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A violência letal contra mulheres no Brasil e os mecanismos legais protetivos: considerações críticas

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

MANUELA JAGMIN FESTA

A VIOLÊNCIA LETAL CONTRA MULHERES NO BRASIL E OS MECANISMOS LEGAIS PROTETIVOS: CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS

Ijuí (RS) 2016

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MANUELA JAGMIN FESTA

A VIOLÊNCIA LETAL CONTRA MULHERES NO BRASIL E OS MECANISMOS LEGAIS PROTETIVOS: CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Ester Eliana Hauser

Ijuí (RS) 2016

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Dedico este trabalho especialmente aos meus familiares por todo apoio, auxílio e confiança depositados durante toda a minha jornada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, pela vida e por me conceder sabedoria, permitindo a conclusão deste trabalho. Aos meus pais, José e Andréa, por todo incentivo, amor, compreensão e apoio incondicional, que foram fundamentais durante todo o meu percurso acadêmico, que sempre cederam de seus sonhos para juntos realizarem o meu.

À minha irmã Franciele, minha eterna gratidão, que sempre colaborou e abdicou seu tempo, sempre que solicitados, com boa vontade, paciência, colaborando na evolução e conclusão deste trabalho.

À minha orientadora Ester Eliana Hauser, pelo suporte que lhe coube, dedicação e disponibilidade, sempre transmitindo seus conhecimentos e enriquecendo o meu aprendizado.

E, por fim, agradeço a todos aqueles que, direta ou indiretamente fizeram parte, colaborando durante a trajetória da construção deste trabalho. Muito obrigada.

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RESUMO

Por meio da apresentação de dados e estatísticas oficiais referentes ao Brasil, ao estado do Rio Grande do Sul e do município de Ijuí/RS, o trabalho propõe-se a analisar os índices de violência letal contra as mulheres, bem como os fatores e as causas do aumento destes nos últimos anos. Partindo de tal realidade analisa os mecanismos legais protetivos e as políticas públicas destinadas a proteção das mulheres, evidenciando que os mesmos ainda são frágeis e falhos, especialmente porque não conseguem atingir as causas da violência contra a mulher, fazendo-se necessária a implementação de serviços mais rígidos e eficazes no combate a este tipo de violência. Neste sentido, abordar-se-á acerca de tais índices, se após a vigência da Lei Maria da Penha e a partir da Lei do Feminicídio, os mecanismos legais protetivos e as políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica, realmente têm se mostrado eficazes no combate a essas formas de violência letal.

Palavras-Chave: Violência Doméstica. Lei Maria da Penha. Feminicídio. Políticas Públicas. Mecanismos Protetivos.

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ABSTRACT

Using official data and statistics from Brazil, the state of Rio Grande do Sul, and the municipality of Ijuí/RS, this work analyses the indexes of lethal violence against women, as well as the factors and causes related to their increase in the past years. Based on these data, it analyses the legal protective mechanisms and public policies devised to protect women, showing that they are still inadequate, especially because they cannot aim at the causes of violence against women. Thus, it is necessary to implement more rigorous and efficient services that fight this form of violence. Thus, based on those indexes, this work considers whether after the introduction of Law Maria da Penha and Law of Femicide the legal protective mechanisms and public policies against domestic violence have been more effective in the combat of this form of lethal violence against women.

Keywords: Domestic Violence. Law Maria da Penha. Femicide. Public Policies. Protective Mechanisms.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1 QUESTÕES DE GÊNERO E A VIOLÊNCIA LETAL CONTRA MULHERES NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS ... 9

1.1 O direito à igualdade e a discriminação à mulher: aspectos históricos e legais ... 10

1.2 O direito à igualdade na constituição brasileira de 1988 ... 12

1.3 Violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil: aspectos históricos e dados estatísticos ... 14

1.3.1 Violência letal contra mulheres no Brasil ... 15

1.3.2 Violência letal contra mulheres no Estado do Rio Grande do Sul ... 19

1.3.3 Violência letal contra mulheres em Ijuí/RS ... 21

2 A VIOLÊNCIA LETAL CONTRA A MULHER E A (IN)EFETIVIDADE DOS MECANISMOS PROTETIVOS ... 25

2.1 A proteção à mulher contra a violência doméstica na legislação brasileira: antecedentes e evolução legislativa ... 25

2.2 Os mecanismos protetivos presentes na Lei Maria da Penha ... 28

2.2.1 Conceito de violência doméstica ... 29

2.2.2 Objetivos da lei ... 31

2.2.3 Medidas protetivas ... 33

2.3 A lei do feminicídio e seu âmbito de aplicação ... 36

2.4 A (in)efetividade das políticas públicas de enfrentamento à violência letal: perspectivas e desafios ... 38

CONCLUSÃO ... 45

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INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como tema a violência letal contra a mulher no Brasil e os mecanismos protetivos e foi realizado como trabalho de conclusão de curso de graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Nele realiza-se um estudo sobre a importância da discussão da temática violência contra a mulher, em especial aquela que produz a morte das vítimas como principal consequência, gerando assim, impactos nas suas famílias, na comunidade e na sociedade em geral.

Sob diversas formas e intensidades, a violência contra as mulheres, seja por assédio, exploração sexual, tortura, estupro, agressões, feminicídio, entre outras, é cada vez mais presente no Brasil e no mundo, e representa uma séria violação aos direitos humanos, ferindo a Constituição brasileira, que consagra os valores da dignidade da pessoa humana, do respeito e da igualdade. Contudo, dentre todas as formas de violência a que mais causa repulsa é a violência letal contra mulheres, especialmente quando a mesma é motivada por discriminação de gênero.

Estatísticas oficiais dão conta de que no Brasil o número de assassinatos de mulheres por questões de gênero é muito significativo e, em que pese à promulgação de normas protetoras, os índices permanecem altos. Diante desta realidade o estudo busca responder aos seguintes questionamentos: Quais os índices de violência letal contra as mulheres no Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul e em Ijuí/RS? Houve redução ou crescimento de tais índices após a vigência da Lei n° 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha? E a partir da Lei do Feminicídio? Os mecanismos legais protetivos e as políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica, a partir da Lei Maria da Penha tem se mostrado eficazes no combate a

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esta forma de violência letal? Quais fatores são as principais causas da violência letal contra as mulheres no Brasil?

Para responder a tais questionamentos, no primeiro capítulo, o trabalho apresenta as principais formas de violência contra a mulher, a partir do estudo de aspectos históricos e legais. Também realiza uma análise sobre dados e estatísticas oficiais que se referem a violência em geral e também a violência letal contra as mulheres no âmbito do Brasil, do estado do Rio Grande do Sul e no município de Ijuí/RS, analisando as causas que se estão na raiz desta forma radical de violência.

Sendo um fator de manifestação de desigualdade, historicamente construído e presente na maioria das sociedades e culturas, a discriminação contra a mulher ocorre no mundo todo, atinge diversas classes sociais e serve de base para variadas formas de violência contra as mulheres.

