobres mas vagas, exigências justas mas débeis em direitos propriamente ditos.

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Segundo Wolkmer (2003), os direitos humanos podem ser classificados em cinco dimensões2: os direitos de primeira geração, pertinentes aos direitos civis e

políticos, aos direitos individuais à liberdade, à igualdade, à propriedade, à segurança e à resistência as diversas formas de opressão, independentemente de qualquer ingerência do Estado ou da vontade do monarca e seus agentes; os direitos de segunda geração nos quais estão incluídos os direitos sociais, econômicos e culturais, fundados no princípio da igualdade, ao trabalho, à saúde, à educação, tendo como titular o homem e sua individualidade.

Para o autor, ainda há os direitos de terceira geração, ou seja, aqueles direitos tidos como metaindividuais ou transindividuais, coletivos e difusos, direitos de solidariedade. Neste caso, o titular não é mais o homem, mas sim, a sociedade, direcionada ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente equilibrado e sadio, à qualidade de vida. A quarta geração dos direitos está vinculada à vida humana, à reprodução assistida, ao aborto, ao transplante de órgãos, à engenharia genética, à contracepção. E, finalmente, os de quinta geração, ou os “novos” direitos, são os advindos das tecnologias de informação, do ciberespaço, da realidade virtual em geral (WOLKMER, 2003).

Mesmo sob o Estado Social de Direito, a questão da igualdade não obteve solução. Entre outras razões, porque se desenvolveu um novo conceito na tentativa de conjugar o ideal democrático do Estado de Direito em que estão presentes as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social. Segundo Streck e Morais (2010, p. 97-98),

O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública no processo de construção e reconstrução de um projeto de sociedade, apropriando-se do caráter incerto da democracia para veicular uma perspectiva de futuro voltada à produção de uma nova sociedade, onde a questão da democracia contém e implica, necessariamente, a solução do problema das condições materiais de existência.

22

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Este Estado Democrático de Direito que contempla as cinco gerações3 de

direitos possui uma Constituição. Esta deve, necessariamente, conter um núcleo (básico) que contemple as conquistas civilizatórias próprias do Estado Democrático (e também Social) de Direito baseado no binômio democracia e direitos humanos – fundamentais e sociais, e os demais substratos constitucionais devem derivar das especificidades regionais e da identidade nacional de cada Estado.

1.2 A crise do Estado Nação sob o paradigma da modernidade

A ideia e o conceito de soberania historicamente estiveram vinculados à racionalização jurídica do poder, no sentido de transformar a capacidade de coerção em poder legítimo. A soberania é tradicionalmente tida como una, indivisível, inalienável e imprescritível. Do seu surgimento, em meados dos anos 1.500 até hoje, ela vem sofrendo inúmeras transformações, adaptando-se às novas circunstâncias do Estado.

Com a superação do Estado Absoluto para o Estado Moderno, a soberania foi transferida da pessoa do soberano para a Nação. A soberania nacional, na atualidade, debate-se para conciliar-se com um fato inegável: que as comunidades políticas, ou seja, os Estados, fazem parte de uma sociedade internacional que vem sendo regida por normas próprias. Desta forma, o Estado soberano acaba, de certa forma, vinculando-se às obrigações externas com os demais Estados. Isto acontece, apesar de a soberania permanecer adstrita à ideia de insubmissão, independência e poder supremo juridicamente organizado.

O conceito de soberania como poder absoluto e perpétuo de uma República, defendido por Bodin (apud BEDIN, 2008), sofreu diversas mudanças provocadas pela inconstante dinâmica da vida em sociedade e das intensidades e formas de poder. Hoje, seria mais coerente tratar a soberania como uma autoridade que o Estado tem para comandar sua sociedade política, haja vista que vinculá-la a um caráter absoluto não seria legítimo, uma vez que o contexto global não permite tal vinculação.

3

(27)

É neste cenário que o processo de globalização se intensifica: as fronteiras e as capacidades de ação autônomas do Estado vêm sendo continuamente suplantadas pela dinâmica das relações internacionais, seja no plano econômico, seja no tecnológico e jurídico, em razão do fortalecimento das empresas e instituições internacionais, das organizações supranacionais, daquelas com caráter regional, do surgimento contínuo e sucessivo de regramentos (tratados ou convenções) internacionais pelos quais o Estado passa a ter seu poder restringido.