No segundo capítulo, através do estudo da Lei Maria da Penha e da Lei do Feminicídio o estudo propõe-se a verificar o impacto das políticas públicas protetivas às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. O entendimento e a discussão dos fatores de proteção que visam à diminuição de tais índices foram abordados através do estudo da (in)eficácia na garantia do cumprimento das mesmas.

Para o desenvolvimento do estudo foram coletadas informações em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. A metodologia utilizada observou os seguintes procedimentos: a) seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e na Internet, interdisciplinares, capazes e suficientes para que o pesquisador construa um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo, responda o problema proposto, corrobore ou refute as hipóteses levantadas e atinja os objetivos propostos na pesquisa; b) leitura e fichamento do material selecionado; c) reflexão crítica sobre o material selecionado; d) exposição dos resultados obtidos através de um texto escrito monográfico, que hora se apresenta.

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1 QUESTÕES DE GÊNERO E A VIOLÊNCIA LETAL CONTRA MULHERES NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS

A cada hora e meia, uma mulher é assassinada por um homem no Brasil, apenas pelo fato de ser mulher (DEBELAK et al., 2015). Este crime, hoje denominado pelo Código Penal Brasileiro de feminicídio tem em sua origem diversos outros tipos de atos de violência, seja psicológica, sexual ou física e é um tema que continua tão atual e pertinente na nossa sociedade, mesmo após os avanços nas leis de proteção a mulher, e que vêm sendo noticiado com certa frequência nos meios de comunicação.

Apesar dos mecanismos de proteção à mulher que a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/06) e a Lei do Feminicídio (Lei n° 13.104/2015) criaram e em que pese a maior visibilidade para a questão da violência contra a mulher, quais são efetivamente as causas de aumento pra esse tipo de violência que cresce em ritmo acelerado nos dias de hoje?

Muitos são os fatores do aumento de violência contra mulheres, ocasionando a morte como principal consequência e, por meio de estatísticas e dados oficiais, é possível constatar que o assassinato de mulheres teve um aumento significativo nos últimos anos no Brasil. Mas, em contrapartida, a criação da Lei Maria da Penha e da Lei do Feminicídio concedeu visibilidade e provocou mudanças e melhorias para as mulheres que ainda sofrem constante violência, praticada principalmente por seus parceiros e ex-parceiros.

No Brasil foram criadas varas ou juizados com competência exclusiva para julgar os crimes de violência doméstica e familiar contra mulheres, os quais serão mencionados a seguir. Contudo, mesmo diante da criação de políticas públicas de enfrentamento, ainda há necessidade de que tais políticas de monitoramento, prevenção e reeducação sejam mais severas quando se fala em mulheres vítimas de violência.

Feitas essas primeiras colocações, esclarece-se que o presente capítulo tem por objetivo analisar o tema desde a discriminação histórica da mulher, a conquista de seus direitos, bem como sua contextualização no sistema brasileiro, em especial na Constituição de 1988. Também busca entender quais são as principais causas de violência letal contra a mulher, analisando as estatísticas no âmbito do Brasil, do Estado do Rio Grande do Sul, e no

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município de Ijuí/RS, a fim de possibilitar a posterior averiguação da (in)eficácia dos mecanismos legais protetivos, objeto deste estudo.

1.1 O direito à igualdade e a discriminação à mulher: aspectos históricos e legais

A mulher, durante toda a história da sociedade, ocupou uma posição de inferioridade e subordinação ao homem. Durante toda a Idade Média, o poder da Igreja Católica ditava que para ter uma “cidadania” era preciso direcionar-se às questões ligadas à religião e voltadas para uma vida conventual:

A vida consagrada à religião trouxe um espaço público à mulher, este que lhe era inteiramente defeso. A mulher ao abraçar o Sacerdócio passava a gozar de determinados privilégios da esfera masculina, como aprender a ler e a escrever e dar vazão à sua intelectualidade etc. (CAVALCANTI, 2007, p. 25).

Machado (2007, p. 87) explica ainda com precisão a continuidade marcada pela hegemonia masculina na sociedade durante este período:

[...] As manifestações culturais possuíam o registro das lutas pelo poder e dos preconceitos masculinos. A mulher encontrava-se ainda, em absoluta dependência do pai e do marido. Nessa trajetória a família, a Igreja e as normas jurídicas vigiavam e exaltavam a virgindade da mulher, que era guarnecida pelo pai e assim transmitida ao marido. A repressão, nesse sentido, era muito forte, tanto que a multa para quem deflorasse uma mulher era o dobro da multa aplicada àquele que matasse um guerreiro.

Durante a Revolução Francesa no século XIX, a qual foi marcada pelo nascimento do feminismo, o lar ainda era o lugar da mulher, por constituir um espaço reservado e privado, pois sua representação em ambientes públicos havia sido impedida de forma bastante cruel. As mulheres foram desprezadas naquela época, por não possuírem força física necessária, o que passou a constituir estereótipos sociais de sexo frágil.

Destarte, manifestações de rebeldia ocorreram na contramarcha da Revolução em 29 de outubro de 1904, em protesto contra o regime da mulher casada, que fora instituído no Direito Civil francês, quando as mulheres francesas decidiram queimar o Código Civil em praça pública (CAVALCANTI, 2007, p. 56).

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O Código Civil francês possuía a marca registrada de Napoleão Bonaparte, que decidiu impor suas próprias opiniões nos capítulos que mencionavam o casamento e o divórcio, como explica Cavalcanti (2007, p. 56):

Ele que dizia: “Será que não vão fazer prometer a obediência das mulheres?... Ela (mulher) tem que saber que ao sair da tutela da família, passa para a do marido. Obediência”. “Esta palavra aplica-se, sobretudo em Paris, onde as mulheres pensam ter o direito de fazer tudo o que querem...”.

O Código Civil Napoleônico representou, portanto, um retardamento da conquista da cidadania das mulheres, “disseminando estereótipos da mulher como ser inferior nascendo em oposição à ideia de igualdade e reciprocidade do ser humano, vista sob um ângulo de nova valoração chamada Justiça” (CAVALCANTI, 2007, p. 57).

O reconhecimento da cidadania feminina surgiu lentamente e neste sentido, Cavalcanti (2007, p. 30) traça com clareza o importante panorama que envolve o surgimento desses novos direitos, defendidos em movimentos de massa, durante os anos sessenta no século XX:

[...] Irrompem movimentos de grupos que levantam bandeiras como as que traduziam a emergência do pacifismo, do movimento ecológico, e do movimento de igualdade de direitos entre homens e mulheres, dentre outros. São chamados grupos de pressão, ou seja, pessoas agrupadas em face de uma pauta de reivindicações que têm uma linguagem de substancialidade, quanto ao direito à vida e à dignidade.

Percebe-se então, a importância das lutas femininas na reivindicação dos direitos de cidadania, de liberdade de expressão, pela igualdade de tratamento perante a lei, pela maior participação dos processos políticos com lideranças em comunidades, direito de votar e ser votada, bem como o direito a decidir sobre seu próprio corpo e a sua sexualidade.

O problema da violência contra a mulher também produziu movimentos e ações a nível mundial no que concerne à prevenção dos índices de violência, como a criação da Comissão de Status da Mulher pela Organização das Nações Unidas (ONU), na década de 50. Esta:

[...] formulou entre os anos de 1949 e 1962 uma série de tratados baseados em provisões da Carta das Nações Unidas — que afirma expressamente os direitos iguais entre homens e mulheres e na Declaração Universal dos Direitos Humanos — que declara que todos os direitos e liberdades humanos devem ser aplicados igualmente a homens e mulheres, sem distinção de qualquer natureza (PINAFI, 2007, p. 1).

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A partir de então, no Brasil, o movimento feminista se fortaleceu e promoveram manifestações que visavam à reivindicação de direitos a mulher, a superação da lógica de submissão ao homem e a igualdade de gênero, visando à emancipação feminina à medida que o país se industrializava e a mulher começava a ingressar no mercado de trabalho.

Conforme artigo publicado através do site Bolsa de Mulher, o feminismo tornou-se um movimento cada vez mais respeitado, a partir do qual as mulheres se uniram para reivindicar o direito ao voto, conseguido no ano de 1934 no Brasil. Em 1962 foram abolidos parte dos preceitos do Código Civil, com a aprovação do Estatuto da Mulher Casada, que a consideravam relativamente incapaz, comparada a menores de idade. Em 1967, elaborou-se a primeira Constituição após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, na qual se garantiu a igualdade legal, sem distinção de sexo.

1.2 O direito à igualdade na constituição brasileira de 1988

É fato que a violência contra as mulheres ocorre há séculos, mas que medidas relevantes para o enfrentamento desta situação tenham surgido somente muito recentemente. A falta de direitos da mulher desde tempos primitivos colocou-a em situação de vulnerabilidade perante a questão de gênero. Com a nova ordem constitucional brasileira, no entanto, a mulher obteve importantes avanços no que tange à igualdade de direitos e obrigações perante a lei em relação aos homens.

Na relação entre homens e mulheres ao longo dos séculos é possível perceber a gritante diferenciação entre os sexos, já que o homem sempre fez o papel de “mantedor do lar”, pois este era o responsável por sair de casa para prover o sustento da família, enquanto a mulher cuidava da casa ou servia como reprodutora.

Corroborando com tal ideia, Dias (2010, p. 1) nos relata que:

Para justificar a discriminação contra a mulher Aristóteles chegou a dizer que ela não tinha alma. Assim, como um objeto, não merecia sequer respeito. Era considerada uma mercadoria. Não só para compra, mas também para venda. Basta lembrar o regime dotal, ainda vigorante em alguns países, e que estava previsto na legislação brasileira até o ano de 2003, quando do advento do novo Código Civil. O dote nada mais é do que o pagamento feito pelo pai para alguém casar com sua filha.

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A violência contra as mulheres é uma das formas de violação dos seus direitos humanos e expressão mais radical da desigualdade de gênero, manifestando-se de diversas formas: física, sexual, psicológica e afetando a sociedade num todo na qual tais atos de violência ocorrem. O princípio constitucional da igualdade, expresso no art. 5º da Constituição Federal de 1988, assegura a todos, indistintamente, tratamento igual a homens e mulheres:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição (BRASIL, 2016).

Corroborando com tal pensamento, relata Moraes (2002, p. 65):

O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio Poder Executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situação idêntica. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social.

Ainda, corroborando com a Constituição Federal, a Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo II afirma que “toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo [...]”.

A mulher foi se inserindo na sociedade ao longo dos anos e alcançando a sua condição de cidadã a partir de 1932 ao adquirir o direito de votar e com a Constituição Federal de 1988, a mesma consagrou a igualdade entre os sexos (DIAS, 2010).

Contudo, a luta das mulheres pelos direitos iguais ainda é árdua, já que mesmo ingressando no mercado de trabalho e tendo amplo acesso à educação, elas ainda recebem menores salários e são discriminadas pela condição de ser mulher. Nota-se, então, a igualdade formal (legal) que não é acompanhada pela igualdade real.

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No ano de 2000, a ONU (Organização das Nações Unidas) reconheceu através do Relatório de Direitos Humanos, a importância da igualdade entre homens e mulheres quando concluiu que a discriminação histórica da mulher, acaba acarretando impactos negativos no crescimento social e econômico dos países e do mundo (BARRETO, 2010).

Dessa forma, a legislação é inteiramente responsável em regular as instituições, as relações e os processos sociais. É através dela que são assegurados os direitos individuais e coletivos perante o Estado, as instituições e os indivíduos. Todavia, essa legislação não é capaz de mudar o cenário de desigualdades e discriminações, mas é o marco inicial para políticas de enfrentamento e superação dessas desigualdades de gênero.

1.3 Violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil: aspectos históricos e dados estatísticos

Ainda que atitudes em prol do combate à violência contra a mulher, por meio da sociedade em geral ou através da criação de Leis específicas, sejam muito recentes, o histórico de violência contra a mulher, no dizer de Leite (2013, p. 2) é fruto de: “Uma construção sociocultural, ainda hoje é mantedora de um tratamento desigual no que concerne a relações de gênero, apesar de caracterizar uma sociedade onde as mulheres estavam inseridas apenas no espaço da reprodução, sociedade arcaica”.

Apesar dos grandes avanços consolidados na legislação, as mulheres ainda não têm seus direitos efetivamente reconhecidos, o que acabam passando por inúmeras dificuldades diante das práticas sucessivas de discriminação.

Contudo, mesmo após a promulgação da Lei Maria da Penha, a violência praticada contra as mulheres ainda persiste no Brasil, constituindo uma das principais preocupações com relação ao crescimento de violência letal contra mulheres nos últimos anos. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (2013, p. 11), o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking mundial dos países com mais crimes praticados contra as mulheres.

Conforme Waiselfisz (2012, p. 8), os números da violência contra as mulheres no Brasil refletem a existência de um problema de longa duração: a violência letal atingiu mais

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de cinquenta mil mulheres entre a década de 2000 a 2010, ano em que a taxa de mortes foi de 4,6 por 100 mil habitantes.

1.3.1 Violência letal contra mulheres no Brasil

As estatísticas sobre mortes de mulheres no Brasil são impactantes e, com elas, verifica-se que a atual situação do país é marcada por elevados índices de assassinatos de mulheres, herança de um passado que reflete nos dados atuais. Waiselfisz (2015, p. 73) descreve que “segundo os registros do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM/MS), entre 1980 e 2013, o País contabilizou 106.093 assassinatos de mulheres”.

Os dados estatísticos referentes ao ano de 2013 apresentados no Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil, com enfoque na distinção de gênero, expressam números alarmantes uma vez que naquele ano a violência letal contra mulheres vitimou 4.762 mulheres sendo que a cada sete feminicídios, quatro foram praticados por pessoas que tiveram ou tinham relações íntimas com a mulher. O perfil das vítimas é de mulheres negras, em sua maioria, e a prevalência de jovens com idade entre 18 e 30 anos.

a) Em 2013 morrem assassinadas, proporcionalmente ao tamanho das respectivas populações, 66,7% mais meninas e mulheres negras do que brancas.

b) Houve, nessa década, um aumento de 190,9% na vitimização de negras.

c) Alguns estados chegam a limites absurdos de vitimização de mulheres negras, como Amapá, Paraíba, Pernambuco e Distrito Federal, em que os índices passam de 300% (WAISELFISZ, 2015, p. 73).