Há Estados que não conseguem exercer qualquer influência sobre o sistema internacional. Em contrapartida, há empresas que exercem maior influência que alguns Estados. As comunidades supranacionais impõem uma nova lógica às relações internacionais e acabam atingindo as pretensões de uma soberania. As empresas transnacionais, por não terem nenhum vínculo com algum Estado em particular e por disporem de um poder de decisão (geralmente um poder financeiro elevado), adquirem um papel muito importante, senão fundamental, na ordem internacional, impondo inclusive atitudes.

Um agente fundamental neste processo de globalização, segundo Streck e Morais (2010, p. 141), são

as Organizações Não Governamentais (ONGs). Estas entidades, que podem ser enquadradas em um espaço intermediário entre o público, representados pelos organismos internacionais, e o privado, representado pelas empresas transnacionais, atuam em setores variados, tais como: ecologia (Greenpeace), direitos humanos (Anistia Internacional), saúde (Médicos sem Fronteiras) etc. O papel das mesmas vem-se aprofundando, sendo, nos dia que correm, muitas vezes imprescindíveis [...]. Tais vínculos incongruentes com a ideia de poder soberano são uma realidade da contemporaneidade.

É válido destacar que a globalização representa um desafio à soberania estatal, posto o caráter interveniente que as organizações mencionadas vêm tendo no âmbito internacional e que afeta diretamente o exercício da soberania dos Estados no contexto mundial. É um desafio que confirma o que parte da Doutrina vem considerando como “crise da soberania”.

Giddens (1991) afirma que as nações passaram a se agregar em grandes blocos, numa espécie de comum esforço na tentativa de adaptarem-se à crescente

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eficiência exigida pela sociedade globalizada. Esta integração não é vista como uma manifestação da globalização, mas, sim, como uma intenção de ordenar o impacto de um mundo sem fronteiras. Este perfil de Estado perfaz todos os segmentos sociais, especialmente o econômico, mas também o político e o cultural.

As identidades locais desaparecem para dar lugar às identidades globalizadas, flexíveis, que se alteram conforme o movimento do mercado. Na defesa das identidades nacionais, surgem os movimentos de ordem econômica, de cunho social e cultural, como os partidos políticos xenófobos e as violências étnicas.

Na visão de Bauman (2008), esta questão das identidades é, ao mesmo tempo, um dilema e um desafio, particularmente a identidade nacional que não foi naturalmente gestada e incubada na experiência humana. Ela não emergiu como fato de vida, mas, sim, foi forçada a entrar na Lebenswelt de homens e mulheres modernos. Esta ideia de identidade nasceu da crise do pertencimento - que caracterizou a nossa era - e do esforço que esta desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o “deve” e o “é”.

Ainda, segundo o autor, a identidade só poderia ingressar na Lebenswelt como uma tarefa ainda não realizada, incompleta. E o Estado moderno fez o necessário para tornar este dever obrigatório a todas as pessoas que se encontravam no interior de sua soberania estatal. Esta identidade nacional não reconhecia competidores, muito menos opositores. Ser indivíduo de um Estado era a única característica confirmada pelas autoridades nas carteiras de identidade e nos passaportes, e as demais identidades eram incentivadas ou forçadas a buscar o endosso seguido de proteção dos órgãos autorizados pelo Estado (BAUMAN, 2008).

Bauman (2008) defende a ideia de que os atuais problemas de identidade se originaram do abandono do princípio de cuius regios, eius natio ou do pouco empenho na sua aplicação. Em razão disso que as identidades surgem como âncoras sociais, reconhecidas em diversos temas, como raça, gênero, país, família, classe ou local de nascimento. Esses elementos convertem-se em estacas de localização; dados seguros e promissores numa época caracterizada pela falta de estabilidade. Identidades, portanto, nunca são, mas estão: estão em movimento e

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marcam a ambivalência de possuirmos várias feições e selecionarmos, a cada momento, uma outra e diferente.

Neste mesmo viés das identidades, os direitos humanos não formam um conjunto de regras cujo conteúdo possa ser adquirido e construído de uma vez por todas. Como ensina Bobbio (1992, p. 6),

os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem [...] ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para as suas indigências.