Quando a violência passa a ser letal, analisando o perfil das vítimas de feminicídio é possível ver que elas são majoritariamente negras, pobres, jovens, de baixa escolaridade e vivem em áreas socialmente precárias. São estes fatores ligados às condições socioeconômicas dessas mulheres, que levam ao agravamento da violência até que ela seja morta (DEBELAK, 2015).

Na maioria dos casos de violência letal contra a mulher, conforme os dados do Mapa da Violência (2015, p. 73) “(...) 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex. (...) a casa é um local de alto risco de

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homicídio para as mulheres”. Ademais, há maior incidência de mortes causadas pelo uso da força física, objeto contundente, cortante/penetrante e menor uso de arma de fogo.

Ainda, considerando o crescimento da população feminina no período entre 2003 a 2013, e mesmo após a promulgação da Lei Maria da Penha, segundo o Mapa da Violência (2015, p. 13) verifica-se que enquanto a população feminina “passou de 89,8 para 99,8 milhões (crescimento de 11,1%), vemos que a taxa nacional de homicídio, que em 2003 era de 4,4 por 100 mil mulheres, passa para 4,8 em 2013, crescimento de 8,8% na década”.

Sobre a posição no ranking de países, segundo o Mapa da Violência (2015, p. 27):

[...] O Brasil, num grupo de 83 países com dados homogêneos, fornecidos pela Organização Mundial da Saúde, ocupa uma pouco recomendável 5ª posição, evidenciando que os índices locais excedem, em muito, os encontrados na maior parte dos países do mundo.

Ademais, as taxas de homicídio de mulheres no Brasil são excessivamente elevadas, se comparadas com a de países civilizados. O Mapa da Violência (2015, p. 27) menciona a existência, no Brasil, de “48 vezes mais homicídios femininos que o Reino Unido; 4 vezes mais homicídios femininos que Irlanda ou Dinamarca; 16 vezes mais homicídios femininos que Japão ou Escócia”.

O Mapa da Violência (2015, p. 72) ainda refere que existem estados com áreas mais violentas no tocante a homicídio de mulheres:

Unidades Federativas com taxas bem acima da média nacional, como Roraima, que mais que a triplica (15,3 por 100 mil) ou Espírito Santo, que a duplica (9,3 por 100 mil).

Capitais com taxas inaceitáveis, como Vitória, Maceió, João Pessoa ou Fortaleza, com índices acima de 10 homicídios por 100 mil mulheres.

Quando descemos ao nível dos municípios, emergem áreas onde impera o infanticídio em níveis absurdos, como em Barcelos – AM. Com índices não menos absurdos, o homicídio feminino em Alexânia – GO, ou Sooretama – ES, atinge índices acima de 20 por 100 mil mulheres.

Segundo os dados apresentados por Waiselfilsz (2015, p. 13), no primeiro ano de período de vigência da Lei Maria da Penha as taxas reduziram, mas logo após sofreram um aumento significativo até o ano de 2013, o que significa que as políticas de monitoramento

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desse tipo de violência devam ser mais eficazes e severas, contribuindo para mudanças no sentido de que não ocorra violação de direitos das mulheres.

Segundo o Mapa da Violência (2015), em relação aos feminicídios ocorridos no Brasil, foi realizada uma estimativa através da coleta de dados do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN), os quais registram compulsoriamente casos de agressão contra mulheres de quaisquer idades, atendidas pelo SUS, pelo fato de não haver informações e estatísticas necessárias. Dessa forma, foi estabelecida a proporção de mulheres agredidas por um familiar próximo e “projetada tal proporção sobre o total de homicídios femininos ocorridos no ano de 2013”. Dessa forma, destaca Waiselfilsz, por meio do Mapa da Violência (2015, p. 73): “[...] Por esse procedimento, teríamos que, do total de 4.762 vítimas femininas registrado em 2013 pelo SIM, 2.394, isso é, 50,3% do total de homicídios de mulheres, nesse ano, foram perpetrados por um familiar direto da vítima (7 por dia)”.

Complementando, se for analisada a idade das vítimas, quatro em cada dez mulheres vítimas de feminicídio, com 18 anos de idade ou mais, foram vitimadas pelos parceiros ou ex-parceiros. Desta forma, constata-se que a partir do estudo efetuado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2013, p. 1) acerca de assassinato de mulheres por agressões, averiguou-se que “não houve redução das taxas anuais de mortalidade, comparando-se os períodos antes e depois da vigência da Lei”. É como se a Lei Maria da Penha não “existisse” em nenhum momento, e não fosse eficaz no cumprimento e no combate à violência praticada contra mulheres, sendo necessários reforços de ações previstas na Lei n° 11.340/2006, visando à efetiva proteção das vítimas e a consequente redução das desigualdades no Brasil.

Os números da violência contra as mulheres no Brasil são expressivos, principalmente na análise da violência letal. No tocante às taxas e aos índices de homicídio de mulheres nos últimos trinta e três anos ocorridos no país, verificou-se através da tabela1 a seguir transcrita, retirada do Mapa da Violência (2015, p. 11), que, do ano de 1980 até 1996, contabilizou-se 106.093 assassinatos de mulheres:

1Tabela 1. Número e taxas (por 100 mil) de homicídio de mulheres. Brasil 1980/2013.

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Ano Taxas Ano Taxas 1980 1.353 2,3 2001 3.851 4,4 1981 1.487 2,4 2002 3.867 4,4 1982 1.497 2,4 2003 3.937 4,4 1983 1.700 2,7 2004 3.830 4,2 1984 1.736 2,7 2005 3.884 4,2 1985 1.766 2,7 2006 4.022 4,2 1986 1.799 2,7 2007 3.772 3,9 1987 1.935 2,8 2008 4.023 4,2 1988 2.025 2,9 2009 4.260 4,4 1989 2.344 3,3 2010 4.465 4,6 1990 2.585 3,5 2011 4.512 4,6 1991 2.727 3,7 2012 4.719 4,8 1992 2.399 3,2 2013 4.762 4,8 1993 2.622 3,4 1980/2013 106.093 1994 2.838 3,6 Δ% 1980/2006 197,3 87,7 1995 3.325 4,2 Δ% 2006/2013 18,4 12,5 1996 3.682 4,6 Δ% 1980/2013 252,0 111,1 1997 3.587 4,4 Δ% aa. 1980/2006 7,6 2,5 1998 3.503 4,3 Δ% aa. 2006/2013 2,6 1,7 1999 3.536 4,3 Δ% aa. 1980/2013 7,6 2,3 2000 3.743 4,3

Entre 1997 a 2006, percebe-se a diminuição das mortes de mulheres, mas, em contrapartida, após o primeiro ano de vigência da Lei Maria da Penha (2007 até 2013), os resultados apontados pelo Mapa demonstram que, conforme aumentava a população feminina, consequentemente as taxas de homicídio de mulheres brasileiras também seguia o mesmo caminho:

O decréscimo nas taxas de homicídio no ano de aplicação da Lei Maria da Penha e o subsequente aumento dessas mesmas taxas nos anos seguintes indica que as políticas atuais necessitam de constante avaliação para a efetiva redução do quadro de violação dos direitos das mulheres (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2012, p. 18).

Com a Lei Maria da Penha, a qual promove o combate a todas as formas de violência praticada contra a mulher, seria imaginável que ocorresse um significativo decréscimo em tais

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números de violência letal, entretanto, os índices ainda causam repulsa diante da ocorrência destes crimes.

1.3.2 Violência letal contra mulheres no Estado do Rio Grande do Sul

O Rio Grande do Sul é apontado como um dos estados com maiores índices de violência praticada contra as mulheres, em especial feminicídios. Contudo, de uns anos para cá foi constatado que ocorreu decréscimo de tais números, que serão referidos a seguir.

Foi apresentada pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, a primeira edição do Relatório Lilás, idealizada pela Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres, no qual foram reunidas em única obra de dados e reflexões, que condizem a respeito da violência de gênero perpetrada em nosso Estado.

O objetivo do Relatório Lilás foi contribuir com a construção de uma sociedade baseada em relações de igualdade e respeito, juntamente com a ideia de não se admitir nenhuma forma de violência praticada contra mulheres e meninas. A cor escolhida foi adotada pelas feministas e usadas em muitos movimentos de mulheres. O “lilás” representa a ideia de igualdade, a partir da combinação de duas cores primárias que devem ser misturadas na mesma proporção: azul e vermelho (RELATÓRIO LILÁS, 2013).

Por meio do Relatório Lilás a Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul divulgou uma pesquisa no ano de 2011, para analisar dados acerca dos crimes rotulados à Lei Maria da Penha e verificar os principais problemas evidenciados das mulheres vítimas de violência. No Estado do Rio Grande do Sul, durante o ano de 2012, segundo Anflor (2013, p. 81):

De acordo com estatísticas criminais do Departamento de Gestão e Estratégia da Secretaria de Segurança Pública, foram mortas 91 mulheres no Estado do Rio Grande do Sul. Todas elas assassinadas pelos seus maridos, companheiros, ex-companheiros, namorados, filhos, pais ou padrastos.

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Constata-se, por conseguinte, que dessas 91 mulheres “17 tinham idades entre 20 a 24 anos, e 16 destas, idades entre 25 a 29 anos” (ANFLOR, 2103, p. 82). Ademais, conforme registrado no Relatório Lilás (2013, p. 22):

O estudo identificou que 50,4% dos feminicídios têm como autor o atual marido ou companheiro; 25,5% são cometidos por ex-companheiros ou ex-maridos, e que, em 83,48% dos casos, o assassinato ocorre na residência da própria vítima. O estudo apontou que em 41,7% desses casos, já havia registros de outros delitos que antecederam o homicídio, do que se conclui ser esse um crime anunciado. Detectou- se, também, que, a cada 10 mulheres assassinadas, 6 possuíam filhos.

Por meio da análise dos indicadores oficiais do site da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul, o qual apresenta os dados referentes aos procedimentos instaurados atinentes à violência contra as mulheres, destaca a CPMI-VCM (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência Contra Mulher, 2013, p. 663):

Os inquéritos instaurados cujas vítimas foram mulheres [...] diminuíram de 61.810 casos, no 2º semestre de 2010, para 57.664 no mesmo período do ano de 2011 (variação de 6,71%). Também informa ter havido uma “diminuição na quantidade de inquéritos remetidos cujas vítimas foram mulheres: no segundo semestre de 2010, computaram-se 52.796 casos contra 52.793 no 2º semestre de 2011.289”.

Mais, conforme acesso ao site da SSP/RS (Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul), verifica-se que ocorreu uma diminuição também dos feminicídios ocorridos no estado, observando o período analisado em 2012 a 2015. Conforme mostram os indicadores de violência doméstica praticada no Estado, no ano de 2012 houve 101 feminicídios em todo o Rio Grande do Sul; em 2013 foram 92 feminicídios consumados em 2014, continuou decaindo tais números para 75 e em 2015 diminuíram ainda mais, pois foram 64 feminicídios consumados no Rio Grande do Sul.

No ano de 2012, foi publicado o Decreto n° 48.909, de 09 de março, o qual alterou a denominação das Delegacias de Polícia para a Mulher do Estado do Rio Grande do Sul, para Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher, conforme dispõe o seguinte:

Art. 1º Fica alterada a denominação das Delegacias de Polícia para a Mulher no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, criadas por Decreto ou Portaria, para Delegacias de Polícia Especializadas no Atendimento à Mulher – DEAM.

Art. 2º As Delegacias de Polícia Especializadas no Atendimento à Mulher – DEAM, alteradas por este Decreto, classificam-se como de 3ª categoria.

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Salienta-se que as Delegacias Especializadas são unidades da Polícia Civil, as quais realizam ações de proteção, prevenção e investigação de crimes ocorridos contra a mulher, de cunho sexual, doméstico entre outros. Destaca Pinafi (2007, p. 5):

Desta forma, a criação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) vem efetivar o compromisso assumido perante os sistemas internacionais. Tal iniciativa contribuiu para dar maior visibilidade à problemática da violência contra a mulher, especialmente a doméstica; favorecendo a discussão da natureza criminosa da violência perpetrada sob questões de gênero, além de criar uma via de enfrentamento e erradicação da violência contra a mulher no Brasil.

Conforme elencado pela CPMI (2013, p. 650), o Estado do Rio Grande do Sul conta com 16 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), que estão localizadas nas cidades de Bento Gonçalves (ainda não inaugurada por falta liberação de um prédio para sediá-la), Canoas, Caxias do Sul, Cruz Alta, Erechim, Gravataí, Ijuí, Lajeado, Novo Hamburgo, Passo Fundo, Pelotas, Porto Alegre, Rio Grande, Santa Cruz do Sul, Santa Maria e Santa Rosa.

Para que continue diminuindo os casos de feminicídios no Rio Grande do Sul é dever do Estado e da própria sociedade trabalhar em conjunto com as políticas de educação, Assistência Social, à saúde e na Segurança Pública, já que existem, mesmo que em número reduzido e somente em grandes cidades, as Delegacias Especializadas no Atendimento às mulheres vítimas de violência. Desse modo, é preciso a implementação de serviços mais rígidos que a Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio propõe.

1.3.3 Violência letal contra mulheres em Ijuí/RS

Conforme já mencionado anteriormente, a Lei n° 11.340/06 concedeu visibilidade e provocou mudanças e melhorias no Brasil através da instalação de varas ou juizados de competência exclusiva para ações referentes aos crimes relativos à violência doméstica e familiar contra as mulheres.

Como exemplo, no município de Ijuí/RS foi instalada a Delegacia de Polícia para a Mulher em 11 de abril de 2005, pelo então Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, em benefício às mulheres vítimas de diversos tipos de violência.