Assim, pode-se dizer que os direitos humanos são históricos e se formulam quando as circunstâncias (históricas, políticas ou sociais) são propícias para o reconhecimento de novos conteúdos4. São também universais e cada vez mais se projetam no sentido de seu alargamento objetivo e subjetivo, mantendo o seu caráter de temporalidade.

Streck e Morais (2010, p. 147), de forma clara, sintetizam que os direitos humanos são

conjunto de valores históricos básicos e fundamentais, que dizem respeito à vida digna jurídico-político-psíquico-física e afetiva dos seres e de seu habitat, tanto daqueles do presente quanto daqueles do porvir, surgem sempre como condição fundante da vida, impondo, aos agentes político-jurídico-sociais a tarefa de agirem no sentido de permitir que a todos seja consignada a possibilidade de usufruí-los em benefício próprio e comum ao mesmo tempo. Assim como os direitos humanos se dirigem a todos, o compromisso com sua concretização caracteriza tarefa de todos, em comprometimento comum com a dignidade comum.

São direitos que mesclam direitos individuais tradicionais com direitos culturais coletivos com o objetivo de proteger os indivíduos nos seus grupos, comunidades ou identidades culturais. Neste entremear, o reconhecimento dos direitos coletivos das minorias, por exemplo, não significa uma limitação aos direitos humanos individuais. Lucas (2008) afirma que as lutas por reconhecimento se caracterizam como espaço fundamental da coexistência positiva das diferenças.

4Vale ressaltar que, quando se fala em direitos humanos, está-se falando também do direito ao meio

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Para Lucas (2008), na sociedade multicultural na qual se está inserido, a universalidade dos direitos humanos será sempre questionada pelas diferenças que constituem a humanidade, independente do tempo histórico. A disputa entre universalidade e particularidade pode também ser entendida como uma relação dialética entre igualdade e diferença. Querer participar de uma dada comunidade ou querer participar dela sob a condição de diferente são interesses que poderão produzir situações excludentes e discriminatórias.

O papel dos direitos humanos nestas situações é o de estabelecer limites de igualdade e de diferença entre os indivíduos e entre as diferentes culturas sem, contudo, negar os aspectos comuns que os identificam como sujeitos particulares. Enfim, negar a diferença pode ser tão desastroso para a democracia como negar a universalidade da condição humana na qual a universalidade dos direitos humanos é condição para o desenvolvimento, para o reconhecimento e para a tolerância das identidades e de culturas que respeitam outras culturas.

O Estado que se juridiciza e legaliza é mais e não apenas um Estado jurídico e legal. O século XX demonstra claramente a dimensão de conteúdo do Estado de Direito, ou seja, ele não se apresenta apenas sob uma forma jurídica calcada na hierarquia das leis limitado apenas a uma concepção formal de ordem jurídica mas sim a um conjunto de direitos fundamentais próprios de uma determinada tradição.

O Estado de Direito passa a ser considerado como uma concepção de fundo acerca das liberdades públicas, da democracia e do papel do Estado. Assim, o Estado de Direito se apresenta ora como liberal em sentido estrito, ora como social e, por fim, como democrático, cada um deles moldando o Direito com seu conteúdo sem que, no entanto, haja uma ruptura radial nestas transformações.

As transformações das relações Estado-sociedade vêm incidindo uma série de processos no âmbito internacional, cujo impacto sobre o cenário político, social e econômico não pode ser subestimado. A globalização representa uma complexidade de incertezas que passa a exigir novas formas de organização dos Estados.

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O conceito clássico de soberania vem sofrendo alterações em razão da necessidade de os Estados se adequarem à nova realidade e integrarem-se regionalmente, admitirem a vigência de organizações e empresas internacionais que, em certo grau, são deveras limitadoras da liberdade de ação de governos e Estados.

A soberania nacional vem sendo posta em cheque, e tal ameaça já prevê, inclusive, um horizonte de conflitos dado o caráter que a globalização apresenta de ensejar a padronização em termos globais, desconsiderando as peculiaridades próprias das culturas nacionais. A globalização econômica e a nova ordem capitalista mundial passaram a permitir que os Estados, gradativamente, se afastassem dos liames limitadores de Soberania em matéria de Direitos Humanos.

Neste cenário, a desvalorização de um Estado que abandonasse a plena proteção aos Direitos Humanos, o que supunha uma evidente condenação, fazendo com que o Estado perdesse prestígio internacional, pondo em dúvida seu próprio regime democrático e constitucional, foi substituída por uma espécie de “permissividade” pragmática em nome do mercado. A corrida frenética ao lucro está originando um comportamento internacional que contraria os princípios elementares de proteção dos Direitos Humanos. O próprio Estado Democrático de Direito, como uma proposta de civilização ocidental, começa a dar sinais de submissão à nova ordem internacional.

1.3 O Estado de Direito e a questão ambiental

Observa-se, atualmente, que o enorme crescimento populacional, a ocupação das mais variadas áreas do Planeta e, principalmente, o desejo inesgotável de consumo da sociedade capitalista provocaram e continuam a provocar, no ambiente, golpes cada vez mais profundos. O modelo econômico capitalista degradou o ambiente de forma nunca antes vista. Os impactos da exploração econômica sobre a natureza, a destruição ecológica e o esgotamento dos seus recursos não são problemas produzidos por processos naturais, mas determinados pelas formas sociais e pelos padrões tecnológicos de apropriação e exploração econômica da natureza, temas em debate no atual contexto social.

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No Direito brasileiro, o conceito de meio ambiente foi concebido pela Lei nº 6.938/81 – Política Nacional do Meio Ambiente – configurando-se como sendo: “o conjunto de condições, leis, influências, alterações e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3º).

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) alterou essa compreensão e inseriu de forma incisiva o conteúdo humano e social no interior do conceito, como está previsto no seu art. 225, que dispõe:

todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se o Poder Público e à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Com isso, meio ambiente pode ser categorizado em meio ambiente natural: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneos, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna, a flora, o patrimônio genético e a zona costeira (art. 225 da CF/88); meio ambiente cultural: os bens de natureza material e imaterial, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (arts. 215 e 216 da CF/88); meio ambiente artificial: os equipamentos urbanos, os edifícios comunitários (arquivo, registro, biblioteca, pinacoteca, museu e instalação científica ou similar) (arts. 21, XX, 182 e s. e 225 da CF/88); meio ambiente do trabalho: a proteção do homem em seu local de trabalho, com observância às normas de segurança (arts. 200, VII e VIII, e 7° XXII ambos da CF/88).

A CF/88 expressa em vários dispositivos a tutela do meio ambiente. A dimensão dada ao meio ambiente não se limita aos dispositivos centrados fundamentalmente no Cap. VI do Título VIII, dirigido à Ordem Social, e sim abrange um alcance bem maior, agregando vários outros regramentos insertos ao longo do texto. Configura-se, assim, de fundamental importância ao identificar o meio ambiente ecologicamente equilibrado como sendo um bem autônomo e legalmente protegido, de uso comum do povo.

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Salienta-se que, quando se fala em meio ambiente ecologicamente equilibrado, trata-se do meio com condições de permitir a existência, a permanência, a evolução e o desenvolvimento de todos os seres vivos. Ter direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, para Machado (2010, p. 58), significa que “há um direito a que não se desequilibre5 significativamente o meio ambiente.”

O Direito contemporâneo sente a necessidade de estabelecer normas que assegurem o equilíbrio ecológico. Este equilíbrio será encontrado em comunidades pela estabilidade – que pode ser medida inclusive pelo tempo que determinada comunidade leva para se recuperar de um dano. Isso quer dizer que o meio ambiente não pertence a indivíduos isolados, e sim a toda sociedade, qualificando-se como patrimônio público que necessita qualificando-ser asqualificando-segurado e protegido, em decorrência do uso coletivo.

Machado (2010, p. 60) leciona que:

a especial característica do princípio é a de que o desequilíbrio não é indiferente ao Direito, pois o Direito Ambiental realiza-se somente numa sociedade equilibrada ecologicamente. Cada ser humano só fruirá plenamente de um estado de bem-estar e de equidade se lhe for assegurado o direito fundamental de viver num ambiente ecologicamente equilibrado. A Constituição do Brasil, além de afirmar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, determina que incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, interditando as práticas que coloquem em risco sua função ecológica ou provoquem a extinção de espécies.

Como se pode observar, o art. 225 da CF/88 estrutura-se como sendo a essência do sistema constitucional de proteção ao meio ambiente. É nele que está configurada e efetivada a interseção entre a ordem econômica e os direitos individuais. Quanto à ordem econômica, o art. 170 dispõe que:

A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...].