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Mesmo diante da instalação da Delegacia de Polícia Para a Mulher em Ijuí, no ano de 2005, os crimes de assassinatos de mulheres não eram de competência exclusiva desta Delegacia, portanto, tais delitos ficavam atribuídos para a Primeira Delegacia de Polícia Civil da região, desta forma, inexistindo números e dados estatísticos referentes a homicídio de mulheres no período de 2005 a 2012.

Os Indicadores da Violência Contra a Mulher retirados do site da Secretaria da Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul (SSP-RS) expõe os dados oficiais no que tange ao registro de ocorrências de violência contra mulheres e meninas, nos anos de 2012 a 2015, de todos os municípios gaúchos, extraídos em 05/10/2015.

Dentre eles, no município de Ijuí/RS, segundo o site:

a) Foram registradas 455 ocorrências de ameaça no ano de 2012; 413 no ano de 2013; 419 no ano de 2014 e 279 no ano de 2015, totalizando 1.566 ocorrências. b) Foram registradas 14 ocorrências de estupro no ano de 2012; 6 no ano de 2013; 8 no ano de 2014 e 1 no ano de 2015, totalizando 29 ocorrências.

c) Entre os anos de 2013 a 2015 foram registradas 3 ocorrências de feminicídio, colocando o município na 20ª posição das cidades do Estado do Rio Grande do Sul, representando 1,20% de vítimas considerando uma população de mulheres de 40.803 no município.

Considerando os três registros de ocorrências de feminicídio entre os anos de 2013 a 2015, foi realizada uma análise junto à Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Ijuí, onde foi constatado o primeiro caso de feminicídio ocorrido no dia 15 dezembro de 2013, em que o acusado era companheiro da vítima. A Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher instaurou Inquérito Policial, a partir da ocorrência registrada como “homicídio doloso” no âmbito de violência doméstica, a partir do qual foram realizadas as devidas diligências, vez que o delito era de competência da DEAM.

Constata-se que o acusado disparou duas vezes contra a vítima com revólver calibre 38, que atingiram o tórax (anterior esquerdo), provocando a sua morte. O acusado confessou a autoria, afirmando ter cometido tal delito em virtude dos desentendimentos/separação com a ex-mulher. Ressalta-se ainda, que a vítima já havia registrado no ano de 2011, boletim de ocorrência de violência doméstica em face do acusado. Dessa forma, o mesmo foi indiciado como incurso nas sanções do Artigo 121, § 2°, inciso IV do Código Penal, c/c Artigo 5°, inciso III da Lei n° 11.340/2006 (Homicídio qualificado no âmbito doméstico, mediante

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recurso que dificulte ou torne impossível à defesa da ofendida) e Artigo 12 da Lei n°

10.826/2003 (Posse Irregular de Arma de Fogo de uso permitido).

Destarte de se atentar ainda, que acusado possuía na data dos fatos, 27 anos de idade, brasileiro, não possuindo antecedentes criminais. Todavia, a vítima contava com 19 anos de idade na época, brasileira e de cor branca.

Ademais, passados dez dias do fato ocorrido, no dia 25 de dezembro do mesmo ano, foi constatado outro caso de feminicídio ocorrido em Ijuí, em que o acusado também era ex-companheiro da vítima. Interrogado, o acusado confessou a autoria do crime, afirmando que matou sua ex-mulher efetuando dois disparos de arma de fogo logo após ter flagrado a vítima conversando com outro homem, no portão do Cemitério do Bairro Quinze de Novembro na cidade de Ijuí. Dessa forma, o acusado foi indiciado nas sanções penais dos artigos 121, caput do Código Penal Brasileiro c/c a Lei Federal n° 11.340/2006 (Homicídio/Violência Doméstica) e artigo 121 caput c/c artigo 14, inciso II do Código Penal Brasileiro (Homicídio Tentado).

Cumpre referir ainda, que a vítima já havia registrado seis ocorrências de violência doméstica contra o acusado, estando em vigor medidas protetivas de afastamento do mesmo, sendo que o acusado já possuía antecedentes criminais. Na época dos fatos, contava com 49 anos de idade e a vítima com 46 anos.

Por fim, o relato do último feminicídio ocorrido na data de 23 de dezembro de 2014, situação em que o acusado, ex-marido da vítima, cometeu suicídio após ter assassinado sua ex-mulher efetuando dois disparos de arma de fogo. O crime foi motivado pelo fato da vítima pretender separar-se do acusado. Diante dos fatos, bem como restado à autoria do delito de Homicídio Doloso, previsto nas sanções do Artigo 121, parágrafo 2°, inciso IV do Código Penal Brasileiro, e Artigo 107, inciso I do Código Penal Brasileiro, seguido de suicídio. Destarte que o acusado possuía 62 anos na época dos fatos e a vítima 58 anos de idade.

Perante os dados de feminicídio no município de Ijuí, bem como relatos de tais delitos investigados na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, é possível perceber que, dentre os três crimes tipificados como “Homicídio no âmbito de Violência Doméstica”, as principais causas e o consequente assassinato das vítimas ocorreram por disparos de arma de

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fogo. Percebe-se então a intenção que os autores tinham de matar suas vítimas, tomadas pelo ciúme e o sentimento de “posse” das mesmas. Nos dois primeiros casos relatados, as vítimas já haviam procurado meios para denunciar seus agressores, efetuando tais registros de ocorrência, inclusive estando com medidas de afastamento de seus agressores, mas mesmo assim foram assassinadas.

É possível ressaltar que no município de Ijuí, das ocorrências registradas, dentre elas, ameaça, estupro e feminicídio diminuíram nos anos de 2012 a 2015. Desse modo, pode-se dizer que foi possível alcançar boas políticas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, na região, sendo efetuados trabalhos em conjunto de instituições públicas, entidades governamentais no sentido de ajudar no combate à discriminação de gênero e a consequente violência.

Os serviços especializados implementados na área da segurança pública são importantes, por exemplo, as DEAMs foram criadas a fim de fornecer atendimento especializado às mulheres vítimas de violência e também o projeto Patrulha Maria da Penha, formado por policiais militares capacitados para atuarem no cumprimento da proteção à mulher e criado com a finalidade de evitar o assassinato de mulheres que fizeram ocorrência contra o companheiro, bem como forma de incentivar a denunciar a violência sofrida. (RELATÓRIO LILÁS, 2013, p. 88).

Em suma, tanto no estado do Rio Grande do Sul, quanto no município de Ijuí/RS, verifica-se a diminuição dos feminicídios ocorridos, embora no Brasil tais índices ainda sejam muito elevados, o que faz pensar e analisar a eficácia dos mecanismos protetivos em benefício às mulheres vítimas de violência, em especial Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio, assunto a ser tratado no próximo capítulo.

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2 A VIOLÊNCIA LETAL CONTRA A MULHER E A (IN)EFETIVIDADE DOS MECANISMOS PROTETIVOS

Como se viu no primeiro capítulo, a discriminação contra as mulheres representa um fator de desigualdade entre os gêneros e foi historicamente construída, estando ainda presente na maioria das sociedades e culturas no mundo todo e atingindo diversas classes sociais, produzindo como produto diversas formas de violência.