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos

5Para Machado (2010), o conceito de equilíbrio não é estranho ao Direito. Muito pelo contrário, a

busca do equilíbrio nas relações sociais e pessoais tem sido um fim a atingir nas legislações. O estado de equilíbrio não visa à obtenção de uma situação de estabilidade absoluta, em que nada se altere. É um desafio científico, social e político permanente.

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de elaboração e prestação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 42, de 19 de dezembro de 2003).

A CF/88 ainda tutela a qualidade do ar, do solo, da água, o meio ambiente marinho, o gerenciamento costeiro, o patrimônio florestal e a fauna. Apresenta também outros temas, como a caça (art. 24, VI, CF/88), educação ambiental (art. 225, § 1º, VI, CF/88), garimpo (art. 174, § 3º, CF/88), irrigação (art. 225, § 2º, VI, § 3º, CF/88), manipulação de material genético (art. 225, II, CF/88), forma de exploração da mineração (art. 225, § 2º, CF/88), questões nucleares (arts. 21, XXIII e 22, XXVI, CF/88). É importante destacar que muitos desses temas não constavam nas Constituições anteriores, como a educação ambiental e a proteção do material genético.

A tutela do meio ambiente impõe aos poderes públicos e à coletividade o dever de preservação, sendo, inclusive, um dos embasamentos da política econômica e social para o qual a ordem econômica, que é fundamentada no trabalho humano e na livre iniciativa, tem como finalidade a existência digna e a justiça social.

Constata-se que, quanto aos instrumentos processuais para defesa dos interesses difusos, a legislação progrediu. No que diz respeito ao objeto de ação popular, esta ampliou-se, conforme se vê no artigo 5º, inciso LXXIII, da CF/88:

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

Incluiu-se ainda a participação e a função do Ministério Público, conforme dispõe o artigo 129, inciso III, da CF/88, “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”, sem prejuízo da legitimação concorrente de terceiros, previstas na Constituição ou em lei (artigo 129, § 1º).

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Com a CF/88, a defesa do meio ambiente recebeu um extenso tratamento ao dispor desde os estudos do impacto ambiental, perpassando pela responsabilização penal da pessoa jurídica até a preservação do patrimônio público.

No Brasil, há ainda outras leis, decretos e medidas provisórias que são favoráveis à preservação do meio ambiente e à instauração da educação ambiental: a que organiza a proteção do patrimônio cultural, Decreto-lei nº 25/37; Proteção das florestas – Código Florestal, Lei nº 4.771/65; Proteção da fauna silvestre, Lei nº 5.197/67; responsabilidade civil e controle das atividades nucleares, Lei nº 6.453/77; Regulação do parcelamento do solo urbano, Lei nº 6.766/79, lei de Zoneamento Industrial nas Áreas Críticas de Poluição, Lei nº 6.803/80; Estações ecológicas e áreas de proteção ambiental, Lei nº 6.902/81; Ação Civil Pública, Lei nº 7.347/85; Institui o Plano de Gerenciamento Costeiro, Lei nº 7661/88; Agrotóxicos, Lei nº 7.802/89; Cria regime de exploração mineral, Lei nº 7.805/89; lei da Política Agrícola, Lei nº 8.171/91; Engenharia Genética, Lei nº 8.974/95; Recursos Hídricos, Lei nº 9.433/97; Lei de Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98.

Como se pode observar, a proteção jurídica do meio ambiente é extensa. A Constituição Federal, além de destinar um capítulo próprio para as questões ambientais, traz ainda outros temas, além de elencar as obrigações da sociedade e do Estado brasileiro para com o meio ambiente. O que a Constituição fez, portanto, foi prever uma norma jurídica capaz de estabelecer a todos quantos se utilizem de recursos naturais uma obrigação de cuidado para com o meio ambiente.

O Direito Ambiental é um ordenamento relativamente recente no Direito brasileiro, e é pela Lei nº 6.938/81 que teve sua autonomia fundamentada na legislação. O Direito Ambiental surgiu em decorrência da necessidade de se ordenar e sistematizar os ordenamentos relativos ao meio ambiente com a finalidade de se obter uma boa qualidade de vida. Sua existência se justifica devido ao seu alcance em duas etapas: a) objetiva impedir ou corrigir uma crise entre o homem e seu ambiente; b) tem como finalidade estabelecer um novo sistema de relação entre o homem e seu ambiente.

Com isso, pode-se dizer que o Direito Ambiental tem como objetivo regular a apropriação econômica dos bens ambientais, considerando a sustentabilidade dos

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recursos, o desenvolvimento econômico e social, garantindo aos interessados a participação na elaboração das diretrizes a serem implantadas, bem como padrões adequados de saúde e renda.

O Direito Ambiental vem questionar os valores de uma sociedade que promove o lucro e o progresso técnico como foco central e que tem gerado uma relativa riqueza material associada a uma grave situação de desperdício de recursos e contaminação do meio ambiente. Sob este viés, o Direito Ambiental é um regulador das ações dos homens em relação ao uso dos diversos recursos naturais do meio em que vivem. Isto significa que o meio ambiente, como qualquer outro bem jurídico, provoca conflitos em torno de si, o que faz com que necessite de um tratamento tanto preventivo quanto reparatório e repressor.

Os princípios do Direito Ambiental centram-se no objetivo básico de proteger a vida, seja pela forma que se apresenta, seja pela finalidade de garantir um padrão de existência digna para os homens, tanto da geração presente quanto das futuras.

Alguns autores, como Milaré (2005), explicam que há dificuldades em se aplicar o Direito Ambiental, em decorrência da falta de sistematização de suas normas, que são dispersas e muitas vezes difusas. Necessita-se de uma codificação capaz de conferir a elas uma melhor ordenação e estruturação, extinguindo antinomias e harmonizando-as com o ordenamento jurídico global, para assim conferir a essas normas maior eficácia e efetividade.

Nesse contexto, o Direito Ambiental necessita tornar-se mais claro, acessível, coerente e codificado. A codificação configura-se como a melhor forma de implementação e eficácia das normas ambientais, pois oportuniza a possibilidade de contemplar as novas necessidades impostas pela ciência e pela gestão ambiental. É importante ainda destacar que se oriente a legislação dos Estados e dos municípios para facilitar a coordenação de ações e incentivar novas atitudes em conjunto com toda a sociedade. É necessária, além do ordenamento jurídico, a participação de todos para se obter uma legislação ambiental eficaz e efetiva.

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Com a regulamentação jurídica do meio ambiente, fica clara a intenção da legislação brasileira em adotar de vez a tendência mundial de comprometimento de todos em prol da preservação ambiental e do combate à degradação do meio ambiente. Institui-se assim o meio ambiente como um bem fundamental, apesar de não constar no rol dos bens fundamentais do art. 5º da CF/88. Pertence à denominada “terceira geração” de direitos fundamentais, a qual contempla também a paz, a autodeterminação dos povos, o desenvolvimento, a conservação do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação.

O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado adquiriu status de direito ambiental após intensivos movimentos sociais apoiados por organizações não governamentais, como o Greenpeace. Também foi incentivado por encontros governamentais, como o Encontro de Estocolmo e o Rio-92. O direito ao meio ambiente foi reconhecido internacionalmente pela Declaração do Meio Ambiente, na Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, na Suécia, no período de 5 a 16 de junho de 1972. No entanto, ao longo desses anos, os efeitos concretos de tal Declaração pouco se fizeram conhecer. A industrialização mundial crescia e prosseguia em ritmo acelerado, aumentando a destruição do meio ambiente e o uso indiscriminado de recursos naturais não-renováveis (MILARE, 2005).

Nos anos 80, diante dos limitados resultados da Declaração de Estocolmo, foi convocada uma nova Conferência pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. No entanto, essa Conferência deveria ter sido precedida de medidas preparatórias. Dessa forma, foi constituída uma Comissão, presidida pela Ministra Gro Harlem Bruntland, da Noruega, e composta por 27 membros para conduzir os trabalhos preparatórios. A missão dessa Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, popularmente conhecida como Comissão de Bruntland, era organizar/preparar uma "Agenda global para a mudança". Estabeleceram-se relações visíveis não apenas entre os desequilíbrios ambientais e a pobreza, mas, destacadamente, entre o modo de organização social que leva à deterioração ambiental e política (ACSELRAD, 2009).