Este cenário exige uma reflexão aprofundada e também uma séria discussão das políticas públicas de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, em especial a partir da Lei Federal nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, e a Lei do Feminicídio, a qual impõe punição mais grave para os que cometerem crime contra a vida de mulheres em situação de violência doméstica ou por razões de discriminação de sexo.

Neste sentido, o presente capítulo pretende analisar os mecanismos protetivos e as políticas de monitoramento se realmente têm se mostrado eficazes no combate a esta forma de violência letal, já que incumbe ao Estado à responsabilidade e o dever de assegurar às mulheres os seus direitos e garantindo-lhes mais igualdade, como forma de promover sua segurança e o bem estar social em geral.

2.1 A proteção à mulher contra a violência doméstica na legislação brasileira: antecedentes e evolução legislativa

Até o advento da Lei Maria da Penha, a maioria dos crimes que ocorriam no ambiente doméstico e familiar eram de competência dos Juizados Especiais Criminais, conforme dispõe a Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 98, inciso primeiro:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau [...] (BRASIL, 2016).

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Através da Lei n° 9.099 de 1995, os crimes de lesões corporais leves e ameaça ocorridos em âmbito doméstico e familiar eram tratados como menor potencial ofensivo e as sanções impostas aos agressores eram pagamentos de cestas básicas, multas e/ou prestação de serviços à comunidade.

Sobre a definição de menor potencial ofensivo, Paulo (2009, s/p) afirma:

Assim, o Legislador de 1995 definiu que “menor potencial ofensivo” seria a infração para a qual a Lei Penal prevê uma aplicação de “pena” privativa de liberdade (prisão simples ou detenção) e/ou multa, sendo consideradas, para tanto, todas as contravenções penais e dezenas de crimes previstos no Código Penal e Leis extravagantes.

A Lei n° 9.099/95 foi considerada revolucionária no Sistema Processual Penal Brasileiro, conforme o entendimento de Dias (2007, p. 21):

A criação de medidas despenalizadoras, a adoção de um rito sumaríssimo, a possibilidade de aplicação da pena mesmo antes do oferecimento da acusação e sem discussão da culpabilidade, agilizaram o julgamento dos crimes considerados de pequeno potencial ofensivo. Com isso a justiça desafogou-se, ganhou celeridade e diminuiu a ocorrência de prescrição, emprestando maior credibilidade ao Poder Judiciário.

Ora, o processo era considerado simples e informal e, desta forma, era garantia de rapidez para o judiciário “pelo fato de conferir ao processo simplicidade, informalidade, celeridade e oralidade” conforme Elisa Rezende Oliveira e Lais Lopes Cruvinel (2012, p. 2), embora não priorizasse a condenação do infrator, mas sim a tentativa de reparação dos danos que eram causados à vítima.

Neste cenário a maior parte das agressões sofridas pelas mulheres e que ocorriam no ambiente privado não eram vistas e, portanto, não eram levadas adiante no sentido de condenar o agressor. A condição de tratamento da mulher ao longo dos anos era desigual, já que, segundo Dias (2007, p. 21), “a violência doméstica não mereceu a devida atenção, nem da sociedade, nem do legislador e muito menos do judiciário”.

Embora conferisse maior agilidade ao tratamento de determinadas questões a Lei n° 9.099/95 possuía muitas intempéries, uma vez que previa penas pecuniárias tais como multas e cestas básicas como forma condenatória e, ainda, em se tratando de crimes de lesão

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corporal, tornada materialidade do crime, exigia a representação da vítima. Ainda, a Lei não previa o afastamento do agressor do lar e do convívio com a vítima e seus familiares (DIAS, 2007).

Não havia as necessárias políticas públicas e mecanismos protetivos no atendimento às vítimas quando estas procuravam a Justiça na busca do fim da violência doméstica. Inexistiam profissionais capacitados tais como psicólogos e assistentes sociais para atuarem na reorganização da vida daquela mulher vítima.

Percebe-se então, que a Lei dos Juizados Especiais não era tão eficaz para cessar com a incidência dos delitos domésticos. Desta forma, surge então a Lei n° 10.455 de 13 de maio de 2002, a qual modifica o parágrafo único do artigo 69 da Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, dispondo o seguinte:

Art. 69

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima (NR).

De certo modo nota-se um avanço na Lei n° 9.099/95 que contribuiu na tentativa de buscar e garantir maior segurança para a vítima, quando esta possibilita o afastamento do agressor do lar em situações de violência doméstica.

Ademais, houve outra alteração na legislação penal, a Lei n° 10. 886 de 17 de junho de 2004, a qual acrescentou parágrafos ao artigo 129 do Código Penal, criando a figura especial denominado “Violência Doméstica”, assim dispondo:

§9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.

[...]

§11º. Na hipótese do §9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência (NR).

A mudança proposta pelo legislador mostrou-se inadequada, pois apenas alterou a pena mínima cominada aos casos de violência doméstica, o que não alterou em nada o

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tratamento dado a tais casos, uma vez que permaneceram sujeitos às regras do Juizado Especial Criminal. Além disso, o número de casos de violência doméstica persistiu. Conforme Dias (2007, p. 23):

A questão continuava a tramitar no Juizado Especial Criminal e sob a incidência dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, as alterações legislativas foram praticamente inócuas, pois como crime de menor potencial ofensivo, ficava dispensado o flagrante se o autor comprometesse a comparecer no Juizado Especial Criminal.

Deve-se destacar, entretanto, que o surgimento da Delegacia da Mulher foi marco importante na proteção para as mulheres. A primeira foi implantada no ano de 1985 na cidade de São Paulo. Este lugar proporcionou “atendimento especializado, feito quase sempre por mulheres, estimulava as vítimas a denunciar os maus tratos sofridos, muitas vezes, ao longo de anos. Do outro lado, o ato de os agressores serem chamados perante a autoridade policial cumpria importante função intimidatória” (DIAS, 2007, p. 22).

2.2 Os mecanismos protetivos presentes na Lei Maria da Penha

No dia 07 de agosto de 2006 foi sancionada a Lei Federal n° 11.340 conhecida como Lei Maria da Penha, a qual menciona seu objetivo:

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8° do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2006).

Assim, a Lei n° 11.340/2006 surgiu para prevenir, punir e erradicar a violência praticada contra a mulher, trazendo medidas de prevenção, proteção às vítimas e responsabilização dos agressores e, ainda, prevendo criação de órgãos especializados no atendimento a estes casos. Passou a ser chamada de Lei Maria da Penha em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, a qual sofreu sucessivas agressões por parte do seu então marido, dentre elas duas tentativas de homicídio. Atualmente, Maria da Penha atua no combate a violência praticada com outras mulheres.

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Um dos efeitos importantes da Lei Maria da Penha, foi o de melhorar o acesso à justiça para mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, desde o acolhimento emergencial à vítima, o isolamento ao agressor, bem como a punição de uma pena maior ao ofensor. Dessa forma, inclusive, criaram-se mecanismos protetivos no sentido de promover maior assistência às mulheres vítimas, dentre as quais se destacam: violência psicológica, violência física, violência sexual, violência patrimonial, violência moral.