O conceito de desenvolvimento sustentável foi empregado como referência pelas Nações Unidas na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,

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realizada no ano de 1992, no Rio de Janeiro. Este termo traduziu-se como “o direito dos seres humanos a viver e produzir em harmonia com a natureza” (Princípio 10 da Declaração), caracterizando-o como forma de manutenção de uma economia compatível com as “necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e futuras” (Princípio 3º da Declaração). Ainda nessa Conferência foi “criada” a Agenda 21. Nessa oportunidade, 179 países participantes da Rio 92 acordaram e assinaram a Agenda 21 Global, um programa de ação baseado num documento de 40 capítulos, que constitui a mais abrangente tentativa até então realizada de promover, em âmbito mundial, um novo padrão de desenvolvimento, denominado de “desenvolvimento sustentável”. Porém, o reconhecimento do Direito Ambiental como direito fundamental na legislação brasileira se deu somente com a CF/88. A CF/88 trouxe inúmeros dispositivos já abordados anteriormente.

As normas de Direito Ambiental econômico, previstas na CF/88, em especial nos artigos 170 e 225, incumbem o Estado de desenvolver políticas públicas capazes de orientar o mercado a promover o desenvolvimento de atividades econômicas que respeitem o meio ambiente. Ou seja, compete ao Estado desenvolver políticas públicas que, por exemplo, impulsionem o reaproveitamento do lixo e a educação ambiental, criem mecanismos eficientes que permitam a responsabilização das empresas pela inadequada destinação dos resíduos, a substituição de equipamentos industriais poluentes por equipamentos mais modernos que permitam uma produção limpa etc.

Da mesma forma que o Estado, o governo e sociedade em geral também devem assumir sua parcela de responsabilidade sobre as questões ambientais. Por mais que o Direito Ambiental imponha esse dever, observa-se que na prática ainda existe pouco comprometimento com a conservação do meio ambiente, e isso por parte do mercado e da sociedade. Considerando que a sociedade humana não se restringe apenas à nossa geração, mas também às futuras, incumbe à própria sociedade construir o mundo de hoje e o de amanhã. Assim, desenvolvimento sustentável/sustentabilidade e sociedade sustentável fundem-se, no dia-a-dia, como efeito e causa. Na verdade, o que se busca é um novo paradigma ou modelo de sustentabilidade em que o progresso se concretize em função de todos os homens e

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não à custa do mundo natural e da própria humanidade que, com ele, está ameaçada pelos interesses de uma minoria.

No entendimento perfilhado por Milaré (2005), esse novo modelo de sustentabilidade supõe estratégias bem diferentes daquelas que têm sido adotadas no processo de desenvolvimento sob a égide de ideologias reinantes desde o início da Revolução Industrial, estratégias estas responsáveis pela insustentabilidade do mundo de hoje, tanto no que se refere ao Planeta Terra quanto ao que interessa à família humana em particular. Em última análise, a humanidade protagoniza um modelo de desenvolvimento autofágico que, ao devorar os recursos finitos do ecossistema planetário, acaba por devorar-se a si mesmo.

Sustentabilidade implica necessariamente transformação social. É uma definição integradora e unificante, que proporciona a celebração da unidade homem/natureza na origem e no destino comum, um novo paradigma. O mundo está atingindo um ponto cada vez mais crucial, fazendo com que a humanidade se preocupe com a forma desenfreada do consumo irresponsável dos recursos naturais existentes no Planeta. Não se pode deixar de registrar que o incentivo ao consumo desenfreado, prática de uma cultura capitalista, tem deixado marcas profundas no Planeta Terra. “O potencial destrutivo gerado pelo desenvolvimento capitalista o colocou numa posição negativa com relação à natureza.” (GADOTTI, 2000, p. 31).

Dessa forma, fica claro que o enorme aumento populacional, a ocupação das mais variadas áreas do Planeta e, sobretudo, o desejo inesgotável de consumo da sociedade capitalista gerou no ambiente golpes cada vez mais profundos. O modelo econômico capitalista degradou o meio ambiente de forma nunca antes vista. A destruição ecológica e o esgotamento dos recursos não são problemas gerados por processos naturais, mas sim são determinados pelas formas sociais e pelos padrões tecnológicos de apropriação e exploração econômica da natureza.

O sistema econômico tem sido um dos principais fatores da degradação do meio ambiente. As formas de vida do mundo contemporâneo e os novos ajustes traçados pela economia e pela política vieram colaborar para que o homem, por meio da cultura predatória do capitalismo, da urbanização e da industrialização em

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