2.2.1 Conceito de violência doméstica

A violência não é somente aquela que deixa marcas pelo corpo, na forma de agressão física. Ela está presente no convívio diário e dentre os diversos tipos de violência, a doméstica, segundo Cavalcanti (2007, p. 48) pode ser definida como sendo:

A que acontece dentro da família, nas relações entre membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural, como pai, mãe e filhos, ou parentesco civil, como marido, sogra, padrasto, dentre outros e o parentesco por afinidade como é o que ocorre entre primos, tio ou marido.

No âmbito da Lei Maria da Penha, podemos citar o artigo 5° o qual conceitua violência doméstica baseada no gênero:

Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

O parágrafo único do artigo supra, também expressa situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, nas uniões homoafetivas, ou seja, independe da opção sexual da mulher, como refere em seu artigo 2° da referida Lei: “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual (...) goza, dos direitos fundamentais inerentes a pessoa humana”. Assim, a união de pessoas do mesmo sexo são consideradas entidades familiares.

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Complementando com o artigo acima, no entendimento do Superior Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Ementa: APELAÇÃO CRIME. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL. ART. 129, § 9º DO CÓDIGO PENAL. AMEAÇA. ART. 147 DO CÓDIGO PENAL. AGRESSORA COMPANHEIRA DA VÍTIMA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. Importante frisar que embora trate-se de agressora do sexo feminino (contra vítima do sexo feminino), fica constatado que o crime foi cometido prevalecendo-se a ré das relações domésticas, ou seja, os crimes foram praticados baseados no gênero, o que comporta, nos termos do art. 5º, caput e parágrafo único da Lei nº 11.340/2006, a aplicação da Lei Maria da Penha. PALAVRA DA VÍTIMA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. Nos crimes praticados em ambiente doméstico, onde há apenas a convivência familiar, dificilmente existe alguma testemunha ocular, afora as partes diretamente envolvidas no ocorrido. Assim, em se tratando de fatos relativos à Lei Maria da Penha, a palavra da ofendida - até por ser a principal interessada na responsabilização do seu ofensor - assume especial relevância probatória, sendo suficiente, se coerente, para ensejar condenação, a menos que haja algum indicativo de que possui interesses escusos em eventual condenação da parte acusada. Não me parece razoável pensar que prévia briga de casal, seja pelo motivo que for, justifique conduta agressiva e desproporcional por parte da ré. AECD comprova as lesões consolidadas. Condenação mantida. AMEAÇA. CRIME FORMAL. Tratando-se de crime formal, é desnecessária para sua consumação a intenção do agente de causar mal à vítima, bastando que a ameaça seja capaz de acarretar temor à parte ofendida, circunstância que, no caso concreto, ocorreu. REDIMENSIONAMENTO DA PENA DE AMEAÇA. Redução do patamar de aumento da agravante do art. 61, II, f, do Código Penal. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. UNÂNIME. (RIO GRANDE DO SUL, 2016).

É possível também destacar o artigo 7° da referida Lei, o qual elenca os diversos tipos de violência doméstica, dentre as quais: física, psicológica, sexual, patrimonial, moral, em seus incisos:

São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de

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trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Nos casos em que o agressor tem relação afetiva com sua companheira, este possui sentimento de “posse” diante dela. Por muitas vezes não aceita um não e acaba agredindo-a não somente fisicamente, mas com palavras ofensivas. Assim, Giordani (apud ANDRADE et al., 2007, p. 592) afirma que:

A violência doméstica caracteriza-se por agressividade e coação, que correspondem a ataques físicos, sexuais e psicológicos, bem como à coação econômica que adultos ou adolescentes usam contra seus companheiros íntimos, praticados, sobretudo por maridos, companheiros, pais e padrastos, sendo considerada até poucos anos atrás um tabu. Não se falava nada a respeito e, sobretudo, nada se fazia para impedi-la.

Nesse sentido, enquadra-se a violência sexual, moral, física, psicológica e patrimonial como tipos de violência doméstica e atualmente existem diversos programas de combate, através da ação de ONGs, ações governamentais e a própria mídia, que atua no sentido de ampliar a visibilidade da sociedade em geral para este problema. O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) do ano de 2015, “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira” foi capaz de promover uma discussão acerca do problema, que é tão atual e persistente (INEP, 2015).

2.2.2 Objetivos da lei

Com o advento da Lei Maria da Penha, o acesso à justiça concedeu melhorias e maior visibilidade às mulheres vítimas de violência doméstica, vez que no Brasil foram implementados os Juizados Especializados os quais possuem competência exclusiva para julgar os delitos referentes a este tipo de violência.

Sua principal função de garantir a integridade física psicológica, moral e sexual das mulheres vítimas de quaisquer tipos de violência sofridas no âmbito doméstico e familiar.

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Desta forma, a Lei Maria da Penha, em seu artigo 14, indica que cabe aos Tribunais de Justiça dos Estados juntamente com o Distrito Federal, a criação dos Juizados Especializados em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (OLIVEIRA; CRUVINEL, 2012).

A Lei traz medidas de prevenção, proteção e responsabilização e estrutura-se num tripé, prevendo políticas para:

a) a prevenção da violência, mediante promoção de políticas públicas que visem superar a desigualdade entre os gêneros, conforme menciona no artigo 8º:

A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não governamentais, tendo por diretrizes:

I – a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II – a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

III – o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º, no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

IV – a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V – a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI – a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII – a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII – a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX – o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

b) o atendimento às vítimas através da concessão das medidas protetivas (assunto que será explanado no próximo tópico);

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c) a adequada responsabilização do agressor, com sua penalização e, inclusive, inclusão em programas de tratamento.

Para garantir o bem-estar das mulheres vítimas e consequentemente de seus familiares, inclusive os filhos que por muitas vezes presenciam e até mesmo sofrem juntamente tais violências, a Lei Maria da Penha prevê, em alguns casos, a prisão em flagrante ou preventiva do agressor, conforme artigo 20 que assim dispõe: “Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá à prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial”.

A Lei Maria da Penha também garante igualdade e direitos a todas as mulheres vítimas de violência doméstica, independente de sua raça, idade, opção sexual, devendo ser respeitados os princípios da democracia e dignidade da pessoa humana, de tal maneira que não haja violação dos direitos das mulheres.

Ademais, cabe à União, Estados, Distrito Federal e os Municípios a previsão das políticas públicas de enfrentamento, tais como assistência a essas mulheres – por meio de órgãos públicos como Defensoria Pública, Ministério Público – medidas de prevenção, assistência social, programas educacionais, entre outros, conforme menciona o artigo 8° da Lei n° 11.340/06, em seu caput e incisos (I ao IX).

2.2.3 Medidas protetivas

Para coibir a violência doméstica e a proteção às vítimas, existe a garantia fornecida às mulheres através de medidas protetivas, conforme menciona o artigo 22 da Lei nº 11.340/2006:

Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

Referências

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